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Perfil das ocorrências policiais de violência contra a mulher

Resumos

OBJETIVO: Conhecer o perfil das mulheres que formalizaram ocorrência policial em delegacia especializada e identificar as formas de violência sofrida. MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal onde foram analisadas 902 ocorrências policiais. O instrumento de pesquisa foi elaborado com base nas variáveis sociodemográficas selecionadas das vítimas, dos agressores e sobre o tipo de violência. Foi realizada análise com estatística descritiva e utilização do software SPSS® versão 17.0. RESULTADOS: O perfil foi de mulheres brancas, jovens, com baixo nível de escolaridade e com residência em bairros periféricos. A violência física esteve presente em mais da metade dos casos, com destaque para a tentativa de estrangulamento. Quanto à violência sexual houve predomínio do estupro por desconhecidos e parceiros íntimos. A violência psicológica apresentou o descumprimento de ordem judicial, como nova forma de violência contra a mulher. Há destaque para a reincidência de ocorrências policiais pela mesma vítima. CONCLUSÃO: O perfil das mulheres em 902 ocorrências policiais não difere daquele descrito na literatura e as formas de violência sofridas foram: física, sexual e psicológica.

Enfermagem em saúde pública; Assistência integral à saúde; Cuidados de enfermagem; Violência contra a mulher; Violência doméstica


OBJECTIVE: To know the profile of women who formalized a police report at a specialized women's police station and to identify forms of violence suffered by them. METHODS: A cross-sectional study was conducted with 902 police reports. The data collection instrument was based on selected social and demographic variables of the victims and aggressors, and data related to the type of violence. Descriptive statistic analysis was performed by using SPSS® version 17.0. RESULTS: The profile was composed of young white women, with low educational levels, living in the suburbs. Over half of the reports contained complaints of physical violence, especially attempts of strangulation. Regarding sexual violence, we identified a predominance of rape committed by strangers or intimate partners. Psychological violence was reported in the occurrence of noncompliance to court orders as a new form of violence against women. The findings emphasized the recurrence of police reports by the same victim. CONCLUSION: The profile of women identified among the 902 police reports did not differ from the one described in the literature, and the forms of violence suffered were of a physical, sexual and psychological nature.

Nursing in public health; Comprehensive health care; Nursing care; Violence against women; Domestic violence


ARTIGO ORIGINAL

Perfil das ocorrências policiais de violência contra a mulher

Daniele Ferreira Acosta; Vera Lucia de Oliveira Gomes; Edison Luiz Devos Barlem

Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Daniele Ferreira Acosta Av. Presidente Vargas, 881(3), Rio Grande, RS, Brasil. CEP: 96202-100 nieleacosta@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer o perfil das mulheres que formalizaram ocorrência policial em delegacia especializada e identificar as formas de violência sofrida.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal onde foram analisadas 902 ocorrências policiais. O instrumento de pesquisa foi elaborado com base nas variáveis sociodemográficas selecionadas das vítimas, dos agressores e sobre o tipo de violência. Foi realizada análise com estatística descritiva e utilização do software SPSS® versão 17.0.

RESULTADOS: O perfil foi de mulheres brancas, jovens, com baixo nível de escolaridade e com residência em bairros periféricos. A violência física esteve presente em mais da metade dos casos, com destaque para a tentativa de estrangulamento. Quanto à violência sexual houve predomínio do estupro por desconhecidos e parceiros íntimos. A violência psicológica apresentou o descumprimento de ordem judicial, como nova forma de violência contra a mulher. Há destaque para a reincidência de ocorrências policiais pela mesma vítima.

CONCLUSÃO: O perfil das mulheres em 902 ocorrências policiais não difere daquele descrito na literatura e as formas de violência sofridas foram: física, sexual e psicológica.

Descritores: Enfermagem em saúde pública; Assistência integral à saúde; Cuidados de enfermagem; Violência contra a mulher; Violência doméstica

Introdução

A violência contra a mulher é um fenômeno complexo, multifacetado, que tem sido abordado nos últimos anos como uma situação que requer ações interdisciplinares. Desse modo, necessita de profundas reflexões acerca da sua dinâmica, não somente pelo impacto que ocasiona na qualidade de vida da vítima, mas também na dos filhos e da sociedade.

A violência praticada contra a mulher é fruto de uma construção cultural, política e religiosa, pautada nas diferenças entre os sexos. Tal construção naturalizou e legitimou a assimetria de poder, justificando o domínio do homem sobre a mulher. Como consequência, a forma mais comum de violência contra a mulher é a praticada por parceiro íntimo, o qual ocorre entre pessoas de diferentes raças, religiões, classe econômica e social.

