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Uso do ultra-som para guiar a punção venosa periférica em crianças: significado para a enfermeira

Uso de ultrasonido para guiar la punción venosa periférica en niños: significado para la enfermera

Resumos

OBJETIVO: Compreender o significado da aplicação de inovação tecnológica para a enfermeira pediatra, como o ultra-som para guiar a punção venosa periférica em crianças hospitalizadas. MÉTODOS: Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa realizada em uma unidade de cirurgia pediátrica de um hospital vinculado ao ensino, na cidade de São Paulo. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com oito enfermeiras. A análise qualitativa de conteúdo foi aplicada para guiar a coleta e análise dos dados. RESULTADOS: A análise permitiu identificar que o desafio é o elemento motivador da enfermeira para promover sua adaptação à inovação tecnológica em sua prática. CONCLUSÃO: É necessário investir em estudos que ajudem a ampliar a compreensão desse processo, de maneira a estimular o desenvolvimento, a aplicação e a utilização das mudanças no cotidiano profissional.

Difusão de inovação; Tecnologia; Ultrassom; Cateterismo periférico


OBJETIVO: Comprender el significado de una aplicación de innovación tecnológica para la enfermera pediatra, como es el caso de ultrasonido utilizado guiar la punción venosa periférica en niños hospitalizados. MÉTODOS: Se trata de una investigación descriptiva de abordaje cualitativo, realizada en una unidad de cirugía pediátrica en un hospital vinculado a la enseñanza, en la ciudad de Sao Paulo. Fueron realizadas entrevistas semiestructuradas con ocho enfermeras. El análisis cualitativo de contenido fue aplicado para guiar la recolección y análisis de los datos. RESULTADOS: El análisis permitió identificar que el desafío es el elemento que motiva a la enfermera a promover la adaptación a la innovación tecnológica en su práctica. CONCLUSIÓN: Es necesario realizar inversiones en estudios que ayuden a ampliar la comprensión de ese proceso, a fin de estimular el desarrollo, la aplicación y la utilización de las innovaciones en lo cotidiano profesional.

Tecnología; Difusión de innovaciónes; Ultrasonido; Cateterismo periférico


OBJECTIVE: To understand the meaning of technological innovations applied in pediatric nurse, such as ultrasound to guide peripheral venipuncture in hospitalized children. METHODS: It is a descriptive and qualitative research conducted in a pediatric surgery unit of a teaching hospital, in the city of Sao Paulo. Semi-structured interviews were conducted with eight nurses. The qualitative content analysis was utilized to guide the collection and analysis of data. RESULTS: The analysis identified that the challenge weas the element that motivated the nurse to promote their adaptation to technological innovation in their practice. CONCLUSION: It is necessary to invest in studies to help broaden the understanding of this process to stimulate the development, implementation and use of changes in current professional practice.

Technology; Diffusion of innovations; Ultrasonics; Catheterization, peripheral


ARTIGOS ORIGINAIS

Uso do ultra-som para guiar a punção venosa periférica em crianças: significado para a enfermeira* * Trabalho realizado em uma unidade de cirurgia pediátrica de um hospital vinculado ao ensino, localizado na cidade de São Paulo (SP), Brasil.

Uso de ultrasonido para guiar la punción venosa periférica en niños: significado para la enfermera

Mariana Cristina Kabakura do AmaralI; Myriam Aparecida Mandetta PettengillII

IAcadêmica do 3ºano do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Bolsista PIBIC/CNPq. São Paulo (SP), Brasil

IIProfessora Adjunto da Disciplina Enfermagem Pediátrica do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Mariana Cristina Kabakura do Amaral R. Napoleão de Barros, 754 - Vila Clementino São Paulo - SP - Brasil - Cep: 04024-002 E-mail: marikabakura@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Compreender o significado da aplicação de inovação tecnológica para a enfermeira pediatra, como o ultra-som para guiar a punção venosa periférica em crianças hospitalizadas.

