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Atenção à saúde de crianças e adolescentes com HIV: avaliação da longitudinalidade

Resumo

Objetivo

Avaliar a presença do atributo longitudinalidade da Atenção Primária à Saúde, na experiência de profissionais dos municípios de procedência de crianças e adolescentes com HIV, acompanhados em serviço especializado.

Métodos

Estudo transversal realizado em 25 municípios do Rio Grande do Sul com 527 profissionais da saúde. Utilizou-se questionário de caracterização e o instrumento Primary Care Assessment Tool-Brasil, versão Profissionais. Foram utilizados Teste Qui-Quadrado de Pearson e Regressão de Poisson.

Resultados

A longitudinalidade apresentou-se satisfatória (p=6,96). Associaram-se ao alto escore: profissional com idade menor ou igual a 30 anos (p=,01); formação profissional clínico geral (p 0,03). Foi associado ao alto escore, na Estratégia de Saúde da Família, o tempo suficiente no atendimento aos usuários (p 0,045).

Conclusão

A avaliação indicou o potencial da Atenção Primária à Saúde para o atendimento das crianças e adolescentes com HIV, especialmente em proporcionar o vínculo, determinante para a continuidade da atenção.

Avaliação em enfermagem; Enfermagem de atenção primária; Saúde da criança; Saúde do adolescente

Abstract

Objective

To evaluate the presence of Primary Health Care longitudinality from the perception of professionals from the municipalities of children and adolescents with HIV, who were treated in specialized services.

Methods

Cross-sectional study, performed in 25 municipalities of Rio Grande do Sul, with 527 healthcare professionals. A characteristics questionnaire was used, and the Primary Care Assessment Tool - Brazil instrument, professional version. Pearson’s Chi-square test and Poisson regression were used.

Results

The longitudinality was satisfactory (p=6.96). Professionals aged less than or equal to 30 years (p=0.01) and professional education (p = 0.03) were associated with high scores. In the Family Health Strategy, sufficient time to attend to clients (p 0.045) was associated with the high score.

Conclusion

The assessment indicated the potential for Primary Health Care to care for children and adolescents with HIV, especially in providing a bond, which is a determinant for the continuity of care.

Nursing assessment; Primary care nursing; Child health; Adolescent health

Introdução

As crianças e os adolescentes com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) apresentam demandas específicas de sua condição sorológica, fazem uso contínuo de medicamentos para sobreviver, requerem demanda de educação em saúde para a família ou o responsável pelo cuidado cotidiano, entre outras justificativas de sua necessidade especial de saúde. Portanto, precisam de acompanhamento permanente nos serviços de saúde, para prevenção do adoecimento e manutenção da saúde,(11. Motta MG, Pedro EN, Neves ET, Issi HB, Ribeiro NR, Wachholz NI, et al. [Child with HIV/AIDS: perception of the antiretroviral treatment]. Rev Gaúcha Enferm. 2012; 33(4):48-55. Portuguese.) o qual ocorre, predominantemente, no serviço especializado em HIV. Entretanto, há necessidade de articulação deste serviço com a Atenção Primária à Saúde (APS),(22. Palácio MB, Figueiredo MA, Souza LB. [HIV/AIDS care and primary health care: Possibilities of assistance integration]. Psico (Porto Alegre). 2012; 43(3):360-67. Portuguese.) sendo que ações bem sucedidas no manejo da infecção nos serviços de APS de algumas cidades brasileiras foram reconhecidos como possibilidades o processo de descentralização e gestão compartilhada.(11. Motta MG, Pedro EN, Neves ET, Issi HB, Ribeiro NR, Wachholz NI, et al. [Child with HIV/AIDS: perception of the antiretroviral treatment]. Rev Gaúcha Enferm. 2012; 33(4):48-55. Portuguese.,33. Starfield, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Brasília(DF); UNESCO; 2002.)

