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Cuidador de pessoa com acidente vascular encefálico: necessidades, sentimentos e orientações recebidas

Cuidador de persona con accidente cerebro vascular: necesidades, sentimientos y orientaciones recibidas

Resumos

OBJETIVOS: Compreender as necessidades e sentimentos do cuidador e identificar as orientações prestadas por profissionais de saúde. MÉTODOS: Pesquisa exploratória e descritiva com abordagem qualitativa, utilizando entrevista semiestruturada. Junto a seis cuidadoras nos meses de maio a agosto de 2008. Os relatos foram submetidos à análise de discurso. RESULTADOS: Configuraram-se três categorias analíticas: as necessidades iniciais do cuidador; o cuidador e seus sentimentos e as orientações recebidas pelo cuidador. As necessidades envolvem diversos aspectos, representando dificuldades adaptativas. A diversidade de sentimentos vivenciados denotou ambivalência e diferentes graus de intensidade. Houve desde a ausência total de orientações, orientações incompletas e o fato de não sentirem falta de nenhuma orientação. CONCLUSÕES: Há necessidade da discussão a respeito de um plano de orientações, sendo uma estratégia de apoio para cuidador e paciente.

Acidente vascular encefálico; Cuidadores; Assistência domiciliar


OBJETIVOS: Comprender las necesidades y sentimientos del cuidador e identificar las orientaciones dadas por profesionales de la salud. MÉTODOS: Investigación exploratoria y descriptiva con abordaje cualitativo, realizado mediante la aplicación de una entrevista semiestructurada a seis cuidadoras, en los meses de mayo a agosto del 2008. Los relatos fueron sometidos al análisis de discurso. RESULTADOS: Se configuraron tres categorías analíticas: las necesidades iniciales del cuidador; el cuidador y sus sentimientos y las orientaciones recibidas por el cuidador. Las necesidades involucran diversos aspectos, representando dificultades adaptativas. La diversidad de sentimientos vivenciados denotó ambivalencia y diferentes grados de intensidad. Hubo desde la ausencia total de orientaciones, orientaciones incompletas y el hecho de no sentir falta de ninguna orientación. CONCLUSIONES: Hay necesidad de discusión respecto a un plan de orientaciones, siendo una estrategia de apoyo para el cuidador y el paciente.

Accidente cerebrovascular; Cuidadores; Atención domiciliaria de salud


OBJECTIVES: Understand the needs and feelings of the caregiver of individuals who have experienced a stroke, and identify the information provided to these caregivers by health professionals. METHODS: This exploratory, descriptive qualitative approach used semistructured interviews to understand the experience of six caregivers, during the period from May to August, 2008. The data from these interviews were analyzed using discourse analysis. RESULTS: Three categories were identified: the initial needs of the caregiver, the caregiver and his/her feelings, and the guidance received by the caregiver from health professionals. Needs of the caregivers were varied, but primarily concerned adaptive difficulties. Diverse feelings were identified, including ambivalence, and a range of intensity of those feelings was noted. Guidelines provided by health professionals ranged from a total absence of information, to guidance that was felt by caregivers to meet all of their needs. CONCLUSIONS: There is need for discussion regarding provision of standardized guidelines for caregivers, and a strategy to support caregivers and patients.

Stroke; Caregivers; Home nursing


ARTIGO ORIGINAL

Cuidador de pessoa com acidente vascular encefálico - necessidades, sentimentos e orientações recebidas* * Trabalho realizado no Hospital Universitário, Universidade Estadual de Londrina (HU/UEL).

Barbara Campos de OliveiraI; Mara Lúcia GaranhaniII; Márcia Regina GaranhaniIII

ICurso de graduação em Enfermagem, Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR), Brasil

IIDepartamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR), Brasil

IIIDepartamento de Fisioterapia, Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Barbara Campos de Oliveira Av. Higienópolis, 1331 - Apto 102 Londrina - PR - Brasil CEP. 86015-010 E-mail: babymussa@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: Compreender as necessidades e sentimentos do cuidador e identificar as orientações prestadas por profissionais de saúde.

