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Tempos de acesso a serviços de saúde face ao infarto do miocárdio

Resumo

Objetivo

Analisar os tempos relacionados ao acesso de homens e mulheres com infarto do miocárdio a hospitais referência em cardiologia e a correlação entre eles.

Métodos

Pesquisa transversal, com 100 pessoas com infarto entrevistadas em hospitais referência em cardiologia. Dados analisados por estatística descritiva e inferencial, adotando-se significância estatística.

Resultados

Os tempos foram elevados (decisão para atendimento, chegada ao primeiro serviço de saúde, permanência na rede de atenção e admissão em hospitais referência em cardiologia), exceto o de transporte, sobretudo para mulheres. Houve maior contribuição do tempo de decisão na composição do tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde e do tempo de permanência na rede na composição do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia.

Conclusão

A longa espera por atenção especializada reflete a falta de estrutura dos serviços de saúde, e o tempo de decisão elevado reflete a falta do não reconhecimento do infarto pelos participantes.

Acesso aos serviços de saúde; Enfermagem em saúde pública; Educação em enfermagem; Infarto do miocárdio

Abstract

Objective

To analyze the access times of men and women who are having a myocardial infarction to referral hospitals in cardiology and the correlation between them.

Methods

Cross-sectional research, involving 100 victims of a myocardial infarction who were interviewed at referral hospitals in cardiology. To analyze the data, descriptive and inferential statistics were used with statistical significance.

Results

The access times were long (decision to seek care, arrival to first health service, time in care network and admission to referral hospitals in cardiology), except for the transportation time, mainly for women. The decision time contributed more to the time it took to arrive at the first health service and the time in the care network contributed more to the time to arrive at the referral hospitals in cardiology.

Conclusion

The long time waiting for specialized care reflects the lack of structure of the health services and the long decision time reflects the participants’ lack of recognition of the myocardial infarction.

Health services accessibility; Public health nursing; Education, nursing; Myocardial infarction

Introdução

O infarto do miocárdio é causa isolada de morte mais comum em ambos os sexos,(11. Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Informações de Saúde (TABNET). Estatísticas vitais - mortalidade [nternet] 2016 [citado 2016 Jul 5]. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
) correspondendo a mais de 30% dos óbitos no Brasil.(22. Jesus AV, Campelo V, Silva MJ. Perfil dos pacientes admitidos com Infarto agudo do miocárdio em hospital de urgência de Teresina-PI. R Interdiscipl. 2013; 6(1):25-33.) As especificidades dos gêneros, em estudos relacionados ao infarto do miocárdio, apontam para diferenças na ocorrência e tratamento do evento coronário.(33. Kragholm K, Halim SA, Yang Q, Schulte PJ, Hochman JS, Melloni C, et al. Sex-stratified trends in enrollment, patient characteristics, treatment, and outcomes among non-st-segment elevation acute coronary syndrome patients: insights from clinical trials over 17 years. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2015; 8(4):357-67.)

Os benefícios das terapias de reperfusão miocárdica são tempo-dependentes(44. Piegas LS, Timerman A, Feitosa GS, Nicolau JC, Mattos LA, Andrade MD, et al. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2015; 105(2 Suppl 1):1-121.) e podem ser usufruídos com a chegada rápida do indivíduo ao serviço de saúde, após o início dos sintomas. Portanto, é fundamental conhecer os tempos implicados no acesso aos serviços de saúde e os fatores associados.(55. Penchansky R, Thomas JW. The concept of access: definition and relationship to consumer satisfaction. Med Care. 1981; 19(2):127-40.)

