Acessibilidade / Reportar erro

Significado da menarca segundo adolescentes

El significado de la menarquia para adolescentes

Resumos

OBJETIVO: Conhecer o significado da menarca para as adolescentes de escolas da região de Santo Eduardo, no município de Embu das Artes, São Paulo. MÉTODOS: Pesquisa de abordagem qualitativa, os dados foram coletados pela técnica de grupo focal e o conteúdo das narrativas foi delineado por meio da Análise de Conteúdo. RESULTADOS: Os resultados foram classificados em cinco categorias representadas por: fertilidade; repercussões; menstruação e tabu; o medo de morrer; desinformação e impacto. CONCLUSÃO: Para as adolescentes entrevistadas, a menarca foi relatada como uma experiência negativa, relacionada a sentimentos de medo e angustia. Atribuí-se essa visão às construções sociais, históricas e culturais que não valorizam o diálogo e às questões referentes ao corpo. Assim, ressalta-se a importância da desmitificação do tema e recomenda-se que ações de educação em sexualidade sejam ampliadas, atingindo um número maior de participantes a partir da faixa etária de 9 anos.

Menarca; Adolescente; Comportamento do adolescente; Sexualidade


OBJETIVO: Conocer el significado que tiene la menarquia para adolescentes de escuelas de la región de San Eduardo, en el municipio de Embu das Artes, Sao Paulo. MÉTODOS: Investigación de abordaje cualitativo, cuyos datos fueron recolectados por la técnica del grupo focal y el contenido de las narrativas fue delineado por medio del Análisis de Contenido. RESULTADOS: Los resultados fueron clasificados en cinco categorias representadas por: fertilidad; repercusiones; menstruación y tabú; el miedo a morir; desinformación e impacto. CONCLUSIÓN: Para las adolescentes entrevistadas, la menarquia fue relatada como una experiencia negativa, relacionada a sentimientos de miedo y angustia. Esa visión se atribuye a las construcciones sociales, históricas y culturales que no valorizan el diálogo y las cuestiones referentes al cuerpo. Así, se resalta la importancia de la desmitificación del tema recomendándose que las acciones de educación en sexualidad sean ampliadas, alcanzando a un número mayor de participantes a partir del grupo etáreo de 9 años.

Menarquia; Adolescente; Conducta del adolescente; Sexualidad


OBJECTIVE: To know the meaning of menarche for adolescents in schools in the region of Saint Edward, in the municipality of Embu das Artes, São Paulo (Brazil). METHODS: This was qualitative research, with data collected by a focus group technique and with the content of the narratives outlined by means of content analysis. RESULTS: The results were classified into five categories represented as: fertility; repercussions; menstruation and taboo; the fear of dying; and, misinformation and impact. CONCLUSION: For the adolescents interviewed, menarche was reported as a negative experience, related to feelings of fear and anguish. This view was attributed to social, historical and cultural constructs that do not value dialogue and questions relating to the body. Thus, it emphasizes the importance of demystifying the theme and recommends that sexuality education interventions should be expanded, to reach a larger number of participants beginning at the age of 9 years.

Menarche; Adolescent; Adolescent behavior; Sexuality


ARTIGO ORIGINAL

Significado da menarca segundo adolescentes* * Trabalho realizado em 3 escolas Estaduais de Ensino Fundamental e Médio da região de Santo Eduardo, município de Embu das Artes, São Paulo (SP), Brasil.

El significado de la menarquia para adolescentes

José Roberto da Silva BrêtasI; Aline Cássia TadiniII; Maria José Dias de FreitasIII; Maila Beatriz GoellnerIV

IPsicólogo, Enfermeiro, Professor Adjunto da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IIEnfermeira, Pós-graduanda (Mestrado) em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IIIPedagoga, Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IVPsicóloga, Mestre e Pós-graduanda (Doutorado) em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente Autor Correspondente: José Roberto da Silva Brêtas Rua Napoleão de Barros, 754 Vila Clementino – São Paulo (SP), Brasil. CEP 04024-002 E-mail: bretas.roberto@unifesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer o significado da menarca para as adolescentes de escolas da região de Santo Eduardo, no município de Embu das Artes, São Paulo.