MÉTODOS: Pesquisa exploratória e descritiva com abordagem qualitativa, utilizando entrevista semiestruturada. Junto a seis cuidadoras nos meses de maio a agosto de 2008. Os relatos foram submetidos à análise de discurso.

RESULTADOS: Configuraram-se três categorias analíticas: as necessidades iniciais do cuidador; o cuidador e seus sentimentos e as orientações recebidas pelo cuidador. As necessidades envolvem diversos aspectos, representando dificuldades adaptativas. A diversidade de sentimentos vivenciados denotou ambivalência e diferentes graus de intensidade. Houve desde a ausência total de orientações, orientações incompletas e o fato de não sentirem falta de nenhuma orientação.

CONCLUSÕES: Há necessidade da discussão a respeito de um plano de orientações, sendo uma estratégia de apoio para cuidador e paciente.

Descritores: Acidente vascular encefálico; Cuidadores; Assistência domiciliar

INTRODUÇÃO

O acidente vascular encefálico (AVE) pode ser definido como uma síndrome, caracterizada pelo início súbito de um déficit neurológico, que persiste por mais de 24 horas. Reflete envolvimento focal, por vezes global, do sistema nervoso central, resultado de um distúrbio da circulação encefálica decorrente de um processo anatomopatológico nos vasos sanguíneos(1).

O AVE é um problema mundial de saúde pública, sendo responsável por uma grande proporção de doenças neurológicas(2-4). É causa importante de morbidade e mortalidade, constituindo a terceira causa de morte no mundo, atrás somente das cardiopatias, em geral, e do câncer(5-7). Contribui para cerca de cinco milhões de mortes e mais de 15 milhões não fatais por ano, com 50 milhões de sobreviventes, muitos dos quais (um em cada seis doentes) terão novo AVE ou Ataque Isquêmico Transitório em cinco anos(4).

A problemática e o impacto gerado a partir da manifestação de um AVE em uma pessoa variam de acordo com cada caso em particular(8-10). No entanto, as repercussões sempre envolvem transformações na vida cotidiana, tanto da pessoa, como da família e da sociedade.

Alguns trabalhos(11-12) indicam que, após a experiência de uma doença como o AVE, a pessoa provavelmente retorna ao domicílio com alterações físicas e emocionais, causando também uma desestruturação na organização e vida familiar. Por ser uma doença frequente e incapacitante, requer também o envolvimento de cuidadores para o sucesso na reabilitação do paciente(13).

As alterações na pessoa após o AVE refletem em sua capacidade funcional impedindo ou dificultando, muitas vezes, a realização de tarefas simples, como as atividades da vida diária, que antes eram facilmente realizadas, tornando-os dependentes e perdendo assim sua autonomia(10).

No retorno ao domicílio, a família encontra-se fragilizada e os cuidadores familiares prestam os cuidados, muitas vezes, de forma intuitiva. Isto significa que podem existir falhas no cuidado, decorrentes tanto da ausência ou lacunas de orientações recebidas no hospital, como pelo pouco tempo para apropriação das orientações.

Diante desta temática, interroga-se: Qual o significado de tornar-se o cuidador de uma pessoa com incapacidades decorrentes do AVE? Quais as suas principais necessidades e sentimentos no momento do retorno ao domicílio? Quais as orientações que o futuro cuidador recebeu no momento da alta hospitalar?

Todas estas questões nos levam a buscar a compreensão do fenômeno "tornar-se um cuidador de uma pessoa com incapacidades após AVE". Portanto, este estudo teve como objetivos compreender as necessidades e sentimentos do cuidador e identificar as orientações prestadas por profissionais de saúde. Pretende-se que os dados possam subsidiar uma prática de orientações ao futuro cuidador, que se inicie durante o período de internação do paciente e no momento da alta hospitalar.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, de abordagem qualitativa, sendo o procedimento de coleta de informações a entrevista semiestruturada. A escolha da amostragem na pesquisa qualitativa é orientada pela participação de pessoas vinculadas ao problema investigado, e a representatividade, pela possibilidade de abranger a totalidade do objeto em estudo em suas múltiplas dimensões(14).

