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Descoberta da deficiência auditiva pela família: vendo o futuro idealizado desmoronar

Resumos

OBJETIVO: Retratar a experiência familiar, quando da descoberta da deficiência auditiva de um filho. MÉTODOS: Pesquisa qualitativa, tendo o Interacionismo Simbólico e a Teoria Fundamentada nos Dados, como referenciais teóricos e metodológicos. Instrumento de coleta de dados: entrevista semiestruturada. Participaram do estudo nove famílias (32 participantes). RESULTADOS: O tema, "Ver desmoronar um futuro idealizado", evidencia que, para a família, a descoberta da possibilidade de ter uma criança com deficiência auditiva é um momento complexo que envolve inúmeros sentimentos negativos. CONCLUSÃO: Descobrir a deficiência auditiva tem um significado de perda da criança perfeita esperada, de expectativas frustradas e futuro incerto. A família tem sido abordada inadequadamente e o diagnóstico tem sido feito tardiamente, o que exige mudanças imediatas das práticas dos profissionais envolvidos.

Família; Crianças com deficiência; Perda auditiva; Acontecimentos que mudam a vida; Enfermagem famíliar


OBJECTIVE: To portray the family experience when the discovery of hearing impairment in their child. METHODS: Qualitative research with Symbolic Interactionism and Grounded Theory as theoretical and methodological frameworks. Data collection instrument: semi-structured interview. The study included nine families (32 participants). RESULTS: The theme, "Seeing an idealized future collapse", shows that for the family, discovered the possibility of having a child with hearing loss is a moment that involves many negative feelings. CONCLUSION: Discover the hearing loss has a meaning of the expected loss of the perfect child, frustrated expectations and uncertain future. The family has been inadequately approached and the diagnosis has been made late, which requires immediate changes to the practices of professionals.

Family; Disabled children; Hearing loss; Life change events; Family nursing


OBJETIVO: Retratar la experiencia familiar, cuando se descubre la deficiencia auditiva de un hijo. MÉTODOS: Investigación cualitativa, teniendo al Interaccionismo Simbólico y la Teoría Fundamentada en los Datos, como referenciales teóricos y metodológicos. Instrumento de recolección de dados: entrevista semiestructurada. Participaron en el estudio nueve familias (32 participantes). RESULTADOS: El tema, "Ver desmoronarse un futuro idealizado", evidencia que, para la familia, el descubrimiento de la posibilidad de tener un niño con deficiencia auditiva es un momento complejo que involucra innumerables sentimientos negativos. CONCLUSIÓN: Descubrir la deficiencia auditiva tiene un significado de pérdida del niño perfecto esperado, de expectativas frustradas y futuro incierto. La familia ha sido abordada inadecuadamente y el diagnóstico realizado tardíamente, lo que exige cambios inmediatos de las prácticas de los profesionales involucrados.

Familia; Niños con discapacidad; Pérdida auditiva; Acontecimientos que cambian la vida; Enfermería de la familia


ARTIGOS ORIGINAIS

Descoberta da deficiência auditiva pela família: vendo o futuro idealizado desmoronar

IMestre em Enfermagem pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar – São Carlos (SP), Brasil

IIDoutora em Psicologia da Educação. Professora Titular em Audiologia no Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), Universidade de São Paulo – USP Bauru (SP), Brasil

IIIDoutora em Enfermagem. Universidade Federal de São Carlos – UFSCar – São Carlos (SP), Brasil

IVDoutora em Enfermagem. Universidade Federal de São Carlos – UFSCar – São Carlos (SP), Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: Retratar a experiência familiar, quando da descoberta da deficiência auditiva de um filho.

MÉTODOS: Pesquisa qualitativa, tendo o Interacionismo Simbólico e a Teoria Fundamentada nos Dados, como referenciais teóricos e metodológicos. Instrumento de coleta de dados: entrevista semiestruturada. Participaram do estudo nove famílias (32 participantes).

RESULTADOS: O tema, "Ver desmoronar um futuro idealizado", evidencia que, para a família, a descoberta da possibilidade de ter uma criança com deficiência auditiva é um momento complexo que envolve inúmeros sentimentos negativos.

