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Representações sociais de enfermeiros sobre o portador de tuberculose

Resumos

OBJETIVO: Descrever as representações sociais de enfermeiros sobre o doente com tuberculose. MÉTODOS: Pesquisa qualitativa com referencial na Teoria das Representações Sociais. Para produção dos dados utilizou-se a técnica de entrevista individual, com 52 enfermeiros, utilizando um roteiro com questões fechadas sobre o perfil pessoal e profissional e outro com 27 questões abertas que exploraram saberes e fazeres em seu cotidiano com os doentes. Para análise utilizou-se a de conteúdo temática. RESULTADOS: Os enfermeiros constroem representações sociais baseadas no estereótipo do doente, os associam à ideia de receptáculos da doença, além de associar a vulnerabilidade ao adoecimento à condição social. CONCLUSÃO: As representações sociais sobre o doente com tuberculose se organizam a partir do medo amparado em características físicas, psicológicas e sociais que ajudam os enfermeiros a delinear a figura-tipo do doente como perigoso.

Enfermagem; Tuberculose; Psicologia social; Comportamento social; Conhecimentos, atitudes e práticas em saúde


OBJECTIVE: To describe the social representations of nurses about tuberculosis patients. METHODS: A qualitative research was undertaken, based on Social Representations Theory. To produce the data, the individual interview technique was applied, involving 52 nurses, using a script with closed questions about the personal and professional profile and another script with 27 open questions that explored knowledge and action in their daily work with the patients. For analysis, thematic content analysis was applied. RESULTS: The nurses build social representations based on the stereotyped patients, associate them with the idea of receptacles of the disease, besides linking vulnerability with illness and social conditions. CONCLUSION: Social representations about tuberculosis patients are organized based on fear, resting on physical, psychological and social characteristics that help the nurses to outline fhe type-figure of the patient as dangerous.

Nursing; Tuberculosis; Psychology social; Social behavior; Health knowledge, attitudes, practice


ARTIGO ORIGINAL

Representações sociais de enfermeiros sobre o portador de tuberculose

Ivaneide Leal Ataíde RodriguesI; Maria Catarina Salvador da MottaII; Márcia de Assunção FerreiraII

IEscola de Enfermagem Magalhães Barata, Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil

IIEscola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente Ivaneide leal Ataíde Rodrigues Av. José Bonifácio, s/n, São Braz Belém, PA, Brasil. CEP 66000-000 ilar@globo.com

RESUMO

OBJETIVO: Descrever as representações sociais de enfermeiros sobre o doente com tuberculose.

MÉTODOS: Pesquisa qualitativa com referencial na Teoria das Representações Sociais. Para produção dos dados utilizou-se a técnica de entrevista individual, com 52 enfermeiros, utilizando um roteiro com questões fechadas sobre o perfil pessoal e profissional e outro com 27 questões abertas que exploraram saberes e fazeres em seu cotidiano com os doentes. Para análise utilizou-se a de conteúdo temática.

RESULTADOS: Os enfermeiros constroem representações sociais baseadas no estereótipo do doente, os associam à ideia de receptáculos da doença, além de associar a vulnerabilidade ao adoecimento à condição social.

CONCLUSÃO: As representações sociais sobre o doente com tuberculose se organizam a partir do medo amparado em características físicas, psicológicas e sociais que ajudam os enfermeiros a delinear a figura-tipo do doente como perigoso.

Descritores: Enfermagem; Tuberculose; Psicologia social; Comportamento social; Conhecimentos, atitudes e práticas em saúde

Introdução

A tuberculose chega ao século XXI como uma das maiores causas de morbimortalidade no mundo. Sua importância epidemiológica se traduz em dados veiculados pela Organização Mundial de Saúde mostrando que existem dois bilhões de infectados pelo Micobacteriumtuberculosisna população mundial, propiciando a ocorrência de oito milhões de casos novos/ano e a morte de aproximadamente dois milhõesde pessoas.(1)

No panorama mundial, o Brasil está entre os 22 países que detêm a maior carga da doença, ocupando o 19º lugar, com números expressivos no que concerne à incidência da patologia. Em 2011 foram notificados no país 69.000 casos novos o que corresponde a um coeficiente de incidência de 36.0/100.000 habitantes.(2)

Na região norte do Brasil, o estado do Pará, com população de 7.581.051 habitantes distribuídos em 144 municípios, a capital Belém, destaca-se por notificar aproximadamente 40% dos casos do estado. Em 2011 foram 1.497 novos casos com coeficiente de incidência de 100.0/100.00 habitantes.(2)