MÉTODOS: Pesquisa de abordagem qualitativa, os dados foram coletados pela técnica de grupo focal e o conteúdo das narrativas foi delineado por meio da Análise de Conteúdo.

RESULTADOS: Os resultados foram classificados em cinco categorias representadas por: fertilidade; repercussões; menstruação e tabu; o medo de morrer; desinformação e impacto.

CONCLUSÃO: Para as adolescentes entrevistadas, a menarca foi relatada como uma experiência negativa, relacionada a sentimentos de medo e angustia. Atribuí-se essa visão às construções sociais, históricas e culturais que não valorizam o diálogo e às questões referentes ao corpo. Assim, ressalta-se a importância da desmitificação do tema e recomenda-se que ações de educação em sexualidade sejam ampliadas, atingindo um número maior de participantes a partir da faixa etária de 9 anos.

Descritores: Menarca; Adolescente; Comportamento do adolescente; Sexualidade

RESUMEN

OBJETIVO: Conocer el significado que tiene la menarquia para adolescentes de escuelas de la región de San Eduardo, en el municipio de Embu das Artes, Sao Paulo.

MÉTODOS: Investigación de abordaje cualitativo, cuyos datos fueron recolectados por la técnica del grupo focal y el contenido de las narrativas fue delineado por medio del Análisis de Contenido.

RESULTADOS: Los resultados fueron clasificados en cinco categorias representadas por: fertilidad; repercusiones; menstruación y tabú; el miedo a morir; desinformación e impacto.

CONCLUSIÓN: Para las adolescentes entrevistadas, la menarquia fue relatada como una experiencia negativa, relacionada a sentimientos de miedo y angustia. Esa visión se atribuye a las construcciones sociales, históricas y culturales que no valorizan el diálogo y las cuestiones referentes al cuerpo. Así, se resalta la importancia de la desmitificación del tema recomendándose que las acciones de educación en sexualidad sean ampliadas, alcanzando a un número mayor de participantes a partir del grupo etáreo de 9 años.

Descriptores: Menarquia; Adolescente; Conducta del adolescente; Sexualidad

INTRODUÇÃO

A adolescência é o período de transição entre infância e idade adulta(1). Não é apenas uma fase do desenvolvimento humano, em que ocorrem transformações e manifestações biológicas, além das psicossociais típicas. A vida adolescente é uma fase caracterizada por inter-relações entre as várias dimensões orgânica, psicoemocional e sociocultural traduzidas especificamente por diferentes sociedades e culturas (2). Ao mesmo tempo, é delimitada pela faixa etária que vai dos 10 aos 19 anos de idade(3).

Nesta fase da adolescência, o corpo sofre profundas e rápidas transformações em decorrência das mudanças hormonais que aceleram o crescimento físico e também o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários(2).

O indivíduo vive um período novo em sua vida, busca definir seu papel dentro do círculo social no qual está inserido. Nessa nova fase de transição da infância para a idade adulta, novas relações interpessoais são vivenciadas e estabelecidas, por meio da interação dentro de um grupo de iguais. Assim, temos a morte da criança para o nascimento do ser adulto(4), abrindo-se uma janela cronológica oportuna para a ocorrência de rituais, que serão elaborados e vivenciados pelos adolescentes, importantes para a construção e consolidação da sua identidade e papel social. Conforme Outeiral(5), um elemento interessante na questão da relação entre os adolescentes e a sociedade diz respeito aos "rituais de iniciação" presentes, sob diferentes formas, em todas as culturas, desde aquelas que chamamos de "primitivas" até as consideradas "modernas".

Além da busca de identidade adulta, o adolescente, com base na organização da genitalidade com o desenvolvimento dos órgãos sexuais e o surgimento dos caracteres sexuais primários e secundários, inicia o processo de resolução de sua identidade sexual, que são as características mentais do sexo que lhe corresponde (6). Assim sendo, o amadurecimento biológico é acompanhado por manifestações sexuais que devem ser integradas à personalidade do adolescente. A menarca, na menina, e as ejaculações involuntárias no menino, depois, a própria masturbação, são manifestações fisiológicas relacionadas à alteração psicológica que está surgindo na vida do adolescente.

