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Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiros

Resumos

Objetivo

Verificar a adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiras após alta hospitalar.

Método

Estudo tipo antes-depois realizado com pacientes recentemente internados por insuficiência cardíaca descompensada. Três visitas domiciliares foram realizadas após alta em um intervalo de 45 dias. Avaliou-se a adesão na primeira e terceira visitas através de um questionário validado (10 questões, ponto de corte 18 pontos=70%=adesão satisfatória). Durante a primeira e segunda visitas, os pacientes receberam educação quanto à doença, adesão e autocuidado.

Resultados

Foram incluídos 32 pacientes, idade média 65±16 anos, 18(58%) masculinos. Os 32 pacientes receberam um total de 96 visitas domiciliares. Os escores de adesão foram 16±2.6 vs 20.4±2.7 na primeira e terceira visitas, respectivamente (p=0,001). Questões como peso e restrição hídrica aumentaram significativamente após a intervenção.

Conclusão

A intervenção de educação no domicílio melhorou significativamente a adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca e internação recente.

Adesão do paciente; Cuidados de enfermagem; Enfermagem prática; Insuficiência cardíaca; Visita domiciliar


Objective

: To assess treatment adherence in patients with heart failure receiving nurse-led home visits after hospital discharge.

Methods

: This was a before-and-after study involving patients who had been recently hospitalized for decompensated heart failure. Three home visits were conducted within 45 days of hospital discharge. Treatment adherence was assessed in the first and third visits through a 10-item questionnaire (cutoff point: 18 = 70% adherence). In the first and second visits, patients were educated as to their condition, treatment adherence and self-care.

Results

: There were 32 patients included, mean age 65±16 years, 18(58%) male. The 32 patients received a total of 96 home visits. Treatment adherence scores were of 16±2.6 vs 20.4±2.7 in the first and third visits, respectively (p=0,001). Weight monitoring and liquid restriction behaviors improved significantly following the intervention.

Conclusion

: The in-home educational intervention led to significant improvements in the treatment adherence of recently-hospitalized patients with heart failure.

Patient compliance; Nursing care; Nursing; practical; Heart failure; Home visit


Introdução

O manejo não farmacológico no acompanhamento de pacientes com insuficiência cardíaca vem demonstrando, ao longo das duas últimas décadas, benefícios na redução de readmissões hospitalares, melhora da sobrevida e, principalmente, da qualidade de vida.(1Lambrinou E, Kalogirou F, Lamnisos D, Sourtzi P. Effectiveness of heart failure management programmes with nurse-led discharge planning in reducing re-admissions: a systematic review and meta-analysis. Int J Nurs Stud. 2012;49(5):610-24.,2Bocchi EA, Cruz F, Guimarães G, Moreira LFP, Issa VS, Ferreira SMA, et al. A Long-term Prospective Randomized Controlled Study Using Repetitive Education at Six-Month Intervals and Monitoring for Adherence in Heart Failure Outpatients: The REMADHE Study Trial. Circ Heart Fail. 2008;1:115-24.) Essa estratégia é baseada em educação para saúde no que se refere ao conhecimento dessa síndrome e ao autocuidado, envolvendo orientações como restrição hidrossalina, atividade física, verificação diária de peso, reconhecimento precoce de sinais e sintomas de descompensação, entre outras medidas.(3Francis GS, Greenberg BH, Hsu DT, Jaski BE, Jessup M, LeWinter MM, et al. ACCF/AHA/ACP/HFSA/ISHLT 2010 clinical competence statement on management of patients with advanced heart failure and cardiac transplant: a report of the ACCF/AHA/ACP Task Force on Clinical Competence and Training. Circulation. 2010;122(6):644-72.)