MÉTODOS: Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa realizada em uma unidade de cirurgia pediátrica de um hospital vinculado ao ensino, na cidade de São Paulo. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com oito enfermeiras. A análise qualitativa de conteúdo foi aplicada para guiar a coleta e análise dos dados.

RESULTADOS: A análise permitiu identificar que o desafio é o elemento motivador da enfermeira para promover sua adaptação à inovação tecnológica em sua prática.

CONCLUSÃO: É necessário investir em estudos que ajudem a ampliar a compreensão desse processo, de maneira a estimular o desenvolvimento, a aplicação e a utilização das mudanças no cotidiano profissional.

Descritores: Difusão de inovação; Tecnologia; Ultrassom; Cateterismo periférico/enfermagem

RESUMEN

OBJETIVO: Comprender el significado de una aplicación de innovación tecnológica para la enfermera pediatra, como es el caso de ultrasonido utilizado guiar la punción venosa periférica en niños hospitalizados.

MÉTODOS: Se trata de una investigación descriptiva de abordaje cualitativo, realizada en una unidad de cirugía pediátrica en un hospital vinculado a la enseñanza, en la ciudad de Sao Paulo. Fueron realizadas entrevistas semiestructuradas con ocho enfermeras. El análisis cualitativo de contenido fue aplicado para guiar la recolección y análisis de los datos.

RESULTADOS: El análisis permitió identificar que el desafío es el elemento que motiva a la enfermera a promover la adaptación a la innovación tecnológica en su práctica.

CONCLUSIÓN: Es necesario realizar inversiones en estudios que ayuden a ampliar la comprensión de ese proceso, a fin de estimular el desarrollo, la aplicación y la utilización de las innovaciones en lo cotidiano profesional.

Descriptores: Tecnología; Difusión de innovaciónes; Ultrasonido; Cateterismo periférico/enfermería

INTRODUÇÃO

O homem é um ser que busca a inovação em todas as dimensões do conhecimento como forma de desafiar a si mesmo e melhor se adaptar ao mundo moderno. Muitas inovações ocorrem a cada segundo, e tendem a proporcionar aumento na praticidade da vida das pessoas e melhoria na qualidade do que está sendo inovado(1).

No Brasil, a capacidade de inovação tecnológica precisa se expandir para que possa não só atender às necessidades imediatas da população com tecnologias apropriadas, como produzir bens e serviços que impulsionem o desenvolvimento econômico(1).

Na ciência da enfermagem não é diferente, pois a inovação não é um elemento novo. Diariamente, as enfermeiras são atraídas por atividades inovadoras e movidas pelo desejo de melhoria no progresso do cuidado ao paciente e família, aliado à necessidade de redução dos custos para o sistema de saúde(2).

Enfermeiras desenvolvem atividades em ambientes altamente tecnológicos e vivenciam situações que são necessariamente fundamentadas e direcionadas pelo conhecimento científico, para alcançar resultados cada vez mais seguros, benéficos e eficazes, que promovam a recuperação da saúde ou alívio do sofrimento do paciente. Tomando como referencial este pressuposto, enfermeiras devem, de modo dinâmico e evolucionário, adotar estratégias que promovam melhores condições de saúde da população, da mesma forma que mantenham os valores e crenças primordiais e essenciais da enfermagem. Assim, para o alcance da evolução da prática, enfermeiras pesquisadoras e assistenciais devem trabalhar de modo integrado, de maneira a produzir avanços para o cuidado de enfermagem prestado ao paciente e família, comunidades ou populações(3-4).

A enfermeira tem uma posição fundamental para criar soluções inovadoras, fazendo assim, uma real diferença no dia a dia de pacientes, comunidades e também na própria profissão(2). Porém, implementar idéias inovadoras na prática não é muito simples, especialmente na área da saúde, pois exige esforços tanto dos enfermeiros como da própria instituição e do sistema.