No contexto, nosso objeto de estudo foi a menarca, primeira menstruação, considerada um indicador de maturação no desenvolvimento da mulher (7); sua chegada constitui-se em importante elemento definidor da passagem do ser criança para o ser adolescente. Para todas as adolescentes, independente do seu segmento social, a menarca caracteriza-se como um dos poucos ritos de passagem que ainda permanece valorizado nas sociedades modernas (4). Utilizando-nos desta perspectiva, destacamos o processo do adolescer como um período de intensas passagens que são vivenciadas pelos jovens durante esse período de seu desenvolvimento (4).

Para alguns autores(8), a menarca é considerada um evento muito significativo na vida da mulher, por caracterizar-se como o início de sua vida reprodutiva e envolve grandes transformações de ordem somática, metabólica, neuromotora e psicossocial. A ocorrência da menarca, embora nem sempre se relacione com o ciclo ovulatório normal, representa o estágio de amadurecimento uterino. Não significa que a menina tenha atingido o estágio de função reprodutiva completa, pois os ciclos menstruais iniciais são geralmente anovulatórios, um período de relativa esterilidade na adolescência, que dura de 1 a 18 meses após a menarca. Um estudo de revisão literária mostra que a faixa etária em que acontece a menarca no Brasil é, em média, dos 11 aos 12 anos(8).

Com base no contexto apresentado e em nossa vivência com um projeto de Extensão Universitária desenvolvido com adolescentes, em escolas de Ensino Fundamental e Médio do município de Embu das Artes, elaboramos o presente estudo com a finalidade de nortear as atividades desenvolvidas.

OBJETIVO

Este estudo teve como objetivo conhecer o significado da menarca para um grupo de adolescentes.

MÉTODOS

O presente estudo qualitativo(9) utiliza a Análise do Conteúdo como técnica de investigação para descrever e interpretar as narrativas provenientes dos sujeitos pesquisados. A Análise de Conteúdo(10), é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, envolve procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das narrativas, proporciona a obtenção de indicadores qualitativos que permitiram a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas narrativas. Constituiu-se em uma forma de categorização dos dados verbais, tornando objeto da análise a mensagem contida nas comunicações orais obtidas com os sujeitos do estudo. Dentre as técnicas de análise de conteúdo, optamos pela análise categorial(10), que permitiu a realização da análise dos dados por intermédio da leitura integral dos relatos de cada entrevistado, nos quais tentamos compreender o interesse ou não sobre a temática. Estes foram lidos de forma a obter-se um sentido geral do todo de cada um. Em seguida, realizamos uma releitura de cada relato, buscando identificar elementos estruturadores dos discursos proferidos pelos adolescentes sobre o assunto pesquisado, para que pudessem ser decompostos em categorias, proporcionando o eixo para sua análise.

Vale ressaltar que o presente estudo é produto de um projeto de pesquisa denominado "Representações do corpo adolescente", que foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob o protocolo nº1.594/05, seguindo procedimentos metodológicos norteados por padrões estabelecidos pela Resolução 196/96, que trata das Normas de Pesquisa com Seres Humanos (11). Ressaltamos que enquanto procedimento ético e metodológico foi aplicado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido junto aos responsáveis e aos sujeitos do estudo com assentimento dos mesmos.

Na coleta de dados, usamos a técnica do grupo focal, que pode ser entendida como um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, com base em sua experiência pessoal(12). Os grupos focais constituem de um tipo de entrevista em grupo que valoriza a comunicação entre os participantes da pesquisa, a fim de gerar dados. Este tipo de levantamento de dados tem por objetivo captar baseado nas trocas realizadas no grupo conceitos, sentimentos, atitudes, crenças, experiências e reações. Permite fazer emergir uma multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de interação criado(13).

O problema foi claramente delimitado e uma única questão norteadora da pesquisa foi levada para discussão: como foi ou está sendo a experiência com a sua primeira menstruação?