A APS indica um desenho de mudança clínico-assistencial, orientado por atributos. Estes são definidos como um conjunto indissociável de elementos estruturantes do sistema de serviços de saúde. Os atributos essenciais são: atenção ao primeiro contato, longitudinalidade, coordenação e integralidade; e os atributos derivados: orientação familiar e comunitária.(33. Starfield, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Brasília(DF); UNESCO; 2002.)Dos atributos da APS, o presente estudo se concentra na longitudinalidade, conceituada como a existência de uma fonte de atenção regular, capaz de identificar a população eletiva que deveria ser atendida no serviço, além de estabelecer o vínculo entre usuários e profissionais.(33. Starfield, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Brasília(DF); UNESCO; 2002.,44. Paula CC, Silva CB, Nazário EG, Ferreira T, Schimith MD, Padoin SM. [Fatores que interferem no atributo longitudinalidade da atenção primária à saúde: revisão integrativa]. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2015[cited 2017 Jan 31];17(4). Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v17/n4/pdf/v17n4a20.pdf. Portuguese.
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Justifica-se a necessidade de avaliar a longitudinalidade da APS para qualificar o acompanhamento de saúde. Para tanto, ações como o tratamento, a avaliação das necessidades de saúde, o processo de transferência entre os serviços, a diminuição de internações hospitalares e a satisfação dos usuários com a atenção recebida, contribuirá para a promoção da saúde e prevenção de agravos, tendo em vista a relação da longitudinalidade na implantação de melhorias estruturais e processuais para a qualificação da atenção.(55. Cecílio LC. [Theoretical and conceptual notes on evaluative processes taking the multiple dimensions of healthcare management into account]. Interface (Botucatu). 2011; 15(37): 589-99. Portuguese.)

O presente estudo objetivou avaliar a presença do atributo longitudinalidade da Atenção Primária à Saúde, na experiência de profissionais dos municípios de procedência de crianças e adolescentes com HIV, acompanhados em serviço especializado.

Métodos

Tratou-se de uma pesquisa com abordagem quantitativa de delineamento transversal, realizado com médicos, enfermeiros e odontólogos no período de março a agosto de 2014, em 25 municípios do Rio Grande do Sul (RS). Estes municípios foram elencados por terem sido referenciados como de procedência das crianças e adolescentes com HIV, que faziam acompanhamento permanente no serviço ambulatorial de infectologia pediátrica do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM/RS/Brasil) em 2013.

As Secretarias Municipais de Saúde foram contatadas por meio de ligações telefônicas e via postal, para autorizar e acessar os endereços das UBS e ESF. Apenas um município não aceitou participar da pesquisa. Utilizou-se como critérios de inclusão: médico (clínico geral, pediatra e ginecologista), enfermeiro e odontólogo que atuassem nos serviços de APS dos 25 municípios, abrangendo os tipos de serviços: Unidade Básica de Saúde (UBS) e Estratégia de Saúde da Família (ESF). Como critério de exclusão: férias, afastamento ou licença no período da coleta de dados. Foi utilizada população total de profissionais da saúde dos referidos municípios, sem realização de cálculo amostral. Da população elegível, 554 profissionais, houve 12 recusas e 15 não foram encontrados (após três tentativas), totalizando 27 perdas (4,9%). A população pesquisada foi de 527 profissionais. Os profissionais foram acessados nos serviços de saúde em que atuavam, durante o turno de trabalho, quando foram convidados a responder o instrumento e assinar o TCLE. Os auxiliares de pesquisa (quatro mestrandas e cinco bolsistas de iniciação científica do curso de enfermagem), previamente capacitados pela coordenadora da pesquisa, viajaram até os municípios, utilizando recursos de projetos contemplados em editais de fomento à pesquisa. A supervisão da etapa de campo foi desenvolvida em encontros semanais do grupo de pesquisa, para discutir as facilidades e as dificuldades.

