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Processo de trabalho do enfermeiro: visão de professores de uma universidade pública

Resumos

OBJETIVO: O estudo teve por objetivo compreender o processo de trabalho do enfermeiro na visão de professores do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. MÉTODOS: Estudo exploratório de abordagem qualitativa, tendo como sujeitos 14 professores; a técnica de coleta de dados elegida foi o grupo focal e a análise do material foi fundamentada no método de análise de conteúdo. RESULTADOS: O significado do processo de trabalho do enfermeiro compreendeu três categorias: composição do processo de trabalho do enfermeiro; diferencial do trabalho do enfermeiro frente a outros profissionais de saúde e dicotomias do processo de trabalho do enfermeiro na formação. CONCLUSÃO: Os significados desse processo foram: conjunto dos processos de trabalho - cuidar, administrar, ensinar e pesquisar, cujo núcleo do trabalho é o processo cuidar, entretanto, administrar o cuidado não foi evidenciado pelo grupo focal. O processo de trabalho do enfermeiro foi considerado complexo e confuso.

Enfermeiros; Enfermeira; Papel do profissional de enfermagem; Ensino; Prática profissional


OBJECTIVE: The study aimed to understand the working process of the nurse according to the perspective of professors of the Undergraduate Nursing Course at Universidade Federal de São Paulo. METHODS: Exploratory study with a qualitative approach, having 14 professors as its subjects; the focus group technique was chosen for data collection, and the material was analyzed according to the method of content analysis. RESULTS: The meaning of the nurses' working process comprised three categories: composition of the nurses' working process, differentials of the nurses' work when compared to other healthcare professionals and dichotomies of the nurses' working process in education. CONCLUSION: The meanings of this process were the group of the working processes: caring, managing, teaching and researching, whose working core is the process of caring. However, healthcare management was not evidenced by the focus group. The nurses' working process was considered complex and confusing.

Nurses, male; Nurses, female; Nurse's role; Education; Professional practice


OBJETIVO: En este estudio se tuvo como objetivo comprender el proceso de trabajo del enfermero en la visión de profesores del Pregrado en Enfermería de la Universidad Federal de Sao Paulo. MÉTODOS: Se trata de un estudio exploratorio con abordaje cualitativo, teniendo como sujetos a 14 profesores; la técnica de recolección de datos elegida fue el grupo focal y el análisis del material estuvo fundamentado en el método de análisis de contenido. RESULTADOS: El significado del proceso de trabajo del enfermero comprendió tres categorías: composición del proceso de trabajo del enfermero; diferencial del trabajo del enfermero frente a otros profesionales de salud y dicotomías del proceso de trabajo del enfermero en la formación. CONCLUSIÓN: Los significados de ese proceso fueron: conjunto de los procesos de trabajo - cuidar, administrar, enseñar e investigar-, cuyo núcleo de trabajo es el proceso de cuidar, entre tanto, administrar el cuidado no fue evidenciado por el grupo focal. El proceso de trabajo del enfermero fue considerado complejo y confuso.

Enfermeros; Enfermeras; Rol de la enfermera; Formación; Práctica profesional


ARTIGO ORIGINAL

Processo de trabalho do enfermeiro: visão de professores de uma universidade pública*

Proceso de trabajo del enfermero: visión de profesores de una universidad pública

Luiza Hiromi TanakaI; Maria Madalena Januário LeiteII

IPós-graduanda em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil; Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

IILivre-docente, Professora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Autor Correspondente

RESUMO

OBJETIVO: O estudo teve por objetivo compreender o processo de trabalho do enfermeiro na visão de professores do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo.

MÉTODOS: Estudo exploratório de abordagem qualitativa, tendo como sujeitos 14 professores; a técnica de coleta de dados elegida foi o grupo focal e a análise do material foi fundamentada no método de análise de conteúdo.

RESULTADOS: O significado do processo de trabalho do enfermeiro compreendeu três categorias: composição do processo de trabalho do enfermeiro; diferencial do trabalho do enfermeiro frente a outros profissionais de saúde e dicotomias do processo de trabalho do enfermeiro na formação.

CONCLUSÃO: Os significados desse processo foram: conjunto dos processos de trabalho - cuidar, administrar, ensinar e pesquisar, cujo núcleo do trabalho é o processo cuidar, entretanto, administrar o cuidado não foi evidenciado pelo grupo focal. O processo de trabalho do enfermeiro foi considerado complexo e confuso.