Para tanto, utilizamos uma amostra intencional(13), pela qual os participantes foram selecionados para refletir a variedade dos sujeitos do estudo. O grupo foi composto apoiado em alguns critérios(12) associados às metas da pesquisa como: a heterogeneidade das participantes (condição de estudante, participante nas atividades do Projeto de Extensão), porém com suficiente variação entre elas para que aparecessem opiniões diferentes ou divergentes (faixa etária, estilos de vida, constituição familiar). Participaram 17 adolescentes do sexo feminino, entre 14 e 18 anos de idade que frequentavam as oficinas de educação em sexualidade promovidas pelo projeto de Extensão Universitária "Corporalidade e Promoção da Saúde", em três escolas Estaduais de Ensino Fundamental e Médio da região de Santo Eduardo, município de Embu das Artes, São Paulo. Embora seja preconizado para a formação de um grupo focal até 12 componentes(12), o número de participantes não foi um problema, ao contrário, o grupo mostrou-se interessado na discussão da temática e muito contribuiu.

O local dos encontros foi uma das escolas envolvidas na pesquisa, o que favoreceu a interação entre os participantes. Assim, a interlocução a partir de três sessões, foi realizada com a estratégia de disposição do grupo em círculo, que facilitou as formas de registro, caracterizadas por anotações escritas e gravações em áudio.

RESULTADOS

Com a estruturação dos dados obtidos em cinco categorias, buscamos contornos do sistema de significação que, em seu conjunto, revelou a percepção dos sujeitos sobre a "menarca", representada por: (1) fertilidade; (2) repercussões; (3) menstruação e tabu; (4) o medo de morrer; (5) desinformação e impacto.

DISCUSSÃO

A categoria "fertilidade" revelou que a menarca assume importante papel nesta fase de desenvolvimento psicossocial, pois continua sendo um marco que identifica a passagem da infância da menina para a adolescência. Do ponto de vista biológico, trata-se de um evento fisiológico resultante de complexas interações, com repercussões anátomo-histológicas e sintomas associados, que ocorrem com o amadurecimento corporal como fenômeno da puberdade.

No senso comum, menstruar é tornar-se "mocinha", é adquirir um novo status perante o grupo e a família. Este é um momento esperado ansiosamente pelas meninas havendo mesmo competição entre elas, criando uma expectativa de quem ficará menstruada primeiro e quando o fato acontece, é enaltecido para todo o grupo social da adolescente, afinal a menina já é moça. O fato deve-se por ser um fenômeno ligado à saúde reprodutiva da mulher, a menarca representa também o início da capacidade reprodutiva feminina, evento esse relacionado à fertilidade que tem grande importância em sua vida (14).

A menarca coloca a jovem sob o ponto de vista de objeto erótico, pois na menstruação ocorre uma interação de hormônios, que são responsáveis pelos caracteres sexuais secundários, configurando sua forma exterior de mulher. O modo pelo qual a menina é preparada, pode exercer impacto sobre sua reação à menarca e à visão de si mesma como mulher(15).

A categoria "repercussões" mostrou que a chegada da menarca constitui-se em importante elemento definidor de passagem da infância para a adolescência em todas as adolescentes. Independente do segmento social, caracteriza-se como um dos poucos ritos de passagem que ainda permanece valorizado nas sociedades modernas. Amaral(16) afirma que a menarca é retratada como a passagem do status de criança para mulher e pelo despertar da sexualidade.

O acontecimento da menarca, como um ritual de passagem, é vivenciado pela adolescente durante o período de seu desenvolvimento, considerado de extrema relevância, que deve ser minuciosamente vivido pelas adolescentes. Por meio da menarca, a menina descobre seu papel social, adquirindo subsídios como valores, atitudes, crenças, princípios e vontades que serão organizados e assumidos por ela, servindo de base para a consolidação de seu processo natural de desenvolvimento psíquico (4).

Quadro 1


As transformações corporais que se desencadeiam a partir da puberdade, fazem com que a adolescente experimente o desconhecido. Sua mentalidade ainda infantil precisa processar não só as mudanças em seu corpo, mas também novas sensações, algumas desagradáveis, dolorosas que, para ela, surgem como incontroláveis. A tensão pré-menstrual e as cólicas fazem parte desse novo e estranho mundo, que se relaciona a fatores de estresse e descontentamento da mulher com seu papel e "condição oprimida na sociedade"(16).