CONCLUSÃO: Descobrir a deficiência auditiva tem um significado de perda da criança perfeita esperada, de expectativas frustradas e futuro incerto. A família tem sido abordada inadequadamente e o diagnóstico tem sido feito tardiamente, o que exige mudanças imediatas das práticas dos profissionais envolvidos.

Descritores: Família; Crianças com deficiência; Perda auditiva; Acontecimentos que mudam a vida; Enfermagem famíliar

Introdução

A descoberta de uma condição crônica de saúde em um membro da família é um momento complexo, situação essa que se agrava na infância e é permeada de sentimentos negativos e comportamentos diversos, como: revolta, medo, frustração, não aceitação, susto, chateação, desespero, angústia, confusão, tristeza, culpa, contrariedade, preconceito, uma sensação de vazio interior, choque, vergonha, depressão e ansiedade (1-5). Sendo assim, a descoberta da Deficiência Auditiva (DA) configura-se em uma perda do filho perfeito, na violação de expectativas positivas, gerando frustrações, comparadas por algumas famílias como uma experiência de luto (2-3). Em presença de doenças, deficiências e anormalidades, há alteração no envolvimento dos membros, na convivência e nas relações intrafamiliares, provocando mudanças substanciais, sobretudo no início(6-10). Quando a descoberta da DA ocorre na infância, para a família é uma situação desafiadora e impactante, exigindo grande mobilização que envolve adaptações e reformulações de significados que variam de família para família.

Neste sentido, os pais podem reagir de forma parecida ao receberem este diagnóstico, contudo, as expectativas em relação às possibilidades da criança com DA são distintas. Para uns, o desejo é que o filho fale; outros aceitam a língua de sinais pelo reconhecimento de que o filho não consegue desenvolver a fala; e, ainda, há pais que aceitam a língua de sinais e a fala(7).

A importância da linguagem na recepção e estruturação das informações, na organização perceptual, na aprendizagem e nas relações sociais traduz-se como um elemento essencial no desenvolvimento infantil(11), portanto, justifica-se a necessidade do diagnóstico da DA o mais precoce possível(12-15). Por outro lado, a identificação tardia da deficiência pode acarretar desvantagem e dificuldades acadêmicas, sociais, emocionais(13) e também na autoestima da criança. Neste contexto, o tempo necessário para abordar suas necessidades linguísticas e prepará-la para entrar na escola é maior, deixando clara a desvantagem em relação às crianças ouvintes(16).

As dificuldades para a comunicação com a criança representam um desafio imperativo na fase inicial e podem gerar nos pais nervosismo, desistência de se comunicar com o filho, frustração, insegurança ou persistência(1). Por outro lado, a perda / ausência da audição pode causar irritação, desinteresse, rebeldia e mau comportamento da criança(17).

Diante do exposto, este estudo teve como objetivo: retratar a experiência da família quando da descoberta da deficiência auditiva de um filho.

MÉTODOS

Pesquisa de abordagem qualitativa, tendo o Interacionismo Simbólico (IS)(18) e a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)(19), como referencial teórico e metodológico, respectivamente. Estes referenciais foram utilizados para compreender o mundo das experiências vividas pela família da criança com DA, e apreender os significados que ela atribuía às inúmeras situações com as quais tinham de enfrentar diariamente.

Em relação aos aspectos éticos, o projeto da pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), Ofício nº 182/2009-SVAPEPE-CEP. Posteriormente, após a leitura e explicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (conforme a Resolução Federal nº196/96 do Conselho Nacional de Saúde), este foi assinado pelos membros de cada família.

Para a coleta de dados, utilizou-se como instrumento a entrevista consentida semiestruturada.

Os sujeitos da pesquisa foram famílias de crianças com DA, usuárias de Implante Coclear, selecionadas da listagem dos pacientes disponibilizada pela Coordenação do Centro de Implante. Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: ter uma criança implantada há, pelo menos, 1 ano e inserida no Ensino Fundamental; ser paciente do Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do HRAC/USP, no campus de Bauru(SP), e residir no Estado de São Paulo. Participaram do estudo nove famílias (Quadro1), com um total de 32 indivíduos. A fim de assegurar o anonimato, as famílias foram identificadas numericamente pela ordem em que aconteceram as entrevistas e cada membro foi representado pelo grau de parentesco em relação à criança implantada (Ex.: Família1: Pai1, Mãe1, Criança1, Irmão1).


