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Conhecimento sobre terapêutica medicamentosa em diabetes: um desafio na atenção à saúde

Conocimiento sobre la terapéutica medicamentosa en diabetes: un desafío en la atención a la salud

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o conhecimento dos pacientes acerca da terapia medicamentosa em uso para o controle do diabetes mellitus. MÉTODOS: Estudo descritivo transversal realizado em um centro universitário do interior paulista, em 2007. Foram entrevistados 46 pacientes com diabetes, mediante questionário que investigou variáveis sociodemográficas, clínicas e referentes à terapia medicamentosa. Foi realizada análise univariada dos dados e cálculo de medidas de tendência central. RESULTADOS: Dos participantes, 89,1% utilizavam antidiabéticos orais, 41,3% insulina e 30,4% terapia combinada com antidiabéticos orais e insulina. Dos 46 investigados, 56,5% apresentaram déficit no conhecimento acerca da terapia medicamentosa para o controle do diabetes mellitus. CONCLUSÃO: A maioria dos pacientes apresentou déficit de conhecimento em relação ao medicamento em uso. Os resultados apontam a necessidade de construção de um processo de reorientação da atenção ao paciente nos serviços de saúde, pois não basta oferecer os medicamentos, mas é preciso avaliar a forma como vêm sendo utilizados.

Enfermagem; Diabetes mellitus; Avaliação; Educação do paciente como assunto


OBJETIVO: Evaluar el conocimiento de los pacientes respecto a la terapia medicamentosa usada para el control de la diabetes mellitus. MÉTODOS: Se trata de un estudio descriptivo transversal realizado en un centro universitario del interior de São Paulo, en el 2007. Fueron entrevistados 46 pacientes con diabetes, mediante un cuestionario que permitió investigar variables sociodemográficas, clínicas y referentes a la terapia medicamentosa. Fue realizado el análisis univariado de los datos y cálculo de medidas de tendencia central. RESULTADOS: De los participantes, el 89,1% utilizaban antidiabéticos orales, el 41,3% insulina y el 30,4% terapia combinada con antidiabéticos orales e insulina. De los 46 investigados, el 56,5% presentó déficit en el conocimiento respecto a la terapia medicamentosa para el control de la diabetes mellitus. CONCLUSIÓN: La mayoría de los pacientes presentó déficit de conocimiento con relación al medicamento en uso. Los resultados indican la necesidad de construir un proceso de reorientación de la atención al paciente en los servicios de salud, pues no sólo basta ofrecer los medicamentos, sino también evaluar la forma cómo están siendo utilizados.

Enfermería; Diabetes mellitus; Evaluación; Educación del paciente como asunto


OBJECTIVE: To assess and describe patients' knowledge regarding medication therapy to treat diabetes mellitus. METHODS: This descriptive cross-sectional study was conducted in 2007 at a university center in the interior of São Paulo State, Brazil. Forty-six patients with diabetes were interviewed using a structured questionnaire to gather sociodemographic, clinical, and medication information. Data analysis consisted of univariate statistics and measures of central tendency. RESULTS: The majority of participants (89.1%) used oral hypoglycemic agents, 41.3% used insulin injections, and 30.4% used a combination therapy oral hypoglycemic agents and insulin injections. A large number of participants (56.5%) had knowledge deficit regarding their medication regimen. CONCLUSION: The findings suggest the need to develop a more effective patient orientation process in the health care services. It is not enough to offer the medication; one must also comprehensively assess patients' knowledge and use of the medication.

Nursing; Diabetes mellitus; Evaluation; Patient education as topic


ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento sobre terapêutica medicamentosa em diabetes: um desafio na atenção à saúde* * Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP, Ribeirão Preto (SP), Brasil.