Descritores: Enfermeiros; Enfermeira; Papel do profissional de enfermagem; Ensino; Prática profissional

RESUMEN

OBJETIVO: En este estudio se tuvo como objetivo comprender el proceso de trabajo del enfermero en la visión de profesores del Pregrado en Enfermería de la Universidad Federal de Sao Paulo.

MÉTODOS: Se trata de un estudio exploratorio con abordaje cualitativo, teniendo como sujetos a 14 profesores; la técnica de recolección de datos elegida fue el grupo focal y el análisis del material estuvo fundamentado en el método de análisis de contenido.

RESULTADOS: El significado del proceso de trabajo del enfermero comprendió tres categorías: composición del proceso de trabajo del enfermero; diferencial del trabajo del enfermero frente a otros profesionales de salud y dicotomías del proceso de trabajo del enfermero en la formación.

CONCLUSIÓN: Los significados de ese proceso fueron: conjunto de los procesos de trabajo - cuidar, administrar, enseñar e investigar-, cuyo núcleo de trabajo es el proceso de cuidar, entre tanto, administrar el cuidado no fue evidenciado por el grupo focal. El proceso de trabajo del enfermero fue considerado complejo y confuso.

Descriptores: Enfermeros; Enfermeras; Rol de la enfermera; Formación; Práctica profesional

INTRODUÇÃO

Este artigo faz parte da tese de doutorado que aborda o processo de trabalho do enfermeiro como foco da formação do graduando em enfermagem na perspectiva dos professores.

A Comissão de Estudos em Currículos de Enfermagem (CECE), do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) vinha trabalhando em conjunto com os docentes das disciplinas do Curso de Graduação em Enfermagem, traçando como uma das principais metas a proposição do eixo norteador para a formação do enfermeiro.

Em 2003, como membro representante da Disciplina de Administração Aplicada à Enfermagem na CECE, despertou-se a atenção em conhecer de fato, o trabalho nuclear do enfermeiro na formação dos nossos graduandos. Os estudantes, especialmente os da última série quando os acompanhava nos estágios, questionavam sobre a diferença do trabalho do enfermeiro na equipe de enfermagem, assim como no trabalho multiprofissional e a dicotomia do cuidar e do administrar.

Quanto a formação profissional, os graduandos verbalizavam que havia uma forte característica, o cuidado direto ao paciente, característica esta percebida pela preferência em áreas como as terapias intensivas e a emergência. Paralelamente, tem sido observado que, alguns graduandos optam pela área de Saúde Pública e outros têm como meta ir para a área de ensino e pesquisa, logo após a formação, por acreditarem que a valorização do trabalho do enfermeiro ocorre nestas áreas.

No que diz respeito aos professores, em uma reunião com os representantes das disciplinas da 3ª série, mencionou-se que na Disciplina de Administração III, a característica era que o graduando conhecesse o papel do enfermeiro na prática. Sugeriram a correção, que o graduando conheceria o papel administrativo do enfermeiro, uma vez que, o papel do enfermeiro já estava sendo ensinado desde a 1ª série com as outras disciplinas.

Na Disciplina de Administração, os professores posicionavam que a administração do cuidado e da unidade de trabalho é nuclear da profissão do enfermeiro e que a formação do graduando deve abordar a interação da assistência com a gerência.

No contexto apresentado, começou-se a questionar: Em qual processo de trabalho predomina a formação do graduando em Enfermagem? Qual seria o significado do processo de trabalho do enfermeiro para os professores?

Uma pedagoga do Departamento de Enfermagem e coordenadora da CECE, no período entre 1998 e 2004, descreveu as questões apontadas pelos professores no desenrolar dos trabalhos: A qual objeto nos referimos: o assistir? o cuidar? o ensinar? o investigar? o administrar? Todos estes ou alguns? Nesta ordem ou em outra? Quem ou quê estabelece a ordem?(1)

Diante da possibilidade de ampliar as discussões das questões do processo de trabalho do enfermeiro na formação dos graduandos, iniciou-se o estudo com o objetivo de compreender o processo de trabalho do enfermeiro e os seus elementos, por meio da visão de professores das disciplinas que compõem o Curso de Graduação em Enfermagem da UNIFESP.