Os participantes deste estudo foram seis cuidadores de pacientes internados no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina (HU/UEL) com o diagnóstico de AVE, residentes na cidade de Londrina, que estavam em diferentes momentos após o retorno a seus domicílios e continuavam com alguma incapacidade que gerasse dependência. As entrevistas foram realizadas no período de maio a agosto de 2008, e os discursos estão identificados de acordo com a ordem das entrevistas, a saber: D1 a D6.

Os cuidadores foram previamente informados sobre os propósitos da pesquisa e, ao aceitarem participar do estudo, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, constante no projeto de pesquisa que foiaprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HU/ UEL sob o n.º 269/06.

A entrevista semiestruturada foi conduzida por um roteiro com questões geradoras de diálogo abordando as dificuldades e sentimentos vivenciados pelos cuidadores na primeira semana após, a alta hospitalar; como ele realizava este cuidado e aspectos sobre as orientações recebidas pelos cuidadores durante o período de internação e alta do familiar.

As entrevistas foram gravadas em aparelho eletrônico do tipo mp3, transcritas e excluídas do aplicativo, após sua análise. Para a análise, foi utilizada a técnica de análise de discurso(15) dividida em dois momentos. No primeiro momento foi realizada a análise individual ou ideográfica dos discursos, na qual foi feita uma leitura completa, porém ainda sem buscar interpretações, seguida da identificação das unidades de significado relacionadas ao fenômeno em questão. Num segundo momento, foi realizada a análise nomotética, a partir da releitura das estruturas psicológicas individuais, tomando as unidades de significado como se referindo a todos os casos. Depois, realizou-se a aproximação dos discursos buscando as evidências entre as proposições individuais, estabelecendo as convergências e divergências. Esta forma de análise permitiu a busca de evidências entre as unidades de significado, possibilitando a elaboração de três categorias analíticas que configuraram a estrutura do fenômeno estudado.

RESULTADOS

Participaram do estudo seis cuidadores do sexo feminino, entre 25 e 67 anos de idade. Três delas desenvolviam atividade laboral externa ao ambiente doméstico, cinco delas eram esposas com ensino fundamental incompleto e apenas uma era filha.

As incapacidades encontradas em cada paciente abrangeram desde disfagia, afasia, hemiparesia e hemiplegia até déficits cognitivos leves. O tempo decorrido após o AVE variou de dez dias a seis anos após a alta hospitalar.

Após análise e interpretação dos seis discursos, configuraram-se as três categorias analíticas: necessidades do cuidador; o cuidador e seus sentimentos; as orientações recebidas pelo cuidador.

A primeira categoria analítica aborda as necessidades iniciais do cuidador relacionadas ao momento do retorno ao domicílio do paciente até o domínio das atividades cotidianas.

Ao tornar-se cuidador, algumas entrevistadas compararam o ato de cuidar da pessoa que apresenta incapacidades decorrentes de um AVE, com o ato de cuidar de uma criança. Assim, constitui-se um cuidar que demanda tempo e dedicação sobretudo porque este cuidado é diferenciado por tratar-se de um adulto.

"Eu achei assim que foi como cuidar de uma criança, mas tem que ter muito mais cuidado ainda do que uma criança. Ele ficou pior que uma criança para cuidar.

Relataram as percepções sobre a pessoa que sofreu o AVE e as alterações na vida dessa pessoa após tal episódio, trazendo repercussões para a rotina da família e suas relações interpessoais. Neste sentido, a perda da autonomia da pessoa leva à necessidade de adaptação.

"Ele não comia... quando ele comia, a gente tinha que dar comida na boca dele." (D2)

Destacaram a falta de recursos econômicos para a aquisição de materiais para o desenvolvimento da nova rotina, tais como liquidificador e cadeira de banho e também para adequações arquitetônicas na estrutura física do domicílio. As verbalizações denotaram a presença de barreiras no ambiente domiciliar, que não está estruturado de forma a receber uma pessoa com limitações ou deficiências e, portanto, que dificultaram o cuidado com o paciente. Desta forma, configura-se a necessidade de recursos econômicos e estruturais.