Conocimiento sobre la terapéutica medicamentosa en diabetes: un desafío en la atención a la salud

Heloisa Turcatto Gimenes FariaI; Maria Lúcia ZanettiII; Manoel Antônio dos SantosIII; Carla Regina de Souza TeixeiraIV

IMestre em Enfermagem Fundamental. Doutoranda do Programa de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP, São Paulo (SP), Brasil

IIProfessor Associado do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP, Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIIDoutor, Professor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP, Ribeirão Preto (SP), Brasil

IVProfessor Doutor do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP, Ribeirão Preto (SP), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Maria Lúcia Zanetti Av. Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre Ribeirão Preto - SP - Brasil - Cep: 14040-902 E-mail: zanetti@eerp.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o conhecimento dos pacientes acerca da terapia medicamentosa em uso para o controle do diabetes mellitus.

MÉTODOS: Estudo descritivo transversal realizado em um centro universitário do interior paulista, em 2007. Foram entrevistados 46 pacientes com diabetes, mediante questionário que investigou variáveis sociodemográficas, clínicas e referentes à terapia medicamentosa. Foi realizada análise univariada dos dados e cálculo de medidas de tendência central.

RESULTADOS: Dos participantes, 89,1% utilizavam antidiabéticos orais, 41,3% insulina e 30,4% terapia combinada com antidiabéticos orais e insulina. Dos 46 investigados, 56,5% apresentaram déficit no conhecimento acerca da terapia medicamentosa para o controle do diabetes mellitus.

CONCLUSÃO: A maioria dos pacientes apresentou déficit de conhecimento em relação ao medicamento em uso. Os resultados apontam a necessidade de construção de um processo de reorientação da atenção ao paciente nos serviços de saúde, pois não basta oferecer os medicamentos, mas é preciso avaliar a forma como vêm sendo utilizados.

Descritores: Enfermagem; Diabetes mellitus; Avaliação; Educação do paciente como assunto

RESUMEN

OBJETIVO: Evaluar el conocimiento de los pacientes respecto a la terapia medicamentosa usada para el control de la diabetes mellitus.

MÉTODOS: Se trata de un estudio descriptivo transversal realizado en un centro universitario del interior de São Paulo, en el 2007. Fueron entrevistados 46 pacientes con diabetes, mediante un cuestionario que permitió investigar variables sociodemográficas, clínicas y referentes a la terapia medicamentosa. Fue realizado el análisis univariado de los datos y cálculo de medidas de tendencia central.

RESULTADOS: De los participantes, el 89,1% utilizaban antidiabéticos orales, el 41,3% insulina y el 30,4% terapia combinada con antidiabéticos orales e insulina. De los 46 investigados, el 56,5% presentó déficit en el conocimiento respecto a la terapia medicamentosa para el control de la diabetes mellitus.

CONCLUSIÓN: La mayoría de los pacientes presentó déficit de conocimiento con relación al medicamento en uso. Los resultados indican la necesidad de construir un proceso de reorientación de la atención al paciente en los servicios de salud, pues no sólo basta ofrecer los medicamentos, sino también evaluar la forma cómo están siendo utilizados.

Descriptores: Enfermería; Diabetes mellitus; Evaluación; Educación del paciente como asunto

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é considerado um importante problema de Saúde Pública, em nível mundial e nacional, em virtude do aumento de sua prevalência, bem como pelas repercussões sociais e econômicas que acarreta, tais como comprometimento da produtividade, qualidade de vida e sobrevida dos indivíduos, aposentadorias precoces, altos custos do tratamento e complicações(1-2).

No Brasil e em Ribeirão Preto-SP, estudos multicêntricos de diabetes mellitus mostraram prevalência de 7,6% e 12,1%, respectivamente, na população de 30 a 69 anos(3-4). Esse panorama levou o Ministério da Saúde, em 2002, a fazer parcerias com várias instituições públicas e sociedades científicas, para elaborar um Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus(5). Esse Plano, implementado a partir de 2003, constituiu-se em uma estratégia que visa aumentar a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e o controle de hipertensão arterial e do DM, por meio da reorganização da rede básica dos serviços de saúde, dando-lhes resolubilidade e qualidade no atendimento.