De modo geral, o retardo pré-hospitalar face ao infarto é definido como o período decorrido entre o início dos sintomas até a admissão em um serviço de saúde e pode ser dividido em dois componentes principais.(66. Perkins-Porras L, Whitehead DL, Strike PC, Steptoe A. Pre-hospital delay in patients with acute coronary syndrome: Factors associated with patient decision time and home-to-hospital delay. Eur J Cardiovasc Nurs. 2009; 8(1):26-33.) O primeiro é o tempo de decisão, período entre o início dos sintomas e a decisão para a procura de atendimento, o qual sofre influência de fatores sociodemográficos, clínicos, cognitivos, emocionais e ambientais. O segundo componente corresponde ao período entre o deslocamento e a chegada a um serviço de referência em cardiologia para tratamento específico. Neste componente, tem-se observado, sobretudo a influência do meio de transporte e da possibilidade de resposta da rede de atenção à saúde.(66. Perkins-Porras L, Whitehead DL, Strike PC, Steptoe A. Pre-hospital delay in patients with acute coronary syndrome: Factors associated with patient decision time and home-to-hospital delay. Eur J Cardiovasc Nurs. 2009; 8(1):26-33.) Há também evidências de que o gênero pode influenciar na conduta médica, sendo as mulheres que recebem intervenção em estágio mais avançado da doença coronária.(77. Rao SV, McCoy LA, Spertus JA, Krone RJ, Singh M, Fitzgerald S, Peterson ED. An updated bleeding model to predict the risk of post-procedure bleeding among patients undergoing percutaneous coronary intervention: a report using an expanded bleeding definition from the National Cardiovascular Data Registry CathPCI Registry. JACC Cardiovasc Interv. 2013; 6(9):897-904.)

Todavia, a depender da configuração da rede de atendimento ao infarto, a qual guarda especificidades com países e regiões, várias frações de tempo podem compor o período decorrido entre o início dos sintomas até a admissão em um hospital referência em cardiologia. Diferentemente de outros países, em que o usuário é diretamente admitido em serviços especializados,(88. Kristensen SD, Laut KG, Fajadet J, Kaifoszova Z, Kala P, Di Mario C, et al. Reperfusion therapy for ST elevation acute myocardial infarction 2010/2011: Current status in 37 ESC countries. Eur Heart J. 2014; 35(29):1957-70.) na rede de saúde pública de Salvador, Bahia, Brasil, a admissão em hospitais referência em cardiologia, com acesso a serviço de hemodinâmica e assistência intensiva, não ocorre de modo direto, pois essas instituições não tem emergência “porta aberta”, sendo o acesso mediado por centrais de regulação. Logo, pessoas com sintomas de infarto devem passar obrigatoriamente por avaliação em pelo menos um serviço de saúde, para posterior regulação para esses hospitais.

Nesse caso, os diversos componentes de tempo até a admissão em hospital referência em cardiologia incluem o tempo de decisão (período decorrido entre o início dos sintomas até a tomada de decisão para a procura de serviço se saúde), o tempo de transporte (período entre a tomada de decisão para a procura de atendimento a chegada ao primeiro serviço de saúde), o tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde (período entre o início dos sintomas até a chegada ao primeiro serviço de saúde), o tempo de permanência na rede de atenção à saúde (período decorrido da chegada ao primeiro serviço de saúde até a admissão em hospital referência em cardiologia). Logo, o tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia corresponde ao período decorrido do início dos sintomas até a admissão no hospital referência em cardiologia.

A carência de estudos sobre os tempos dispendidos no acesso de homens e mulheres com infarto do miocárdio a hospitais referência em cardiologia, em diversas regiões do Brasil, evidencia a necessidade de investigá-los. Esse conhecimento poderá subsidiar enfermeiros e outros profissionais de saúde na implementação de práticas de gestão e de cuidado, no âmbito hospitalar e extra hospitalar, visando otimizar o diagnóstico e tratamento do infarto. O atraso no acesso reduz a possibilidade de uso e a eficácia das terapias de reperfusão miocárdica e aumenta a morbidade e mortalidade pela doença.(99. Marcolino MS, Brant LC, Araujo JG, Nascimento BR, Castro LR, Martins P, et al. Implementation of the Myocardial Infarction System of Care in city of Belo Horizonte, Brazil. Arq Bras Cardiol. 2013; 100(4):307-14.)