Sabe-se que a violência resulta da interação de inúmeros fatores que atuam sobre o comportamento, aumentando ou diminuindo a probabilidade das pessoas tornarem-se vítimas ou agressores. Portanto, a baixa escolaridade, as desigualdades sociais, o uso de drogas, a infraestrutura precária na comunidade parecem exacerbar este fenômeno, aumentando o risco das mulheres que vivenciam essa situação.

Dados revelam a magnitude desta forma de violência em nível mundial. Mulheres com idade entre 15 e 44 anos têm maior risco de estupro e violência doméstica do que de sofrerem acidentes, contraírem câncer, malária ou, ainda, serem vitimadas na guerra. No Brasil, a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente. Os atos violentos resultam na perda de um ano de vida saudável a cada cinco anos de vitimização.

Nesse sentido, com o objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, bem como punir os agressores, foi criada a lei nº 11.360/2006, conhecida por Lei Maria da Penha. Tal lei define violência familiar como sendo aquela praticada por pessoa com laço consanguíneo ou que se considere aparentada, e violência doméstica a praticada no espaço de convívio permanente de pessoas, independentemente de vínculo familiar.(1) Essa compreensão é primordial para dar visibilidade à dinâmica da violência contra a mulher e, assim, possibilitar o delineamento de estratégias e práticas específicas voltadas à promoção do vínculo familiar, à organização de grupos para problematizar questões de gênero, bem como fortalecer a autonomia feminina e ajudar a encontrar alternativas para solução de conflitos entre o casal.

Com essa lei houve um importante avanço nas questões referentes aos direitos das mulheres, no entanto, foi pequena a redução do número de mulheres agredidas entre 2001 e 2010. Há dez anos, oito mulheres sofriam agressões a cada dois minutos, hoje cinco sofrem, demonstrando que, embora o resultado seja positivo, ainda muito precisa ser feito para inibir a violência contra a mulher. Nesse sentido é possível fazer alguns questionamentos tais como, de que maneira a lei está sendo empregada? Os profissionais envolvidos com essa temática estão sendo capacitados para atuarem conforme a legislação? Como está organizada a rede de apoio às vítimas? Qual o papel dos enfermeiros frente essa situação?

Alguns autores discorrem sobre a fragilidade do sistema, morosidade institucional e dos trâmites legais,(2,3) aspectos também reconhecidos pelas vítimas. Como forma de desabafo, as mulheres referem que a lentidão dos processos as deixa inseguras diante da situação a que estão expostas.(3,4) Nesse sentido, de forma não intencional, o sistema contribui para a revitimização, ocasionando a desistência dos processos pela demora de aplicação da lei, pela minimização da gravidade dos fatos e pela pouca importância dispensada aos casos.

Sabe-se que não existe apenas uma ferramenta capaz de impedir a violência ou acelerar os processos judiciais, mas sim um conjunto de recursos, físicos, pessoais e econômicos aptos a inibi-la, a punir e a educar os agressores. Nesse sentido, como enfermeiras e enfermeiros comprometidos com a promoção à saúde, é ímpar a busca pelo aprimoramento das ações e intervenções junto às mulheres que sofrem violência. Para isso, é preciso entender a dinâmica da violência contra a mulher, o que requer o conhecimento dos aspectos envolvidos.

Os objetivos deste estudo foram conhecer o perfil das mulheres que formalizaram ocorrência policial em delegacia especializada e identificar as formas de violência sofrida.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal desenvolvido na Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres no município de Rio Grande, estado do Rio Grande do Sul, região sul do Brasil.

Foram incluídas no estudo todas as 902 ocorrências policiais registradas desde o início do funcionamento da delegacia, em agosto de 2009 a dezembro de 2011, cujas vítimas fossem mulheres, com idade igual ou superior a dezoito anos. A coleta de dados foi efetuada entre outubro de 2011 e março de 2012. Foi elaborado um instrumento de pesquisa contendo as variáveis de estudo: dados socioeconômicos das vítimas, dos agressores e o tipo de violência praticada.

Os dados foram armazenados em planilhas do tipo Excel® e a análise foi por elementos de estatística descritiva, sendo utilizado o software estatístico SPSS versão 17.0.

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

No período de estudo foram registradas 902 ocorrências policiais, das quais foram descritos o perfil das mulheres que sofreram violência e as formas de violência a que foram submetidas.