No entanto, apesar da implementação dessas estratégias aliadas ao tratamento farmacológico otimizado, as taxas de readmissão hospitalar após a alta hospitalar por insuficiência cardíaca continuam elevadas.(4Jencks SF, Williams MV, Coleman EA. Rehospitalizations among Patients in the Medicare Fee-for-Service Program. N Engl J Med. 2009;360(14):1418-28.) Por conseguinte, já foi constatado que as principais causas de re-hospitalizações relacionam-se à má adesão ao tratamento ou à incapacidade do paciente de identificar sinais e sintomas preditivos de descompensação da doença.(5Ambardekar AV, Fonarow GC, Hernandez AF, Pan W, Yancy CW, Krantz MJ. Characteristics and in-hospital outcomes for nonadherent patients with heart failure: Findings from Get With The Guidelines-Heart Failure (GWTG-HF). Am Heart J. 2009;158(4):644-52.

Nieuwenhuis MMW, Jaarsma T, van Veldhuisen DJ, van der Wal MHL. Self-reported versus ‘true’ adherence in heart failure patients: a study using the Medication Event Monitoring System. Neth Heart J. 2012;20:313–19.
-7Diaz A, Ciocchini C, Esperatti M, Becerra A, Mainardi S, Farah A. Precipitating factors leading to decompensation of chronic heart failure in the elderly patient in South-American community hospital. J Geriatr Cardiol. 2011 Mar;8(1):12-4.)

No contexto de estratégias utilizadas para melhorar a adesão de pacientes com insuficiência cardíaca ao tratamento, tanto a monitorização por telefone como a visita domiciliar já foram testadas com benefícios comprovados tanto na adesão como no autocuidado.(1Lambrinou E, Kalogirou F, Lamnisos D, Sourtzi P. Effectiveness of heart failure management programmes with nurse-led discharge planning in reducing re-admissions: a systematic review and meta-analysis. Int J Nurs Stud. 2012;49(5):610-24.,2Bocchi EA, Cruz F, Guimarães G, Moreira LFP, Issa VS, Ferreira SMA, et al. A Long-term Prospective Randomized Controlled Study Using Repetitive Education at Six-Month Intervals and Monitoring for Adherence in Heart Failure Outpatients: The REMADHE Study Trial. Circ Heart Fail. 2008;1:115-24.,8Rodriguez-Gazquez MLA, Arredondo-Holguin E, Herrera-Cortes R. Effectiveness of an educational program in nursing in the self-care of patients with heart failure: randomized controlled trial. Rev Latinoam Enferm. 2012;20(2):296-306.) Na perspectiva da visita domiciliar, essa é uma estratégia que comprovadamente facilita a abordagem dos pacientes e de suas famílias a respeito de orientações sobre a insuficiência cardíaca e também em relação ao autocuidado. Inclui o reforço e o acompanhamento de orientações previamente fornecidas em internações hospitalares e a avaliação sistemática da adesão ao tratamento e ao reconhecimento de sinais e sintomas de descompensação.(9Agrinier N, Altieri C, Alla F, Jay N, Dobre D, Thilly N, Zannad F. Effectiveness of a multidimensional home nurse led heart failure disease management program-A French nationwide time-series comparison. Int J Cardiol. 2013;168(4):3652-8.,1010 Brotons C, Falces C, Alegre J, Ballarín E, Casanovas J, Catà T, et al. Randomized Clinical Trial of the Effectiveness of a Home-Based Intervention in Patients With Heart Failure: The IC-DOM Study. Rev Esp Cardiol. 2009;62(4):400-8.)

Diante dessas evidências de que a visita domiciliar traz benefícios na adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca e internação recente por descompensação que o presente estudo foi desenvolvido. Nosso objetivo foi verificar a adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca em acompanhamento domiciliar por enfermeiras após a alta hospitalar, com abordagem de educação sobre a insuficiência cardíaca e tratamento. Este estudo torna-se relevante uma vez que a adesão pode se relacionar ao alcance e à manutenção da estabilidade clínica e a menos crises de descompensação.

Métodos

Trata-se de um estudo experimental antes-depois realizado com pacientes que estiveram internados por descompensação da insuficiência cardíaca em duas instituições de referência no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A intervenção de enfermagem e a avaliação da adesão ocorreram no domicílio dos pacientes, após a alta hospitalar, com a realização de três visitas domiciliares por enfermeiras especialistas em um intervalo de 45 dias. A primeira visita domiciliar ocorreu entre sete a dez dias após a alta hospitalar, enquanto a segunda visita ocorreu entre 15 e 20 dias após a primeira, e a terceira visita domiciliar ocorreu de 15 a 20 dias após a segunda visita.