A habilidade de inovar pode aumentar as oportunidades para o avanço e também para o encontro de formas de trabalho mais efetivas e interessantes. Muitas inovações na área do cuidado não são como uma técnica revolucionária ou uma nova droga, mas sim uma mudança no processo, na maneira de trabalho e nos resultados atingidos(5).

É fundamental divulgar os resultados da aplicação de práticas inovadoras, para que sejam reconhecidas. Também é necessário conhecer como esse novo conhecimento está sendo absorvido no mercado, isto é, se os resultados estão sendo aproveitados na prática clínica.

Percebe-se que há uma preocupação das enfermeiras em implementar inovações tecnológicas em sua prática, porém são poucos os estudos que analisam o comportamento desses profissionais em relação à incorporação de inovações à prática, facilidades e dificuldades para a sua realização, e a mudança da maneira de trabalhar em prol de um benefício para o cuidado.

Em 2005 teve início o projeto de pesquisa "Estudo de intervenções e tecnologias aplicadas ao cuidado de enfermagem pediátrica para a promoção da segurança do paciente submetido à terapia intravascular" - vinculado ao Grupo de Estudos Segurança e Tecnologia (SEGTEC), com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. A finalidade do referido projeto foi verificar se o uso do ultra-som como guia para o procedimento de punção venosa periférica em crianças, pode melhorar a efetividade do procedimento e a detecção precoce de complicações, assim como identificar a satisfação do paciente e de sua família com o cuidado prestado.

Refletindo sobre o conceito de inovação e implementação, considera-se necessário compreender o significado que a enfermeira atribui ao processo de aplicação dessa nova tecnologia em sua prática clinica, pois a aceitação de inovações é um desafio que não emerge espontaneamente como consequência da chegada de um novo conhecimento(4).

Desta forma, questiona-se como é para a enfermeira a aplicação desta inovação em sua prática clinica, como reage a essa mudança e como percebe o resultado dessa inovação para a sua profissão.

OBJETIVO

Compreender o significado da aplicação de inovação tecnológica para a enfermeira pediatra, como o ultra-som para guiar a punção venosa periférica em crianças hospitalizadas.

MÉTODOS

Pesquisa do tipo descritiva, de abordagem qualitativa. Utilizou-se a análise de conteúdo(6) para guiar a coleta e análise dos dados. O estudo foi realizado em uma unidade de cirurgia pediátrica de um hospital vinculado ao ensino, localizado na cidade de São Paulo, que atende, inclusive crianças, desde o período neonatal até adolescentes.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (Processo n.º 154907). Obteve também a autorização da Diretoria de Enfermagem do Hospital e da Chefia de Enfermagem da referida unidade.

Para coleta de dados foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com oito enfermeiras previamente capacitadas para realizar a punção venosa periférica com uso de equipamento de ultra-som (US), e que estavam envolvidas em projetos vinculados ao SEGTEC, na referida unidade hospitalar.

As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, em local previamente combinado, individualmente com as enfermeiras e gravadas em mídia digital. Para guiar a entrevista foram utilizados os seguintes tópicos:

- A utilização do US na pratica profissional;

- Identificação de dificuldades e facilidades para utilização do US na pratica;

- Repercussões do uso do US para o profissional e equipe.

A saturação teórica dos dados determinou o numero de sujeitos da pesquisa.

Os dados foram coletados no período de novembro de 2007 a janeiro de 2008. A duração média das entrevistas foi de 12 minutos.

Os dados coletados nas entrevistas foram analisados seguindo os passos da análise de conteúdo(6). Trata-se de um processo de identificação, codificação e categorização dos padrões primários nos dados.

Primeiramente, todas as entrevistas foram transcritas integralmente pela pesquisadora. Em seguida, foi realizada a leitura e releitura dos dados, na tentativa de compreender o significado atribuído pelas entrevistadas, no momento em que descrevem a suas experiências. Após a leitura, foi realizada a classificação das informações em códigos, explicitando aspectos mais elucidativos das percepções. A seguir, os códigos foram agrupados por semelhança e divergências de conteúdos em subcategorias. Os dados foram comparados em similaridades e divergências, formando as categorias do estudo. A seguir, as categorias foram analisadas, emergindo o tema que descreve a experiência da enfermeira.