Observou-se que a faixa etária prevalente situou-se entre 20 e 29 anos (39,0%) seguida da correspondente a 30 e 39 anos (26,0%). Quanto à cor da pele das vítimas, optou-se por categorizá-las em brancas e não brancas. Na categoria não brancas, incluíram-se as descritas como mulata, morena, sarara, preta, amarela e parda. Foi nítido o predomínio de mulheres brancas entre as agredidas (82,5%) retratado na tabela 1.

No que se refere à escolaridade, 63,2% das mulheres agredidas cursaram o ensino fundamental incompleto ou completo, caracterizando o predomínio de baixa escolaridade. Atingiram o nível superior 52 mulheres (5,8%), demonstrando que a violência ocorre entre pessoas de diferentes graus de instrução. Ao analisar-se o local de moradia das vítimas, no momento da denúncia, constatou-se a prevalência dos bairros periféricos, representando 86,8% do total. No entanto, individualizando-se a análise, comparando cada bairro, percebeu-se que o Centro da cidade ocupou o segundo lugar (9,2%), sendo superado apenas por um bairro periférico que concentrou 10,0% dos casos notificados conforme demonstrado na tabela 1.

Na análise efetuada (Tabela 2) sobre os tipos de violência praticadas contra as mulheres, houve predomínio da violência física com 431(47,8%) casos. Desses, 10(2,3%) corresponderam a tentativa de homicídio. Em segundo lugar, encontrou-se a violência psicológica com 400(44,4%) casos, entre eles 2,0% corresponderam ao cárcere privado e 20,2% ao descumprimento de ordem judicial. No que se refere à violência sexual dos 40(4,4%) casos registrados, 27(67,5%) referiam-se ao estupro consumado.

Analisando-se o item correspondente a "agressões anteriores", contido no instrumento de coleta de dados, encontrou-se 568(63%) casos. No entanto, observa-se (Quadro 1) que a primeira denúncia foi verificada em 340 ocorrências; nas 228 (25,2%) restantes, o número de reincidência oscilou entre duas e onze denúncias. O quadro 1, ainda, demonstra que 80,0% das mulheres vinha sofrendo com a violência até tomar coragem para denunciar o agressor. Ainda assim, há várias denúncias feitas pelas mesmas vítimas.


Discussão

Os limites dos resultados deste estudo estão relacionados com o delineamento transversal que não permite o estabelecimento de relações de causa e efeito.

Por outro lado, é a primeira análise das ocorrências policiais em dois anos de funcionamento de uma delegacia especializada e os resultados podem direcionar as políticas públicas no município.

A dinâmica da violência contra a mulher tem sido pauta de diversos estudos nacionais e internacionais. Esses discorrem a respeito do perfil da vítima e do agressor, do tipo de violência,(5-8) das estratégias de enfrentamento,(6,9,10) das consequências para a vítima(6,8,11,12) bem como da atuação dos profissionais de saúde frente a essa temática.(11,12)

No presente estudo, alguns desses tópicos são abordados procurando dar visibilidade ao fenômeno tanto em nível local quanto nacional e mundial. No que se refere ao perfil das vítimas, os resultados assemelham-se ao publicado na literatura. A violência por parceiro íntimo é mais prevalente entre as mulheres em idade reprodutiva(12) e produtiva.(13) Outros estudos também revelaram que a maioria das mulheres vitimadas encontravam-se entre os 20 e 40 anos de idade, eram brancas(14) e possuíam baixa escolaridade.(5,6)

De acordo com os motivos citados por vítimas, como desencadeadores da violência, encontra-se, frequentemente, o ciúme pelo parceiro,(13,14) que pode ser decorrente do fato das mulheres serem jovens, bonitas e em busca da sua independência financeira. Nessa faixa etária também se têm uma vida social mais ativa o que as tornam vulneráveis a certos atos violentos por parte de desconhecidos.(15) Quanto às faixas etárias extremas, menores de 19 anos (4,8%) e maiores de 60 anos (5,1%), considera-se que o baixo índice de violência encontrado, neste estudo, seja por conta da subnotificação dos casos. Nessas idades pode ser comum a dependência financeira, fazendo-as silenciar a violência a que são submetidas.

Sabe-se que a violência contra a mulher independe da classe social, raça, religião ou grau de instrução. Entretanto, existem fatores considerados catalisadores deste fenômeno, entre eles o uso de álcool, a violência intergeracional, o baixo nível de escolaridade e o extrato socioeconômico baixo. O ensino fundamental incompleto ou completo prevaleceu entre as vítimas deste estudo em 63,8% dos casos. Acredita-se que quanto menor a escolaridade, menor a qualificação profissional e, portanto, maior chance de serem dependentes economicamente do conjuge.(8) Desse modo, as dificuldades financeiras podem surgir como pivô dos conflitos.(16) Por outro lado, supõe-se que mulheres com maior escolaridade têm alternativas para fugir dos atos violentos, atribuído a melhor remuneração. Além disso, apresentam maior esclarecimento sobre os seus direitos, o que as tornam menos tolerantes à violência.