A tuberculose é, historicamente, considerada metafórica e, desde seu surgimento na história humana, suscita o imaginário daqueles que com ela tenham contato, sejam doentes, familiares ou profissionais de saúde.(3) As várias décadas em que a convivência com a doença e o doente não traziam explicações lógicas para o acometimento, permitiram que o imaginário social fosse constantemente alimentado por informações que circulavam, tanto no universo científico como no senso comum, suscitando explicações fantasiosas e/ou estigmatizantes, que tinham consequências no social e no biológico, muitas vezes necessariamente nessa ordem, pois mediante o desconhecimento científico das causas e aausência de tratamento eficaz, restava aos doentes recorrer a tratamentos paliativos, inócuos ou nocivoscom o consequente êxito letal. Mediante o estigma vigentea essesdoentes, a morte física era precedida da morte social.(4)

Os avanços na área da pneumologia permitem, hoje, o diagnóstico precoce, tratamento imediato e cura da doença, sendo diagnóstico e tratamento disponíveis na rede pública e os doentes assistidos por equipe multiprofissional.(5) Em que pese esse cenário modernamente favorável, permanece como uma doença temida e, aqueles acometidos por ela, vitimas de preconceito social.(3)

Nas equipes multiprofissionais geralmente é o enfermeiro quem acompanha o doente por todo o seu tratamento. Foi assim desde o início do controle da tuberculose no Brasil, onde os enfermeiros ocuparam papel de destaque.(6,7) Na busca da compreensão de como esses profissionais lidam no cotidiano dos serviços de saúde com os doentes acometidos, esta pesquisa tem como objetivo: descrever as representações sociais de enfermeiros que atuam na atenção básica sobre o doente com tuberculose.

Métodos

Estudo descritivo, qualitativo, fundamentado na Teoria das Representações Sociais em sua vertente processual. Essa Teoria ocupa-se de objetos que apresentam relevância social, buscando desvendar significações e sentidos que grupos sociais lhes atribuem, no afã de explicá-los e agir frente a eles.

Como teorias do senso comum que ligam pensamento e ação, o estudo das representações sociais permite acessar os significados que os sujeitos atribuem a um objeto. Entendidas como um saber prático, contribuem para entender a tomada de posição dos sujeitos no mundo contemporâneo.(8) No processo de sua elaboração,estão imbricadas as experiências pessoais, que são únicas e particulares de cada sujeito, mas estão também as experiências sociais, que são as que ele compartilha com seu grupo de pertença, tanto na vivência como nos discursos sociais circulantes.

Os cenários do estudo foram 23 Unidades Básicas de Saúde localizadas na cidade de Belém, estado do Pará, região norte do Brasil, onde o controle da tuberculose está implantado há mais de cinco anos e concentram mais da metade dos casos do município. Por isso, tais unidades foram escolhidas, pois propiciam maior convivência entre enfermeiros e doentes, e fundam a experiência a ser evidenciada, tanto para os que atuam diretamente no atendimento, como para os demais que, embora não os atendam diretamente, estão nesses serviços, em permanente convivência com eles, sendo importante também compreender suas representações e seu comportamento frente aos doentes.

Participaram 52 enfermeiros, 26 que atendem doentes com tuberculose e 26 que atuam em outras áreas nas Unidades. Esse quantitativo foi definido a partir do número de enfermeiros que atuavam no atendimento aos doentes, no momento do levantamento de informações, aproximadamente 38 profissionais. Como o quantitativo de enfermeiros nos outros setores era superior, buscou-se a equivalência numérica para os dois grupos. Excluíram-se os que tivessem menos de um ano na Unidade, estivessem afastados do serviço por qualquer motivo ou que não aceitassem participar do estudo.

Aplicou-se atécnica de entrevista individualpor meio de um roteiro com questões fechadas sobre os dados do perfil pessoal e profissional e outro com 27 questões abertas, cujas perguntas exploraram os saberes e fazeres dos enfermeiros em seu cotidiano com os doentes, seus sentimentos, afetos, motivações, ações e os porquês de suas respostas.

As entrevistas foram transcritas na íntegra, classificadas a partir das questões e sujeitos respondentes, aplicando-se a técnica de análise temática de conteúdo. Os depoimentos foram analisados tomando por base as unidades de registros correspondentes a cada questão e delas se extraíram as palavras e frases-tema que formaram as categorias temáticaspela sua ocorrência e co-ocorrência. Estas se organizarama partir das características do doente com tuberculose, em face às imagens delineadas pelos enfermeiros em seus depoimentos.

