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Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade

Quemaduras en niños y adolescentes: análisis de la morbilidad hospitalaria y de la mortalidad

Resumos

OBJETIVO: Analisar a incidência hospitalar e a mortalidade por queimadura em menores de 15 anos, residentes em Londrina, atendidos em pronto-socorro, internados ou que foram a óbito em 2001. MÉTODOS: Trata-se de estudo transversal e descritivo, cujos dados de morbidade foram obtidos nos serviços de emergência e internação dos cinco hospitais de Londrina e os de mortalidade no Núcleo de Informação em Mortalidade do município. Para análise e tratamento dos dados, utilizou-se o programa computacional Epi-Info - versão 6.0.d. RESULTADOS: Foram estudados 182 casos de menores de 15 anos vítimas de queimadura: 82,4% por substância quente / fonte de calor; 14,3% por exposição à fumaça / fogo / chama; 3,3% por exposição a corrente elétrica. Predominou o sexo masculino (56,6%) e a idade de um ano (6,1 por 1000 crianças). A taxa de internação foi de 12,6%, ocorrendo um óbito. O período de internação foi de um a três dias em 56,5% dos casos. CONCLUSÕES: Os achados contribuem para ampliar o conhecimento epidemiológico de tais eventos, reforçando a necessidade da prevenção.

Queimaduras; Acidentes domésticos; Morbidade; Mortalidade infantil; Crianças; Adolescentes


OBJETIVO: Analizar la incidencia hospitalaria y la mortalidad por quemadura en menores de 15 años, residentes en Londrina, atendidos en el servicio de emergencia, internados o que murieron en el 2001. MÉTODOS: Se trata de un estudio transversal y descriptivo, cuyos datos de morbilidad fueron obtenidos en los servicios de emergencia e internamiento de los cinco hospitales de Londrina y los de mortalidad en el Núcleo de Información en Mortalidad del municipio. Para el análisis y tratamiento de los datos, se utilizó el programa Epi-Info - versión 6.0.d. RESULTADOS: Fueron estudiados 182 casos de menores de 15 años víctimas de quemadura: 82,4% por sustancia caliente / fuente de calor; 14,3% por exposición al humo/ fuego / llama; 3,3% por exposición a la corriente eléctrica. Predominó el sexo masculino (56,6%) y la edad de un año (6,1 por 1,000 niños). La tasa de internamiento fue de 12,6%, ocurriendo una muerte. El período de internamiento fue de uno a tres días en un 56,5% de los casos. CONCLUSIONES: Los hallazgos contribuyen en la ampliación del conocimiento epidemiológico de tales eventos, reforzando la necesidad de la prevención.

Quemaduras; Accidentes domésticos; Morbilidad; Mortalidad infantil; Niños; Adolescentes


OBJECTIVE: this research analyzed the hospital incidence and mortality due to burns in children aged less than 15 who live in Londrina, and were treated in emergency services, hospitalized or who died because of this in 2001. METHODS: This is a descriptive study. Morbidity data were obtained from the five geral hospitals of Londrina, and mortality data came from the Municipal Mortality Information Nucleus of the city. The Software Epi Info, version 6.04d was used for data analysis. RESULTS: 182 Children under age 15, victims of burns have been studied, being 82.4% wounded by hot materials or heat source, 14.3% by exposition to smoke/fire/flame and 3.3% by exposition to electric current. Male victims were predominant (56.6%), with the highest coefficient for the age of one year (6.1 per 1000 children). The hospitalization rate was 12.6%; one death occurred. 56.5% of the cases stayed in hospital for one to three days. CONCLUSIONS: the findings contribute to increasing epidemiological knowledge of such events, highlighting the need for preventive measures.

Burns; Accidents, home; Morbidity; Infant mortality; Child; Adolescents


ARTIGO ORIGINAL

Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade* * Trabalho realizado em Hospitais do Município de Londrina (PR), Brasil.