As entrevistas foram realizadas entre setembro de 2009 e outubro de 2010, sendo feita uma entrevista com cada família, em seu domicílio, visto que a proposta era reunir o maior número possível de membros, a fim de que os dados fossem mais representativos da experiência do grupo familiar. O número de famílias não foi predeterminado, visto que pela TFD a amostragem teórica ocorre pela necessidade da pesquisa e relevância da teoria que está sendo construída (19). As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, sendo os dados coletados e analisados concomitantemente, seguindo os pressupostos da TFD, por meio do processo de codificação e categorização dos dados, e compreensão dos achados.

RESULTADOS

A análise dos dados permitiu identificar que, à família, a descoberta de uma DA em sua criança tem um significado de perda da criança perfeita e esperada, ter os sonhos fragmentados, expectativas frustradas e o futuro incerto.

A experiência da família da criança com DA inicia-se com a desconfiança de algo diferente na criança. Conforme esta vai crescendo, a família começa a notar alterações na interação diária, ausência de reação frente aos estímulos, principalmente os sonoros, comparando com experiências prévias dos filhos mais velhos ou com o esperado para aquela idade; testa constantemente a criança, mas, sem obter respostas que lhe deem segurança de que a percepção está correta.

"Eu, como mãe, achava que ela era diferente, porque ela tinha dificuldade de dormir, era uma criança bastante elétrica, nunca dormiu à tarde. Quando ela dormia, o mundo podia acabar que ela não acordava (Mãe6). Faziam testes de bater palma e ela nunca reagia. Eu acho que a criança que nasce com deficiência, tem mais sensibilidade, vê um vulto e já vira! A gente pensava que ela tava virando por causa do som e não era (Pai6)."

Mesmo percebendo que há algo estranho, a família, muitas vezes, segue não querendo acreditar em suas suspeitas até porque não quer procurar algo que não deseja achar. Assim pela dificuldade em aceitar que a criança não está escutando, a família em alguns casos, protela ao máximo a realização dos exames solicitados e demora para procurar ajuda, visto que não concebe que sua suspeita seja real.

"No início, a gente percebia em casa, mas achava que era distração, não aceitava e foi passando o tempo. E a reação de uma criança era assustar, né?! Por isso, que demorou até um ano. Nós fomos perceber logo no começo que ela não respondia aos barulhos, mas a gente sempre ficava martelando que fosse distração. Ainda demorei um mês pra marcar a fono, porque a gente achava que não era (Mãe3)."

A experiência de ter uma criança surda na família pode surgir já durante a gestação, quando a mãe é acometida por uma infecção e recebe informação da possibilidade de um comprometimento fetal.

"No início foi muito doloroso. Pelo fato de eu ter tido rubéola de 2 pra 3 meses da gravidez, foi uma expectativa muito grande. Todo mundo estava preocupado pelo fato dela poder nascer surda, cega. Na época, que ela nasceu nós morávamos na casa dos pais dele, então, ficava todo mundo prestando atenção na época do desenvolvimento de balbucio para ver se ela fazia. (Mãe7)."

Quando a possibilidade de uma deficiência da criança surge no pré-natal, pode viabilizar o preparo familiar à situação; entretanto, o sofrimento antecipado ocorre em razão da expectativa estendida até o nascimento com constatação da surdez.

"A gente fica triste, porque a gente fica na expectativa que se Deus quiser vai dar tudo certo, não vai dar em nada, mas no mesmo tempo a gente já estava se preparando. Quando constatou... (Pai7) parece que a gente já sabia 50% do resultado (...) a gente sabia que ela não era como qualquer criança (Mãe7)."

Mesmo protelando a ajuda, a família interiormente continua incomodada, o que faz com que inicie o processo de mobilização, investigando suas inquietudes. Embora algumas famílias demorem para buscar esclarecimentos, outras prontamente procuram ajuda na busca por informações. A demora da confirmação do diagnóstico pode ocorrer, pela demora dos profissionais em diagnosticar e investigar o problema.