RESULTADOS

As enfermeiras participantes do estudo possuiam menos de dez anos de formadas e média de dois anos de experiência na área de pediatria. Cinco são especialistas em enfermagem pediátrica; cinco estavam cursando pós-graduação strictu senso, sendo quatro em nível de mestrado e uma em nível de doutorado. As enfermeiras participantes, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A análise de conteúdo(6) realizada permitiu a compreensão do significado atribuído pela enfermeira à utilização de uma inovação tecnológica em sua prática clinica. O tema motivada pelo desafio de promover a própria adaptação à inovação tecnológica emergiu da análise dos dados e é representativo do movimento da enfermeira para adaptar-se ao novo, motivada pelo desafio de promover melhoria na assistência de enfermagem, de maneira segura e eficaz. O aparelho de ultra-som permite a visualização do cateter inserido dentro do vaso sanguíneo, oferecendo-lhe a possibilidade de realizar o procedimento com mais segurança.

Este tema é composto das categorias: Motivação; Despreparo; Fatores estimuladores; Busca de adaptação; Desenvolvimento de novas habilidades; Barreiras para implementar a prática; Experiências positivas com o uso do ultra-som; Compartilhamento da experiencia.

A seguir, são apresentadas as categorias e subcategorias analíticas.

Motivação

A enfermeira revela que sempre esteve disposta a abrir-se para o novo em sua prática clínica. Recorda-se que desde sua graduação percebia-se sendo instigada pela busca de inovações tecnológicas, principalmente aquelas relacionadas à técnica de puncionamento venoso periférico de crianças, por se tratar de uma situação estressante para criança, família e profissional. Reconhece que a dificuldade na execução desse procedimento está sempre presente, e considera que ter um aparelho que a ajude a visualizar a rede venosa poderia ser útil para minimizar o tempo e a dificuldade de realização do mesmo.

"... antigamente a gente pensava, até imaginava se não teria alguma coisa para facilitar, principalmente a gente trabalhando com crianças. Quando eu estudava mesmo falava 'nossa, é tão difícil'... se tivesse alguma coisa que a gente pudesse ver lá dentro como que é, ver as veias por onde passa, qual é mais calibrosa, qual não é..." (E3)

A oportunidade para participar de um projeto de pesquisa em que utilizaria a ultra-sonografia como guia da punção venosa periférica, torna a enfermeira estimulada pela idéia da inovação tecnológica, que se torna uma motivação para exercitar aquilo que acredita ser relevante. Ao ter acesso a estudos que apresentam a ultra-sonografia como um recurso na punção venosa, tem a expectativa de utilizá-la em seu cotidiano.

"... vendo que era um equipamento que possibilitava, pelo menos nos estudos traziam , que ajudaria na punção venosa, então isso foi bastante interessante...". (E1)

Despreparo

Inicialmente, a enfermeira se depara com o seu despreparo, sentindo-se inexperiente, pois a captação da imagem por meio da ultra-sonografia é difícil de ser realizada, já que emprega o uso de um equipamento que não está acostumada a utilizar, por não fazer parte da sua prática profissional. Ela também se considera pouco capacitadapara usar a tecnologia em sua prática, pois ainda possui pouco conhecimento teórico para entender como funciona o equipamento e por não ter recebido nenhum tipo de orientação que a auxiliasse na punção guiada pelo US no curso de graduação, e mesmo no curso de especialização.