Quemaduras en niños y adolescentes: análisis de la morbilidad hospitalaria y de la mortalidad

Christine Baccarat de Godoy MartinsI; Selma Maffei de AndradeII

IPós-graduanda, Enfermeira Pediátrica do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná – Universidade Estadual de Londrina- UEL- Londrina (PR), Brasil

IIDoutora, Docente do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina-UEL- Londrina (PR), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Christine Baccarat de Godoy Martins R. Chile, 185 - Apto. 103 A - Vila Canziane Londrina - PR Cep: 86010-220 E-mail: leocris2001@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a incidência hospitalar e a mortalidade por queimadura em menores de 15 anos, residentes em Londrina, atendidos em pronto-socorro, internados ou que foram a óbito em 2001.

MÉTODOS: Trata-se de estudo transversal e descritivo, cujos dados de morbidade foram obtidos nos serviços de emergência e internação dos cinco hospitais de Londrina e os de mortalidade no Núcleo de Informação em Mortalidade do município. Para análise e tratamento dos dados, utilizou-se o programa computacional Epi-Info – versão 6.0.d.

RESULTADOS: Foram estudados 182 casos de menores de 15 anos vítimas de queimadura: 82,4% por substância quente / fonte de calor; 14,3% por exposição à fumaça / fogo / chama; 3,3% por exposição a corrente elétrica. Predominou o sexo masculino (56,6%) e a idade de um ano (6,1 por 1000 crianças). A taxa de internação foi de 12,6%, ocorrendo um óbito. O período de internação foi de um a três dias em 56,5% dos casos.

CONCLUSÕES: Os achados contribuem para ampliar o conhecimento epidemiológico de tais eventos, reforçando a necessidade da prevenção.

Descritores: Queimaduras; Acidentes domésticos; Morbidade; Mortalidade infantil; Crianças; Adolescentes.

RESUMEN

OBJETIVO: Analizar la incidencia hospitalaria y la mortalidad por quemadura en menores de 15 años, residentes en Londrina, atendidos en el servicio de emergencia, internados o que murieron en el 2001.

MÉTODOS: Se trata de un estudio transversal y descriptivo, cuyos datos de morbilidad fueron obtenidos en los servicios de emergencia e internamiento de los cinco hospitales de Londrina y los de mortalidad en el Núcleo de Información en Mortalidad del municipio. Para el análisis y tratamiento de los datos, se utilizó el programa Epi-Info – versión 6.0.d.

RESULTADOS: Fueron estudiados 182 casos de menores de 15 años víctimas de quemadura: 82,4% por sustancia caliente / fuente de calor; 14,3% por exposición al humo/ fuego / llama; 3,3% por exposición a la corriente eléctrica. Predominó el sexo masculino (56,6%) y la edad de un año (6,1 por 1,000 niños). La tasa de internamiento fue de 12,6%, ocurriendo una muerte. El período de internamiento fue de uno a tres días en un 56,5% de los casos.

CONCLUSIONES: Los hallazgos contribuyen en la ampliación del conocimiento epidemiológico de tales eventos, reforzando la necesidad de la prevención.

Descriptores: Quemaduras; Accidentes domésticos; Morbilidad; Mortalidad infantil; Niños; Adolescentes.

INTRODUÇÃO

As lesões por queimadura constituem importante causa acidental de morbi-mortalidade em todo o mundo, com grande freqüência entre as crianças(1-3), sendo as escaldaduras (produzidas por substâncias quentes ou fontes de calor) as mais comuns, além das queimaduras químicas, elétricas e radioativas(4-5).

A grande ocorrência de queimadura em crianças menores de cinco anos(3,6-7) chama a atenção pelo sofrimento físico e psicológico produzido, além do elevado custo econômico e social, incluindo gastos hospitalares. Estudo acerca das internações em hospitais privados ou conveniados com o istema Único de Saúde (SUS), no ano de 2000, revelou um gasto médio das internações por queimaduras de R$ 649,43 para os casos não fatais e de R$1.620,27 para os casos que foram a óbito(8).

A queimadura é apontada em vários estudos entre as causas acidentais mais freqüentes entre crianças e adolescentes(3, 9-12). Em 2006, foram internadas 16.573 crianças e adolescentes menores de 15 anos por queimadura no Brasil, representando 14,0% de todas as internações por causas externas neste grupo(13). Em 2005, as queimaduras foram responsáveis por 373 óbitos em menores de 15 anos em nosso país (10,8% dos óbitos por causas externas nesta mesma faixa etária)(14).