"(...) as rodas da cadeira de banho enroscavam nos batentes das portas e também não cabiam dentro do box, então, isso dificultou bastante para nós." (D2)

Em alguns casos, a família optou pela aquisição de um instrumento de uso hospitalar para facilitar o cuidado.

As cuidadoras relataram também como realizavam as transferências do paciente nos primeiros dias e todas as dificuldades que este procedimento envolvia. Descreveram a necessidade de ajuda vinda de outras pessoas:

"Eu comecei a cuidar, mas como eu trabalhava fora, eu dependiada mãe dele me ajudar (...) Às vezes, algum vizinho meu (...)." (D6)

Esta necessidade de ajuda foi suprida, tanto por outros familiares, amigos ou vizinhos como por profissionais da área da saúde, contratados particularmente ou não.

"Nos primeiros dias, eu não sabia como eu ia fazer isso. Então, eu contratei um enfermeiro que cuidava dele no hospital por dez dias." (D2)

"A moça do postinho vem aqui e separa os remédios que ele mistura." (D3)

Algumas participantes da pesquisa demonstraram dificuldades para realizar o cuidado quando se tratava da utilização de força física. Observa-se, então, a necessidade de força física para prestar o cuidado, sobretudo ao movimentar ou transferir o paciente de um lugar para o outro.

"Tem que usar bastante a força dos braços para levantar o paciente da cama." (D2)

Um dos fatores que dificultou o processo de adaptação para as cuidadoras foi a falta de percepção do paciente a respeito das limitações a ele impostas e dos sentimentos vivenciados por este. Esta realidade revela a necessidade de compreensão da pessoa após o AVE.

"Ele não percebia nem a paralisação que ele estava (...). A gente não quer apontar as dificuldades que a pessoa tem e não consegue enxergar, mas tem momentos que exigem isso. Você precisa abrir os olhos do doente. (...) A pessoa do meu marido, que era aquele homem forte, aquele homem cheio de vigor, ficou dessa forma, ficou doente, deficiente, ficou com sequelas... então, isso mudou muito a autoestima e, às vezes, ele se torna agressivo, e é muito difícil para quem convive." (D2)

As cuidadoras expressaram ainda a necessidade de desenvolver paciência, com base no relato das dificuldades enfrentadas no cotidiano.

"Eu busco a paciência diariamente (...) a família que convive, no dia a dia vai se esgotando, vai perdendo as forças, vai perdendo a paciência." (D2)

A partir da observação do quadro de incapacidades do paciente, as cuidadoras evidenciaram a necessidade de ser uma participante ativa no processo de reabilitação do paciente, estimulando sua autonomia.

"Quando eu vi que ele não tinha ficado com muita sequela na cabeça (...) o que dava para ensinar para ele, eu comecei a ensinar (...). Comer com a mão esquerda, escovar os dentes com a mão esquerda." (D6)

As entrevistadas demonstraram ainda a necessidade de fortalecimento por meio da espiritualidade para superar as dificuldades encontradas.

"A gente espera a recompensa em Deus. O importante é a recompensa que Deus dá para a gente." (D1)

Esta categoria explorou as diversas necessidades das cuidadoras. Percebeu-se que as necessidades reveladas estão relacionadas entre si, de forma que todas estão ligadas ao cuidado prestado pelo familiar.

A segunda categoria considerou os sentimentos vivenciados pelas cuidadoras a partir do momento em que se depararam com a ocorrência de um AVE em um membro de sua família até o retorno ao domicílio e a adaptação à nova situação.

Durante a internação, alguns sentimentos começam a manifestar-se. Por tratar-se de um momento inesperado e desconhecido, gera um impacto que culmina em uma verdadeira explosão de sentimentos muito intensos vivenciados pelo cuidador. Dentre eles, foram citados sentimentos de desespero, medo e insegurança, relacionados a pensamentos de possibilidade de morte do familiar e por desconhecer o futuro a partir daquele momento.