Incluíram-se no estudo, por meio de uma amostra de conveniência, pacientes internados por descompensação da insuficiência cardíaca de ambos os sexos, idade igual ou superior a 18 anos, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 45%, que residiam a uma distância de até 25 km das instituições. Excluíram-se pacientes com barreiras de comunicação e portadores de doenças neurológicas degenerativas.

O tamanho da amostra foi calculado com base no estudo que desenvolveu o questionário de adesão ao tratamento mencionado anteriormente.(2Bocchi EA, Cruz F, Guimarães G, Moreira LFP, Issa VS, Ferreira SMA, et al. A Long-term Prospective Randomized Controlled Study Using Repetitive Education at Six-Month Intervals and Monitoring for Adherence in Heart Failure Outpatients: The REMADHE Study Trial. Circ Heart Fail. 2008;1:115-24.) Os cálculos sugeriram que uma amostra de 32 pacientes recebendo duas visitas cada (num total de 64 visitas) seria necessária para detectar os resultados com 5% de significância e 80% de poder.

Para os pacientes que preencheram os critérios de inclusão e aceitaram participar do estudo, foram coletados dados de identificação, dados clínicos (antropométricos, história da doença atual, pregressa, comorbidades, dados ecocardiográficos, tratamento farmacológico) e dados demográficos (sexo, idade, situação socioeconômica, escolaridade).

Em relação à adesão, foi aplicado um questionário de adesão previamente adaptado e validado para uso no Brasil.(2Bocchi EA, Cruz F, Guimarães G, Moreira LFP, Issa VS, Ferreira SMA, et al. A Long-term Prospective Randomized Controlled Study Using Repetitive Education at Six-Month Intervals and Monitoring for Adherence in Heart Failure Outpatients: The REMADHE Study Trial. Circ Heart Fail. 2008;1:115-24.) Trata-se de um instrumento com dez questões relacionadas ao uso dos medicamentos prescritos, verificação diária do peso, ingesta de sal, ingesta hídrica e comparecimento a consultas e exames marcados. Cada questão possuía de três a quatro alternativas; nas questões com quatro alternativas o escore variava de zero a quatro pontos, e nas questões com três alternativas, o escore variava de zero a três pontos. Dessa maneira, o escore geral de adesão poderia variar de zero a 26 pontos. Um escore mínimo de 18 pontos foi considerado como ponto de corte para os pacientes aderentes ao tratamento, correspondendo a 70% de adesão.

Após a aplicação do instrumento na primeira visita domiciliar, foi realizado o exame físico em busca de sinais clínicos de descompensação da insuficiência cardíaca. Também foi avaliada a classe funcional de acordo com a New York Heart Association, classificando o paciente de I a IV, sendo I o paciente assintomático e IV o paciente com sintomas de insuficiência cardíaca em repouso.(1111 Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol. 2012;98(1 Supl. 1):1-33.) Após, foram fornecidas orientações sobre a insuficiência cardíaca e o tratamento, como: restrição hídrica e salina adequada ao paciente, controle efetivo do peso diário, identificação de sinais e sintomas de descompensação da insuficiência cardíaca, ação e efeitos colaterais dos medicamentos prescritos e vacinação contra a gripe e a pneumonia. Ao final da visita domiciliar, foram verificadas e sanadas as dúvidas do paciente e/ou familiar.

A segunda visita domiciliar ocorreu duas semanas após a primeira. Nessa visita, foi realizado o exame físico e avaliada a classe funcional, da mesma forma foram verificadas as dúvidas do paciente e/ou familiar com relação ao tratamento e novamente foram reforçadas as orientações quanto ao tratamento e autocuidado. A terceira visita domiciliar ocorreu duas semanas após a segunda visita. Nessa visita, foi aplicado o mesmo instrumento de avaliação de adesão aplicado na primeira visita, com objetivo de avaliar se houve melhora da adesão com a realização das visitas domiciliares. Também foi realizado o exame físico com avaliação da classe funcional. Depois disso, foram novamente reforçadas as mesmas orientações das visitas anteriores.