Para estudar o trabalho de enfermagem é necessário compreender o processo de trabalho e a sua inserção no trabalho em saúde, uma vez que, a enfermagem integra a prestação de serviços à saúde, como parte do setor terciário da economia brasileira. Portanto, não produz bens a serem estocados e comercializados, e sim serviços que são consumidos no ato de sua produção, no momento da prestação da assistência, tanto individual como grupal ou coletiva. No entanto, diferencia-se de outros trabalhos do mesmo setor terciário de prestação de serviços, na medida em que lida com um objeto humano, os usuários, individualmente, grupos sociais e populações que trazem, aos serviços de saúde, demandas relacionadas ao processo saúde-doença, expressas como necessidades ou problemas de saúde(2).

Marx decompôs o processo de trabalho em três elementos: o objeto do trabalho, aquilo sobre o que incide a atividade e que será transformado no decorrer do processo, constituindo-se em produto; os meios e instrumentos do trabalho; e a atividade adequada a um fim, o trabalho propriamente dito, que se organiza de uma forma específica(3).

O processo de trabalho de enfermagem particulariza-se em uma rede ou subprocessos que são denominados cuidar ou assistir, administrar ou gerenciar, pesquisar e ensinar. Cada um destes pode ser tomado como um processo à parte com seus próprios elementos (objeto, meios/instrumentos e atividade), e podem ou não coexistir em determinado momento e instituição. Nesses diferentes processos, os agentes, ou seja, os trabalhadores de enfermagem, inserem-se de forma heterogênea e hierarquizada, expressando a divisão técnica e social do trabalho de enfermagem(4).

Estudos mostram a divisão social e técnica do trabalho de enfermagem, segundo a qual cabe ao pessoal de enfermagem de nível médio, majoritariamente, as atividades assistenciais e ao enfermeiro as ações de gerenciamento do cuidado e da unidade. A ação de cuidar e administrar é fruto de um resultado histórico e social da prática de saúde do século XIX, na Inglaterra, com Florence Nightingale(1,5-6).

No que se refere à organização e à execução do cuidado do doente, há formação de duas categorias diferentes: as ladynurses e as nurses. As primeiras eram consideradas estudantes especiais, cuja formação incluía aulas sobre administração e chefia e mais dois anos de prática, e as nurses, alunas consideradas comuns, não eram preparadas para administração, mas para execução dos cuidados aos doentes(5-6).

Nesse contexto, a complexidade do cuidar do enfermeiro é mais abrangente, e alguns autores têm trazido a tônica da especificidade do trabalho do enfermeiro, o gerenciamento do cuidado, que integra o cuidar e o administrar(1-7-9).

Sendo assim, na formação dos graduandos é necessário que estes se apropriem do trabalho profissional nas suas práticas, no somatório do pensar dos professores e nos conhecimentos adquiridos em cada disciplina.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, exploratório, desenvolvido no Departamento de Enfermagem da UNIFESP, instituição pública localizada no Município de São Paulo. Anualmente, ingressam 88 estudantes no Curso de Graduação em Enfermagem, que tem a duração de quatro anos, é ministrado em período integral, perfazendo um total de 5021 horas.

A coordenação deste Curso integra a Comissão Curricular, que se responsabiliza pelas questões administrativas e assistenciais relacionadas aos graduandos. Essa Comissão tem o apoio da CECE, que trata das questões do Projeto Político Pedagógico do Curso de Graduação em Enfermagem. Os membros da CECE são representados por professores das disciplinas curriculares e por graduandos das 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries do Curso.

Os sujeitos deste estudo foram 14 professores do Curso de Graduação em Enfermagem da UNIFESP das Disciplinas de Enfermagem: Pediátrica, Obstétrica, Saúde do Adulto e Saúde Coletiva. Houve uma falta do professor da Disciplina de Administração.

O contato inicial com os professores para convidá-los a participar do estudo foi por meio do correio eletrônico enviado a cada um dos professores que faziam parte do quadro de pessoal do Departamento de Enfermagem, que atuava com os graduandos na teoria e nos estágios e que tivesse mais de cinco anos de atuação no Curso de Graduação em Enfermagem da UNIFESP. À medida que as respostas iam chegando com a confirmação da participação, registrava-se o melhor horário e dia da semana até formar um grupo de 15 professores. Após esta formação, a chamada foi encerrada.