"Aí comecei a correr atrás do exame, passei no pediatra, ele fez testes, falou que ela não tinha nada (...), vários pediatras falaram (...). Na época, eu não tinha convênio, e a gente demorou pra fazer o exame BERA. A gente correu atrás da prefeitura e como esse aparelho vivia sempre quebrado, o tempo foi passando. Então, quando foi fazer, foi quando a gente fez o convênio e ela já tinha 1 ano (Mãe6)."

"Com 7 meses, eu comecei a reclamar com o pediatra que eu achava ela estranha. ‘Não tem nada... criança bonita, saudável, o que você quer?'. Depois voltei e falei que a minha suspeita era a audição, e o pediatra ‘Imagina?!'. Levava todo mês no médico de controle, ele fazia aquele teste de estalar com o dedo e ela acompanhava o dedo dele. Ela já tava com 1 ano e 1 mês, eu reclamando, e o médico falando que não era nada, que era coisa da minha cabeça (Mãe9)."

As crianças com surdez adquirida por infecções começam a apresentar sinais e sintomas, que a família percebe, e rapidamente sai em busca de atendimento médico. Intervenções médicas tardias e/ou inapropriadas cooperam para a ocorrência de sequelas, como a surdez.

"A história começou assim, ela brincou o dia inteiro normal... eu estranhei, à noite, foi que ela chegou e pediu pra dormir mais cedo (...) quando foi uma hora da manhã, ela começou a passar mal, vomitando. E eu quis levar ela no médico, e ela falou ‘agora não, pai', mas o vômito era estranho... eu fiquei em cima dela. Passou mal de novo, na 3° vez, ela levantou e trombou no guarda-roupa e caiu de costas (...) aí já estava sem coordenação nenhuma, e já eram 4h30 da manhã. Coloquei no carro e fui pro pronto-socorro. Chegou lá o médico, não queria atender, mandou voltar pra casa e esperar amanhã cedo e ir no posto de saúde, que era virose, e não pôs a mão nela (...) eu chamei a polícia... Subi pra Santa Casa, e o médico não queria internar, mas também não ponhava a mão. Ela já estava desacordada, desde o pronto-socorro. Deu injeção pra febre, que já tava 42 graus, colocou soro (...) passou seis médicos, ninguém colocava a mão. Conforme a enfermeira, eles achavam que eu estava desesperado, porque tinha derrubado ela no chão e, por isso, que ela estava desacordada. Quando chegou a neuro, ela falou ‘Pai, sua filha tá com meningite'... Aí já isolou eu, ela, o quarto, porque eles ficaram com medo, porque é uma doença contagiosa e tinha mais nove crianças. Quando saiu o resultado, foi direto pra UTI, e o que o médico falou pra mim, melhor nem falar, ele desenganou... (Pai4)."

"Ela saiu do hospital e não tava andando (...) a gente imaginou que a sequela ia ser essa. Porque o médico falou que se ela viver, ela ia sair com sequelas e já foi bem claro. Foi passando os dias aqui em casa, aí com 5 dias, ela ligou pro pai, e não escutava o que o pai dela falava (Mãe4). A mãe dela falou bem brava comigo ‘o que você tá falando pra menina?, que ela começou a chorar'(Pai4). Porque eu conversava com ela aqui e ela entendia, mas no telefone, não (Mãe4)."

Os relatos evidenciam que qualquer família, com um integrante com condição crônica de saúde, reage de modo semelhante, sendo assim, é inevitável passar pela primeira fase de impacto: a confirmação do diagnóstico. Esse período é permeado por um conjunto de sentimentos e sensações negativas, como revolta, não aceitação, susto, entre outras.

"Quando descobrimos, foi um choque porque a gente não esperava. Foi muito difícil e dolorido (Mãe3). Não aceitava a minha filha desse jeito, não queria que ela tivesse isso, aquilo não entrava dentro de mim (...) foi o pior dia da nossa vida (Pai3)."

"Quando a gente descobriu, foi aquele susto inicial, aquela coisa da gente mesmo fazer um prognóstico horroroso, porque a gente não conhecia o implante. Minha família ficou muito revoltada, não aceitava (Mãe2). No começo, foi mais difícil (...)Não tinha nem ideia porque não tem ninguém na família com problema de audição. (...) É uma coisa que a gente perde o chão, fica meio sem saber o que fazer (Pai2)."