As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão para aquelas com distribuição normal; as categóricas com frequências absolutas e percentuais. Os escores de adesão foram comparados pelo teste t pareado e um p < 0,05 foi considerado significativo.

A realização do estudo seguiu padrões éticos nacionais e internacionais de pesquisa com seres humanos.

Resultados

Foram incluídos no estudo 32 pacientes, com idade média de 65±16 anos, 18(58%) do sexo masculino. A maioria dos pacientes residia com dois ou mais membros da família. Cinquenta por cento tinha até seis anos de estudo e ganhavam até três salários mínimos. A etiologia mais prevalente da insuficiência cardíaca foi a isquêmica, e a fração de ejeção média da amostra foi de 30±7%. Em relação às medicações em uso, foi constatado que os pacientes utilizavam em média sete classes diferentes de medicamentos. No que se refere às internações prévias, 21(67%) pacientes estiveram internados pelo menos uma vez devido à insuficiência cardíaca descompensada nos últimos 12 meses. Dentre as comorbidades apresentadas pelos pacientes, a hipertensão arterial sistêmica e o diabete mellitus estiveram presentes em 62,5% e 37,5% da amostra, respectivamente. O número de pacientes nas classes funcionais I e II, que representam pacientes assintomáticos ou com sintomas ao esforço intenso, aumentou entre a primeira visita domiciliar (58%) e a terceira visita domiciliar (75%). Estas e as demais características estão demonstradas na tabela 1.

Características Média±dp n(%) Idade (anos) * 65 ± 16    Gênero (masculino) †   18(58)  Cor (branca)   21(71) Tempo de estudo (anos) * 6 ± 3    Status profissional (aposentados)   18(58)  Moram com dois ou mais membros da família   26(83) Renda familiar (salários mínimos) * 3 ± 1   Etiologia da insuficiência cardíaca      Isquêmica   12(37,5)  Hipertensiva   8(25)  Fração de ejeção do ventrículo esquerdo* 30 ± 7    Número de medicações em uso* 7 ± 2    Internações prévias   21(67) Comorbidades presentes      Hipertensão arterial sistêmica   20(62,5)  Diabetes mellitus   12(37,5)  Dislipidemia   11(33,3)  Classe Funcional I-II na visita domiciliar 1   18(58)  Classe Funcional I-II na visita domiciliar 3   24(75) *

Os 32 pacientes receberam um total de 96 visitas domiciliares. Em relação ao escore geral de adesão, os pacientes apresentaram aumento com diferença estatisticamente significativa no escore na comparação dos dados da primeira visita domiciliar para a terceira. Conforme ilustra a figura 1, na primeira visita, o escore foi igual a 16,0±2,6 pontos e, na terceira visita, foi igual a 20,4±2,7 pontos (p = 0,001).

Figura 1
Comparação do escore de adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca; Teste t pareado

Foi observada significativa melhora da adesão ao tratamento entre a primeira e a segunda visita, conforme a figura 2. Na primeira visita, houve um escore mínimo de 11 pontos, e máximo de 22 pontos. Já na terceira visita o escore mínimo foi igual a 15 pontos e o máximo foi de 25 pontos.

Figura 2
Comparação entre o escore de acertos na primeira e na terceira visita domiciliar; Teste Qui-Quadrado

Em relação ao ponto de corte para adesão, na primeira visita 53,1% dos pacientes atingiram o escore mínimo de 18 pontos, enquanto na terceira visita 81,3% dos pacientes obtiveram a pontuação mínima. Essa diferença foi estatisticamente significativa (p = 0,001).

Na tabela 2 estão listadas as questões do questionário de adesão ao tratamento na primeira visita e na terceira visita. Observa-se que nenhuma questão apresentou decréscimo no percentual de adesão entre a primeira e a terceira visita, contudo, determinadas questões apresentaram aumento no percentual, como o uso correto dos medicamentos prescritos, o controle da ingesta salina e o comparecimento às consultas e aos exames agendados. As questões que apresentaram maior diferença no percentual de adesão foram aquelas relacionadas à verificação diária do peso, que aumentou de zero para 25%, e as questões relacionadas ao controle da ingesta hídrica.