A categoria "menstruação e tabu" desvelou que ainda hoje existem tabus sobre a menstruação, que são passados de uma geração pela "cultura ancestral histórica"(16). A menstruação tem sido objeto de inúmeros significados simbólicos em várias culturas através dos tempos(16).

Neste sentido, Plínio (60 d.C.) descreveu o sangue menstrual como um veneno fatal que corrompe e decompõe, destrói a fertilidade das sementes, definha as plantas, murcha as flores, apodrece as frutas e cega as navalhas. Afirmava que quando a menstruação coincidia com um eclipse lunar ou solar, os males resultantes eram irremediáveis, as relações sexuais com uma mulher menstruada poderiam ser fatais para o homem(17).

A menstruação era um fenômeno incompreensível e inexplicável, que gerava temor e, portanto, incorporou-se ao terreno da magia, da feitiçaria e da alquimia, noção que se manteve por séculos(18). No século XVIII, o corpo da mulher era visto como cenário onde se embatiam Deus e o Diabo, o sangue menstrual era considerado venenoso e tinha poderes mágicos; a mulher era vista como vítima de maus eflúvios e, ao mesmo tempo, detentora de poderes misteriosos(19). Bem como a quantidade de nomes e apelidos que a menstruação recebe é extremamente rica e diversa, evidenciando a necessidade de utilizar-se de eufemismos para tratar do assunto. Na leitura e estudo dos diários de moças na Inglaterra vitoriana não se encontrava nenhuma alusão à menstruação como experiência, porque não havia, no rol de palavras socialmente aceitas, termo adequado para falar do assunto(20).

Na grande maioria das religiões, o sangue está ligado a conceitos, dogmas, rituais purificadores ou macabros, logo com o sangue menstrual não seria diferente. Este simbolismo, que pode ser de pecado e destruição ou de poder e criação, está bastante vinculado ao tipo de religião. Nas religiões monoteístas, ou nas quais predominam deuses masculinos, a menstruação é predominantemente associada ao pecado e à destruição. Nas regiões politeístas, de divindades femininas ou ligadas à natureza, especialmente, a terra, o sangue menstrual da grande mãe permanece na terra e é visto como algo poderoso, ligado à fertilidade, capaz de criar e dar vida(21).

Nas narrativas das participantes da pesquisa, esses mitos que demonizam a menstruação e culpabilizam as mulheres perduram nos hábitos, medos e práticas sociais ainda hoje. Os sentimentos apresentados pelas adolescentes são acompanhados de vergonha e insegurança que socialmente a menstruação impõe. Isso se deve às crenças que se transformaram em mitos a respeito da menstruação, ressaltando aqui a sutileza da qual essa cultura é transmitida através dos tempos. Como discurso corrente, observamos "se estiver menstruada e tocar na comida vai estragar ou apodrecer"; "é proibido praticar sexo"; "lavar a cabeça"; "cozinhar", "andar descalça", "ingerir alimentos ácidos, ovos ou peixes"(17). Caso a menina não siga essas recomendações, haverá complicações, como o mito que menstruação pode "ir para o cérebro", invertendo a concepção que ela "vem do cérebro". Isto é, todo o processo inicia no cérebro, quando o hipotálamo produz o hormônio que libera a gonadotropina que vai para a hipófise, quando determina a produção do hormônio folículo-estimulante que chega aos ovários e estimula o amadurecimento dos óvulos resultando na menstruação(22).

Esta narrativa ilustra o fato da menina estar inserida em um grupo social que produz e reproduz representações, que eram e são ainda apropriadas e vivenciadas. Outro tema recorrente nas narrativas é a menstruação representada e associada à sujeira, ao nojo e à vergonha, contraditório, pois ao mesmo tempo em que é um indicativo de fertilidade gera insegurança e constrangimento(17). Esta noção apresentada é resultado de algo que foi construído e produzido na cultura, está inserida na lógica particular de cada sociedade em compreender o mundo(23). Como a sexualidade, a menstruação é um assunto pouco comentado, pertence a ela e torna-se aliada apenas da mulher que possui, adquire um poder que lhe é próprio, pela simples razão de que dela não se fala abertamente(16).

A categoria "medo de morrer" por ser um evento natural, mas, que se constitui no fato mais assustador da vida, certamente o maior deles frente ao qual não temos controle, previsão e qualquer compreensão.