Ao sentir-se sem o controle da situação diante da notícia que muda o rumo de seus planos, a família angustia-se por medo do desconhecido e vê seus sonhos fragmentados ruírem. O principal sentimento desencadeado nesse momento é o medo.

"A gente achou que ela ia ser uma dessas crianças que ficavam marginalizadas, que acabou não sendo. A gente era ignorante e, de certa forma, preconceituoso também. Achava que o surdo era um coitadinho, aí quando descobriu que ela ia ser surda, a gente já veio com a imagem de coitadinho (...) que vai ficar marginalizado (Pai6)."

O medo é um sentimento que permeia toda a vivência da surdez, mas, que tem sua natureza e intensidade variáveis; surge por ocasião da suspeita de que algo errado está acontecendo, com a confirmação do diagnóstico e também no decorrer da experiência. O desconhecimento sobre a surdez, suas repercussões, possibilidades de tratamento e suporte, tornam essa fase muito difícil. A situação faz com que a família sofra, gerando uma contínua angústia sobre o que se esperar do filho com problemas de fala, comunicação, sociabilização, entre outros. Desencadeia também certa angústia pela constante "preocupação".

"A deficiência descobriu com 7 meses, eu chorei muito no começo com medo dela não falar e não entender as coisas. Achava que ela não ia desenvolver tanto (Mãe7). Eu já pensei a longo prazo, porque a gente sabe o preconceito que é... pensei na vida dela profissional como seria, as dificuldades (...) foi difícil! Meu desespero era muito grande, quando ela tinha mais de 1 ano de idade, e ela falava (Pai7)."

Além do sofrimento desencadeado pela descoberta da DA, a família também sofre por outros agravantes, como a forma que a surdez é notificada, a falta de informações e de orientações sobre esta deficiência e dos recursos terapêuticos disponíveis. O sofrimento poderia ser suavizado se fossem apresentados caminhos possíveis e palavras de estímulo e de esperança.

"O otorrino, eu achei meio estúpido de logo na primeira vez falar ‘você vai ter que se acostumar com a vida que agora ele é deficiente auditivo e tudo vai mudar'. Mas, a gente não tava preparado, porque ele não nasceu assim (...) ele não falou de nenhuma forma que a gente pudesse entender ‘olha, seu filho é deficiente auditivo!' Disse ‘escola, tudo vai ser diferente na vida dele, no caso dele, o implante que existe é muito caro'... que a gente não ia conseguir (Mãe5)."

"Ele falou tipo ‘você é pobre, você não vai conseguir' (Avó5). Ele poderia ter falado ‘existe Bauru, o implante é isso...'. Não falou nada! Ele falou ‘seu filho é deficiente auditivo e tem que acostumar agora. Tem associação aqui de deficientes' (Mãe5)."

O modo como são passados o diagnóstico e o prognóstico da DA, representa uma violação de direitos da família, porque, em muitas situações, ocorre de maneira inapropriada e ríspida. Assim, a omissão da informação sobre os recursos disponíveis para o tratamento da surdez e a falta de encaminhamento para aos centros especializados geram um desgaste desnecessário para à família.

"No dia que o médico foi dar a notícia pra gente, meu Deus! Ele abriu o resultado: ‘Ela é surda, o caso dela é irreversível, ela não vai falar...', na nossa cara, curto e grosso. Começou a dar endereço da Avape, e que ela ia falar só por sinais (Mãe9). A gente perguntou ‘doutor não tem nenhuma operação?'. E ele ‘Não tem nada que faça, vai ter que conviver com isso aí, pôr aparelhinho, ela é surda'. Um cara profissional da área não saber que existe implante coclear, é brincadeira, né?! (Pai9)."

Para a família, receber a confirmação diagnóstica de forma cautelosa e adequada ajuda a minimizar o estresse desse momento e dá incentivo para prosseguir.

"Em Bauru, o médico falou que naquele dia não tinha nada pra fazer, nem aparelho, nem implante, mas que ‘como a medicina está bem avançada, pode ser que amanhã ou depois surja alguma coisa que vá solucionar o problema dela' (...) Falou que estava em experiência um implante pra gente que tinha neuropatia (Mãe8). Em Campo Grande, eles já informaram de Bauru. A gente ficou um pouco triste, mas eles já animaram a gente, porque ia ter jeito, ia ter esse implante (Pai8)."