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Sobre os enfermeiros participantes da pesquisa, 50 são mulheres e dois homens, predomina a faixa etária acima de 45 anos (46.1%). Graduados há mais de 20 anos (61,5%), 88,5% especialistas, 73% tem situação empregatícia estável e 77% possui mais de um vínculo. Metade deles tem renda mensal que varia entre seis a dezsalários mínimos nacionais. Entre os que atendem os doentes, 100% tiveram treinamento específico, 38,4% trabalha na Unidade entre seise dez anos e, em igual tempo estão no setor de tuberculose. Entre os que não atendem os doentes, 69% trabalham na Unidade de um a cinco anos e 80.7 % receberam treinamento.

No que concerne às representações sociais, constatou-se que ainda está muito presente o estereótipo do doente com características físicas, psicológicas e sociais. A concepção de temor descrita pelos enfermeiros, embora pareça ultrapassada, se mantém fortemente na atualidade. E, em que pese toda a evolução da ciência para o diagnóstico e tratamento da patologia, esse temor relativo ao doente permanece um espectro a rondar a sociedade.

O doente com tuberculose: um estereótipo

A descrição dos doentes centrada nas características físicas, seja o emagrecimento ou outra característica, foi majoritária. Identifica-se, à luz dos dados, que ela se dá por meio de estereótipos que foram construídos e predominam no imaginário social. A doença se objetiva na figura clássica do "tísico": magro, pálido, encurvado e fraco.

Essa estereotipia, além de decodificar o doente, estaria também servindo de base para a concepção de que a sua aparência física pressupõe a gravidade da doença, pois para os enfermeiros, guiados pela racionalidade científica, o estereotipo do "tísico" só estaria presente nos casos em que ele estivesse em um estágio avançado da patologia. O estereótipo assume assim, para alguns depoentes, um caráter condicional à essa gravidade.

Destaca-se também que, ao comunicarem suas representações, os enfermeiros descrevem a situação clínica dos doentes de forma superlativa, empregando palavras como "muito" e "super", que enfatizam as características do doente. Em se tratando da tuberculose, não basta dizer que a doença está avançada ou o doente está abatido, há que ser no superlativo, "muito avançado", "super abatido".

Características psicológicas

O estado psicológico, pela sua própria condição de figurar na esfera dos sentimentos, é captado objetivamente, a partir de sinais que o denotam. Assim, a tristeza dos doentes se objetiva nos "ombros caídos", em certa postura de encolhimento que, metaforicamente, significa o peso social da doença queele carrega sobre os ombros, bem como o sucesso do tratamento se objetiva nas mudanças perceptíveis em seu estado quando ocorrem alterações importantes no comportamento e aparência física dos doentes.

Características sociais

Neste aspecto predominam as características que denotam a vulnerabilidade pessoal e social, do ponto de vista socioeconômico, sendo que aí se insere também a questão da baixa escolaridade e as que remetem ao preconceito.

No que concerne à questão da vulnerabilidade, embora o saber científico os habilite a afirmarem que o adoecimento está na dependência do contato com o agente etiológico, eles associam essa vulnerabilidade aos grupos sociais que, historicamente, foram os acometidos pela doença, ou seja, os desassistidos do ponto de vista socioeconômico e social. Dessa forma, demonstram seu estranhamento ao encontrarem entre esses doentes, pessoas que, no seu entendimento, não fariam parte desse grupo por ocuparem um lugar social diferenciado, tanto do ponto de vista socioeconômico como de formação escolar. Assim, embora pareçam demonstrar certa naturalização de que o adoecimento possa atingir qualquer pessoa, logo aparece o estranhamento que denota que o estereótipo do doente desassistido socialmente ainda está enraizado fortemente nessas representações sociais.

Construindo a figura tipo: O doente perigoso

Ao pensar a figura do doente os enfermeiros os classificam pelo que entendem que ele o seja e o fazem mediante expressões que assumem para eles, quase que uma condição de imanência. Entendem que o doente com tuberculose não é um doente qualquer, eles se diferenciam e assumem importância por ser, ou para eles aparentar ser, um receptáculo de micro-organismos configurando-se em uma fonte de contaminação e transmissibilidade. Ao tentar nominá-lo o fazem valendo-se de expressões como: um perigo, transmissor, fonte de contaminação, comunicando, assim, suas representações.

Discussão

Esta pesquisa tem abrangência importante em termos de número de cenários e sujeitos no que tange ao município de Belém, no entanto considera-se que esta também seja sua limitação. Outro fator limitante é o de não se poder fazer análise de gênero, haja vista o número restrito de enfermeiros homens. Apesar disso, com seus resultados, em face da amostragem apresentada, o objetivo foi alcançado uma vez que se vislumbrou que as representações expressas pelos enfermeiros sobre os doentes com tuberculose parecem ter sofrido poucos redimensionamentos ao longo do tempo. Se no pretérito o doente precisava demonstrar determinação para o enfrentamento do preconceito social e de ser cativo de tratamentos paliativos, hoje ele é conclamado a ter essa mesma característica para enfrentar preconceitos semelhantes e os rigores da moderna quimioterapia.