Apesar do conhecimento da morbi-mortalidade, ainda há necessidade de caracterizar as vítimas no sentido de ampliar o conhecimento epidemiológico desta expressiva causa de morbi-mortalidade infantil. Neste sentido, justifica-se a análise detalhada deste evento, a fim de se formar um diagnóstico, subsidiando o planejamento de ações de controle e prevenção eficazes que canalizem para a redução deste agravo, diminuindo, conseqüentemente, a demanda hospitalar por esta causa.

Desta forma, o objetivo da presente casuística foi estudar a incidência hospitalar e a mortalidade por queimadura entre menores de 15 anos no município de Londrina.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal e descritivo acerca da morbidade hospitalar e da mortalidade por queimaduras. A população de estudo foi composta por menores de 15 anos de idade, residentes no município de Londrina (PR), vítimas de queimadura no período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2001, atendidos nos hospitais do município (serviços de emergência e internação) ou que morreram devido a essa causa em 2001.

Os dados de morbidade (atendimentos de pronto-socorro e internações) foram coletados por acadêmicos do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina, rigorosamente treinados e supervisionados pelas autoras, por meio de investigação em prontuários dos cinco hospitais do município: Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná (hospital público, de ensino, com 241 leitos), Hospital Dr. Anísio Figueiredo - Zona Norte (hospital público, com 56 leitos), Hospital Dr. Eulalino Andrade - Zona Sul (hospital público, com 41 leitos), Hospital Evangélico de Londrina (hospital privado, com 203 leitos) e Hospital Infantil Sagrada Família (hospital privado conveniado ao SUS, com 68 leitos). Para a transcrição dos dados utilizou-se um formulário previamente testado (100 pré-testes com dados do ano anterior à presente pesquisa), composto por 21 questões fechadas divididas em quatro partes: dados de identificação da criança (nome, data de nascimento, idade no dia do acidente, sexo), dados referentes ao acidente (data do acidente, região corpórea afetada, agente envolvido), conseqüências do acidente (atendimento de pronto-socorro, internação, tempo de internação, óbito).

Considerando que o óbito pudesse ter ocorrido sem que o atendimento hospitalar houvesse sido prestado, foram obtidos dados de mortalidade no Núcleo de Informação em Mortalidade do município, por meio uma lista fornecida com todos os óbitos de crianças menores de 15 anos residentes no município, ocorridos em 2001 cuja causa básica de morte fosse queimadura.

O tipo de queimadura (circunstâncias) e o tipo de lesão foram classificados conforme os capítulos XX e XIX, respectivamente, da Classificação Internacional de Doenças – CID10(15). Para análise e tratamento dos dados, utilizou-se o programa computacional Epi-Info – versão 6.0.d.(16), sendo os resultados divididos em três grupos de análise segundo a CID-10: exposições a corrente elétrica; a fumaça/fogo/chamas; a substância quente ou fonte de calor. Tendo por base a população estimada na mesma faixa etária e ano, calculou-se o coeficiente de incidência. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, Parecer CEP n.º 126/02.

RESULTADOS

Foram estudados 182 casos de queimaduras em menores de 15 anos.

As queimaduras por exposição a substância quente ou fonte de calor representaram 150 casos (82,4%), seguidas pela exposição a fumaça, fogo e chamas com 26 casos (14,3%) e pela exposição a corrente elétrica com 6 casos (3,3%).

Analisando-se as três categorias de queimadura em conjunto, houve predomínio de casos do sexo masculino (56,6%) e a idade de maior incidência foi a de 1 ano (coeficiente de 6,1 por 1.000 crianças) (Figura 1). Em relação às regiões corpóreas afetadas pelas queimaduras, tronco e membros superiores foram as mais freqüentes (44,5%) seguidas pelas queimaduras de múltiplas regiões (20,3%), de quadril e membros inferiores (19,8%), cabeça e pescoço (13,7%), olho e órgão interno (1,1%) e efeito de fumaça em pulmões (0,5%).