Esse Plano foi subdividido, para sua implementação, em cinco etapas. Uma delas corresponde à confirmação diagnóstica e início da terapêutica. Nessa direção, a Portaria n.º 371/GM/2002, publicada no Diário Oficial da União, criou o Programa Nacional de Assistência Farmacêutica, garantindo, por meio do Ministério da Saúde, após o cadastramento dos pacientes hipertensos e diabéticos, os medicamentos necessários para o controle da hipertensão arterial e do DM(6).

A implementação dessa etapa garantiu que os pacientes cadastrados tivessem acesso aos medicamentos para o controle, em particular do DM. Por outro lado, novos desafios se apresentam nesse cenário.

Um dos desafios consiste na aquisição de conhecimento, pelo paciente com DM, acerca de sua terapêutica medicamentosa, como a adequada utilização dos medicamentos prescritos para o controle da doença, de modo a evitar complicações agudas e crônicas(7). Reconhece-se que a obtenção de um bom controle metabólico é fruto da conjugação de diversos fatores, tais como o conhecimento do paciente diabético acerca dos aspectos fisiopatológicos e de tratamento da doença, reeducação nutricional, incremento da atividade física, exame regular dos pés, automonitorização da glicemia capilar, sinais e sintomas da hipoglicemia e prevenção das complicações crônicas, manejo da doença em situações especiais e apoio familiar(1,5,7-8).

O presente estudo focaliza o conhecimento em relação ao uso do medicamento pelo paciente, quanto à dose, horário, número de comprimidos e número de vezes ao dia. Presume-se que esse conhecimento pode apresentar correlação direta com a compreensão que o paciente tem acerca da importância e necessidade do plano terapêutico instituído. Desse modo, a compreensão do conhecimento sobre o uso dos medicamentos prescritos pode levar a sua utilização correta, otimizando o controle do diabetes mellitus.

Há um déficit significativo de conhecimento e de habilidade em 50% a 80% dos indivíduos com DM(8). O controle glicêmico, verificado mediante o exame da hemoglobina glicosilada (HbA1c), é alcançado em menos da metade de pacientes com DM tipo 2(9).

A prevenção de complicações por meio do autocontrole da doença e uso adequado dos medicamentos requer o desenvolvimento de atividades de ensino ou práticas educativas de saúde direcionadas ao paciente diabético e a sua família, o que possibilita ao paciente conviver melhor com sua condição crônica(10-11).

No entanto, há lacunas no conhecimento produzido acerca do processo educativo em DM. A complexidade das características da aprendizagem para indivíduos adultos é um dos desafios para a projeção de estudos futuros. Por outro lado, é urgente a necessidade de planejar e implementar intervenções efetivas a longo prazo para alcançar mudanças no cuidado à saúde(12).

Reconhecendo a educação para o uso racional da terapêutica medicamentosa como um componente fundamental do tratamento ao paciente diabético, de modo a otimizar os recursos aplicados pelo Ministério da Saúde, o presente estudo se propôs a avaliar o conhecimento dos pacientes acerca da terapia medicamentosa em uso para o controle do diabetes mellitus.

MÉTODOS

Estudo descritivo e transversal, realizado em um Centro de Pesquisa e Extensão Universitária do interior paulista, em 2007. Os pacientes cadastrados neste Centro procuram o serviço espontaneamente, mediante divulgação realizada na mídia. O cadastramento ocorre no início de cada ano para a formação de novos grupos. A população do estudo foi constituída por 55 pacientes com diabetes cadastrados no Grupo de Educação em Diabetes do referido Centro. Para o recrutamento dos pacientes, estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: estar cadastrado no serviço, em uso de terapêutica medicamentosa para o controle do DM e concordar em participar do estudo.

Dos 55 pacientes, nove foram excluídos, sendo dois por não fazerem uso de terapia medicamentosa para o controle do DM e sete por desistirem de participar do Grupo de Educação. A amostra de conveniência foi constituída por 46 pacientes com DM tipos 1 e 2, diagnosticado antes do início do Grupo.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, protocolo nº 0541/2005. Para a coleta de dados utilizou-se um questionário contendo 48 questões fechadas, que abrangiam as variáveis sociodemográficas, clínicas e relacionadas ao tratamento medicamentoso. Para a apreciação em relação à clareza dos itens, facilidade de leitura, compreensão e forma de apresentação do questionário construído, foi solicitada a colaboração de três especialistas em diabetes.