Normalmente, foge-se da morte, à medida que ela nos assusta e não temos meios psicossociais para lidar com ela do ponto de vista emocional(24). O fato torna-se mais assustador quando a adolescente refere esse sangue menstrual ao sentimento de morte, de ferimento, passando-nos a noção de inexistência de orientação e apoio familiar ou social ao que se refere a menarca. Várias depoentes registraram a dificuldade de enfrentar essa situação sem a devida orientação dos pais, estes, por sua vez, por motivos culturais, religiosos ou por falta de conhecimentos específicos privam as filhas de orientações básicas referentes ao corpo, tão necessário ao momento. Além desses aspectos, a menarca foi relacionada à sensação de morte, momento em que a adolescente depara-se com o desconhecido e com a dificuldade de buscar alguém para ajudá-la. Nosso estudo corrobora Amaral(16) que apesar de todo o horror e perplexidade, mesmo assim, muitas não contam a ninguém, guardando segredo, o que reveste a menstruação de tal atributo, a vergonha de se expor supera até mesmo o medo de morrer.

A categoria "desinformação e impacto" revelou que a menstruação foi associada à noção de impureza, doença ou contaminação decorrente de um momento desagradável da natureza.

A menstruação apresenta-se como um mal da mulher, razão pela qual, muitas vezes, o período menstrual é denominado como incômodo e sujo, fazendo com que este episódio tenha imagens negativas sobre a mulher. A partir dessa concepção, a menstruação deixa de ser um processo normal da fisiologia feminina para tornar-se um momento de vergonha para a mulher. O fato representa um processo cercado de tabus e condutas especiais, que foram criados simbolicamente para tornar a mulher menstruada vulnerável, além de uma tentativa de proteger o homem do perigo poluidor do sangue menstrual, o que reforça sua condição de inferioridade perante o homem(25). Aqui percebemos o quanto as relações de poder estão impregnadas na socialização dessas meninas, bem como estão presentes os discursos médicos, religiosos, jurídicos e filosóficos que são elaborados e reelaborados na cultura.

De acordo com as narrativas, há um discurso que as meninas não devem se orgulhar de sua maturidade física e de seus corpos. A menarca pode ser um momento mágico e fascinante na vida da menina, momento em que pode aprender muito sobre o corpo e suas vicissitudes. Na maioria dos casos, a família dá muito pouca atenção a esse fato, ou o trata como se fosse um castigo dos "céus". O momento é cercado de segredos e de pavor, talvez isso se deva pelo medo dos pais admitir que as filhas cresceram e que em pouco tempo esses corpos, ora vistos como de crianças, passarão a ser vistos como corpos possíveis de serem desejados.

A ignorância e o silêncio da família sobre a sexualidade frequentemente começam a provocar uma separação, uma alienação e um ressentimento entre os pais e a menina. Ocorre uma separação de vergonha e falta de orgulho, além de uma separação dentro da própria menina. Desenvolvendo-se dentro de um sistema familiar omisso, as meninas formam duas identidades: uma que é "elas mesmas" e outra para o "sexo", criando assim uma dualidade onde, de um lado, se tem a definição patriarcal do sexo e do conhecimento das questões corporais como atitude devassa e vergonhosa, e do outro, como forma de prazer.

Perrot(26) atenta para o silêncio que envolve as mulheres, refere que embora o corpo feminino seja exposto no discurso dos poetas, dos médicos, dos políticos, as próprias mulheres não falam sobre ele. Nesse contexto, para interpretar as narrativas dessas meninas, percebemos que o discurso organiza-se na prática do segredo mantido pelas mães referente ao corpo. O silêncio sobre o corpo traduz-se como desinformação e negligência. Na cultura que estamos analisando, as transformações do corpo das adolescentes são marcadas pelo silêncio ou por murmúrios de mãe para filha e que se perdem em seus pudores, e a menarca acaba sendo uma surpresa vivida quase sempre no medo e na vergonha.