Para a coleta de dados, utilizou-se um instrumento de caracterização dos profissionais com variáveis sociodemográficas (sexo, idade); variáveis de formação (tempo de formado, pós-graduação); e variáveis de situação ocupacional (unidade de trabalho, vínculo, tempo de serviço, turno de trabalho, outro emprego, função neste serviço). Com intuito de avaliar o atributo longitudinalidade, foi aplicada a versão profissionais do Primary Care Assessment Tool (PCATool),(66. Donabedian A. Evaluating the quality of medical care, 1966. Milbank Q. 2005; 83(4):691-729.,77. Cassady CE, Starfield B, Hurtado MP, Berk RA, Nanda JP, Friedenberg LA. Measuring consumer experiences with primary care. Pediatrics. 2000; 105(4 Pt 2):998-1003.) validado no Brasil.(88. Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Steinl AT. [Internal consistency and reliability of Primary Care Assessment Tool (PCATool-Brasil) for child health services]. Cad Saúde Pública. 2016; 22(8):1649-59. Portuguese.) O PCATool-Brasil mensura a presença e a extensão de cada atributo da APS por meio da média aritmética dos itens. Em escala Likert, as respostas variaram em valores de 1 a 4, sendo “com certeza sim” (valor=4), “provavelmente sim” (valor=3), “provavelmente não” (valor=2), “com certeza não” (valor=1) e “não sei / não lembro” (valor=9). Para aplicação do instrumento, os profissionais foram orientados a respondê-lo com foco na atenção à saúde de crianças e/ou adolescentes com HIV (mesmo desconhecendo o diagnóstico de infecção dos usuários). Os auxiliares de pesquisa aplicaram presencialmente o instrumento, com tempo médio de preenchimento de 40 minutos. Em caso de dúvidas dos participantes, os auxiliares seguiram as instruções que constavam no manual do PCATool, que indica a formulação dos itens exatamente como estão escritos e, caso não haja entendimento, que o item seja repetido pausadamente, utilizando os parênteses (orientação ao entrevistador ou, algumas vezes, trazem exemplos ilustrativos do caráter do item) para explicar seu sentido.(88. Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Steinl AT. [Internal consistency and reliability of Primary Care Assessment Tool (PCATool-Brasil) for child health services]. Cad Saúde Pública. 2016; 22(8):1649-59. Portuguese.)

A análise foi realizada no Statistical Analysis System versão 9.3, após a dupla digitação independente, utilizando o programa Epi-info®, versão 7.00. Para avaliação dos escores, utilizaram-se: valores de escore maior ou igual a 6,6 (alto escore) e menor que 6,6 (baixo escore), segundo o manual do instrumento. Os valores, que originalmente variam em escala de 1 a 4, foram transformados em escala contínua de 0 a 10.

A análise de confiabilidade se deu por meio do Alfa de Cronbach (valores >0,70 foram considerados indicadores de consistência). A distribuição de normalidade das variáveis foi avaliada pelo Teste Kolmogorov-Smirnov. As variáveis categóricas (características sociodemográficas, de formação, de situação ocupacional e os itens que compõem o atributo longitudinalidade) foram apresentadas em frequência absoluta e relativa, e as variáveis contínuas (atributo essencial longitudinalidade), em média, desvio padrão quando apresentaram distribuição simétrica e em mediana e intervalo interquartil quando assimétricas.

Para comparação das proporções dos escores dicotomizados do atributo entre perfil sociodemográfico, de formação e situação ocupacional dos profissionais segundo tipo de serviço, foi utilizado o Teste Qui-Quadrado de Pearson. Para as análises estatísticas, foi adotado o nível de significância de 5%. Para verificação das variáveis que se mostraram associadas ao alto escore, utilizou-se a Regressão de Poisson com variância robusta. Estimaram-se as razões de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança (IC 95%). As variáveis independentes associadas ao alto escore com p valor <0,25 foram incluídas na análise bruta e ajustada.

Entre as limitações deste estudo, o instrumento utilizado não abrange peculiaridades específicas da população com HIV. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSM sobre o CAAE: 12223312.3.0000.5346. Respeitaram-se os preceitos éticos, dispostos na Resolução nº. 466/2012, e os profissionais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Dentre os 527 profissionais de saúde entrevistados, 420 (80%) tinham menos de 30 anos de idade, 245 (46%) eram médicos, 167 (32%), enfermeiros e 115 (22%), odontólogos. Quanto à unidade de trabalho, 270 (51%) refeririam UBS e 257 (49%), a ESF.

Na avaliação do atributo longitudinalidade obteve-se alto escore de orientação para a APS (média 6,96; desvio padrão 1,31; mediana 6,92; mínimo 3,08; máximo 10; alfa de Cronbach 0,727).

Na tabela 1 estão apresentadas as características sociodemográficas, de formação e de situação ocupacional dos profissionais da APS de acordo com a avaliação de alto e baixo escore do atributo de longitudinalidade.