Para a análise, do conhecimento do paciente com diabetes em relação à terapêutica medicamentosa para o controle do DM, foi questionado ao paciente o nome do(s) medicamento(s) em uso, a(s) dose(s), o horário de ingestão, o número de vezes e o número de comprimidos que utilizavam ao dia. Além disso, foi solicitado o receituário médico a fim de comparar com os dados referidos, o que possibilitou identificar se realmente o paciente tinha conhecimento em relação aos itens investigados. Privilegiou-se o confronto entre o relato que o paciente fez acerca do uso dos medicamentos e a prescrição médica. Entende-se que o acordo ou desacordo entre o referido e o prescrito reflete uma das dimensões importantes - embora não seja a única - do seu conhecimento a respeito da terapêutica medicamentosa.

Os dados foram coletados após obtenção do consentimento livre e esclarecido dos participantes, no próprio local de estudo, mediante entrevista individual em situação face-a-face, em sala reservada do referido Centro. Cada entrevista teve duração de aproximadamente 30 minutos.

Para análise, foi elaborado um banco de dados no Programa Excel. Os dados foram, posteriormente, transportados para o Programa SPSS 11.5. Foi realizada uma análise univariada dos dados. Os resultados foram organizados em tabelas com distribuição de freqüências absolutas e relativas. Utilizou-se o cálculo de medidas de tendência central, como mediana, média, valores mínimos e máximos. Os dados obtidos quanto à dose, horário, número de comprimidos e número de vezes ao dia dos medicamentos que os pacientes utilizavam para o DM foram comparados com o receituário médico, mediante planilha elaborada pelo pesquisador. Foi considerada resposta correta quando a dose, o horário, o número de vezes e o número de comprimidos referidos pelo usuário estavam em concordância com o receituário médico, parcialmente correto quando um ou mais dos itens avaliados referidos pelo paciente não estavam em concordância, e incorreto quando todos os itens discordaram do receituário médico.

Após essa etapa, os dados foram dicotomizados em: conhecimento geral acerca do medicamento prescrito e déficit de conhecimento acerca da terapêutica medicamentosa. Para aqueles que responderam corretamente a todas as categorias analisadas, quando comparadas ao receituário médico, foi considerado conhecimento adquirido acerca dos medicamentos em uso e para aqueles que responderam de modo parcialmente correto e/ou incorreto, considerou-se déficit de conhecimento.

Nesse estudo a dose, para os antidiabéticos orais, foi considerada a dose referente a cada comprimido prescrito para o DM, ou seja, a dose impressa na embalagem do medicamento e não a dose total do medicamento de que o paciente faz uso. Em relação à insulina foi considerada a dose total de insulina utilizada pelo paciente ao dia. Ao considerar que o horário de ingestão do medicamento para o DM é diferente para cada classe terapêutica, foram considerados o horário correto para os secretores de insulina, como as Sulfoniluréias e as Glinidas, antes das refeições; os sensibilizadores de insulina, como as Biguanidas e as Tiazolidinedionas, durante e imediatamente após as refeições e os inibidores da á-glicosidase, como a Acarbose, durante as refeições.

RESULTADOS

Dos 46 usuários com diabetes investigados no presente estudo, a idade variou de 31 a 80 anos, com mediana de 57 anos, sendo 69,6% do sexo feminino; 78,3% eram casados. Quanto à escolaridade, obteve-se mediana de oito anos de estudo e renda familiar de 4,5 salários mínimos. Quanto ao tipo de DM, 82,6% eram tipo 2; a mediana do tempo de diagnóstico foi de 12,5 anos. A mediana da HbA1c foi de 8,5. As principais comorbidades apresentadas foram: hipertensão arterial (56,5%); dislipidemia (43,5%) e obesidade (41,3%).