Neste sentido, tudo que se produz sobre o corpo e o sexo já contêm em si uma reivindicação sobre gênero. Então, pensamos o corpo como um sistema que produz e reproduz significados e é produzido por eles em ações simultâneas e combinadas. Não há um corpo a priori, mas corpos construídos por discursos, corpos que existem na experiência. Os corpos são o que são produzidos na cultura e não há um corpo natural, mas, um corpo produzido por expectativas de gênero. Neste sentido, Louro(27) refere que os indivíduos são examinados, classificados, ordenados, nomeados e definidos pelas marcas que são atribuídas a seus corpos. Cada grupo e cultura elegem formas legítimas de interpretar as marcas e as características dos corpos para definir os sujeitos. Marcas da raça, de gênero, de etnia, de classe social ou de nacionalidade, marcas que decidem o lugar social de cada um.

Em estudo realizado com mais de 3.000 meninas e mulheres, foi identificado que 78% referiram que suas mães não mencionaram a menstruação, mas 72% citaram que não se sentiam bem preparadas, porque a discussão era mínima. Apenas 12% dos pais discutiram a menstruação com as filhas. Entretanto, o estudo aponta que 81% das mulheres adquiriram a maior parte de suas informações na escola, por meio de aulas e amigas(28). Heilborn(29) mostra que nem todos os grupos sociais fazem da experiência da primeira menstruação uma ocasião de diálogo entre mãe e filha. A prática de conversar sobre a menstruação com a mãe ou receber dela informações sobre sexualidade, contracepção ou doenças sexualmente transmissíveis é uma experiência mais frequente nos grupos detentores de maior capital cultural e nas Regiões Sul e Sudeste do País. Brandão(30) afirma que apesar de questões referente à sexualidade serem "um idioma muito difundido", as conversas em família são muito escassas. Assim, o diálogo que se estabelece entre as duas gerações, é esvaziado de questões mais amplas, tornando esse um momento de considerações prescritivas sobre o corpo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo sinalizou para a importância de projetos que visam desconstruir concepções, mitos e tabus sobre as de questões da menarca.

Podemos considerar como fator marcante que apenas uma adolescente aguardava a menarca com expectativa positiva em razão da fertilidade. Atribuímos esse olhar devido aos preconceitos sociais e familiares herdados, e à escassa orientação sobre a menarca. Apesar das meninas referirem como um período marcante em suas vidas, esse momento foi cercado de medos e angústias, pelo desconhecimento e sobretudo por não receberem apoio e suporte familiar e social para enfrentar essa nova fase da vida.

Observamos que as meninas ficam bastante vulneráveis ao deparar-se com a menarca, o desconhecimento aliado a uma cultura cercada por mitos e tabus, coloca-as em situações de riscos, como a gravidez na adolescência.

Assim, o significado da menarca para essas meninas está carregado sentimentos de terror e maus presságios, fato que atribuímos ser decorrente de uma cultura que não valoriza o diálogo e o conhecimento das questões referentes ao corpo. A menina é iniciada na cultura não como alguém que um dia crescerá, desenvolverá seu corpo e será uma mulher, mas, sim, como uma eterna criança ou pior que aprenderá as transformações pela qual passará de maneira mais sofrível e na ausência de qualquer suporte familiar ou social.

Finalmente, ressaltamos a importância deste estudo na obtenção de dados visando à orientação do conteúdo programático das atividades desenvolvidas nas Oficinas de Orientação em Sexualidade desenvolvidas com professores, escolares, adolescentes e jovens que frequentam as escolas parceiras do Projeto de Extensão "Corporalidade e Promoção da Saúde".