A técnica utilizada para a coleta de dados foi o Grupo Focal (GF), cuja aplicação é indicada para o estudo das representações presentes em um dado grupo social, porque, de certo modo, simula conversações espontâneas pelas quais as representações são vinculadas no cotidiano(10). Portanto, justifica-se a escolha desta estratégia metodológica, neste estudo, pela possibilidade de reunir os professores de diferentes disciplinas, promovendo a reflexão crítica sobre o processo de trabalho do enfermeiro. O questionamento inicial do encontro foi: qual é o significado do processo de trabalho do enfermeiro? Vale esclarecer que nos outros quatro encontros subseqüentes a temática abordada foi, respectivamente, cada processo de trabalho do enfermeiro: cuidar, administrar, ensinar e pesquisar. A discussão, compartilhada com os professores por meio de GF sobre o processo de trabalho do enfermeiro, trouxe diferentes aspectos e os questionamentos dos graduandos foram evidenciados como dúvidas dos próprios docentes.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (Processo nº 0331/07) e, previamente à coleta de dados, os sujeitos da pesquisa foram informados sobre o objetivo do estudo, assim como acerca da técnica de coleta adotada, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e permitindo a gravação da sessão, antes do início do trabalho. A sessão teve a duração de duas horas e, antes do término, foi feita a validação do encontro por meio de uma síntese dos pontos discutidos.

A coordenadora do grupo foi a própria pesquisadora e a observadora do grupo, uma psicóloga organizacional. As falas foram anotadas, sintetizadas e analisadas, ressaltando os pontos essenciais, assim como suas percepções em relação aos sujeitos e ao grupo.

O método que utilizamos para a análise das falas do GF foi à análise de conteúdo que, em termos gerais, relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados. Na busca de atingir os significados manifestos e latentes no material qualitativo, foi utilizada a técnica de análise temática, que consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem ou desvelem algo importante para os sujeitos e para o objetivo analítico do estudo(10).

As três etapas para operacionalizar a análise temática foram: a pré-análise, que consistiu em uma leitura flutuante e organização do material obtido no GF, que foi transcrito pelo pesquisador e validado pelos sujeitos da pesquisa, aos quais foram atribuídos os seguintes pseudônimos: Quaresmeira, Acácia, Figueira, Cajueiro, Salgueiro, Jacarandá, Carvalho, Amoreira, Eucalipto, Oliveira, Cedro, Cipreste, Manacá e Mangueira; a exploração do material, que implicou na operação de classificação e agregação dos dados, escolhendo as categorias que comandaram a especificação dos temas; e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação que consistiu na apresentação da síntese das categorias e na interpretação à luz do referencial sobre o processo de trabalho de enfermagem e do enfermeiro.

RESULTADOS

Em relação à identificação das participantes da investigação, todas eram do sexo feminino, sendo que, quatro e dez possuíam, respectivamente, o título de mestre e de doutor, 9 tinham de 10 a 20 anos e 5 de 21 a 30 anos de tempo de ensino na graduação.

Depreendemos das falas dos sujeitos desse estudo, três categorias temáticas centrais descritas a seguir.

Composição do processo de trabalho do enfermeiro - os núcleos de sentido identificados foram: "compõem os quatro processos: cuidar, administrar, educar e pesquisar", "o cuidar é a essência do trabalho do enfermeiro" e "definir o processo de trabalho do enfermeiro e os seus elementos é muito confuso e complexo".

Os sujeitos manifestaram concordância que o processo de trabalho do enfermeiro é composto dos processos cuidar, administrar, educar e pesquisar, e que não existe dicotomia entre eles. Ainda destacaram que o professor deve formar o aluno para cuidar e os outros processos, pesquisar, administrar e ensinar, giram em torno. Houve confusão ao definir o processo de trabalho do enfermeiro e, como se processa a organização do trabalho do enfermeiro.

Quanto ao objeto de trabalho do enfermeiro, um dos sujeitos disse: "(...)o processo de trabalho do enfermeiro, é o cuidado individual, familiar e comunidade". (Mangueira)

Quanto ao resultado ou a finalidade do processo de trabalho do enfermeiro, para os sujeitos é a promoção, a proteção, a reabilitação e a recuperação da saúde.

Carvalho manifestou que o processo de trabalho do enfermeiro é bastante complexo e que envolve a assistência, a pesquisa e o ensino. E, ainda, que "O processo de trabalho do enfermeiro está muito confuso. Rodeamos e não definimos".