No entanto, mulheres com maior grau de instrução não estão livres da violência. Este estudo revelou que 52(5,8%) vítimas possuíam o ensino superior completo ou incompleto, havendo entre elas professoras, advogadas, uma assistente social, uma enfermeira e uma médica. Pesquisa semelhante na região sudeste do Brasil evidenciou índice de 28,3% de violência doméstica em mulheres com ensino superior incompleto ou completo.(14) Esses dados fragilizam a crença de que a violência contra a mulher só ocorre entre aquelas com menos escolaridade.

Os contextos comunitários, tais como a qualidade de relacionamento da vizinhança, a presença de escolas e de redes de apoio, são referidos como fatores de proteção às famílias.(2) Por outro lado, a alta densidade populacional, a falta de infraestrutura e o pequeno investimento educacional podem aumentar a vulnerabilidade das mulheres que vivem em ambientes com essas características. Neste estudo, 783 (86,8%) vítimas residiam na periferia. No entanto, ao individualizar-se a análise dos bairros, evidenciou-se que o centro do município ocupou o segundo lugar no ranking dos locais com maior concentração de vítimas 83(9,2%), contradizendo o apresentado pela literatura.

Portanto, diante desses achados, e da complexidade do fenômeno, corrobora-se a necessidade de romper as barreiras culturais e pré-julgamentos de que apenas mulheres de baixa escolaridade, que vivem na periferia ou mesmo que possuem profissões pouco remuneradas são vitimadas. É preciso expandir a visão acerca do dimensionamento da violência contra a mulher de forma a descortinar as influências de representações que possam inibir uma atuação mais efetiva, tanto da equipe de saúde quanto de outros profissionais. Além disso, mesmo a profissional que tem a atribuição do cuidado, não está livre da violência conjugal, como evidenciado, o que pode dificultar sua atenção frente a outros casos de violência contra a mulher. Destarte, reforça-se, novamente, a necessidade de atenção multidisciplinar e interdisciplinar diante do enfrentamento dessa forma de violência.(10)

Quanto às formas de violência praticadas contra as mulheres, diferentemente de outros estudos em que predominou a violência psicológica, seguida da física e sexual,(4,5,13) encontrou-se a violência física em quase metade das ocorrências analisadas 431(47,8%). Desses, dez (2,3%) corresponderam a tentativa de homicídio. Há relatos de que os homens utilizam-se da força para agredir a mulher por meio do espancamento(12) e do estrangulamento.(14,17) Este último esteve presente em 47(11,3%) casos analisados. Tal resultado ratifica dados da pesquisa que descreve a distribuição e os padrões de estrangulamento homicidas entre as mulheres africanas. Nela foi detectado o predomínio de crimes ligados ao contexto doméstico, sugerindo a perpetração por um parceiro íntimo ou conhecido.(17)

Ao analisar as formas de violência psicológica, de um total de 44,4% dos casos; 2,0% corresponderam ao cárcere privado e 20,2% ao descumprimento de ordem judicial. A desigualdade entre homens e mulheres na sociedade, fruto da cultura patriarcal, leva o homem a acreditar que têm direitos, inclusive de infringir a legislação que protege a mulher, conforme evidenciado em 81(20, 2%) ocorrências. Nesses casos, além de serem vitimadas pelo parceiro, as mulheres sofrem com a ineficácia da lei, que não consegue fazer cumprir as medidas protetivas de urgência(1) determinadas, originando uma nova forma de violência à mulher, o descumprimento de ordem judicial.

Em pleno século XXI as mulheres ainda são privadas do direito de ir e vir, de exercer a sua autonomia, além disso, são obrigadas a manter relação sexual forçada para satisfazer o marido ou por medo do parceiro.(5) Em 40 (4,4%) casos foi registrada a violência sexual, sendo que 28 (70%) referiam-se ao estupro consumado. Entre os acusados, treze eram homens desconhecidos, nove parceiros íntimos e o restante conhecidos das vítimas. A violência moral (0,9%) e patrimonial (2,5%) apresentou baixa porcentagem, sendo esse um fato que pode estar atrelado ao desconhecimento desses atos como crimes contra a mulher. No entanto, em uma pesquisa realizada com mulheres violentadas houve predomínio da violência psicológica e moral, entre as cinco formas legais estabelecidas, sendo aquelas caracterizadas como ofensa verbal.(14)

Geralmente as mulheres convivem anos com a violência dentro do lar.(18) Outro estudo revela que em metade dos casos de violência não há denúncia pública, a não ser que ocorra ameaça à integridade física, seja pelo uso de armas de fogo, seja pelo espancamento ou ameaças de espancamento. De igual forma, 568 (63%) casos referiam-se a agressões anteriores, sendo que a primeira denúncia foi verificada em 340 ocorrências; nas 228 restantes, o número de reincidência oscilou entre duas e onze denúncias.