Quanto ao tipo de tratamento medicamentoso utilizado para o controle do DM, observa-se, na Tabela 1 que 41,3% faziam uso de insulina, sendo 39,1% de insulina de ação intermediária (NPH), 2,2% associavam NPH com a insulina de ação rápida e apenas 2,2% faziam uso de análogo de insulina de ação prolongada. Cabe destacar que 30,4% recebiam terapia combinada com antidiabéticos orais e insulina.

A Tabela 2 mostra os fatores relacionados ao conhecimento do medicamento de que o paciente faz uso em relação à dose, horário, número de comprimidos e número de vezes ao dia.

Em relação à dose, 39,1% dos participantes referiram corretamente a dose dos medicamentos, 30,4% de forma parcialmente correta e 26,1% de forma incorreta. Quanto ao horário da ingestão do medicamento, 47,8% referiram tomar os medicamentos em horários corretos; 28,3% em horários parcialmente corretos e apenas 19,6% em horário incorreto. No que se refere ao número de comprimidos utilizados, 45,7% referiram corretamente, 10,9% de forma parcialmente correta e 17,4% incorretamente. Quanto ao número de vezes que tomavam os medicamentos, 54,3% responderam corretamente; 23,9% de forma parcialmente correta e 4,3% incorretamente.

Na Tabela 3 verifica-se que 56,5% dos participantes apresentaram déficit no conhecimento acerca do medicamento para o controle do diabetes mellitus.

DISCUSSÃO

Ao analisar o tratamento medicamentoso específico para o diabetes mellitus, obteve-se que 89,1% dos participantes utilizavam antidiabéticos orais, confirmados mediante receita médica, sendo que 26,1% utilizavam os antidiabéticos orais da classe terapêutica das Biguanidas e Biguanidas associadas à Sulfoniluréia, e apenas 4,3% utilizavam somente Sulfoniluréia. Quanto à insulina, 8,7% dos pacientes faziam uso somente de insulina e 30,4% utilizavam insulina associada ao antidiabético oral.

Esses dados estão em discordância com os achados de um estudo que investigou a adesão e a persistência na utilização de medicamentos anti-hiperglicêmicos em pacientes com diabetes tipo 2 durante um e dois anos de seguimento(13). No primeiro ano de seguimento, a maioria dos pacientes (85,3%) utilizava medicamentos da classe terapêutica da Sulfoniluréia, 14% da classe das Biguanidas, apenas 3,9% utilizavam associação da Sulfoniluréia e Biguanida, 14,4% utilizavam somente insulina e 2,1% insulina associada ao antidiabético oral. Após dois anos de seguimento, apesar de ligeiras modificações, esses valores permaneceram relativamente semelhantes(13).

Ao comparar os dados do presente estudo com os obtidos na investigação mencionada, observou-se uma prevalência maior de indivíduos que faziam uso de antidiabéticos orais da classe terapêutica da Sulfoniluréia e de insulina, e menor número de indivíduos que utilizavam terapias combinadas(13).

Outro estudo que investigou o seguimento da terapia medicamentosa por dez anos em pacientes com diabetes tipo 2 mostrou que houve uma redução na porcentagem de pacientes que utilizavam Sulfoniluréia, de 79,2% para 20,5%. Em relação à insulina, houve um aumento de 7,1% para 14,7%, ocorrendo o mesmo quando se utilizou insulina associada a antidiabético oral, de 1,9% para 2,6%. Quanto às Biguanidas, no início do estudo, não se observaram pacientes que faziam uso, mas ao final do estudo foi constatada sua utilização em 9,8% dos pacientes(11).