DISCUSSÃO

Em virtude do exposto, foi possível perceber que, como na descoberta e confirmação das demais condições crônicas de saúde, famílias que vivenciam a DA na infância passam pelo processo inicial de suspeita de diferenças na criança se comparadas com outras da mesma idade; negação e não aceitação das evidências de desvio do padrão de desenvolvimento infantil esperado; inicialização no processo de mobilização em busca de respostas para às inquietações e anseios; e sofrimento com o recebimento do diagnóstico. Esta fase inicial é de impacto, permeada de sentimentos negativos, sobretudo o medo frente ao desconhecido; onde ocorre a quebra dos planos, expectativas e idealizações prévias que tinha para o filho; e vivência de agravo do sofrimento pela inadequação dos profissionais envolvidos na abordagem da família.

Sendo assim, nos acompanhamentos do pré-natal e de puericultura, e nas atividades de educação popular em saúde, devem ser aprofundadas as orientações para os pais sobre o crescimento e desenvolvimento infantil, para nortear o acompanhamento da criança pelas famílias. Para que isso ocorra, é imprescindível também, o conhecimento técnico e científico dos profissionais que acompanham as crianças, sobre os parâmetros normais do comportamento auditivo(20).

A enfermagem inclui-se nesse grupo de profissionais, porque tem atuação com essas famílias na atenção básica nas Estratégias de Saúde da Família, nas maternidades, nos serviços de média e alta complexidade, quando atendem gestantes de risco e nos episódios de hospitalizações infantis.

Estudo realizado no Hospital de Ensino da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), em 2006, preconiza que se faz necessário abordar mais profundamente o desenvolvimento da audição, avaliação, diagnóstico e tratamento precoce da surdez na formação de estudantes de Medicina e residentes em Pediatria; e deve haver uma maior cooperação entre pediatras, fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas na divulgação de procedimentos de triagem auditiva, porque os pediatras constituem a primeira fonte de informação e referência dos pais (21). Essa abordagem precisa ser incluída, também, na formação dos enfermeiros, e todos os profissionais da área da saúde, que precisam ser sensibilizados à complexidade desse momento e o impacto que representa para a família.

Assim, como apresentado em outro estudos(22), algumas famílias suspeitaram rapidamente de alguma anormalidade na criança, levando-as a procurar profissionais, a fim de investigar suas inquietudes. Entretanto, muitos profissionais não deram crédito às informações dadas pela família, e demoraram para fazer o diagnóstico e encaminhamento necessário.

O impacto sentido por ocasião do diagnóstico é inevitável, porque a família sente-se fora de controle da situação e não consegue projetar o futuro planejado. Surgem, então, perguntas como: "Quais serão as repercussões da surdez para a criança e para à família?", "Há possibilidades de tratamento e onde encontrar ajuda?" São questionamentos que a família se faz sobretudo nessa fase inicial; que são seguidas de preocupações a longo-prazo: "Ela conseguirá falar, ouvir, se comunicar, estudar, ter um emprego, uma família, uma vida social?", "Será independente e autônoma?", "Como será recebida pela sociedade?". Esses questionamentos representam fatores que podem comprometer o desenvolvimento da criança e sua inserção no mundo, como qualquer outra criança.

Neste trabalho, detectado-se um agravante relacionado ao modo como o diagnóstico foi transmitido para uma família: inadequado e sem sensibilidade. Ainda foi verificado que, para a maioria das famílias, as alternativas e recursos disponíveis para o tratamento da surdez foram omitidos, e os encaminhamentos, de certo modo, negligenciados.

Sendo assim, os pais de crianças com DA clamam por "liberdade da desinformação", assim denominado por outro autor(23), pois não querem mais ouvir declarações, como: "inexistem testes que confirmem a perda auditiva até 6-8 meses de idade", "não se preocupe, as crianças se desenvolvem em níveis e tempo diferentes", "você não precisa fazer nada sobre isso por seis meses ou um ano..."; Ao contrário, no início há um montante de necessidade de conhecimento e informação que a família sente que precisa receber: implicações relativas à perda da audição; referências e encaminhamentos para os especialistas necessários para passar à próxima etapa do processo; conhecimento e compreensão de recursos disponíveis (23-24). Nossos resultados também confirmam isso.