A aplicação da Teoria das Representações Sociais como referencial teórico-metodológico nesta pesquisa mostrou-se pertinente, permitindo desvelar as representações sociais sobre os doentes, levando a compreender como os enfermeiros agem, mediante os sentidos que constroem sobre eles. A compreensão de pensar e agir permite entender porque muitas vezes eles optam por não atender esses doentes. Sem essa possibilidade findam por prestar uma assistência esvaziada de cuidado e carente de qualidade, posto que se amparam em medos e preconceitos vinculados aos doentes e sua enfermidade.

Ao desvelar esses aspectos, este estudo contribui para a qualidade do cuidado oferecido às pessoas doentes com tuberculose. Isso é relevante se considerarmos que a forma como são atendidos nos serviços de saúde pode ser o diferencial para sua adesão ou não a tratamentos de longa duração como o da tuberculose.

No contexto da descrição que os enfermeiros fazemdo doente por estereótipos há que se levar em conta que asdefinições de saúde e doença na sociedadevariam de acordo com características individuais, familiares, culturais e sociais. Nas comunidades ocidentais, as definições de saúdeincluem aspectos físicos, psicológicos e comportamentais. Dessa forma, definir alguém como doente envolve diferentes esferas de percepções; na esfera individual, a pessoa se reconhece doente; na esfera coletiva éreconhecida como tal pela sociedade e podem articular-se os dois tipos de percepção. No elenco de experiências físicas ou subjetivas que estão implicadas nesse processo de decodificação de si mesmo ou do outro, estão as mudanças percebidas nas funções orgânicas, que se objetivam no funcionamento de membros, nos estados emocionais e na aparência corporal.(9)

Portanto, a tuberculose, ao provocar mudanças no aspecto físico dos doentes, que os marcavam sobremaneira à época em que a moléstia não tinha cura, suscita que os enfermeiros a objetivem nesse estereótipo construído socialmente e que, aparentemente, ainda conserva reminiscências. Assim, ele passa a ser reconhecido como doente para a sociedade. Ao associarem a debilidade física ao agravamento da doença percebe-se que os enfermeiros lançam mão de saberes reificados onde essaideia encontra amparo, pois a tuberculose é doença de evolução clínica lenta e que, se não diagnosticada precocemente, leva ao agravamento do estado físico do doente com a consequente alteração de sua imagem corporal, à medida que avança sem nenhuma intervenção médica.

O emprego de superlativos para descrever a situação clínica do doente reforça a ideia de que a tuberculose não é qualquer doença, não é apenas mais uma no elenco de doenças infecciosas com as quais os enfermeirospodemlidar no seu cotidiano profissional ou pessoal, pois, mesmo tendo o conhecimento de que os agravos infecciosos debilitam a pessoa doente, ao se reportarem ao sujeito que abriga a tuberculose, eles o fazem de uma forma carregada de simbologia que, para ser explicada, carece de superlativos e gradientes de quantidade.

Na esfera psicológica, associar ao doente determinadas características ou lhes atribuir sentimentos não tem um caráter de ineditismo. Essa tem sido uma prática frequente ao longo da história da doença no terreno social e perdurou por muito tempo na trajetória dos doentes, servindo para camuflar uma junção de estigmas que eram alimentados por eles, seus familiares e pelos agrupamentos médicos responsáveis por lhes prestar cuidados. Nesse contexto, os doentes viam-se enquadrados, sem ousar refutar, em um modelo psicológico/comportamental que lhes seria próprio.(10)

No âmbito das características sociais, observa-se que a associação da doença ao nível social do sujeito marcaumaaparente transição para a naturalização do perfil do doente, pois se vislumbra uma mudança descrita pelos enfermeiros, em uma "quase" igualdade de condições e a coexistência de "dois tipos de doentes". Mas, ainda assim, a condição socioeconômica parece ser o diferencial.