Do total de casos (182), 86,8% (158) foram atendidos e liberados no pronto-socorro, enquanto 12,6% (23) necessitaram de internação, com presença de um óbito (0,6%). Entre os internados, mais da metade (56,5%) permaneceu internada de um a três dias, enquanto 34,8% tiveram quatro a oito dias de internação e 8,7% permaneceram internados de nove a dez dias.

Entre as 150 crianças vítimas de queimadura por exposição à substância quente ou fonte de calor, os líquidos quentes/ferventes (44,0%) foram os principais responsáveis por este tipo de queimadura (Tabela 1). Entre estas vítimas, 132 (88,0%) foram atendidas somente em pronto-socorro, mas 18 casos (12,0%) necessitaram de internação. Não houve óbitos. Assim, para cada internação, houve aproximadamente sete casos que foram atendidos apenas no pronto-socorro.

Das 26 crianças vítimas de acidentes por exposição a fumaça, fogo e chamas, 34,6% estavam na faixa etária de 10 a 14 anos, sendo que não houve ocorrência entre os menores de um ano. O álcool (30,8%), a gasolina (15,4%) e o querosene (11,5%) foram os principais agentes responsáveis por esta categoria de queimaduras (Tabela 2). A taxa de internação entre estas vítimas foi de 19,2% (cinco casos), enquanto 80,8% (21) foram atendidos somente em pronto-socorro. Não houve óbitos. Para cada internação por exposição à fumaça, fogo e chamas, aproximadamente quatro casos foram atendidos no pronto-socorro.

Os seis acidentes por exposição a corrente elétrica tiveram taxa de internação de 100%, com cinco casos (83,3%) decorrentes de choque por corrente elétrica doméstica e um caso por contato com fiação de poste de iluminação (pipa enroscada nos fios de alta tensão), este ocasionando óbito e levando a uma taxa de letalidade de 16,7% entre as vítimas deste tipo de queimadura.

DISCUSSÃO

O predomínio do sexo masculino também foi observado em outros estudos acerca dos acidentes infantis(3, 10, 12, 17-20) e pode estar relacionado, provavelmente, com as diferenças de comportamento de cada sexo e com fatores culturais, que determinam maior liberdade aos meninos e, em contrapartida, maior vigilância das meninas. As diferentes atividades desenvolvidas também justificam os percentuais encontrados, estando os meninos mais expostos por exercerem atividades de maior risco.

Em relação à idade, alguns autores a colocam como fator de risco para as causas acidentais(10, 21-22). De modo geral, crianças menores sofrem mais queimaduras, afogamentos, quedas e intoxicações; as maiores sofrem mais atropelamentos, quedas de bicicletas; adolescentes estão mais sujeitos a afogamentos, traumas no trânsito e lesões por armas de fogo(23-24). A incidência maior de queimaduras na idade de um ano, possivelmente está associada às características do desenvolvimento da criança nesta fase, cuja curiosidade, imaturidade e incoordenação motora a colocam em situações de perigo. Além dessas características, o fácil acesso à cozinha e a supervisão inadequada da criança podem contribuir para a ocorrência desses eventos.

Semelhante aos resultados obtidos na presente pesquisa, outros estudos(3, 25) também encontraram maior freqüência de escaldaduras (queimaduras provocadas por substância quente) entre crianças vítimas deste evento.

Poucos estudos trazem a região corpórea afetada, classificando a queimadura segundo sua extensão corpórea(24). A concentração maior de queimadura em cabeça/pescoço/tronco/membros pode estar relacionada, provavelmente, com a posição da criança em relação à fonte das chamas. As crianças pequenas puxam para si os recipientes com líquido quente, como as panelas em cima do fogão, as travessas em cima da mesa e as bacias com roupa de molho em água quente, atingindo com freqüência a cabeça, pescoço e tórax. O contato com aparelhos domésticos quentes também explica a queimadura de membros superiores, especialmente as mãos, colocadas por curiosidade sobre o objeto. Os adolescentes, ao acenderem churrasqueiras e similares, encontram-se normalmente em pé ao lado da mesma, sendo, portanto, atingidos mais no rosto, tronco e membros superiores. As crianças menores, ao brincarem com fósforos e acendedores, normalmente encontram-se sentadas no chão com o instrumento entre as pernas, o que facilitaria a queimadura de membros inferiores.