Diante do exposto, o objetivo geral do estudo foi: analisar os tempos relacionados ao acesso de homens e mulheres com infarto do miocárdio a hospitais referência em cardiologia e a correlação entre eles.

Os objetivos específicos foram: 1. Estimar os tempos de decisão, de transporte, de chegada ao primeiro serviço de saúde, de permanência na rede de atenção à saúde e de chegada aos hospitais referência em cardiologia; 2. Verificar a correlação do tempo de decisão e de transporte com o tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde; 3. Verificar a correlação do tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde e do tempo de permanência na rede de atenção com o tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia.

Métodos

Estudo transversal, desenvolvido em dois hospitais de grande porte, públicos, referência em cardiologia em Salvador, BA, para admissão de usuários referenciados pela Central Estadual de Regulação do Estado.

Para o cálculo do tamanho da amostra, tomou-se como parâmetro a prevalência estimada para o infarto do miocárdio (IAM) de 99/100.000 adultos em Salvador/BA.(1010. Lessa I. Epidemiologia das doenças cardiovasculares no Brasil. RSCESP. 1999; 9(4):509-18.) Considerou-se: número total da população assumida durante o período da coleta de dados=1.000; proporção dentro da população estudada igual a 0,099; nível de significância de 5% e erro máximo estimado desejado de 4%.(1111. Kish L. Survey sampling. New York: Wintley, 1965.) De acordo com o cálculo, o tamanho da amostra seria de 99, mas esta foi composta por 100 indivíduos, cujos critérios de inclusão foram: diagnóstico médico de IAM; tempo de internação mínimo de 24 horas e máximo 20 dias e sem restrições médicas para a entrevista.

O instrumento de coleta de dados foi formado por questões estruturadas para caracterização sociodemográfica, clínica e do acesso aos serviços de saúde. Os dados foram obtidos pela entrevista com os participantes do estudo, exceto o diagnóstico médico que foi consultado no prontuário e confirmado com o médico assistente, assim como, a data e hora de internamento nos hospitais de estudo.

Os dados sociodemográficos foram analisados empregando-se estatísticas descritivas. Para analisar a associação entre variáveis sociodemográficas e o sexo usou-se o teste do Qui-quadrado de Pearson. Os tempos de decisão, de transporte, de chegada ao primeiro serviço de saúde, de permanência na rede de atenção à saúde e o tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia foram analisados pela média geométrica e respectivo intervalo de confiança (IC 95%) devido à assimetria das suas distribuições.

Para analisar as correlações dos tempos de decisão e de transporte em relação ao tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde e para analisar as correlações do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia em relação os tempos de decisão, de transporte e de permanência na rede empregou-se o coeficiente de correlação de Pearson, o modelo de regressão linear bivariado e multivariado. Os pressupostos de normalidade, linearidade e homocedasticidade foram atendidos. Os dados foram analisados pelo Stata versão 11.0. A significância adotada foi de 5% para todos os testes.

O estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Ana Néri sob processo nº 11/09.

Resultados

Quanto a caracterização sociodemográfica da amostra, 71,0% eram homens, com média de idade de 58,7 anos (dp 11,1) e 29,0% eram mulheres, com média de idade de 59,0 anos (dp 12,1). O estado civil casado ou viver com companheiro(a) predominou para homens (81,7%) e mulheres (58,6%). Todavia, maior proporção delas eram solteiras, separadas, divorciadas ou viúvas em relação aos homens (p=0,016).

A maioria dos homens (74,6%) e das mulheres (65,5%) eram procedentes de Salvador/BA e Região Metropolitana, maior proporção deles (73,2%) e delas (65,5%) auto declararam-se negros e tinham baixa escolaridade (70,4% e 65,5%, respectivamente, tinham até o 1º grau completo). A renda familiar mensal foi de até três salários mínimos para 62,0% dos homens e 65,5% das mulheres. Não houve diferenças proporcionais significantes entre os sexos e essas variáveis.