Após o retorno ao domicílio, o cuidador vivencia uma ambivalência de sentimentos demonstrados por felicidade e esperança por ter o paciente vivo e com expectativas de recuperação. Estes entram em contraste com os sentimentos de estresse, angústia e tristeza profunda, que foram expressos por meio de choro contínuo, demonstrando sentimentos próximos do descontrole, que acompanharam a abdicação do cuidado consigo para cuidar do outro.

"Eu abandonei meu serviço para cuidar dele." (D4)

"Eu não conseguia dormir, eu só chorava (...). Não tinha condições de cuidar nem de mim." (D2)

Durante o período de adaptação no domicílio, as cuidadoras depararam-se com dificuldades, mas após enfrentá-las experimentaram um sentimento de superação. Algumas se mostraram surpresas com a forma positiva com que lidaram com a situação.

"A gente não pode enfraquecer diante dos problemas que acontecem, né? E eu consegui cuidar dele." (D6)

"Venci!" (D1)

A terceira e última categoria foi composta por discursos que expressaram desde a ausência total de orientações, orientações parciais ou incompletas e o fato de que não sentiram falta de nenhuma orientação. Revelam ambivalências e até mesmo contradições em suas falas.

"Eles não me falaram nada, eu aprendi sozinha." (D5)

"Não me orientaram nada. Fui visitar, mas não me falaram nada." (D1)

"Não me ensinaram nada, falaram para levar no postinho (...). Deu alta para ele, não chamou a gente, um amigo dele veio trazer ele aqui em casa." (D3)

O conteúdo das orientações variou desde informações parciais sobre a doença, acompanhadas do risco de morte e da gravidade do caso, até informações, também parciais, sobre a alimentação, higiene, transporte e cuidados na prevenção de acidentes.

"Da comida, eles até falaram que tinha que ser uma comida mais leve... e falaram que era para tomar cuidado para tomar banho, para ele não cair." (D5)

As entrevistadas referiram também acolhimento por parte da equipe de saúde não sentido falta de nenhuma orientação:

"Eu não achei que faltou nada. Eu acho que eles foram bem eficientes." (D2)

Por outro lado, elas também se posicionaram dizendo que houve falta de informação, e algumas evidenciaram a ausência total de orientações.

Pelo relato das cuidadoras, observa-se que o aprendizado em relação a alguns cuidados não foi citado como orientações recebidas, entretanto foi adquirido a partir da observação da prática dos profissionais:

"Eu gravei na cabeça como eles faziam, para eu tentar fazer igual." (D6)

Em síntese, os resultados demonstraram a ausência de orientações sistematizadas tanto ao paciente como aos seus cuidadores.

DISCUSSÃO

No momento em que o paciente e o cuidadora retornaram para o domicílio, depararam-se com novas necessidades e dificuldades. Atividades relacionadas à alimentação, higienização, vestuário e movimentação, anteriormente realizadas com facilidade no cotidiano, tornaram-se tarefas que exigiam apoio e cuidados específicos. As cuidadoras revelaram que o grau de dificuldade na realização dessas novas atividades estava diretamente relacionado ao nível de dependência imposto pelas incapacidades de cada paciente.

O tempo e a dedicação para o cuidado com a pessoa pós-AVE destacaram-se entre as necessidades descritas pelas cuidadoras. Compararam o familiar com uma criança em suas necessidades de cuidado, ressaltando a complexidade no cuidado de um adulto que se apresenta como uma criança em suas limitações e necessidades, sem no entanto, deixar de ser um adulto que se depara com um novo modo de viver e de se colocar no mundo. Os cuidadores vivenciam a necessidade de adaptação à nova rotina que surge de forma inesperada e intensa, acompanhada por outras dificuldades como as econômicas, as estruturais e a necessidade de apoio.

Por meio da análise dos discursos, percebeu-se que o cuidar requer várias habilidades, como paciência e força física. As atividades que necessitam de esforço físico são apontadas em um outro estudo como as que representam maior dificuldade para o cuidador(12).

Assim, a ajuda proveniente de outras pessoas, incluindo profissionais de saúde contratados ou do próprio sistema de atenção básica do município foram fatores auxiliadores no processo. Sem ajuda, assumir o cuidado integral de uma pessoa com incapacidades torna-se mais desgastante, podendo gerar frustrações e perdas sociais(16). A ajuda vinda de outras pessoas traz benefícios para os sujeitos envolvidos no cuidado, e compartilhar os cuidados representa um redutor de estresse, tanto no aspecto físico como emocional(17).