"... foi difícil no início porque é um equipamento que eu não estava acostumada, não é da minha prática profissional, nunca tive o contato com minha prática...". (E8)

Por ter pouco conhecimento teórico e habilidade prática, ela se questiona sobre a necessidade de modificar uma técnica que estava dando certo por outra que ainda não domina, pois teme causar danos à criança. Existe também o medo do desconhecido, de não conseguir realizar o procedimento de uma nova maneira. Associado a isso ela revela que ainda tem dúvidas quanto aos benefícios da aplicação dessa inovação em seu cotidiano.

"... bom, a princípio, como toda nova tecnologia, como tudo que é novo, a gente se sentiu um pouco assustada; é o medo de não saber, de não dar conta, de não conseguir realizar..." (E7)

Também considera difícil a introdução de uma inovação tecnológica, por se sentir insegura para realizar o procedimento de maneira diferente, tendo um novo aparelho. O ultra-som é definido por ela como tecnologia complexa, envolvendo a aquisição de novas habilidades para utilizá-la, que apresenta um grau de dificuldade inicial para entender o funcionamento do aparelho, e posteriormente, visualizar a imagem no monitor. Isto a faz resistir à utilização da mesma, pois percebe que é necessário se adaptar ao novo, com envolvimento, que a torne motivada para incorporar a inovação tecnológica na prática.

"... seria difícil implementá-lo hoje na rotina, até porque é uma tecnologia extremamente complexa, evoluída, avançada, que envolve muitas coisas, habilidades, e no momento não é tranqüilo, no momento envolve muito estresse..." (E1)

Fatores estimuladores

No decorrer da utilização dessa tecnologia, a enfermeira encontra fatores que a estimulam a manter seu uso. Dentre esses, recorda-se da influência positiva que recebeu dos professores, ainda na graduação, quando foi estimulada a manter-se aberta a novas possibilidades. Há influência também do ambiente de trabalho, um hospital escola, que oferece maiores oportunidades de contato com novas tecnologias e estudos, contribuindo para melhor aceitação de inovações.

Outro estimulo é proveniente de suas crenças em relação a características que acredita possuir, e que a tornam mais disponível ao uso de inovações, tais como: ser recém-formada, ainda sob influência do ambiente acadêmico; ter uma postura ética e de compromisso pela busca da melhoria no cuidado, a fim de garantir segurança ao cliente.

"... acho que uma pessoa recém-formada, também depende muito de como foi a formação dela, e a gente teve uma influência que favorece mesmo, num hospital universitário, num hospital escola, de aprender uma inovação, de sempre estar disposto a sempre estar aprendendo, a sempre estar, não digo aprendendo, mas sempre estar em contato com o conhecimento..." (E2)

Busca de adaptação

Para conseguir incorporar a inovação tecnológica, a enfermeira revela que é preciso buscar a adaptação ao novo. Ela percebe a necessidade de modificar crenças, valores e comportamentos, tendo de olhar para o US como um auxiliar na prática e não como algo que a atrapalhe. Não se trata de simplesmente trazer o ultra-som para a prática e começar a utilizá-lo, é necessário se adequar para incorporar a tecnologia de maneira mais fácil. Portanto, tem de modificar a técnica de punção venosa periférica, para conseguir aliar um novo equipamento ao procedimento e uma nova maneira de realizá-lo. Entra em cena um aparelho, uma imagem cinza projetada na tela de um monitor e um espaço de trabalho diminuído. Tudo isso é muito estressante, pois já estava acostumada e dominava a técnica de punção tradicional, e não se sente confortável com a mudança, questionando-se se não estaria prejudicando a criança.

"... ah acho que o que mais dificulta é a questão da adaptação, pra gente se adaptar a olhar para o visor, na hora de fazer a punção para ver se o cateter está entrando no local certo, para ver se não está indo para o caminho errado. Eu acho que é o mais difícil, é você olhar, porque você está acostumado com o método convencional, que você fica ali só, fixando naquele ponto, mas exatamente a hora que você começa a olhar no visor para você ver se está indo ao caminho certo, eu acho que é a maior dificuldade..." (E3)

Após participar do programa de capacitação para utilizar o US, começa a criar o hábito e a habilidade para manusear o aparelho. Por meio de aulas e com auxilio de pessoas com mais experiência, vai conseguindo, aos poucos, desenvolver novas habilidades. A necessidade da busca de conhecimento, por meio de leituras de artigos, textos e livros, exigem-lhe tempo e esforço para entender a teoria e o princípio do ultra-som.