Todos os tempos foram elevados, exceto o de transporte, e maiores para as mulheres (Tabela 1).

Tabela 1
Média geométrica dos tempos estudados segundo o sexo

Nas tabelas 2 e 3, observa-se, para os sexos, forte correlação linear entre o tempo de decisão e o de chegada ao primeiro serviço de saúde. Já a correlação entre o tempo de transporte e o de chegada ao primeiro serviço de saúde foi fraca, para eles (Tabela 2), e moderada para elas (Tabela 3). Essas correlações foram estatisticamente significantes.

Tabela 2
Coeficientes de correlação linear e dos modelos bivariado e multivariado de regressão linear entre a variável desfecho TCPSS e as variáveis preditoras (TD e TT), e entre a variável desfecho TCHRC e as variáveis preditoras (TD,TT e TPRS)
Tabela 3
Coeficientes de correlação linear e dos modelos bivariado e multivariado de regressão linear entre a variável desfecho TCPSS e as variáveis preditoras (TD e TT), e entre a variável desfecho TCHRC e as variáveis preditoras (TD,TT e TPRS)

No modelo de regressão linear bivariado, constatou-se para os sexos, maior contribuição do tempo de decisão em relação ao tempo de transporte na composição do tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde, sendo as correlações estatisticamente significantes. Para os homens (Tabela 2), identificou-se que a cada uma hora de aumento do tempo de decisão significa um aumento de 0,72h (43min) do tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde, enquanto que a cada uma hora de aumento do tempo de transporte há um aumento do tempo de chegada ao primeiro serviço de 0,49h (29min). O coeficiente de explicação do modelo ajustado do tempo de decisão (R2=0,89) também foi o que melhor explicou a variação do tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde, pois sua magnitude foi superior a do coeficiente do tempo de transporte (R2=0,14). Para as mulheres (Tabela 3), verificou-se que a cada uma hora no aumento do tempo de decisão significa um aumento de 0,79h (47,4min) do tempo de chegada ao primeiro serviço, enquanto que a cada uma hora de aumento do tempo de transporte há um aumento do tempo de chegada ao primeiro serviço de 0,12h (7,2min). Para elas, o coeficiente de explicação do modelo ajustado do tempo de decisão (R2=0,97) também foi o que melhor explicou a variação do tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde, pois sua magnitude foi superior a do coeficiente do tempo de transporte (R2=0,40).

O modelo de regressão linear multivariado mostrou também maior contribuição do tempo de decisão na composição do tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde. Para os homens, identificou-se que a cada uma hora de aumento do tempo de decisão significa um aumento de 0,69h (4min) do tempo de chegada ao primeiro serviço versus 0,28h (16,8min) do tempo de transporte (Tabela 2). Para as mulheres, a cada uma hora de aumento do tempo de decisão significa um aumento de 0,72h (43min) do tempo de chegada ao primeiro serviço versus 0,28h (16,8 min) do tempo de transporte (Tabela 3). As correlações entre as variáveis preditoras e a variável resposta foram estatisticamente significantes. O coeficiente de explicação do modelo ajustado (R2) explicou em 94% a composição do tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde no grupo dos homens (Tabela 2) e, em 98%, no grupo das mulheres (Tabela 3).

Na tabela 2, observa-se também pelo coeficiente de correlação linear que para os homens, o tempo de decisão, de transporte e de permanência na rede de saúde tiveram, respectivamente, correlação fraca, pequena e forte na composição do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia. Para as mulheres (Tabela 3), o tempo de decisão e de transporte tiveram correlação fraca na composição do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia e o tempo de permanência na rede de saúde correlação forte. Todas as correlações foram estatisticamente significantes.