Tabela 2
Percentual de adesão ao tratamento por questões respondidas na primeira e terceira visitas domiciliares

Discussão

Os resultados deste estudo identificaram que as orientações realizadas pelas enfermeiras foram efetivas em melhorar a adesão por parte dos pacientes. Observou-se que as questões como verificação diária do peso e controle da ingesta hídrica foram as que apresentaram maior melhora de desempenho durante o estudo. A ingestão descontrolada de líquidos em pacientes com insuficiência cardíaca reflete-se no aumento do peso e, consequentemente, nos sinais de descompensação da doença. As ações relacionadas ao autocuidado, como redução da ingesta hídrica e a necessidade do controle de peso diário, possuem influência visível na piora da doença e foram as mais bem absorvidas pelos pacientes.

Em relação à classe funcional, as classes I-II também foram mais prevalentes na terceira visita, o que demonstra que houve uma melhora no aspecto clínico dos pacientes. A adesão ao tratamento em pacientes com insuficiência cardíaca é considerada um ponto crítico. Sabe-se que pacientes que utilizam medicações para doenças crônicas normalmente possuem conhecimento baixo sobre seus efeitos, fatores que podem afetar a adesão ao tratamento e a segurança dos medicamentos.(7Diaz A, Ciocchini C, Esperatti M, Becerra A, Mainardi S, Farah A. Precipitating factors leading to decompensation of chronic heart failure in the elderly patient in South-American community hospital. J Geriatr Cardiol. 2011 Mar;8(1):12-4.,1212 Chan FW, Wong FY, So WY, Kung K, Wong CK. How much do elders with chronic conditions know about their medications? BMC Geriatr. 2013 13:59.) Sabe-se também que a adequada adesão ao tratamento é essencial para evitar crises de descompensação. No entanto, isto tem sido uma importante limitação para alguns pacientes, e por conta disso, as taxas de readmissões por insuficiência cardíaca continuam elevadas.(4Jencks SF, Williams MV, Coleman EA. Rehospitalizations among Patients in the Medicare Fee-for-Service Program. N Engl J Med. 2009;360(14):1418-28.) Nesse contexto, a má adesão ao tratamento configura-se entre os principais fatores precipitantes de descompensação da doença que leva à readmissão hospitalar.(5Ambardekar AV, Fonarow GC, Hernandez AF, Pan W, Yancy CW, Krantz MJ. Characteristics and in-hospital outcomes for nonadherent patients with heart failure: Findings from Get With The Guidelines-Heart Failure (GWTG-HF). Am Heart J. 2009;158(4):644-52.)

Em relação à baixa adesão ao tratamento, esta pode estar relacionada a fatores de risco como escolaridade e distúrbios psicológicos (como depressão),(1313 Marti CN, Georgiopoulou VV, Giamouzis G, Cole RT, Deka A, Tang WHW, et al. Patient-Reported Selective Adherence to Heart Failure Self-Care Recommendations, a Prospective Cohort study: The Atlanta Cardiomyopathy Consortium. Congest Heart Fail. 2013;19(1):16–24.) somados às características da doença e à complexidade do tratamento.(1414 Dickson VV, Buck H, Riegel, B. A Qualitative Meta-Analysis of Heart Failure Self-Care Practices Among Individuals With Multiple Comorbid Conditions. J Cardiac Fail. 2011;17:413-19.) Além disso, os custos, a quantidade de medicações e seus efeitos, as comorbidades que o paciente apresenta e o relacionamento entre profissional de saúde e paciente também influenciam na adesão ao tratamento.(1111 Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol. 2012;98(1 Supl. 1):1-33.) No nosso estudo, o número de medicações diferentes utilizadas pelos pacientes variou de quatro a dez por conta de outras comorbidades.