Outros estudos encontraram períodos maiores de internação para vítimas de queimadura, bem como taxas de mortalidade mais elevadas do que a encontrada na presente pesquisa(26). Todavia, há que se considerar as diferenças na população de estudo, uma vez que os resultados na literatura dizem respeito a unidades específicas de tratamento de queimados, o que pode concentrar os casos mais graves, gerando diferenças nas taxas de internação e letalidade.

Quanto a exposições a substâncias quentes ou fontes de calor, os líquidos quentes também são relatados pelos estudiosos(3, 10, 17, 27) como o principal agente de queimadura em crianças, devido à facilidade de acesso a ambientes como a cozinha(3). Neste sentido, podemos afirmar que a modificação do ambiente seria suficiente para evitar as queimaduras infantis. Manter a criança afastada de fornos aquecidos, não deixar cabos de panelas voltados para fora do fogão e alimentos quentes em cima de mesas com toalhas que podem ser puxadas pela criança, manter ferro de passar roupa e aparelhos elétricos ainda quentes em lugares altos, restringir o acesso da criança à cozinha e lavanderia são medidas eficazes e de baixo custo que podem evitar sofrimento e seqüelas impostas às crianças vítimas de queimadura. A presença de queimadura por contato com escapamento de moto aponta para a necessidade de local apropriado para a guarda do veículo ou que se estacione o veículo com o escapamento voltado para a parede, além de atenção especial à criança carregada na garupa da motocicleta.

Outro estudo(3) encontrou resultados semelhantes quanto à taxa de internação entre crianças expostas a substâncias quentes ou fontes de calor (15,0%), porém uma taxa de letalidade igual a 4,0%. A letalidade nula em nosso estudo pode estar relacionada ao fato de algumas crianças queimadas serem transferidas para o Centro de Tratamento de Queimados em Curitiba, que conta com serviço especializado e de referência para o Paraná no tratamento de queimaduras, podendo ter ocorrido óbitos nesta instituição e que não foram absorvidos por nosso estudo.

A severidade das lesões decorrentes da exposição a substância quente ou fonte de calor, aliada aos tratamentos prolongados e a presença de seqüelas, tanto físicas como emocionais, justificam especial atenção às medidas preventivas que podem ser tomadas pela família devidamente orientada.

Quanto a exposições a fumaça, fogo e chamas, a maior ocorrência entre adolescentes (10 a 14 anos) também foi observada por outra casuística(3). A ausência deste tipo de acidente em menores de um ano pode ser explicada pela incapacidade motora de lidar com fósforos ou acendedores manuais, ao contrário de crianças maiores e adolescentes que se acidentam, muitas vezes, ao tentarem acender churrasqueiras e similares(22).

Outros estudos também apontam para os fósforos, isqueiros e combustíveis como os principais causadores de exposição ao fogo entre as crianças(3, 19, 27). Apesar destes agentes não estarem presentes nas descrições dos prontuários, acredita-se que álcool, gasolina e querosene só entraram em combustão a partir do contato com fósforos ou acendedores. O fácil acesso da criança a estes agentes desperta para a necessidade de se retirar estes produtos do alcance, e chama a atenção no sentido de questionar a verdadeira necessidade de se manter álcool, gasolina e querosene no domicílio. Estudo(18) aponta que os incêndios desencadeados por fósforos e acendedores ocorreram em horários em que as mães encontravam-se no trabalho fora do lar (das 8 às 20 horas). Este fato vem reafirmar a falta de vigilância adequada e a necessidade de campanhas de conscientização de pais e comunidades. Medidas mais específicas como dispositivos de segurança na fabricação de acendedores e fósforos que dificultem o manuseio da criança, também devem ser considerados, a fim de reduzir a incidência destes eventos.