O modelo de regressão linear bivariado mostrou maior contribuição do tempo de permanência na rede de saúde na composição do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia. Para os homens, a cada uma hora de aumento do tempo de permanência na rede de saúde significa um aumento de 0,94h (56min) do tempo de chegada aos hospitais referência, enquanto que para cada aumento de uma hora do tempo de decisão o tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia seria aumentado em 0,18h (10,8min) e, o tempo de transporte em -0,01h (-0,6min), (Tabela 2). Para as mulheres, verificou-se que a cada uma hora de aumento do tempo de permanência na rede de saúde significa um aumento de 0,97h (58min) do tempo de chegada aos hospitais referência, enquanto que para cada aumento de uma hora do tempo de decisão, o tempo de chegada aos hospitais referência seria aumentado em 0,30h (18min) e, do tempo de transporte, em 0,48h (28,8min), (Tabela 3). O coeficiente de explicação do modelo ajustado para o tempo de permanência na rede de saúde foi também o que melhor explicou a variação do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia, apresentando valor acima de 0,90 e sendo ainda superior ao R2 do tempo de decisão e tempo de transporte, em ambos os sexos (Tabelas 2 e 3).

O modelo de regressão linear multivariado mostrou também maior contribuição do tempo de permanência na rede de saúde na composição do tempo de chegada aos hospitais referência, tanto para homens como para mulheres (Tabelas 2 e 3). Para os homens (Tabela 2), identificou-se que a cada uma hora de aumento do tempo de permanência na rede de saúde significa um aumento de 0,93h (56min) do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia, enquanto que a cada uma hora de aumento do tempo de decisão e do tempo de transporte significa, respectivamente, um aumento de 0,06h (3,6min) e 0,04h (2,4min) do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia. Para as mulheres (Tabela 3), identificou-se que a cada uma hora de aumento do tempo de permanência na rede de saúde significa um aumento de 0,94h (56,4min) do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia, enquanto que a cada uma hora de aumento do tempo de decisão significa um aumento de 0,05h (3min) do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia. O tempo de transporte não contribuiu para o aumento do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia. O coeficiente de explicação do modelo ajustado explicou em 99% a composição do tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia para os homens (Tabela 2) e, em 100%, para as mulheres (Tabela 3).

Discussão

Os participantes foram predominantemente homens, como observado em outras pesquisas,(1212. Gouveia VA, Victor EG, Lima SG. Pre-hospital attitudes adopted by patients faced with the symptoms of acute myocardial infarction. Rev Lat Am Enfermagem. 2011; 19(5):1080-7.,1313. Sampaio ES, Mendes AS, Guimarães AC, Mussi FC. Percepção de clientes com infarto do miocárdio sobre os sintomas e a decisão de procurar atendimento. Ciênc Cuid Saude. 2012; 11(4):687-96.) desenvolveram infarto em idade precoce (≤65 anos),(1414. Silva VR, Molina MC, Cade NV. Coronary risk and associated factors in hypertensive patients at a family health clinic. Rev Enferm UERJ. 2012; 20(4):439-44.) apresentaram condições socioeconômicas deficitárias e permaneceram maior tempo na rede de atenção à saúde. Indivíduos em piores condições socioeconômicas tem maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde.(1515. Chiavegatto Filho AD, Wang YP, Malik AM, Takaoka J, Viana MC, Andrade LH. Determinantes do uso de serviços de saúde: análise multinível da Região Metropolitana de São Paulo. Rev Saúde Pública. 2015; 49(1):1-12.) A maior proporção da raça/cor negra, justifica-se pela realização do estudo em capital que concentra maior número de afrodescendentes do país.(1616. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informações de Mortalidade e base demográfica do IBGE. [Internet] 2010 [citado 2014 Dez 21]. Disponível em: http://www.datasus.
http://www.datasus...
)