"... mas acho que conforme você fica fazendo treinamentos, vem sendo orientado, vê que tem gente com você que tem mais experiência, que te ajuda também nas questões da imagem que não é fácil de primeira você reconhecer, você vai incorporando essa prática ao seu dia a dia..." (E4)

Desenvolvimento de novas habilidades

Conforme a enfermeira utiliza a ultra-sonografia como coadjuvante no procedimento de punção venosa periférica, desenvolve habilidades e vai se adaptando a essa inovação tecnológica.

"... e com o decorrer das punções, isso foi facilitando a cada dia, foi melhorando essa manipulação do aparelho a cada dia..." (E6)

Isto a motiva a querer utilizar cada vez mais o aparelho, de forma segura e adequada, perdendo o medo inicial. Percebe que ainda está em evolução, adaptando-se, e aos poucos vai ficando mais ágil e com mais prática para puncionar com o uso do aparelho, pois conforme o utiliza encontra mais facilidades na punção.

"... hoje eu me sinto diferente do que no início, até porque no começo eu entendi mais ou menos o que era o ultra-som, e hoje em dia dá para entender..." (E1)

Barreiras para implementar a prática

A implementação da inovação tecnológica em seu cotidiano faz a enfermeira se deparar com barreiras que dificultam a utilização dessa tecnologia em sua prática clínica. O déficit de funcionários, que ocorre na unidade, acarreta uma sobrecarga de atividades, que somada ao uso de um novo equipamento, que demanda maior tempo, já que é preciso reconhecer a imagem, tendo portanto, de ficar um pouco mais disponível para o procedimento. Desta forma, torna-se mais difícil a implementação do US na sua rotina, considerando que exige um incremento no número de profissionais na unidade para que seja possível realizar o procedimento de maneira adequada.

"... a gente já luta, por um quadro maior de enfermeiros porque aqui a punção venosa é (responsabilidade) da enfermeira, então realmente a gente deveria ter um quadro mais denso para poder realizar esse procedimento de uma forma adequada..." (E6)

Experiências positivas com o uso do ultra-som

Ao mesmo tempo em que a enfermeira encontra barreiras para implementar o US na prática, vivencia experiências positivas. A utilização de uma inovação tecnológica repercute de maneira satisfatória para a enfermeira, já que ela se sente privilegiada por conhecer e manusear uma inovação tecnológica, e percebe repercussões perante as demais equipes do hospital. Reconhece o US como algo que traz benefícios para a criança e para ela, pois quando realiza o procedimento sem o uso do equipamento encontra dificuldades. Tem, assim, um retorno do seu investimento pessoal e profissional, mobilizando-se na sua aplicação. Considera que a sua prática tem melhorado muito, acreditando que foi ótima a introdução dessa inovação na sua rotina, principalmente para o paciente e sua família. Assim, acompanha as repercussões positivas do uso dessa tecnologia para o paciente e sua família. Percebe que a criança interage com a enfermeira nesse processo, e que a mãe se sente tranqüila, pois vê a criança sendo bem cuidada. Assim, além dessa inovação facilitar seu trabalho, proporciona qualidade e conforto no atendimento e na assistência prestada ao paciente.

"... eu acho que sim, a enfermeira acaba sendo um pouco mais líder ainda daquela equipe, passando mais conhecimento, a equipe se sente mais segura porque está tendo uma atualização sempre de conhecimento seja do US ou de qualquer outra tecnologia, e eu acho que a equipe fica muito mais unida assim, porque sabe que estamos sempre nos atualizando, estamos crescendo, não estamos paradas no tempo..." (E7)

Percebe, também, repercussões perante as demais equipes do hospital, com demonstrações de respeito, já que é reconhecida como uma equipe que está sempre estudando e envolvida. Essa repercussão valida o esforço de incorporar o US na prática e, desta forma, a faz sentir-se valorizada. Porém reconhece que é preciso aliar outras inovações tecnológicas juntamente com o US, incluindo o preparo da criança, a escolha do curativo e do cateter.

