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Atuação do enfermeiro na alta hospitalar: reflexões a partir dos relatos de pacientes

Resumos

OBJETIVO: O estudo teve como objetivo conhecer o processo de preparo do paciente para a alta hospitalar e a atuação do enfermeiro de um hospital de grande porte do interior do Estado de São Paulo. MÉTODOS: Estudo descritivo, no qual foi realizada uma entrevista semi-estruturada com 43 clientes, que se encontravam com alta hospitalar. RESULTADOS: Segundo os relatos dos clientes, 83,72% receberam orientações para a alta hospitalar, 48,84% receberam orientações do médico e 72,08% não relataram a participação do enfermeiro no processo de orientação para a alta. Observou-se que as orientações são realizadas individualmente, segundo a visão de cada profissional. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os resultados deste estudo levam a uma reflexão sobre o ensino desenvolvido na formação do enfermeiro sobre o preparo do paciente para a alta, e assim, a necessidade de sistematizar este trabalho da equipe de saúde, o que implica em mudanças de atitudes destes profissionais.

Alta do paciente; Cuidados de enfermagem; Enfermagem; Determinação de necessidades de cuidados de saúde; Planejamento de assistência ao paciente


OBJECTIVE: To know the hospital discharge process in place and the nurses' performance in preparing patients for discharge. METHODS: A descriptive study using semi-structured interviews was used to collect data from 43 patients of medical-surgical units of a major teaching hospital in the state of São Paulo, Brazil. RESULTS: The majority of patients (83.72%) received tailored discharge instructions. However, a great number of patients (72.08%) reported discharge instructions were not given by nurses. Almost a half of patients (48.84%) reported that discharge instructions were given by their physicians. CONCLUSION: The findings of this study provide insights to improve the educational process of new nurses and their preparation to provide effective discharge instructions. There is also a need to design and implement a hospital discharge process that promotes the participation of interdisciplinary health care providers who are involved in patient clinical care. This discharge process might be an effective way to change health care providers' attitude toward discharge instructions.

Patient discharge; Nursing care; Nursing; Health need assessment; Patient care planning


OBJETIVO: En este estudio se tuvo como objetivo conocer el proceso de preparación del paciente para el alta hospitalaria y la actuación del enfermero de un hospital de gran porte del interior del Estado de Sao Paulo. MÉTODOS: Estudio descriptivo, en el que se llevó a cabo una entrevista semi-estructurada con 43 clientes, que se encontraban de alta hospitalaria. RESULTADOS: Según los relatos de los clientes, el 83,72% recibieron orientaciones para el alta hospitalaria, el 48,84% recibieron orientaciones del médico y el 72,08% no relataron la participación del enfermero en el proceso de orientación para el alta. Se observó que las orientaciones son realizadas, individualmente según la visión de cada profesional. CONSIDERACIONES FINALES: Los resultados de este estudio llevan a reflexionar sobre la enseñanza desarrollada en la formación del enfermero sobre la preparación del paciente para el alta, y así, la necesidad de sistematizar este trabajo del equipo de salud, lo que implica en cambios de actitudes de esos profesionales.

Alta del paciente; Cuidados de enfermería; Enfermería; Determinación de necesidades de cuidados de salud; Planificación de la asistencia al paciente


ARTIGO ORIGINAL

Atuação do enfermeiro na alta hospitalar: reflexões a partir dos relatos de pacientes* Autor Correspondente: Maria Helena Pinto R. Abdo Muanis, 1101 - Apto 62 - Bl. 2 - Chácara Municipal São José do Rio Preto - SP - CEP. 15090-140 E-mail: mariahelena@famerp.br

La actuación del enfermero en el alta hospitalario: reflexiones a partir de relatos de pacientes

Daniele Alcalá PompeoI; Maria Helena PintoII; Claudia Bernardi CesarinoIII; Renilda Rosa Dias Ferreira de AraújoIII; Nadia Antonia Aparecida PolettiIII

IPós-graduanda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental da Universidade de São Paulo (USP)- São Paulo (SP) - Brasil

IIDoutora, Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)- São Jose do Rio Preto (SP)- Brasil. Professor Titular da Universidade Paulista (UNIP)- São Paulo (SP)- Brasil

IIIDoutora, Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). São Jose do Rio Preto (SP)- Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Maria Helena Pinto R. Abdo Muanis, 1101 - Apto 62 - Bl. 2 - Chácara Municipal São José do Rio Preto - SP - CEP. 15090-140 E-mail: mariahelena@famerp.br

RESUMO

OBJETIVO: O estudo teve como objetivo conhecer o processo de preparo do paciente para a alta hospitalar e a atuação do enfermeiro de um hospital de grande porte do interior do Estado de São Paulo.