Foi evidente que nomear e diferenciar os processos de trabalho e os seus elementos foram as dificuldades percebidas pelos sujeitos, especialmente no que tange ao trabalho nuclear do enfermeiro, e seu objeto de trabalho. Todavia, existiu um consenso que a essência do processo de trabalho do enfermeiro é o cuidar. "(...) o processo de trabalho é muito parecido com o processo de cuidar. Parece que todos nós temos algo em comum...muito comum...enquanto processo de trabalho para nós, docentes." (Figueira)

Diferencial do trabalho do enfermeiro frente a outros profissionais de saúde - Os núcleos de sentido que destacamos nesta categoria foram: "o cuidar não é prerrogativa do enfermeiro" e "o trabalho do enfermeiro integra com os outros profissionais da saúde".

Um dos sujeitos mostrou a preocupação do diferencial do trabalho do enfermeiro nesta fala: "a impressão que eu tenho é que essa discussão do assistir, do cuidar, do ensinar e do pesquisar, ele responde ao processo de trabalho para qualquer profissional de saúde. (...) Então, o que me veio na mente é, o que diferencia o processo de trabalho dos outros profissionais, não enfermeiros. E aí, eu não consigo ver a diferença. Porque o próprio cuidado não é uma prerrogativa do enfermeiro. (...) Porque quando vem o processo de trabalho do enfermeiro como profissional está me faltando a especificidade de quem é o enfermeiro."

O cuidado específico do enfermeiro é colocado em dúvida por Mangueira como mostra a seguinte fala: "a questão do cuidar, eu acho que está tão confuso na cabeça de todo mundo, nós enquanto professores eu vou dar um exemplo que eu vivi da época como acompanhante dentro do Hospital. A alimentação, na geriatria, é a fonoaudióloga que foi lá e ensinou como posiciona a sonda e como administra. Aspirar é do enfermeiro? Não sei mais! Então, como a gente não sabe o que é o nosso cuidado, então começa a acontecer essas coisas. Quando a gente não tem definido o que é, não transformamos aquela ação como coisa nossa."

Cipreste colocou que o processo de trabalho do enfermeiro é o cuidado no aspecto da integralidade e do multiprofissionalismo.

Dicotomias do processo de trabalho do enfermeiro na formação - Os núcleos de sentido que identificados foram: cuidar e administrar, o ideal e o real, a saúde pública e o hospital.

Houve uma reflexão de um dos sujeitos em relação ao o quê estamos ensinando e o quê o mercado de trabalho está mostrando aos nossos estudantes.

Jacarandá manifestou-se sobre a questão do mercado de trabalho, que exige do enfermeiro mais administrar do que cuidar. Figueira nomeou essa condição externa, de ensino paralelo, questionando se ensinamos o processo de trabalho, uma vez que, o que ensinamos parece não atender à demanda ou estamos dando poucos subsídios para instrumentar o enfermeiro a dar conta não só desse mercado, mas aquilo que o mobilizou a ser enfermeiro.

Manacá destacou que o processo de trabalho na perspectiva do mercado, espera do enfermeiro o que a universidade nem sempre acredita que o enfermeiro tem que ser. Como exemplo disso, Manacá retratou a sua realidade com os estudantes: "Eu enfatizo muito a necessidade do enfermeiro se colocar como um ser político, porque eu acredito que enquanto ser político, ele pode ser agente da sua própria transformação, conquistar o reconhecimento social. No entanto, o enfermeiro é um profissional de quem se espera a 'mão' - ele precisa saber executar técnicas - o mercado e/ou os usuários do seu serviço esperam dele a presteza no desenvolvimento das técnicas - não se espera que seja crítico - e a ausência do pensamento crítico pode ocasionar ações alienadas. E agora, enquanto enfermeiro, tem uma especificidade que, hoje, eu acho que é a técnica. Eu acho que o cuidado de enfermagem está fundamentado na técnica."

Quanto a dicotomia entre a saúde pública e o hospital, evidencia-se uma percepção e até um certo preconceito de não dar importância para a saúde pública, percebidos pelos sujeitos do GF. "São dicotômicos sim e existe o pré-conceito e o estudante já aprende o preconceito." (Manacá). "Como os estudantes aprendem a ver o indivíduo como um todo, se no nosso Departamento há uma dicotomia entre o hospital e a saúde pública?" (Cedro). Diante dessa problemática, Figueira colocou que fica confuso para o estudante até aprender o processo de trabalho e o cuidado nessa amplitude.