A sociedade, frente ao diferente e assustador, nesse caso as doenças de caráter epidêmico e incuráveis, procura explicações e culpados, bem como justificativas e vítimas. Desse modo vai construindo socialmente grupos que caibam em seu modelo explicativo/justificativo para acusar ou proteger. Essas projeções aos grupos podem advir de memórias coletivas, de teoriascientíficas, ou mesmo dosfalatórios que circulam no meio social.(11) Esteaspecto é identificado quando se observa que os enfermeiros, ao fazerem essas projeções da tuberculose em determinados grupos, o fazem mediante sua convivência com as ideias circulantes sobre a doença no senso comum e no meio científico.(12,13) Para eles, que sustentam suas representações tendo como base o estereótipo, sendo a doença uma prerrogativa dos desassistidos socialmente e dos fisicamente frágeis, os que não apresentam essa condição estariam menos vulneráveis à ela. Portanto, a proteção conferida pela pertença grupaldos doentes é forte e está claramente explicitada em seus depoimentos.

Sendo a tuberculose uma doença que sempre ganhou contornos de fenômeno de relevância social, as representações sociais organizadas sobre ela foram, ao longo do tempo, sendo resignificadas e reorganizadas sempre acompanhando as mudanças na sociedade. Nesse contexto, ao organizar o pensamento tomando por base o doente como alguém que, ao albergar o bacilo, configura-se em um perigo social, os enfermeiros remetem-se às representações sociais antigas quando o "tísico" trazia consigo a marca da morte.(4)

Ao final do século XIX, por conta de ressignificações da doença no social, os doentes deixaram de servistos como vítimas para assumir o lugar de perigosos em virtude de sua capacidade de disseminar a doença. Esse temor aparentemente ultrapassado, relacionado às doenças que suscitaram/suscitam muito mistério, permanece mesmo em presença de novas perspectivas. Esse pensamento é valido no caso da tuberculose, posto que todo mistério sobre suas causas está desvendado e o tratamento eficaz é disponível. Mas o que parece descrito neste estudo é que nem toda ciência que exista sobre a doença será capaz de dissipar os temores que ela suscita no senso comum.(10,14)

Ao organizar os elementos que compõem a representação sobre o doente, majoritariamente, os discursos remetem ao estereótipo do tísico que foi construído socialmente para eles. Ao deslocar a figura do doente para o eixo das vulnerabilidades de grupos sociais, os enfermeiros reconhecem que parte desse espaço é daquele grupo que legitimamente o ocupa: os desassistidos socialmente.(14) Nessa compreensão, manifestam sua estranheza ao identificar que outro espaço, nesse eixo das vulnerabilidades, está ocupado por sujeitos que, por seu diferencial do ponto de vista socioeconômico e de formação escolar, ali não deveriam estar. Escapa à sua compreensão essa possibilidade quando relacionam a sua vivência nas Unidades, as informações que circulam no meio pessoal e profissional e as estatísticas oficiais sobre a patologia, que mostram a predominância de adoecimento no grupo dos socialmente vulneráveis. Esse elemento, portanto, é uma nova peça a integrar o quebra-cabeça que ajuda a organizar asrepresentações sociais sobre o doente para esses enfermeiros. Faz parte desse repertório a ideia de que eleé uma fonte de contaminação, o que retroalimenta os estereótipos que por sua vez reconstroem a figura-tipo do doente como perigoso reforçando a atitude assumida por eles de temê-lo.

Essa atitude pode orientar comportamentos e práticas no âmbito do cuidado de enfermagem. Entendendo-se que o cuidado, em sua essência, pressupõe a ideia de proximidade ao outro, é válido refletir em que condições e com que consequências ele se dá se os enfermeiros estão inseguros e temerosos em relação a ele. Quando se mobilizam esses afetos, a relação doente-enfermeiro tende a fragilizar-se e não ser bem sucedida, o que pode resultar em não adesão ao tratamento por parte do doente, posto que o profissional também não aderiu a ele.

Conclusão

Quanto às representações sociais sobre o doente com tuberculose, constata-se que estas se organizam a partir do medo amparado em características físicas, psicológicas e sociais que ajudam os enfermeiros a delinearem a figura-tipo do doente como perigoso.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq): bolsa de produtividade em pesquisa nível 1D para Ferreira MA; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível superior (CAPES) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): parte do financiamento de Doutorado Interinstitucional; à Universidade do Estado do Pará (UEPA): bolsa de Doutorado para Rodrigues ILA e parte do financiamento de Doutorado Interinstitucional.

Colaborações

Rodrigues ILA; Motta MCS e Ferreira MA participaram da concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

Submetido 3 de Junho de 2012

Aceito 1 de Abril de 2013

Conflito de interesses: não há conflito de interesses a declarar

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  • Autor correspondente

    Ivaneide leal Ataíde Rodrigues
    Av. José Bonifácio, s/n, São Braz
    Belém, PA, Brasil. CEP 66000-000
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      03 Jun 2012
    • Aceito
      01 Abr 2013
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