MÉTODOS: Estudo descritivo, no qual foi realizada uma entrevista semi-estruturada com 43 clientes que se encontravam com alta hospitalar.

RESULTADOS: Segundo os relatos dos clientes, 83,72% receberam orientações para a alta hospitalar, 48,84% receberam orientações do médico e 72,08% não relataram a participação do enfermeiro no processo de orientação para a alta. Observou-se que as orientações são realizadas individualmente, segundo a visão de cada profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os resultados deste estudo levam a uma reflexão sobre o ensino desenvolvido na formação do enfermeiro sobre o preparo do paciente para a alta e, assim, a necessidade de sistematizar este trabalho da equipe de saúde, o que implica em mudanças de atitudes destes profissionais.

Descritores: Alta do paciente; Cuidados de enfermagem; Enfermagem; Determinação de necessidades de cuidados de saúde; Planejamento de assistência ao paciente

RESUMEN

OBJETIVO: En este estudio se tuvo como objetivo conocer el proceso de preparación del paciente para el alta hospitalaria y la actuación del enfermero de un hospital de gran porte del interior del Estado de Sao Paulo.

MÉTODOS: Estudio descriptivo, en el que se llevó a cabo una entrevista semi-estructurada con 43 clientes, que se encontraban de alta hospitalaria.

RESULTADOS: Según los relatos de los clientes, el 83,72% recibieron orientaciones para el alta hospitalaria, el 48,84% recibieron orientaciones del médico y el 72,08% no relataron la participación del enfermero en el proceso de orientación para el alta. Se observó que las orientaciones son realizadas, individualmente según la visión de cada profesional.

CONSIDERACIONES FINALES: Los resultados de este estudio llevan a reflexionar sobre la enseñanza desarrollada en la formación del enfermero sobre la preparación del paciente para el alta, y así, la necesidad de sistematizar este trabajo del equipo de salud, lo que implica en cambios de actitudes de esos profesionales.

Descriptores: Alta del paciente; Cuidados de enfermería; Enfermería; Determinación de necesidades de cuidados de salud; Planificación de la asistencia al paciente

INTRODUÇÃO

O alto custo das internações para as instituições de saúde, o avanço tecnológico e das ciências médicas têm abreviado o período de hospitalização do paciente, levando a uma alta precoce. Para assegurar a continuidade do cuidado no domicílio e evitar as re-internações, que contribuem significativamente para elevar as despesas do cuidado em saúde, é necessário que a alta hospitalar seja planejada e sistematizada, garantindo um esclarecimento maior, tanto para o paciente como para a família(1).

Observa-se na prática clínica, que a orientação da alta hospitalar é dada no momento da saída do paciente do hospital, não sendo desenvolvida durante o período de internação. Nessa ocasião são oferecidas muitas orientações ao mesmo tempo, com o agravante de não serem realizadas por escrito, dificultando a compreensão do paciente e propiciando a ocorrência de erros. Na maioria das vezes, as orientações de alta são realizadas de forma mecânica e apressada, não considerando as condições e as necessidades de cada paciente. Isto contradiz a literatura que preconiza o início do planejamento da alta hospitalar, a partir do momento em que o paciente é admitido na instituição e desenvolvido durante todo o período de internação(2).

Na revisão da literatura observaram-se poucas publicações sobre alta hospitalar, sob a perspectiva do paciente. As pesquisas têm enfatizado amplamente a importância do papel do enfermeiro na adaptação e compreensão do cliente e familiares sobre os cuidados de saúde fora da instituição hospitalar.

A maioria dos estudos publicados sobre o tema focaliza a realização do plano de alta, principalmente quando se refere a tratamentos que envolvem mudanças no estilo de vida do paciente, tais como, doença oncológica(3), laringectomia(4), ostomia intestinal(5), diabetes mellitus(6), mastectomia(7), doença arterial coronariana(8) e cirurgias vasculares(9)., entre outras.