No entanto, ainda é considerado difícil traçar o perfil do paciente não aderente. Os resultados de uma revisão sistemática publicada recentemente demonstraram relação entre hospitalizações prévias e maiores taxas de adesão, provavelmente devido ao fato do paciente estar com sintomas exacerbados na internação, recebendo maior orientação da equipe de saúde e com medo de descompensar novamente. Outros determinantes presumidos, como condições socioeconômicas, comorbidades, medicamentos prescritos, foram considerados inconsistentes. O nível educacional do paciente e o número de profissionais de saúde que o acompanham também não indicaram maiores taxas de adesão. Devido à falta de evidências, os autores não conseguiram elaborar um plano de recomendações para futuras intervenções.(1515 Oosterom-Calo R, van Ballegooijen AJ, Terwee CB, te Velde SJ, Brouwer IA, Jaarsma T, Brug J. Determinants of adherence to heart failure medication: a systematic literature review. Heart Fail Rev. 2013;18(4):409-27.)

Em relação à visita domiciliar, poucos estudos analisaram o seu impacto na adesão ao tratamento da insuficiência cardíaca, provavelmente devido à escassez de instrumentos para avaliar tal questão. No primeiro estudo de intervenção multidisciplinar em insuficiência cardíaca, foi demonstrado que o acompanhamento de pacientes por equipe especializada para educação sobre a doença, autocuidado e adesão ao tratamento resultou em melhora significativa da qualidade de vida e da adesão nos pacientes do grupo intervenção.(1616 Rich MW, Gray DB, Beckham V, Wittenberg C, Luther P. Effect of a multidisciplinary intervention on medication compliance in elderly patients with congestive heart failure. Am J Med. 1996;101(3):270-6.)

Seguindo essa mesma linha, um estudo de 2012 avaliou, através de um ensaio clínico randomizado, a efetividade de um programa de intervenção de enfermagem, realizando encontros, telefonemas e visitas domiciliares, no aumento do autocuidado em pacientes com insuficiência cardíaca. Foram incluídos 66 pacientes, com período de seguimento de nove meses. No grupo intervenção, o percentual de autocuidado teve um aumento de 66% versus 26% de aumento no grupo controle, com diferença estatisticamente significativa (p<0.001). Concluiu-se que a intervenção educativa traz benefícios no aumento do autocuidado em pacientes com insuficiência cardíaca.(8Rodriguez-Gazquez MLA, Arredondo-Holguin E, Herrera-Cortes R. Effectiveness of an educational program in nursing in the self-care of patients with heart failure: randomized controlled trial. Rev Latinoam Enferm. 2012;20(2):296-306.)

Um estudo piloto publicado em 2010 teve como objetivo desenvolver, implementar e testar a eficácia inicial de um programa de intervenção baseado em visitas domiciliares guiadas por enfermeiras. Foram incluídos 24 pacientes nessa primeira etapa. O grupo intervenção apresentou melhora significativa nos índices de qualidade de vida e diminuição de sintomas de depressão, também significativos quando comparados ao grupo controle. Houve também menores taxas de hospitalização no grupo intervenção, mas sem diferença estatisticamente significativa.(1717 Delaney C, Apostolidis B. Pilot testing of a multicomponent home care intervention for older adults with heart failure: an academic clinical partnership. J Cardiovasc Nurs. 2010;25(5):27-40.) Dessa maneira, a visita domiciliar também foi identificada como uma estratégia eficaz, pois promove o aumento do autocuidado, que, por conseguinte auxilia no aumento da adesão e colabora na redução das readmissões hospitalares e morte.