Destaca-se o extremo de onze denúncias, efetuadas pela mesma mulher, o que possibilita questionar a resolutividade da lei. Nos casos de reincidência de notificação contra o agressor houve repetição ou mesmo a associação de diferentes formas de violência, o que pode ser um desencadeador de medo, fragilizando a iniciativa da vítima para romper esse ciclo. Num cenário conturbado como esse é evidente a desestruturação familiar com possíveis consequências sobre os filhos inclusive o risco de sofrerem violência intrafamiliar(19) e de tornarem-se futuros agressores.

Relatos expõem a descrença das mulheres na legislação durante a busca pela ruptura da sua condição de vítima.(4) A morosidade da lei implica em risco de vida, considerando o retardo na punição do agressor e estabelecimento das medidas protetivas. Por outro lado, salienta-se o despreparo dos próprios operadores da lei que, muitas vezes, culpabilizam as vítimas pela lentidão do sistema, pois ao romperem e reatarem com o parceiro inúmeras vezes(2) retornam ao serviço para denunciá-lo novamente.

A legislação tem contribuído para romper a cadeia de violência contra a mulher dentro de muitas famílias. Contudo, acredita-se que para ter êxito, significativo, no combate a esse tipo de violência, convém terminar com a dicotomia existente entre o que é legalmente instituído e o que é vivido na prática. Para isso, é de extrema importância a capacitação eficaz de todos os profissionais que lidam com essa temática, incluindo a equipe da saúde, responsáveis pela prevenção de agravos, promoção e educação em saúde.

O estudo corroborou que a violência contra a mulher está presente em diferentes contextos sociais. Destaca-se a necessidade de investimento e capacitação de todos os profissionais que atuam em locais que fazem parte da rede de proteção às mulheres. Julga-se importante compreender esse fenômeno necessitando, portanto, de preparo, esforços e conhecimentos adicionais, a fim de desencadear reflexões acerca de novas políticas públicas eficazes, de práticas efetivas voltadas ao empoderamento da mulher, seja em âmbito local ou nacional.

Sabe-se que este estudo apresenta dados epidemiológicos apenas de um contexto e tempo, porém de fundamental importância para que diversos profissionais reflitam acerca da gravidade deste problema e comecem a agir. Para uma assistência de qualidade, primeiramente é preciso ultrapassar as crenças, rotulações e pré-julgamentos que inibem uma atuação profissional efetiva. Como enfermeiras, interessadas nas ações de prevenção e promoção à saúde, é impar a realização de pesquisas como esta que subsidiam diferentes áreas do conhecimento na busca pelo enfrentamento da violência contra a mulher.

Conclusão

O perfil das mulheres que formalizaram ocorrência policial em delegacia especializada foi brancas, jovens, com baixo nível de escolaridade e com residência em bairros periféricos. No que se refere as formas de violência sofrida a violência física esteve presente em mais da metade dos casos, com destaque para a tentativa de estrangulamento. Quanto à violência sexual houve predomínio do estupro praticado, na maioria dos casos, por desconhecidos e parceiros íntimos. Já a psicológica apresentou um dado relevante, o descumprimento de ordem judicial, que emerge como nova forma de violência contra a mulher. Há destaque para a reincidência de ocorrências policiais pela mesma vítima.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela bolsa de mestrado concedida durante 20 meses, processo 717244.

Colaborações

Acosta DF, Gomes VLO e Barlem ELD contribuíram na concepção do estudo, análise e interpretação, revisão da literatura, delineamento da pesquisa, interpretação dos dados, coleta dos dados, entrada, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final do artigo.

Submetido 9 de Outubro de 2013

Aceito 12 de Dezembro de 2013

Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

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  • Autor correspondente:

    Daniele Ferreira Acosta
    Av. Presidente Vargas, 881(3), Rio Grande, RS, Brasil. CEP: 96202-100
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      09 Out 2013
    • Aceito
      12 Dez 2013
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