Entende-se que o planejamento sistemático da alta hospitalar do paciente pode contribuir em diversos aspectos, entre eles o setor de auditoria hospitalar, para a categoria profissional da enfermagem e, principalmente, para a satisfação do paciente.

Este plano de alta requer um trabalho interdisciplinar, uma interação entre os profissionais envolvidos no processo saúde-doença, para superar a fragmentação do cuidado, permitindo a discussão sobre a resolução de problemas, com vistas à compreensão da realidade vivida pelo paciente.

Neste contexto, a interdisciplinaridade, tem como característica incorporar os conhecimentos das múltiplas especialidades, instrumentos, métodos de assistência e articular os saberes que estão voltados para satisfação das necessidades do paciente no domicílio(10).

Para assegurar a implementação eficaz do plano de alta hospitalar, pode ser utilizado um roteiro sistematizado, constituído de atividades de ensino e avaliação do entendimento do paciente para uma vida independente. Um sumário de alta pode ser preparado pelo enfermeiro, contendo um resumo conciso e instrutivo sobre as condições do paciente, com ênfase na aprendizagem prévia do mesmo e da família. Uma cópia deste sumário pode ser dada para o paciente ou cuidador(11) para ser utilizado como guia ou lembrete dos cuidados a serem realizados na vida diária.

Acredita-se que o plano de alta é uma ferramenta para garantir a continuidade do cuidado após a hospitalização. O ensino no plano de alta é parte integrante do processo educativo, incluindo orientações ao paciente e à família acerca do que necessitam saber e compreender, considerando-se os aspectos biopsicosocioespirituais.

Neste contexto, considera-se o tema ainda um grande desafio para os enfermeiros, pois entende-se que uma assistência de qualidade deve estar pautada em competências técnico-científicas e ser isenta de riscos aos pacientes, familiares, profissionais e instituições.

Devido a estas considerações, este estudo buscou conhecer o processo de preparo para alta hospitalar de um hospital de grande porte do interior do Estado de São Paulo e a atuação do enfermeiro nesse contexto, a partir do relato dos pacientes. Portanto, o intuito deste estudo é contribuir para a melhoria da assistência ao paciente hospitalizado.

MÉTODOS

O estudo é do tipo descritivo, desenvolvido nas unidades de internação clínica e cirúrgica de um hospital de grande porte do interior do Estado de São Paulo, instituição de referência que atende um total de 102 cidades da região; possuindo cerca de 700 leitos, a maior parte deles destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Além de prestar assistência à saúde, serve de campo ao ensino clínico para os cursos de nível médio, graduação em Enfermagem e Medicina entre outros. As clínicas cirúrgica e médica apresentam-se com cerca de 100 leitos cada uma, variando conforme a necessidade dos pacientes, na qual atuam profissionais de várias categorias. Entre estes, 27 enfermeiras: 4 enfermeiras supervisoras; 124 auxiliares de enfermagem e 5 técnicos de enfermagem. Além dos 24 médicos residentes da cirurgia e 32 da clínica médica, existe um quadro de 33 estagiários da clínica, 18 aprimorandos de psicologia que seguem uma escala de atuação, e 2 nutricionistas que atendem todo o hospital quando solicitados pela equipe.

O estudo foi constituído de uma amostra de conveniência de 43 pacientes que estavam com a alta hospitalar assinada, no período da coleta de dados, no mês de maio de 2004. Os critérios para inclusão dos sujeitos no estudo foram: ser maior de 18 anos, ser orientado no tempo e no espaço, comunicar-se verbalmente e estar ciente da sua alta hospitalar.

A coleta dos dados foi realizada de segunda à sexta-feira, no período da tarde, por meio de uma entrevista semi-estruturada gravada, realizada nas unidades de internação e tiveram a duração de 20 a 40 minutos. As entrevistas foram norteadas pelas questões: "Você recebeu orientação para a alta?"; "Quem a fez?"; "Em que momento?"; "Como foi feita?".

Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Parecer n.º 1867/2004) e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelo participante antes da entrevista.

As entrevistas foram transcritas na íntegra e posteriormente os relatos dos informantes foram analisados, segundo os princípios da análise de conteúdo de Bardin(12), operacionalizada na modalidade de análise temática. A partir da leitura flutuante, da codificação e da categorização dos dados, foram identificados os temas que permitem a compreensão do processo de preparo recebido pelos pacientes para a alta hospitalar.