Uma recente revisão sistemática demonstrou que intervenções multidisciplinares em pacientes com insuficiência cardíaca incluem consultas em clínicas com médicos, enfermeiros, nutricionistas ou assistentes sociais, além de visitas domiciliares, monitorização por telefone, vídeos educativos, e intervenções realizadas durante internação hospitalar. Os resultados dessa revisão demonstraram que as estratégias que envolvem manejo multidisciplinar reduzem os índices de readmissão por insuficiência cardíaca descompensada, colaboram na diminuição nas taxas de mortalidade e evidenciaram que as intervenções realizadas em ambiente domiciliar foram as mais efetivas.(1Lambrinou E, Kalogirou F, Lamnisos D, Sourtzi P. Effectiveness of heart failure management programmes with nurse-led discharge planning in reducing re-admissions: a systematic review and meta-analysis. Int J Nurs Stud. 2012;49(5):610-24.) A visita domiciliar destaca-se por buscar, principalmente em relação às pessoas idosas, a recuperação de sua autonomia e independência, ajudando a reduzir a ansiedade e a depressão, além de melhorar a qualidade de vida.(1818 Tsuchihashi-Makaya M, Matsuo H, Kakinoki S, Takechi S, Kinugawa S, Tsutsui H. Home-Based Disease Management Program to Improve Psychological Status in Patients With Heart Failure in Japan. Circ J. 2013;77:926–33.) As visitas domiciliares também contribuem para a interação entre enfermeiras, familiares e pacientes, ajudando a estabelecer uma forte aliança terapêutica, o que provavelmente resultará em melhorias no autocuidado e na autoeficiência dos pacientes com insuficiência cardíaca.(1919 Yehle KS, Plake KS. Self-efficacy and educational interventions in heart failure: A review of the literature. J Cardiovasc Nurs. 2010;25:175–88.)

Sabe-se que a insuficiência cardíaca é uma doença que provoca uma sensível perda na qualidade de vida, resultando muitas vezes, em aposentadorias precoces e altos custos socioeconômicos para os sistemas de saúde. O maior desafio da equipe de saúde está em prevenir a descompensação da insuficiência cardíaca, por isso é importante concentrar investimentos na difusão das informações e na educação popular.(1111 Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol. 2012;98(1 Supl. 1):1-33.) O sucesso do tratamento não farmacológico requer esforços continuados e frequentes, objetivando manter a aproximação da equipe junto aos pacientes e seus cuidadores, reforçando dessa forma as orientações sobre a doença e o autocuidado.(3Francis GS, Greenberg BH, Hsu DT, Jaski BE, Jessup M, LeWinter MM, et al. ACCF/AHA/ACP/HFSA/ISHLT 2010 clinical competence statement on management of patients with advanced heart failure and cardiac transplant: a report of the ACCF/AHA/ACP Task Force on Clinical Competence and Training. Circulation. 2010;122(6):644-72.)

Um estudo recente demonstrou que o monitoramento dos sintomas, especialmente do peso e do edema dos membros inferiores, é o primeiro passo para a realização do manejo adequado do autocuidado, o que poderia ajudar os pacientes com insuficiência cardíaca a evitar a re-hospitalizações.(2020 Lee KS, Lennie TA, Dunbar SB, Pressler SJ, Heo S, Song EK, et al. The association between regular symptom monitoring and self-care management in patients with heart failure. J Cardiovasc Nurs. 2014;1-7. [Epub ahead of print] doi: 10.1097/JCN.0000000000000128.) Por isso, o atendimento multidisciplinar a pacientes com insuficiência cardíaca deve estar voltado para os fatores que podem exacerbar a doença, estando atento às respostas que o paciente apresenta ao esforço físico, além de observar manifestações de sinais e sintomas de descompensação. O sucesso do plano terapêutico para pacientes com insuficiência cardíaca depende principalmente da participação ativa do paciente e da adesão, associado à escolha adequada do tratamento pela equipe de saúde. Além disso, é necessário identificar os fatores que dificultam a adesão para que a equipe de saúde e o paciente pensem em conjunto estratégias para alcançar os melhores resultados.(3Francis GS, Greenberg BH, Hsu DT, Jaski BE, Jessup M, LeWinter MM, et al. ACCF/AHA/ACP/HFSA/ISHLT 2010 clinical competence statement on management of patients with advanced heart failure and cardiac transplant: a report of the ACCF/AHA/ACP Task Force on Clinical Competence and Training. Circulation. 2010;122(6):644-72.)

Conclusão

As orientações realizadas pelos enfermeiros quanto aos cuidados farmacológicos e não farmacológicos em cada visita promoveram o aumento no escore de adesão ao tratamento, principalmente nas questões relacionadas à verificação diária de peso e restrição da ingesta hídrica.

Agradecimentos

Ao Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Pesquisa para o SUS-PPSUS 2008-2009).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2014
  • Aceito
    15 Set 2014
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