Tabela 1
Perfil sociodemográfico, de formação e de situação ocupacional de acordo com a avaliação de alto e baixo escore do atributo longitudinalidade pelos profissionais de saúde (n=527)

Na tabela 2, são apresentados os itens que compõem o atributo longitudinalidade, que englobam questões voltadas para investigar o vínculo interpessoal entre usuários e sua fonte de atenção, dicotomizado em alto e baixo escore na avaliação pelos profissionais de saúde, segundo o tipo de serviço.

Tabela 2
Itens do atributo longitudinalidade dicotomizado em alto e baixo escore (n=527)

Na tabela 3, a Regressão de Poisson bruta e ajustada mostra a associação das variáveis independentes ao alto escore da APS, na atenção à saúde de crianças e adolescentes com HIV, na experiência dos profissionais de saúde.

Tabela 3
Regressão de Poisson bruta e ajustada às variáveis independentes que se mostraram associadas ao alto escore na APS na atenção à saúde de crianças e adolescentes com HIV (n=527)

Discussão

Na avaliação, o atributo longitudinalidade da APS para as crianças e adolescentes com HIV obteve alto escore (6,96). Isto indica que os profissionais consideravam obter a continuidade da atenção a essa população com uma relação interpessoal com os usuários. Este atributo também apresentou alto escore em outros estudos, que, embora não abordassem especificadamente a população com HIV, obtiveram resultados semelhantes sob a ótica de profissionais da saúde,(99. Chomatas E, Vigo A, Marty I, Hauser L, Harzheim E. [Evaluation of the presence and extension of the attributes of primary care in Curitiba]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):294-303. Portuguese.,1010. Hauser L, Castro RC, Vigo A, Trindade TG, Gonçalves MR, Stein AT, et al. [Translation, adaptation, validity and reliability of the Instrument for Assessment of Primary Health Care(PCATool) in Brazil: version of health professionals]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):244-55. Portuguese.) dos cuidadores de crianças(1111. Braz JC, Mello DF, David YG, Teixeira SA, Prado AS, Furtado MCC [Longitudinality and comprehensive care of children under one year old: assessment of caretakers]. Medicina (Ribeirão Preto). 2013; 46(4):416-23. Portuguese.,1212. Leão CD, Caldeira AP. [Assessment of the association between the qualification of physicians and nurses in primary healthcare and the quality of care]. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(11):4415-23. Portuguese.) e dos adultos.(1313. Berra S, Hauser L, Audisio Y, Mántaras J, Nicora V, de Oliveira MMC, et al. [Validity and reliability of the Argentine version of the PCAT-AE for the evaluation of primary health care]. Rev Panam Salud Publica. 2013; 33(1):30-9. Spanish.)

No entanto, outros estudos divergem deste resultado na experiência dos cuidadores(1414. Marques AS, Freitas DA, Leão CD, Oliveira SK, Pereira MM, Caldeira AP. [Primary care and maternal and child health: perceptions of caregivers in a rural ‘quilombola’ community]. Ciência & Saúde Coletiva. 2014; 19(2):365-71. Portuguese.) e dos profissionais,(1515. Vitoria AM, Harzheim e, Takeda SP, Hauser L. [Evaluation of primary health care attributes in Chapecó, Brazil]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):285-93. Portuguese.) o que pode estar associado às falhas na dimensão da continuidade informacional que deveria fazer parte da longitudinalidade nos serviços de APS brasileiros. Esta dimensão permite a conexão de informações entre diferentes profissionais para condução do caso, tanto na relação clínica, quanto no conhecimento sobre preferências, valores e contexto do indivíduo, para assegurar atendimento.(44. Paula CC, Silva CB, Nazário EG, Ferreira T, Schimith MD, Padoin SM. [Fatores que interferem no atributo longitudinalidade da atenção primária à saúde: revisão integrativa]. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2015[cited 2017 Jan 31];17(4). Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v17/n4/pdf/v17n4a20.pdf. Portuguese.
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A completude deste atributo é essencial na atenção de crianças e adolescentes, principalmente, no contexto de uma condição crônica como a infecção pelo HIV, que implica em uso cotidiano de medicamentos, e que se soma às características de pauperização da epidemia. Assim sendo, os profissionais da APS, por manterem uma relação ao longo do tempo com os usuários, tornam-se fonte regular de atenção.(1616. Katz DA, McCoy K, Sarrazin MV. Does improved continuity of primary care affect clinician-patient communication in VA? J Gen Intern Med. 2014; 29(2 Supl):682-8.) O contato constante dos profissionais com os usuários pressupõe a manutenção de vínculos duradouros, o que resulta em confiança e no conhecimento da realidade em que vivem. Para, a partir disso, produzir ações resolutivas, reduzindo a necessidade de utilização de serviços especializados para demandas de saúde que possam ser resolvidas na APS.(1717. Baratieri T, Mandu EN, Marcon SS. [Longitudinalidad en el trabajo del enfermero: relatos de la experiencia professional]. Rev Esc Enferm USP; 46(5):1260-7. Portuguese.)