RESULTADOS

Antes de apresentar os resultados sobre o processo de preparo para a alta hospitalar e a atuação do enfermeiro neste contexto, é oportuno, para melhor compreensão dos dados, descrever as principais características dos participantes da investigação. Estas, juntamente com as experiências vividas, são consideradas como principais fatores que podem influenciar as necessidades de aprendizagem, as quais devem ser identificadas pelo enfermeiro que, junto com outros profissionais envolvidos no tratamento têm a função de tomar as medidas necessárias com o objetivo de suprí-las.

Características dos informantes

Dos 43 participantes, 65,12% eram do sexo feminino e 34,88% do sexo masculino. A média de idade era de 48 anos com desvio padrão de 17,5 anos, com a idade mínima de 18 anos e a máxima de 78 anos. A escolaridade variou desde o analfabetismo (23,25%) até o superior incompleto (4,65%). As ocupações eram diversas: 44,20% dos clientes entrevistados eram profissionalmente ativos e remunerados, 37,20% aposentados e 18,60% eram mulheres com atividades no lar. Foi considerado como período de internação aquele que compreende desde o dia em que o cliente foi admitido, até o dia de sua alta hospitalar. O período mínimo constatado de internação foi de dois dias e o máximo de 20 dias, com média de onze dias e desvio padrão de 4,2 dias.

Segundo registros dos prontuários dos pacientes, 46,51% dos entrevistados estavam internados para tratamento cirúrgico, cujas orientações de alta estavam pautadas nos cuidados relacionados aos medicamentos, curativos e à prevenção de infecções.

A partir dos relatos dos participantes, conforme o modelo de análise adotado emergiram três categorias que podem identificar o processo de preparo da alta do cliente hospitalizado: os profissionais que orientaram para a alta hospitalar, as orientações recebidas para a alta e a compreensão do cliente sobre as orientações para a alta.

Profissionais que orientaram para a alta hospitalar

Dos informantes, 83,72% relataram ter recebido orientações para a alta hospitalar. A Figura 1, abaixo, ilustra que a maioria dos entrevistados (48,84%) relatou receber orientação apenas do médico e 16,28% afirmaram não terem recebido orientações para alta.


A maior parte dos informantes (81,40%) respondeu que as orientações para a alta hospitalar foram realizadas pelos médicos, seja em conjunto com outros profissionais ou não. Aqueles pacientes que apresentavam necessidades específicas também foram orientados por outros profissionais além do médico, como é rotina da instituição, por exemplo: os pacientes que recebem a alta hospitalar com sonda nasogástrica são orientados pela nutricionista, como no relato abaixo:

"O médico veio entregou a receita e depois veio a moça e explicou como tem que fazer a dieta para a sonda" (S6).

Segundo a fala dos depoentes, em 72,08% não houve a participação do enfermeiro no processo de orientação para a alta. Embora 25,60% dos entrevistados tenham relatado ter recebido orientação dos enfermeiros em parceria com os médicos, ressalta-se que no decorrer da entrevista, ao questioná-los se conheciam o enfermeiro da unidade, alguns apontaram para o auxiliar de enfermagem responsável pelo seu cuidado. Os clientes demonstraram conhecer a enfermeira quando foram lembrados que ela normalmente usa um "jaleco diferente" como nos relatos: "Ah! aquelas de jaleco, desde o momento que estou aqui ela não entrou no quarto" (S24); "Ah!, veio aqui mas eu não sabia se ela era enfermeira ou médica" (S27).

Observa-se pelos relatos que o enfermeiro não está envolvido com o planejamento da alta do paciente de forma sistemática, muitas vezes sendo confundido com as demais categorias de profissionais de enfermagem.

Orientações recebidas para a alta

Os discursos demonstraram que a orientação para a alta acontece no momento em que o médico comunica ao cliente sobre a mesma e se restringe ao fornecimento de orientações sobre a prescrição médica e seguimento ambulatorial: "O médico deu a receita e não falou nada, falou para eu ir ao postinho de saúde para fazer o curativo e voltar no ambulatório daqui duas semanas" (S10).

Observa-se que as informações são fornecidas pelos profissionais separadamente: "O médico passou, deixou a receita e falou para comprar o remédio e avisou que depois a moça vinha para me explicar como fazer a dieta" (S14).