As médias dos tempos investigados mostraram retardo no acesso aos serviços de saúde, sobretudo para mulheres, o qual permanece longo.(66. Perkins-Porras L, Whitehead DL, Strike PC, Steptoe A. Pre-hospital delay in patients with acute coronary syndrome: Factors associated with patient decision time and home-to-hospital delay. Eur J Cardiovasc Nurs. 2009; 8(1):26-33.) As mulheres podem subestimar o risco de doença cardíaca,(1717. Otten AM, Maas AH, Ottervanger JP, Kloosterman A, van ’t Hof AWJ, Dambrink JH, et al. Is the difference in outcome between men and women treated by primary percutaneous coronary intervention age dependent? Gender difference in STEMI stratified on age. Eur Hear J Acute Cardiovasc Care. 2013; 2(4): 334-41.) ter sintomas nem sempre típicos da doença,(1818. Manfrini O, Ricci B, Cenko E, Dorobantu M, Kalpak O, Kedev S, Kneževic B,Koller A, Milicic D, Vasiljevic Z, Badimon L, Bugiardini R; ISACS-TC Investigators. Association between comorbidities and absence of chest pain inacute coronary syndrome with in-hospital outcome. Int J Cardiol. 2016; 217Suppl:S37-43.) razões que contribuem para maior retardo.

A alta média de tempo de decisão, e sua forte correlação com o tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde, reforça a importância de compreender como homens e mulheres agem diante dos sintomas. Essa compreensão oferece explicações para a demora em chegar ao hospital e orienta para ações capazes de diminuir esse retardo.(1919. Nilsson G, Mooe T, Söderström L, Samuelsson E. Pre-hospital delay in patients with first time myocardial infarction: an observational study in a northernSwedish population. BMC Cardiovasc Disord. 2016; 16:93.) Sabe-se que fatores cognitivos e emocionais (interpretações, pensamentos e ações diante dos sintomas do infarto) estão associados a demora na decisão para procura de atendimento.(2020. Sullivan AL, Beshansky JR, Ruthazer R, Murman DH, Mader TJ, Selker HP. Factors associated with longer time to treatment for patients with suspected acute coronary syndromes: a cohort study. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2014; 7(1):86-94.) Atividades educativas desenvolvidas por enfermeiros devem focalizar esses fatores para otimizar a busca de atendimento.

Apesar da pouca contribuição do tempo de transporte no tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde, é importante que esse tempo seja o menor possível e que as vítimas de infarto valorizem o acionamento do serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU) ou procurem um serviço de emergência do seu distrito sanitário. O SAMU é recomendado por contar com recursos humanos e materiais para o primeiro atendimento contribuindo para reduzir o retardo pré hospitalar.(66. Perkins-Porras L, Whitehead DL, Strike PC, Steptoe A. Pre-hospital delay in patients with acute coronary syndrome: Factors associated with patient decision time and home-to-hospital delay. Eur J Cardiovasc Nurs. 2009; 8(1):26-33.) A população precisa ser orientada sobre a importância de acioná-lo e este deve responder prontamente aos chamados. Estratégias educativas conduzidas por enfermeiros podem ser de extremo valor e podem ser desenvolvidas em unidades de atenção básica, no domicílio e centros comunitários.

Neste estudo, evidenciou-se longa espera por admissão e tratamento em serviço especializado. O tempo de permanência na rede de atenção correlacionou-se mais fortemente com tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia, para ambos os sexos, reforçando a importância de uma rede configurada e estruturada para facilitar o acesso a pontos específicos do sistema de saúde,(2121. Dharma S, Andriantoro H, Dakota I, Purnawan I, Pratama V, Isnanijah H, et al. Organisation of reperfusion therapy for STEMI in a developing country. Open Heart. 2015; 2(1):e000240.) minimizando atrasos no atendimento.