Para o Ministério da Saúde a Metformina, antidiabético oral da classe terapêutica das Biguanidas, é o medicamento de escolha para a maioria de diabéticos tipo 2. Essa escolha está fundamentada nos resultados do estudo, publicado em 1998, denominado UK Prospective Diabetes Study Group. Esse estudo demonstrou que o tratamento intensificado com Metformina reduz em 29% as complicações microvasculares, enquanto a insulina e os medicamentos da classe terapêutica da Sulfoniluréia reduzem em apenas 25% e 12%, respectivamente. Outro fator considerado refere-se à ausência de efeitos colaterais da Metformina quanto à hipoglicemia e ganho de peso corporal, bem como ao fato de ser considerado um medicamento de uso seguro a longo prazo(14-15).

Por outro lado, para muitos diabéticos tipo 2 a monoterapia com metformina é insuficiente para alcançar o controle glicêmico desejado, principalmente no decorrer do tratamento, sendo necessário adicionar um medicamento da classe da Sulfoniluréia ou até mesmo insulina(14).

No que se refere ao DM tipo 2, na prática clínica os pacientes podem comparecer à primeira consulta no início da evolução da doença, quando há o predomínio da insulinorresistência, ou após vários anos de evolução da enfermidade, cuja principal característica é a insulinopenia. A melhor terapia indicada dependerá da capacidade secretória do pâncreas(1).

Reconhece-se que a terapia medicamentosa no tratamento do DM depende de diversos fatores, tais como as características individuais, os valores de hemoglobina glicosilada, glicemia de jejum e pós-prandial, presença de obesidade, idade, nível socioeconômico, complicações e comorbidades, ação anti-hiperglicemiante do medicamento, entre outros. Portanto, o consenso acerca de um tratamento medicamentoso ideal depende da combinação desses fatores. Há protocolos preestabelecidos com diretrizes específicas de tratamento, mas todos recomendam considerar a individualidade de cada paciente na elaboração do plano terapêutico(1).

O conhecimento do paciente com DM em relação ao medicamento do qual que faz uso, assim como em relação à dose, horário, número de comprimidos e número de vezes ao dia, apresenta relação direta com a compreensão da importância e necessidade do tratamento.

Ao analisar os dados obtidos em relação à dose, horário, número de comprimidos e número de vezes ao dia, verificou-se que, apesar de todas as recomendações e protocolos estabelecidos, os participantes deste estudo ainda carecem de orientações efetivas. Esses dados convergem com os achados de um estudo que comprovou que pacientes que receberam pouca orientação acerca dos antidiabéticos orais utilizavam-nos de maneira inadequada, em prejuízo de seu controle glicêmico(16).

Outro estudo, ao analisar os cinco fatores mais comuns relacionados ao conhecimento e uso dos medicamentos, encontrou que a utilização da dose errada e do medicamento no horário errado foram os mais prevalentes(17).

Estudo realizado entre pacientes com diabetes internados em um hospital de grande porte no interior do Estado de São Paulo, Brasil, mostrou que mais de um terço dos pacientes não soube referir o nome do medicamento utilizado para o controle do diabetes, 51,6% dos pacientes tomavam antidiabéticos orais em horário incorreto e 71,0% responderam de forma insatisfatória quanto à finalidade e propósito dos medicamentos utilizados. Esses resultados apontam que a falta de conhecimento em relação ao uso racional dos medicamentos é um dos componentes que devem ser fortalecidos nos programas de educação em diabetes(18).

A falta de conhecimento acerca da terapia medicamentosa tem causado um forte impacto na saúde e na qualidade de vida das pessoas, especialmente naquelas com uma ou mais condições crônicas de saúde. O número de internações hospitalares e mortes prematuras têm aumentado e estão parcialmente associados ao déficit de conhecimento(19).

A informação clara e precisa ao paciente quanto à utilização dos medicamentos para o controle do DM, fornecida por profissionais de saúde qualificados, pode motivá-lo ao autocuidado e à adesão à terapia medicamentosa. A falta de conhecimento quanto ao nome do medicamento de que faz uso, à dose prescrita pelo médico, o horário correto de ingestão, o número de vezes e comprimidos que devem ser utilizados por dia faz com que o paciente utilize o medicamento de maneira incorreta. Uma abordagem compartilhada entre paciente e profissional de saúde poderia suprir as lacunas de conhecimento das pessoas com diabetes mellitus(20-21).