As informações sobre o autocuidado a ser realizado depois da alta também são dadas pelo médico: "O médico me falou que eu tenho que tirar a cânula para lavar todos os dias como ele tirou hoje de manhã"(S14).

A psicóloga quando acompanha o paciente fornece as informações sobre os retornos ambulatoriais e orientações para a família: "A psicóloga veio aqui, conversou um pouco com a minha irmã e me disse que eu tenho que marcar retorno com ela, no ambulatório para fazer acompanhamento" (S38).

A nutricionista é a responsável pelas orientações sobre a confecção da dieta que o paciente seguirá após a alta: "A moça (nutricionista) só veio e me deu uma receita do que tenho que comprar para fazer a dieta para passar na sonda" (S30).

O enfermeiro faz as orientações para a alta sobre cuidados que ele considera complexos e que necessita de uma adaptação do paciente, tais como, as ostomias e sondas, como demonstrado na seguinte fala: "A enfermeira (estomaterapêuta) veio me explicar como trocar a bolsa" (S19); " A enfermeira veio me falar que eu tenho que passar a sonda para retirar a urina de 4 em 4 horas [...], mas eu tenho medo, vou ver se arrumo algum enfermeiro para fazer isso em casa" (S32).

Com esses relatos é possível considerar que as orientações são fornecidas pelos profissionais individualmente e que não existem orientações em equipe, sendo que cada um esclarece o que é importante na visão da sua profissão, desconsiderando as necessidades dos clientes. Assim, observa-se pelos depoimentos que o enfermeiro realiza orientações sobre os cuidados complexos que envolvem readaptações individuais.

Compreensão dos clientes sobre as orientações para a alta.

Segundo os informantes, o momento da entrevista realizada na presente pesquisa foi uma oportunidade de expressar dúvidas, como as que seguem: "Eu queria saber sobre a receita, os remédios, eu saio com eles daqui, ou tem que comprar o que está aqui na receita?" (S29).

Um cliente que já estava saindo do quarto, esperando apenas sua esposa relatou: "Eu gostaria de saber se eu posso ir de muletas sem forçar a perna, não pisar no chão ou dobrar muito a perna, porque a muleta está aqui, entende?" (S41).

No momento da orientação nem sempre ocorre a compreensão do que é falado, como mostra o depoimento de outro informante: "Ah!, veio um par de médicos aí, falou, mas não entendi" (S6).

As orientações para alta se restringem ao ambiente onde ocorreu a internação, não havendo uma forma de retornar o contato rapidamente com a equipe em caso de dúvidas no domicílio. A fala de um dos depoentes faz repensar sobre isso: "Na hora a gente não lembra o que quer perguntar, depois chega em casa e a gente lembra das coisas que esqueceu de perguntar" (S17). "A enfermeira veio aqui me explicou como colocar a bolsa, isso eu faço certinho"(S19); "A gente não entende muito bem, mas o farmacêutico me explica quando eu for comprar o remédio". (S35)

Observa-se, pelos relatos, que os pacientes estão deixando o hospital com dúvidas, principalmente sobre as orientações fornecidas a respeito da receita médica e dos cuidados para sua reabilitação e independência no domicílio.

DISCUSSÃO

Este estudo revela facetas de uma realidade que podem ter como causas a ausência da interação significativa enfermeiro-paciente, na qual os interlocutores reconheçam-se mutuamente a partir do momento da admissão. Esses encontros poderiam ser um espaço privilegiado para investigar as necessidades e encorajar a expressão dos sentimentos do paciente com vistas à sua participação no planejamento do seu cuidado, respeitando e promovendo sua autonomia.

Segundo as falas dos pacientes, os profissionais orientam para a alta em diferentes proporções, prevalecendo a figura do médico. Os enfermeiros parecem na maioria das vezes, estar ausentes no processo, pois muitas vezes são confundidos com os auxiliares e técnicos de enfermagem ou, ainda, com médicos. Talvez esteja faltando um programa de educação permanente que focalize as atribuições do enfermeiro na alta do paciente, sendo que o número de enfermeiros no contexto estudado está na proporção de sete a oito pacientes por enfermeiro.

Um estudo realizado com um grupo de mulheres mastectomizadas(7) identificou a figura do médico como sendo o profissional mais atuante na orientação da alta hospitalar, o qual, muitas vezes, desenvolve uma abordagem extremamente limitada.