A universalização do acesso aos serviços de saúde não se concretizou plenamente, havendo problemas de oferta e organização.(1515. Chiavegatto Filho AD, Wang YP, Malik AM, Takaoka J, Viana MC, Andrade LH. Determinantes do uso de serviços de saúde: análise multinível da Região Metropolitana de São Paulo. Rev Saúde Pública. 2015; 49(1):1-12.) Convive-se com a realidade desigual e excludente do acesso ao Sistema Único de Saúde, persistem problemas nos diversos componentes da acessibilidade, o que podem ser associados à retenção de pessoas com infarto na rede de serviços, como mostrado neste estudo. Destaca-se a falta de estrutura dos hospitais públicos de saúde, como por exemplo baixa oferta de leitos clínicos e cirúrgicos na especialidade de cardiologia. Somado a isso, o nível de resposta dos serviços de urgência e emergência tem sido insuficiente, como destaca o Plano Municipal de Saúde 2014-2017. Embora esses serviços objetivem atender rapidamente os usuários e contra referenciá-los para os demais pontos da rede de saúde,(2222. Caluza AC, Barbosa A. Rede de Infarto com Supradesnivelamento de ST: Sistematização em 205 casos diminui eventos clínicos na rede pública]. Arq Bras Cardiol. 2012; 99(5):1040-48.) enfrentam desafios no processo de trabalho, como sobrecarga de atendimentos da demanda espontânea desvinculada das unidades básicas de saúde, equipes de saúde desfalcadas, processo de trabalho desarticulado, sucateamento da estrutura física e dificuldades de referência e contrarreferência.

Diante do atraso para início do tratamento especializado, o Ministério da Saúde do Brasil, em dezembro de 2011, reconheceu a importância da organização de redes de atendimento ao infarto do miocárdio em regiões metropolitanas visando reduzir a mortalidade no país. A eficácia dessas redes foi atestada em estudos internacionais(2323. Clemmensen P, Schoos MM, Lindholm MG, Rasmussen LS, Steinmetz J, Hesselfeldt R, et al. Pre-hospital diagnosis and transfer of patients with acute myocardial infarction - A decade long experience from one of Europe’s largest STEMI networks. J Electrocardiol. 2013; 46(6): 546-52.,2424. Solla DJ, Paiva Filho IM, Delisle JE, Braga AA, Moraes Junior JB, Filgueiras NM, et al. Integrated regional networks for st-segment-elevation myocardial infarction care in developing countries: the experience of Salvador, Bahia, Brazil. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2013;6(1):9-17.), sendo recomendação especifica da American Heart Association.(2525. Kronick SL, Kurz MC, Lin S, Edelson DP, Berg RA, Billi JE, et al. Part 4: Systems of care and continuous quality improvement: 2015 American Heart Association guidelines update for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2015; 132(18):S397- 413.)

Contudo, o sucesso do atendimento a pessoas com infarto não depende exclusivamente da criação de redes de cuidados, mas da conscientização das vítimas sobre a necessidade de procurar precocemente um serviço de emergência, de esforços integrados da comunidade, profissionais e gestores de saúde, bem como de políticas públicas voltadas a organização e estruturação da rede de atendimento à saúde com equipamentos, materiais e pessoal qualificado.

Conclusão

Os tempos de acesso a hospitais referência em cardiologia foram elevados, sobretudo para mulheres. O tempo de decisão em relação ao de transporte correlacionou-se mais fortemente com o tempo de chegada ao primeiro serviço de saúde e o tempo de permanência na rede, em relação ao tempo de decisão e de transporte, apresentou melhor correlação com o tempo de chegada aos hospitais referência em cardiologia. O estudo reforça a importância de estratégias de educação em saúde visando o reconhecimento da gravidade dos sintomas por vítimas de infarto e a valorização da procura imediata de um serviço de saúde, bem como, mostra a necessidade de melhor qualidade de resposta dos serviços de emergência em Salvador/BA.

Agradecimentos

O presente trabalho é integrante do projeto matriz intitulado “Retardo pré hospitalar face ao infarto do miocárdio: diferenças de gênero” financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e coordenado pela Profa. Dra. Fernanda Carneiro Mussi.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2016
  • Aceito
    29 Ago 2016
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