As cuidadoras também expressaram necessidades relacionadas ao suporte emocional para conviver com esta nova realidade. Denotaram o fortalecimento por meio de apoio no âmbito espiritual para superar as dificuldades encontradas. Geralmente, a espiritualidade emerge no momento de instabilidade, para amparar o sujeito, tornando-se um alicerce para suportar as dificuldades por ele enfrentadas(8).

Muitas vezes, os cuidadores familiares podem agir de forma mais afetiva do que racional. Quando isto acontece acabam não contribuindo para o processo de reabilitação, que possui caráter prático e funcional(17). Todavia, as cuidadoras deste estudo revelaram que mesmo vivenciando situações afetivas intensas também puderam influenciar positivamente na recuperação de seus familiares, estimulando o desenvolvimento de sua autonomia.

É papel da equipe de saúde, por meio da percepção, presença, compromisso, solidariedade e, sobretudo do estabelecimento de vínculo nas relações interpessoais, auxiliar as pessoas a reorganizarem sua existência ao passar pela experiência de uma doença(18).

Compreendemos que este auxílio e apoio também devem ser ampliados para os cuidadores, por meio de informações sobre o AVE e seu prognóstico, bem como orientações quanto às rotinas diárias.

Geralmente, o cuidado fica sob a responsabilidade de um membro familiar que, em sua maioria, não possui preparo técnico para exercer essa função, sem que esta interfira no cuidado que ele tem de ter consigo próprio(8). O sentimento de abdicação do autocuidado também foi encontrado em outra pesquisa realizada(10).

Foi também possível perceber que, com base nas dificuldades, surgiram mecanismos de adaptação e, após algum tempo, sentimentos de superação.

No que diz respeito às orientações recebidas pelos cuidadores, percebeu-se a semelhança com outra pesquisa(12) que deduziram, apoiados nos resultados de que as orientações fornecidas aos cuidadores não foram suficientes para deixá-los seguros ao prestar os cuidados e que talvez, possam até ter contribuído para aumentar os temores relacionados ao cuidado.

Os relatos de que não faltaram orientações, podem estar relacionados ao fato de que, antes de entrar em contato com o cuidado direto ao paciente no domicílio, o cuidador não percebe as futuras dificuldades com as quais irá deparar-se e, dessa forma, desconhece o que precisaria saber para executar o cuidado. Torna-se, então, necessário lançar mão dos sistemas de referência e contrarreferência entre os profissionais dos serviços de saúde de diferentes complexidades, proporcionando assim a continuidade dos cuidados com o paciente, sobretudo no momento em que tais dificuldades emergem no domicílio(11).

Desta forma, observa-se a importância da relação entre os profissionais de saúde e o cuidador familiar, destacando entre estes, o enfermeiro por ser o profissional que permanece maior tempo ao lado do paciente durante a hospitalização.

Um estudo(17) realizado com cuidadores familiares há algum tempo no domicílio, apontou que a relação entre o profissional, com seu conhecimento científico e a família, com o saber adquirido no lidar diário com seu doente deve ser de cooperação e troca. Contudo, tal cooperação deve estar presente em todos os momentos de contato com os familiares, objetivando melhorar a qualidade do cuidado prestado pelo cuidador familiar.

Considerando que a educação em saúde constitui uma atividade essencial para gerar mudanças de comportamento e amenizar os sinais e sintomas de doenças, o papel do enfermeiro torna-se relevante(19). A aplicação do conhecimento e habilidade para ensinar pode contribuir para a mudança do estilo de vida e a melhora do estado de saúde do cuidador e do paciente. Ressalta-se ainda a importância do preparo desse profissional para o desenvolvimento da prática educativa.

É importante destacar que este estudo revelou que o acompanhante observa os cuidados oferecidos pelos profissionais de saúde no período de hospitalização. Assim, os profissionais cientes dessa possibilidade podem aproveitar esse momento para fazer dele um espaço de ensino e aprendizagem com os familiares, futuros cuidadores. Este tipo de comunicação visual possibilita implementar uma prática educativa sistematizada e participativa durante o período de internação do paciente.