Outro estudo apontou que os enfermeiros têm dedicado mais tempo a atividades administrativas burocráticas, como organizar e preencher papéis do que àquelas relacionadas ao cuidado e a educação do paciente(13).

Alguns autores destacam que o enfermeiro tem um papel fundamental no processo de alta, pois é considerado o profissional mais próximo ao paciente e o elo de ligação entre os outros membros da equipe multiprofissional(7). Entretanto, neste estudo não foi observada esta atividade. Isto reflete o círculo vicioso que é a problemática da Enfermagem enquanto profissão, que está, principalmente, nas deficiências da formação profissional, que não possibilita a aplicabilidade teórica na prática. A dificuldade de comunicação entre os profissionais da saúde e a falta de planejamento dos cuidados também foram citados como fatores contribuintes para as lacunas na implementação do plano de alta(14).

Por outro lado, a instituição em estudo é utilizada como campo de ensino clínico, mas não tem filosofia de hospital escola, onde as atividades devem ser modelo para os aprendizes. Ainda prevalece a hegemonia do médico sobre as decisões, onde os membros da equipe de saúde seguem de forma indiscutível, as ordens ou prescrições médicas e os interesses da instituição.

A ausência de uma interação significativa dos pacientes com os profissionais, entre os quais está o enfermeiro, pode levar ã insegurança na internação e falta de confiança no tratamento. Esse encontro com o profissional é o espaço para explorar dúvidas e incertezas, no entanto observou-se, segundo os relatos dos depoentes, certas deficiências que esses pacientes apresentam, deficiência de conhecimento no momento da transição do hospital para o domicílio(15).

A avaliação das necessidades do paciente e da família não deve ser feita de forma simplista, direcionada apenas para as necessidades físicas, mas considerando os aspectos emocionais, financeiros, e o ambiente familiar(2). O enfermeiro é o responsável pela avaliação do entendimento do paciente ou cuidador sobre o autocuidado, o tratamento e a importância destes para assegurar a reabilitação(16).

Cada caso deve ser analisado individualmente; isto é, o enfermeiro, durante o planejamento da assistência, avalia a capacidade, prontidão e motivação do cliente para aprender e, sobretudo, determinar a estratégia de ensino aprendizagem a ser utilizada(17).

Os achados de um estudo(18) sobre o preparo para a alta do cliente submetido à cirurgia de prótese total de quadril estão de acordo com esta investigação, pois ambos demonstraram que a assistência de enfermagem não incluiu o ensino sistemático destes pacientes para a continuidade do tratamento. Os autores sugeriram, a capacitação de um enfermeiro para preparar os clientes pós-cirurgia de prótese total de quadril, durante a hospitalização, atendendo suas necessidades de educação, com a finalidade de garantir o autocuidado após a alta hospitalar(18).

O plano de alta é uma forma que os enfermeiros têm de expressar seus cuidados ao paciente, sendo elaborado com base nas necessidades e preferências, tanto dos clientes como de familiares, a partir de um prognóstico, de um tratamento, e de uma previsão de alta determinada pelo médico(2).

Os discursos sobre a compreensão das orientações apontam que parte dos pacientes não entendeu as informações fornecidas, relatam dúvidas que surgirão posteriormente, e que muitos têm receio de falar que não compreenderam o que foi explanado.

O enfermeiro tem a responsabilidade ética no processo de ensino ao paciente e deve determinar cuidadosamente o que precisam saber e encontrar o momento em que estarão prontos para aprender(19), assim como utilizar intervenções que assegurem a continuidade do autocuidado.

Estes resultados vêm ao encontro dos obtidos em um estudo(16) que analisou a orientação final de enfermagem para a alta hospitalar e o grau de conhecimento dos clientes sobre os medicamentos. Concluiu que as orientações sobre a receita eram inadequadas contribuindo para a falta de adesão do paciente ao tratamento medicamentoso no domicílio.

Desta forma, é indispensável que as orientações sejam feitas também para os familiares ou cuidadores presentes, para que participem do processo de recuperação do doente. A alta hospitalar gera para a família um sentimento ambíguo, ou seja, ao mesmo tempo em que se sente feliz e aliviada por ver seu ente voltando para casa, sente medo e insegurança de cuidar do mesmo, muitas vezes pela mudança no estilo de vida que a própria doença impõe à família. Saber como o doente e os familiares percebem a alta fornece subsídios ao enfermeiro para um preparo adequado desses pacientes(8).