Em uma revisão sistemática sobre educação em DM e impacto para a saúde evidenciou-se que 50% a 80% dos indivíduos apresentavam déficits no conhecimento e que, em média, ações educativas reduziram os níveis de hemoglobina glicosilada em 0,76% em três meses de seguimento(9). Nessa vertente, os programas de educação em DM devem enfatizar a importância da utilização dos medicamentos para o controle de forma adequada, a fim de minimizar erros na administração desses medicamentos e, assim, obter os benefícios esperados.

Nessa direção, um programa de educação em DM deve passar inicialmente pela reorganização da rede básica de serviços de saúde, otimizando a resolubilidade e a qualidade do atendimento. Essa reorganização deve incluir a capacitação dos profissionais de saúde, para que a quinta etapa do Plano seja plenamente alcançada. Hoje, na rede básica de serviços de atenção à saúde, os medicamentos estão disponíveis para os pacientes com DM cadastrados. No entanto, ainda se constata dificuldade para o cadastramento de todos os pacientes, assim como da falta de organização do atendimento para o uso racional do medicamento.

O uso racional do medicamento passa pela qualificação profissional, para o estabelecimento das principais necessidades da pessoa com DM antes de iniciar a terapêutica medicamentosa. Essas necessidades incluem aumentar o conhecimento do paciente, desenvolver atitudes que levem às mudanças de comportamento, melhora dos parâmetros clínicos e metabólicos, do estado de saúde e da qualidade de vida, a fim de reduzir ou prevenir complicações crônicas(1).

A utilização incorreta do medicamento pode decorrer, entre outros fatores, da falta de conhecimento em relação à terapia medicamentosa, ou seja, o desconhecimento quanto ao nome do medicamento utilizado, a dose prescrita, o horário correto de ingestão, o número correto de comprimidos e número de vezes ao dia. Assim, o paciente que conhece e compreende seu tratamento medicamentoso pode utilizá-lo corretamente, embora isso não assegure necessariamente a utilização correta. Saber como deve ser utilizado o medicamento não garante que o paciente faça a opção por utilizá-lo de forma correta, pois o uso adequado envolve vários outros fatores(18,20-21).

CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo mostraram que a maioria dos pacientes com DM apresentou déficit de conhecimento em relação ao medicamento em uso durante o tratamento da doença.

Esse déficit de conhecimento pode agravar o estado de saúde da pessoa com diabetes e, conseqüentemente, constituir em acréscimo significativo aos custos diretos e indiretos em saúde.

Espera-se que os resultados apresentados no presente estudo ofereçam subsídios para repensar as estratégias de intervenção utilizadas nos serviços de atenção básica à saúde quanto ao uso racional dos medicamentos utilizados durante o tratamento para o controle do diabetes mellitus. É preciso avançar na construção do processo de reorientação da atenção ao paciente, pois não basta oferecer os medicamentos, mas é preciso também avaliar sistematicamente a forma como vêm sendo utilizados pela população, bem como os resultados do enorme investimento que o Ministério da Saúde vem fazendo, tendo em vista a consolidação das políticas públicas adotadas em relação ao acesso aos medicamentos.

Cabe destacar que outros fatores, tais como efeitos adversos, melhora dos sinais e sintomas, motivação, dentre outros, guardam relação com o fenômeno investigado, o que se constitui em uma limitação para a compreensão das implicações dos resultados obtidos no presente estudo. Nessa direção, há necessidade de desenvolvimento de estudos que investiguem a contribuição dessas variáveis para melhor compreensão dessa temática.

Artigo recebido em 26/06/2008 e aprovado em 20/10/2008

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  • Autor Correspondente:
    Maria Lúcia Zanetti
    Av. Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre
    Ribeirão Preto - SP - Brasil - Cep: 14040-902
    E-mail:
  • *
    Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP, Ribeirão Preto (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2009

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2008
    • Aceito
      20 Out 2008
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