Contudo, deve-se considerar que a observação da prática no hospital ocorre de maneira diferente para cada acompanhante, portanto não deve substituir uma orientação verbal mais sistematizada.

A preparação do futuro cuidador antes da alta hospitalar pode aumentar a satisfação de suas necessidades durante e após a alta e, muitas vezes, contribuir para o desenvolvimento de sua percepção em relação ao equilíbrio entre as novas atividades que envolverão sua rotina e as antigas. Consequentemente, ocorre aumento da qualidade de vida do cuidador e da qualidade do cuidado com o paciente(20).

A implantação de programas desenvolvidos por profissionais da saúde para os cuidadores deve incluir reflexões que os ajudem a compreender o ato de cuidar não só como sinônimo de renúncia, de ausência de vida social e de falta de liberdade para cuidar de si próprio(16). O ponto de apoio desses cuidadores poderia ser a própria unidade de saúde de sua área, por meio de um programa político-social, colocando em prática os direitos que ele tem como pessoa que cuida, mas que também necessita de cuidado.

Esta pesquisa abre espaço para outros estudos sobre a elaboração de planos de orientações subsidiados com base nas necessidades e sentimentos vivenciados pelos cuidadores de pessoas com incapacidades geradas por um AVE. A complexidade deste caso requer o envolvimento da equipe multiprofissional de saúde de forma integrada e participativa dentro de tal processo durante o período de hospitalização do paciente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo apontaram necessidades iniciais vivenciadas por cuidadoras de pessoas pós-AVE que demandaram tempo e dedicação, necessidade de adaptação à nova rotina, de recursos econômicos, estruturais, de ajuda de outras pessoas, de força física, paciência, entre outras para prestar o cuidado. Foi também revelada a necessidade de compreender a pessoa pós-AVE, de ser participante ativo no seu processo de reabilitação e de fortalecimento na espiritualidade.

Ao retornar ao domicilio, deparando-se com a nova rotina o cuidador vivencia uma ambivalência de sentimentos e, por tratar-se de um sujeito sem preparo técnico para realizar o cuidado, muitas vezes, expressa o sentimento de abdicação do cuidado com si próprio. Após um período, adapta-se à situação e tem o sentimento de superação.

As orientações prestadas por profissionais de saúde não foram suficientes para suprir as necessidades do cuidador no período inicial, o que sugere uma lacuna no processo de orientações dos profissionais de saúde ao cuidado domiciliar.

Torna-se evidente a necessidade da discussão sobre a elaboração e implantação de um plano de orientações para o cuidador, visando a construir uma estratégia de apoio e suporte para ele e para o paciente, que possa minimizar os impactos gerados no âmbito familiar no qual estão inseridos. Mais importante que isto, é o fato de que os profissionais de saúde necessitam incorporar o cuidador como foco da produção do cuidado, ou seja, defendemos o estabelecimento de um binômio indissolúvel entre a pessoa com incapacidades e seu cuidador. Desta forma, a produção do cuidado em saúde deve estar voltada para esse binômio, considerando as necessidades de cuidado de ambos.

Assim, os profissionais da área da saúde envolvidos no contexto do cuidado ao paciente pós-AVE e sua família devem voltar-se para esta necessidade de apoio e suporte ao cuidador e seu familiar, com destaque para o médico, fisioterapeuta e enfermeiro. Consideramos de vital importância a articulação desses profissionais, visando a atender às necessidades vivenciadas pelas famílias, desenvolvendo uma prática multiprofissional e integrada.

Artigo recebido em 31/05/2009 e aprovado em 19/09/2010

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  • Autor Correspondente:
    Barbara Campos de Oliveira
    Av. Higienópolis, 1331 - Apto 102
    Londrina - PR - Brasil CEP. 86015-010
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Hospital Universitário, Universidade Estadual de Londrina (HU/UEL).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      31 Maio 2009
    • Aceito
      19 Set 2010
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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