"... a gente é visto como uma equipe que esta sempre estudando, sempre envolvida, sempre querendo melhorar mesmo..." (E6)

No início, alguns problemas dificultaram a aceitação do US, como o aumento de tempo gasto com o procedimento, porém com a implementação das mudanças e a adaptação realizada, aos poucos vai percebendo a incorporação do US na rotina da unidade. E, também aos poucos, a enfermeira vai se convencendo dos benefícios dessa nova tecnologia, acreditando na sua importância e na necessidade de se tornar uma prática permanente.

"... eu acho que sim, a enfermeira acaba sendo um pouco mais líder ainda daquela equipe, passando mais conhecimento a equipe se sente mais segura porque está tendo uma atualização sempre de conhecimento seja da US ou de qualquer outra tecnologia, e eu acho que a equipe fica muito mais unida assim, porque sabe que estamos sempre nos atualizando, estamos crescendo, não estamos paradas no tempo..." (E7)

Compartilhamento da experiência

A enfermeiratorna-sedisposta a compartilhar a sua experiência com o outro. Trata-se de uma tecnologia que ela nunca havia utilizado antes, porém conforme vai aprendendo e implementando, sente-se privilegiada por fazer parte de uma equipe que utiliza esse recurso na assistência. Poder compartilhar com outras pessoas o conhecimento adquirido, em encontros e congressos em que divulga resultados alcançados, a estimula cada vez mais.

"... elas estão dispostas a aprender e a passar mesmo adiante... eu acho que a gente está disposta a retribuir, a passar para outras pessoas, outros profissionais..." (E2)

DISCUSSÃO

Poucos estudos descrevem a maneira como ocorre o processo de incorporação de uma inovação tecnológica na prática da enfermeira, sendo algo muito relevante, já que a tecnologia cresce a cada dia no mundo, e é cada vez mais necessária para o desenvolvimento de práticas seguras.

Igualmente a outras áreas de serviços, a área da saúde apresenta-se cada vez mais competitiva, e a enfermagem sofre fortes influências, tanto relacionadas ao número de pessoas envolvidas como na importância e participação nos processos desenvolvidos. Para acompanhar essas novas exigências, é preciso que o profissional incorpore inovações tecnológicas e novas maneiras de pensar e executar o seu próprio trabalho(7).

Com o avanço tecnológico e a globalização, inclusive na área da saúde, as enfermeiras precisarão modificar sua linha de ação, buscando renovar-se, ajustar-se, transformar-se e adaptar-se rapidamente, a fim de que possam acompanhar esse avanço, proporcionando ao paciente um atendimento de excelência, além de competir no mercado de trabalho(8).

É preciso preparar a enfermeira adequadamente para utilizar inovações tecnológicas em sua prática. A motivação é o que a mobiliza para vencer o desafio dessa implementação. Isto justifica a necessidade de despertar na enfermeira, desde a graduação, a busca de conhecimento, atualização, a análise e reflexão crítica das situações e o desejo de realizar uma prática segura para o cliente. Nos cursos de especialização, despertá-la para a busca de atualização e aplicação de resultados de pesquisas em sua prática clinica assistencial.

A satisfação pessoal e profissional mobiliza os profissionais a buscarem novas maneiras de cuidar. Esta realidade corrobora aspectos observados neste estudo, evidenciados pela realização pessoal da enfermeira ao se perceber sendo reconhecida pela equipe de enfermagem e por demais equipes do hospital. A auto-estima elevada e a valorização pessoal da enfermeira permitem uma validação do seu trabalho, conferindo satisfação e retorno positivo do seu empenho para se adaptar ao novo.