Artigo recebido em 02/03/2011 e aprovado em 24/08/2011

  • 1. Aberastury A, Knobel M. Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990.
  • 2. Brêtas JR, Muroya RL, Goellner MB. Mudanças corporais na adolescência. In: Borges AL, Fujimori E. organizadores. Enfermagem e a saúde do adolescente na atenção básica. Barueri (SP): Manole; 2009. p.82-115.
  • 3
    Saúde reprodutiva de adolescentes: uma estratégia para ação. Uma declaração conjunta OMS/FNUAP/UNICEF. Genebra: Organização Mundial de Saúde; 1989.
  • 4. Brêtas JR, Moreno RS, Eugenio DS, Sala DC, Vieira TF, Bruno PR. Os rituais de passagem segundo adolescentes. Acta Paul Enferm. 2008; 21(3): 404-11.
  • 5. Outeiral JO. Adolescer. Rio de Janeiro: Revinter; 2008.
  • 6. Silva CV, Brêtas JR, Ferreira D, Correa DS, Cintra CC. Uso da camisinha por adolescentes e jovens: avaliação da seqüência dos procedimentos. Acta Paul Enferm. 2004;17(4):392-9.
  • 7. Eveleth PB. Menarche. In: Ulijaszek SJ, Johnston FE, Preece MA, organizers. Human growth and development. Cambridge: Cambridge University Press. 1998. p. 288.
  • 8. Klug DP, Fonseca PH. Análise da maturação feminina: um enfoque na idade de ocorrência da menarca. Rev Educ Fís. 2006;17(2):139-47.
  • 9. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas; 2006.
  • 10. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1995.
  • 11. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n.19 de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas em seres humanos. Mundo Saúde. 1996; 21(1):52-61.
  • 12. Gatti BA. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília (DF): Líber Livro; 2005.
  • 13. Kitzinger J. Grupos focais. In: Pope C, Mays N, organizadores. Pesquisa qualitativa na atenção à saúde. Porto Alegre (RS): Artmed; 2009. p.33-41.
  • 14. Bouzas I. As principais queixas ginecológicas na adolescência. Adolesc Saúde. [Internet]. 2006 [citado 2011 Fev 22]; 3(3). Disponível em: http://adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=132
  • 15. Rodrigues JC. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.
  • 16. Amaral CE. Percepção do significado da menstruação para as mulheres. [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas; 2003.
  • 17. Coutinho E. Menstruação: a sangria inútil. São Paulo: Gente; 1996.
  • 18. Venson AM. Entre vergonhas e silêncios, o corpo segregado. Práticas e representações que mulheres produzem na experiência da menstruação [Internet]. [s.d] [citado 2009 Fev 8] Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/pdf/Anamaria%20Venson.pdf
  • 19. Del Priore M, organizador. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto; 1997. Magia e medicina na colônia: o corpo feminino; p.78-114.
  • 20. Walker AE. The menstrual cycle. London: Routledge; 1997.
  • 21. Torselli M, Lanzara G. Menstruação. São Paulo: Expressão e Arte; 2005.
  • 22. Bouzas I, Braga C, Leão L. Ciclo menstrual na adolescência. Adolesc Saude. 2010;7(3): 59-63.
  • 23. Vigarello G. O limpo e o sujo. São Paulo: Martins Fontes; 1996.
  • 24. Levy C. Para a morte ser vista com naturalidade. [Entrevista com Roosevelt Cassorla. J Unicamp [Internet]. 2004 [citado 2011 Fev 12]; Nov 1-15. Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/novembro2004/ju272pag11.html
  • 25. Parker RG. Corpos, prazeres e paixões: a cultura sexual no Brasil contemporâneo. São Paulo: Nova Cultural; 1991.
  • 26. Perrot M. Os silêncios do corpo da mulher. In: Matos MI, Soihet R. Corpo feminino em debate. São Paulo: UNESP; 2003. p.13.
  • 27. Louro G, Neckel JF, Goellner SV. Corpo, gênero e sexualidade. Petrópolis (RJ): Vozes; 2003.
  • 28. Hite S. Relatório Hite sobre a família: crescendo sob o domínio do patriarcado. Rio de Janeiro: Bertrand; 1995.
  • 29. Heilborn ML, Aquino EM, Bozon M, Knauth DR, organizadores. O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Garamond/Fiocruz; 2006.
  • 30. Brandão ER. Iniciação sexual e afetiva: exercício de autonomia juvenil. In: Heilborn ML, organizador. Família e sexualidade. Rio de Janeiro: FGV; 2004. p.63-86.
  • Autor Correspondente:

    José Roberto da Silva Brêtas
    Rua Napoleão de Barros, 754
    Vila Clementino – São Paulo (SP), Brasil. CEP 04024-002
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado em 3 escolas Estaduais de Ensino Fundamental e Médio da região de Santo Eduardo, município de Embu das Artes, São Paulo (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      02 Mar 2011
    • Aceito
      24 Ago 2011
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actapaulista@unifesp.br