Coeficientes de letalidade bem mais elevados em queimadura por fogo foram observados em outros estudos(19). Há de se considerar, entretanto, as diferenças culturais e ambientais entre os países. Apesar de nossos resultados apontarem para uma taxa de letalidade nula entre esses eventos, normalmente as queimaduras decorrentes do contato com fogo e chamas geram sofrimento físico e emocional devido a seqüelas que deixam. Portanto, investir em medidas específicas de prevenção significa investir na qualidade de vida das crianças.

Quanto a exposições a corrente elétrica, os mesmos padrões de internação (100,0%) também foram observados em pesquisa(28).

A forma de prevenir o choque elétrico doméstico seria proteger as tomadas, retirar as extensões que facilitem o acidente e manter aparelhos elétricos longe do alcance das crianças. Outra investigação(28) também identificou casos de queimadura por contato com fios de alta tensão, em decorrência da prática de soltar pipas. Neste sentido, as crianças maiores que soltam pipas devem ser orientadas a fazê-lo longe da rede elétrica e fios de alta tensão. A alta taxa de internação, bem como o óbito ocorrido, evidencia a alta gravidade deste tipo de acidente.

Há que se destacar, ainda, a questão da intencionalidade do evento. Muitas vezes, a preocupação com a lesão acaba por suprimir questionamentos sobre as circunstâncias em que ocorreu. Determinar a intenção do evento na ocasião do atendimento, torna-se fundamental para subsidiar intervenções. Porém, muitas vezes o profissional, devido a grande demanda, falta de uma rotina estabelecida, entre outros fatores, acaba por perder esta importante informação que não será recuperada, e que pode estar ocultando casos de violência e maus tratos, dificultando a análise das causas externas quanto a circunstâncias e distribuição, podendo omitir dados importantes que não contribuem para o bom êxito das medidas adotadas. Considerando que só é possível planejar ações de prevenção e intervenção a partir do conhecimento específico das causas, a melhora na qualidade das informações sobre as causas externas, quanto a sua intencionalidade, pode direcionar, de forma mais eficaz, medidas específicas para sua redução(29). Diante deste contexto, compreende-se que os profissionais responsáveis pelo atendimento a crianças e adolescentes devem ser orientados e treinados em relação a esta problemática. A adoção de protocolos padronizados para o atendimento das lesões por causas externas poderia contribuir neste sentido. Com informações precisas, seria possível delinear melhor o perfil epidemiológico dessas causas sobre a população infanto-juvenil que chega aos hospitais e pronto-socorros.

CONCLUSÕES

As queimaduras infantis constituem importante causa de atendimento hospitalar e internação, além de causar seqüelas físicas e emocionais relevantes. O fato das queimaduras infantis acontecerem, em grande parte, no ambiente doméstico sugere a modificação do mesmo como forma efetiva de prevenção, além da supervisão direta da criança.

Levando-se em consideração que o desconhecimento a respeito das situações de risco colabora para a ocorrência destes eventos, é preciso desenvolver ações de sensibilização e orientações através de programas educativos junto a escolas e comunidades, além de campanhas de prevenção em meios de comunicação de grande alcance, com incentivo dos poderes públicos constituídos.

A prevenção realmente necessita ser direcionada para cada etapa do desenvolvimento da criança e as orientações individuais nas atividades de puericultura, ou coletivas nas escolas e comunidades, é que conferem aos pais e cuidadores o conhecimento necessário para a prevenção de acidentes na infância.

Os resultados apresentados no presente estudo apontam para a urgência de medidas de controle e prevenção, bem como a realização de novos estudos que preencham lacunas do conhecimento e venham colaborar no combate a este importante agravo à saúde infantil, a ocorr6encia de queimaduras.

Artigo recebido em 16/04/2007 e aprovado em 13/09/2007

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  • Autor Correspondente:
    Christine Baccarat de Godoy Martins
    R. Chile, 185 - Apto. 103 A - Vila Canziane
    Londrina - PR
    Cep: 86010-220
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado em Hospitais do Município de Londrina (PR), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      16 Abr 2007
    • Aceito
      13 Set 2007
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