Para que ocorra o aumento na motivação dos profissionais, é preciso que haja uma modificação dos aspectos relacionados aos recursos humanos e da própria estrutura organizacional(9).

Os profissionais de enfermagem devem acompanhar as mudanças do mundo globalizado, seguindo uma linha de pensamento na qual o aprender faz parte do seu cotidiano. Para manter-se atualizado, é necessário empenhar esforços, visando a desenvolver uma cultura de aprendizado contínuo, tendo como principal ferramenta a educação inovadora. Esta permite intervir, construir e mudar a prática, adequando o pensar e o fazer às exigências e necessidades atuais(10).

Na tentativa de facilitar a incorporação da inovação tecnológica, um estudo traz uma nova maneira de aprendizado. Para acompanhar a era de inovação tecnológica é preciso desenvolver mentes intuitivas, criativas, capazes de encontrar estratégias diferentes de pensar e agir. Essas estratégias podem ter o seu ponto de partida na integração da inovação tecnológica com a educação, que poderá ser alcançada através da implantação e implementação de incubadoras de aprendizagem(10).

Estas procuram criar, testar e lançar no mercado novos produtos e serviços inovadores. Diferentes campos de atuação já desenvolvem incubadoras tecnológicas, entre eles, a administração e a informática. Na enfermagem, essa inovação ainda não faz parte como modalidade de ensino/aprendizagem. Na pratica da enfermagem ainda não se encontram profissionais empreendedores capazes de pesquisar, testar e desenvolver produtos e serviços inovadores em incubadoras de aprendizagem e lançá-los no mercado(11).

A enfermeira que busca utilizar inovações em sua prática clinica se percebe motivada, principalmente quando avalia os benefícios pessoais e para o cliente. O US é um recurso para a enfermeira e constitui uma inovação promissora para o alcance de melhores resultados na terapia intravenosa, principalmente em casos de pacientes que apresentam acesso venoso difícil(12).

É a vontade de "oferecer um atendimento cada vez mais efetivo, eficiente, seguro, oportuno, equânime e focado nas necessidades do paciente e família que mobiliza a enfermeira em seu cotidiano profissional".(12)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, o desafio de promover uma prática segura e benéfica à criança e família, minimizando o estresse e a ansiedade causados pela punção venosa periférica, é relevante na motivação da enfermeira para buscar a aplicação de inovação tecnológica em sua pratica. Para que consiga implementá-la é preciso enfrentar o despreparo e modificar crenças e valores pessoais que favoreçam sua adaptação.

O envolvimento dos profissionais em grupos de estudos e pesquisa revelou que o ambiente é uma fonte de estímulos para o desenvolvimento e a aplicação de inovações. Acredita-se que o fato dessa nova tecnologia ter sido introduzida em um hospital universitário favorece positivamente a aceitação da inovação. É questionável como seria a introdução de uma inovação tecnológica em um ambiente pouco estimulador.

Além disso, após a análise dos dados surgiram questões estritamente ligadas e influenciadas por fatores individuais, como a motivação, inexperiência, insegurança, medo, que precisam de mais estudos que os analisem em profundidade. É preciso investir em estudos que ajudem a ampliar a compreensão do processo de adaptação da enfermeira a uma nova tecnologia, de maneira a estimular o desenvolvimento, a aplicação e a utilização de mudanças no cotidiano profissional.

Artigo recebido em 15/12/2008 e aprovado em 08/04/2010

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  • Autor Correspondente:
    Mariana Cristina Kabakura do Amaral
    R. Napoleão de Barros, 754 - Vila Clementino
    São Paulo - SP - Brasil - Cep: 04024-002
    E-mail:
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    Trabalho realizado em uma unidade de cirurgia pediátrica de um hospital vinculado ao ensino, localizado na cidade de São Paulo (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2010
    • Data do Fascículo
      2010
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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