Notou-se, nos depoimentos dos pacientes a deficiência da atuação do enfermeiro no gerenciamento da assistência, o que corrobora com os dados de um estudo(13) que verificou que a maior parte das atividades do enfermeiro é administrativa, sendo que apenas 1% dos mesmos participam das visitas médicas, o que pode explicar a tendência do enfermeiro em deixar de realizar o planejamento da alta hospitalar do paciente.

O planejamento da alta é um aspecto reconhecidamente importante do cuidado de enfermagem pelo enfermeiro, mas ainda permanece problemático, principalmente no que diz respeito à comunicação eficaz entre enfermeiro-enfermeiro e enfermeiro - pacientes/ cuidadores(11).

A escolaridade é um fator que contribui para a não adesão do paciente ao tratamento e para o baixo grau de compreensão a respeito da doença e à continuidade do cuidado(19). Este fato não foi observado nesta pesquisa; o nível de escolaridade não influenciou no grau de entendimento, o que sugere que o problema em questão é a escassez de informação fornecida, a forma e o momento em que acontece. A ansiedade e o desejo de ir para casa levam à falta de concentração por parte do paciente ou cuidador e à ineficácia da orientação para a alta. Assim, justifica-se o fato de que as orientações devem ser realizadas de forma progressiva e não apenas dia da alta(19).

Observou-se neste estudo que a orientação para alta não é realizada em equipe e que os profissionais não consideram as necessidades individuais do cliente, concordando quando enfatizam que a alta hospitalar é vista muitas vezes como uma prática padronizada. A desvantagem desta prática de orientação está na negação do cliente como agente ativo do processo, com suas singularidades, suas necessidades específicas de aprendizagem, tendendo a ser excluído do processo, ou pouco considerado(2, 8).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo pode-se considerar que os pacientes estão deixando o hospital inseguros para dar seqüência ao seu tratamento. Os relatos apontam que as orientações para a alta hospitalar constam simplesmente da entrega da receita médica, das informações verbais orais fornecidas pelo médico sobre os medicamentos, encaminhamentos para os cuidados específicos, e, por fim, retorno ambulatorial.

Segundo a maioria dos informantes, a orientação para a alta hospitalar vem sendo realizada quase sempre pelo médico, sem tempo hábil que lhe permita considerar as particularidades de cada um, as suas dificuldades de compreensão, seu estilo de vida, experiências vividas, crenças, mitos, ansiedade e medo.

Acredita-se que a implantação do processo de Enfermagem seja uma ferramenta para melhorar a assistência e garantir uma atuação mais ativa e humanizada. Incorporar o plano de alta hospitalar no planejamento da assistência é essencial para um cuidado de enfermagem efetivo, assim como, o comprometimento do enfermeiro com esta atividade.

Enquanto, não houver profissionais de enfermagem que proporcionem um atendimento sistematizado, e dirigentes que priorizem o número adequado de profissionais para uma assistência de qualidade, os pacientes continuarão sem acesso a um importante suporte para o seu preparo para alta hospitalar e provavelmente o número de reinternações por falta de adesão ao tratamento continuará onerando os serviços de cuidados à saúde.

Este fato leva a uma reflexão sobre o ensino desenvolvido na formação do enfermeiro sobre o preparo do paciente para a reabilitação no seu domicílio e, sobretudo, a necessidade de sistematizar o trabalho da equipe de saúde, o que implica em mudanças de atitudes dos profissionais.

Esta pesquisa foi apenas um ponto de partida para rever a atuação do enfermeiro no contexto estudado, a filosofia da instituição, a assistência à saúde, as perspectivas dos dirigentes da instituição, assim como a satisfação dos profissionais e da clientela para melhorar a qualidade da alta hospitalar do cliente para realização de futuras pesquisas.

REFERÊNCIAS

Artigo recebido em 30/05/2006 e aprovado em 03/04/2007

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  • Autor Correspondente:
    Maria Helena Pinto
    R. Abdo Muanis, 1101 - Apto 62 - Bl. 2 - Chácara Municipal
    São José do Rio Preto - SP - CEP. 15090-140
    E-mail:
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    Trabalho realizado em um Hospital de Grande Porte do Interior do Estado de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Abr 2007
    • Recebido
      30 Maio 2006
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