DISCUSSÃO

A composição do processo de trabalho do enfermeiro confunde-se com o processo de trabalho em enfermagem e em saúde - cuidar, administrar, ensinar e pesquisar, assim como em relação aos seus elementos: objeto, meios e finalidade do trabalho.

Essa situação é natural porque as práticas de enfermagem tornam-se complexas à medida que são apreendidas articuladamente às práticas de saúde e demais práticas sociais, e que têm o caráter peculiar de constituírem-se, efetivamente, como trabalhos inseridos em processos de produção de serviços. O processo de trabalho somente pode ser apreendido enquanto tal, se considerados simultânea e articuladamente, todos os seus componentes. E, ainda, que um dado processo de trabalho não ocorre isoladamente, mas sim numa rede de processos que se alimentam reciprocamente(7).

Quanto aos elementos que compõem os processos de trabalho como um processo de transformação, é importante evidenciar que se dá mediante a atividade de trabalho, realizada com o consumo produtivo de força de trabalho, e a intermediação de instrumentos que o agente insere entre ele próprio e o objeto, para dirigir sua atividade a uma dada finalidade. Assim, o processo de trabalho só pode ser apreendido como tal, se considerados, simultânea e articuladamente, todos os seus elementos(7).

Neste estudo, não foi possível discutir os elementos que compõem o trabalho do enfermeiro, de maneira mais aprofundada. Sobretudo, foi destacado pelo GF que o cuidado profissional do enfermeiro era o objeto de trabalho desse profissional.

Uma pesquisa bibliográfica sobre as especificidades dos elementos que compõem os processos de trabalho de enfermagem, resultou em duas frentes sobre o objeto de trabalho do enfermeiro, o cuidado de enfermagem e o gerenciamento do cuidado(11). Ambos os objetos expressam a dupla dimensão intrínseca do processo de trabalho do enfermeiro- o trabalho assistencial e o gerencial.

Tradicionalmente, na enfermagem a composição do processo de trabalho, o assistir/cuidar relaciona as atividades desenvolvidas diretamente junto à clientela, é definido como a atividade principal, e as demais comporiam as atividades indiretas, ou seja, de preparo e suporte para a primeira(12).

A Portaria n.º 1.721/94, do Ministério da Educação, define o perfil do enfermeiro na perspectiva de uma formação generalista com competência para o desenvolvimento de suas atividades em quatro áreas fundamentais, ou seja, assistência, gerência, ensino e pesquisa. O processo de formação do enfermeiro deve estar voltado para o cuidado do ser humano no seu ciclo evolutivo, abrangendo a promoção, proteção e recuperação da saúde(13).

Ainda, busca corrigir a dicotomia preventivo/curativo, propondo o desenvolvimento de disciplinas com enfoque na assistência individual e coletiva, com prática / estágios tanto na área hospitalar como na rede básica de serviços de saúde. Essa proposta explicita, como marco referencial, a visão crítica das condições de vida e do perfil epidemiológico da população, considerando a demanda dos serviços de saúde e as diretrizes políticas emanadas para o setor saúde(14).

Em referência à saúde individual e coletiva, o modelo clínico tem por finalidade a recuperação do corpo individual e a enfermagem, portanto, neste modelo clínico de saúde, é parte do trabalho médico; sua ação é um instrumento que cuidará ou fará cuidar do corpo doente(15).

Enquanto trabalho coletivo, as ações de enfermagem são executadas em conjunto com outros trabalhos realizados por distintos agentes da equipe multiprofissional de saúde. Nessa articulação para a assistência à saúde, cada trabalho especializado é o meio para a realização do trabalho em saúde(2).

Em relação ao diferencial do trabalho do enfermeiro, estudos realizados sobre o processo de trabalho, evidenciam o cuidar como a essência do trabalho de enfermagem, enquanto o processo de trabalho, gerenciar o cuidado e a unidade, deu a especificidade do enfermeiro tanto no ambiente hospitalar como nas unidades básicas de saúde. As enfermeiras reconhecem e expressam a existência de intenso conflito e tensão entre o gerenciamento do cuidado, sua ação privativa e predominante, e a execução do cuidado, a cargo, sobretudo, do auxiliar de enfermagem(11,16-17). Nesse aspecto, os sujeitos do GF não apontaram a relação da execução do cuidado direto com o pessoal auxiliar e/ou técnico de enfermagem, mas somente com o enfermeiro.