Assim, o enfermeiro e os demais profissionais de saúde precisam estar atentos aos sentimentos vivenciados pela família e preparados para informá-la sobre as possibilidades de desenvolvimento da criança. Estimular a confiança e a segurança para o cuidado da criança e enfrentamento das dificuldades é imprescindível(25).

Vale ressaltar, que nenhuma das crianças participantes do estudo realizou ao nascer a triagem auditiva neonatal, embora algumas maternidades já estejam aptas a realizar este teste na ocasião do nascimento da criança.

A Lei nº 12.303, de 2 de agosto de 2010, dispõe sobre a obrigatoriedade desse exame em crianças nascidas em todos os hospitais e maternidades(26). Também é conhecido como "teste da orelhinha", apesar do método ser eficiente no diagnóstico precoce da DA, há um grande desafio para implantação da Triagem Auditiva Neonatal em todo o País, considerando que se tem 3.111.502 recém-nascidos por ano, e destes, menos de 10% estão cobertos pelos Sistemas de Triagem Auditiva(27).

Acreditamos que cabe ainda à enfermagem:

– participar da prevenção por meio do fortalecimento dos programas de imunização, considerando que infecções congênitas e adquiridas podem ser evitadas e reduzidas e, consequentemente, as sequelas por elas causadas;

– atentar e orientar os pais desde a gestação, sobre o uso de substâncias teratogênicas e medicamentos ototóxicos e atuar na implementação dos serviços de triagem e monitoramento auditivo em neonatos, pré-escolares e escolares;

– identificar e rastrear situações de risco e casos indicatios de DA com as equipes de Estratégia de Saúde da Família, nas Unidades Básicas de Saúde e nas Instituições Hospitalares e, por conseguinte, referenciar e contrarreferenciar entre os níveis de atenção à saúde, visando a dar prosseguimento aos cuidados e ações necessárias;

– trabalhar em ações de educação em saúde com a população sobre: os cuidados com a audição e como evitar agravos; a importância de observar e identificar alterações auditivas e comportamentais na criança; e outras informações sobre a surdez;

– apropriar-se de conhecimento e atuar como multiplicador na capacitação profissional, atualização e suporte técnico sobre saúde auditiva aos diversos profissionais nos diferentes níveis de atenção à saúde.

CONCLUSÃO

Retratar a experiência da família quando da descoberta da deficiência auditiva de um filho apontou para um horizonte amplo de atuação, tanto do profissional enfermeiro, como de outros profissionais da saúde.

Para a família, a descoberta da DA em sua criança, seja durante a gestação, no nascimento ou nos primeiros anos de vida, significa ter seu futuro desmoronado. Isso porque, nesse momento, contempla a perda da criança perfeita e esperada, tem seus sonhos fragmentados, expectativas frustradas e o futuro incerto. Encontramos que este estado de luto varia de família para família, dependendo do processo de aceitação, dos recursos que possui para enfrentar a situação e dos significados prévios sobre a deficiência auditiva. Frequentemente, a abordagem familiar de crianças com DA pelos profissionais envolvidos tem sido inadequada, e o diagnóstico, tardio. Esta realidade precisa ser mudada rapidamente, e se faz necessária a implementação da Triagem Auditiva Universal nas maternidades, como uma prática nacional.

Pesquisas que explorem o diagnóstico da DA em outras faixas etárias, como adolescentes, adultos e idosos precisam ser realizadas a fim de se investigar como se dá esta experiência nestes casos. Além disso, pode-se investigar se e como outras variáveis (gênero, escolaridade, condição socioeconômica e cultural), que não foram objetos específicos de avaliação deste estudo, interferem nesta experiência.

Finalmente, vale ressaltar a importância de se realizar pesquisas nessa área e, assim, contribuir com a produção do conhecimento sobre o cuidar de famílias de pessoas com deficiência auditiva.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento que possibilitou a realização desta pesquisa.

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  • *
    Sheila de Souza VieiraI; Maria Cecília BevilacquaII; Noeli Marchioro Liston Andrade FerreiraIII; Giselle DupasIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      30 Nov 2011
    • Aceito
      08 Jul 2012
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