Portanto, para os sujeitos, o cuidar foi considerado o processo de trabalho principal no ensino para caracterizar o enfermeiro que queremos formar, enquanto o gerenciar como essência do trabalho do enfermeiro, aparece como uma necessidade do mercado de trabalho.

Em relação a essa temática, a discussão girou em torno do enfermeiro inserido com os outros profissionais de saúde, não com a equipe de enfermagem. E, o processo de trabalho do enfermeiro, administrar/gerenciar, não foi conflitante, colocando esse processo como meio para cuidar, assim como o educar e o pesquisar, enfatizando que o trabalho nuclear do enfermeiro é o cuidado direto.

Em relação a essa evidência dos sujeitos do GF, corrobora com o que o graduando verbaliza, quando diz que o processo de trabalho do enfermeiro que o nosso Curso enfatiza é o processo de trabalho cuidar, focado no cuidado direto. Quando se depara com a Disciplina de Administração, o graduando sofre a dicotomia do cuidado direto e o indireto, que confunde com o cuidado ao paciente, o gerenciamento do cuidado e da unidade de trabalho.

O diferencial que irá demarcar o gerenciamento feito pelos enfermeiros como sendo verdadeiramente gerenciamento do cuidado será o seu posicionamento diante do modo como desenvolvem o trabalho. É necessário levar em conta como esses profissionais se envolvem em suas atividades, que saberes utilizam e, principalmente, a quem ou ao que respondem quando os utilizam(8).

As práticas do cuidado devem estar sustentadas pela utilização diferenciada e inovadora dos distintos tipos de tecnologias, que não só as pertencentes aos modelos tecnológicos utilizados no desenvolvimento da administração científica e no modelo clínico de assistência. O gerenciamento do cuidado exige dos profissionais de saúde, e particularmente do enfermeiro, uma visão que integre e acolha os valores e lógicas diferenciadas impressos nas necessidades dos usuários, não manifestos ou reconhecidos até algum tempo atrás(8).

Quanto a dicotomia entre a teoria e a prática, entre o que se ensina, o que o enfermeiro tem sido (des)preparado para fazer e o que faz, têm originado uma crise, também histórica, de identidade profissional(18).

Em muitas escolas, o que parece estar sendo construído ou idealizado é o trabalho do enfermeiro como algo pronto e acabado, capaz de encaixar-se, numa estrutura, também pronta e perfeita, na qual, o enfermeiro realiza o cuidado direto e de qualidade ao paciente. Contudo, ao graduar-se, o enfermeiro confronta-se com as exigências do mercado de trabalho, para as quais, provavelmente, pelo tipo de ensino ministrado, não recebeu o devido preparo. Este tipo de formação, ainda, não tem sido adequadamente trabalhado no cotidiano de forma sistemática(19) e, assim, tornam-se dicotômicos.

A partir da revisão de literatura sobre o processo de trabalho do enfermeiro, o educar, ocorreu, principalmente, na educação em saúde e da equipe de enfermagem para qualificar o pessoal a assistir. Entretanto, o processo de trabalho, pesquisar, como necessidade da formação profissional do enfermeiro, não foi relevante.

Portanto, a partir deste estudo poderemos avançar abrangendo outras temáticas desse GF, e aprofundar sobre o significado de cada processo de trabalho do enfermeiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo respondeu ao objetivo proposto e o ponto gratificante foi a realização do GF, considerado um grande aprendizado para o grupo.

Percebeu-se que, se não houvesse professores da área de Saúde Coletiva presentes, o olhar para a formação seria mais no âmbito hospitalar, no seu cuidado técnico e individual. Observou-se a falta de unidade de quem é o enfermeiro que queremos formar, mediante o significado do processo de trabalho do enfermeiro.

Verbalizações de graduandos em relação às dúvidas apresentadas sobre o diferencial do trabalho do enfermeiro na equipe de enfermagem, assim como no trabalho multiprofissional a dicotomia do cuidar e do administrar e a forte característica da nossa formação, o cuidado direto ao paciente, foram compreendidas, mas mereceriam discussões mais aprofundadas, assim como os elementos que compõem os processos de trabalho do enfermeiro que não foram destacados nesse estudo, especialmente o objeto como parte do trabalho do enfermeiro.

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    Luiza Hiromi Tanaka
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      02 Jun 2008
    • Recebido
      29 Set 2007
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