Quanto às características sociodemográficas dos profissionais, houve associação da idade menor ou igual a 30 anos ao alto escore do atributo longitudinalidade. Este resultado pode estar associado a que os profissionais mais jovens estão sendo formados com uma visão ampliada da atenção à saúde justificada pela mudança curricular nos cursos de graduação. A formação em saúde tem enfatizado a capacitação profissional para atender as demandas da APS. Nesse sentido, programas do Ministério da Saúde e da Educação têm contribuído para reorientar a formação em saúde, capacitando os futuros profissionais para ações junto ao SUS.(1818. Silva JG, Lemos SR, Jesus ML, Lobo MF, Alves CG, Sousa MF, et al. [Contribution of the work health education program to university training]. Rev Ciênc Ext . 2016; 12(1):105-13. Portuguese.) Convergente com esse resultado, profissionais de saúde de Porto Alegre/RS com média de idade de 43 anos avaliaram o atributo negativamente.(1010. Hauser L, Castro RC, Vigo A, Trindade TG, Gonçalves MR, Stein AT, et al. [Translation, adaptation, validity and reliability of the Instrument for Assessment of Primary Health Care(PCATool) in Brazil: version of health professionals]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):244-55. Portuguese.)

Referente à formação profissional, ser clínico geral esteve associado ao alto escore do atributo longitudinalidade. É possível inferir que o médico clínico geral acredite na existência de uma relação interpessoal com os seus usuários. Esta relação é implícita devido ao acompanhamento contínuo realizado ao longo do tempo frente aos múltiplos episódios de doença e ao desenvolvimento de promoção da saúde, sendo caracterizada por responsabilidade por parte do profissional de saúde e confiança por parte do usuário.(44. Paula CC, Silva CB, Nazário EG, Ferreira T, Schimith MD, Padoin SM. [Fatores que interferem no atributo longitudinalidade da atenção primária à saúde: revisão integrativa]. Rev Eletr Enferm [Internet]. 2015[cited 2017 Jan 31];17(4). Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v17/n4/pdf/v17n4a20.pdf. Portuguese.
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Em contraponto a isso, apesar de não ter sido observado na presente pesquisa, um estudo apontou que equipes de APS com formação em pós-graduação, como a residência, apresentaram maior escore para o atributo longitudinalidade.(1212. Leão CD, Caldeira AP. [Assessment of the association between the qualification of physicians and nurses in primary healthcare and the quality of care]. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(11):4415-23. Portuguese.)

Quanto aos itens que compõem o atributo longitudinalidade dicotomizado em alto e baixo escore, segundo o tipo de serviço, houve associação estaticamente significativa ao alto escore nos serviços de ESF no que se refere ao “Tempo suficiente aos pacientes para discutirem seus problemas ou preocupações”.

Destaca-se que alguns aspectos da relação interpessoal entre profissional e usuário favorecem a longitudinalidade na medida em que propiciam o vínculo,(1616. Katz DA, McCoy K, Sarrazin MV. Does improved continuity of primary care affect clinician-patient communication in VA? J Gen Intern Med. 2014; 29(2 Supl):682-8.) a familiaridade,(1919. Schultz K, Delva D, Kerr J. Emotional effects of continuity of care on family physicians and the therapeutic relationship. Can Fam Physician. 2012; 58(2):178-85.,2020. Waibel S, Henao D, Aller M-B, Vargas I, Vázquez M-L. What do we know about patients’ perceptions of continuity of care? A meta-synthesis of qualitative studies. Int J Qual Health Care. 2012; 24(1):39-48.) a confiança,(2020. Waibel S, Henao D, Aller M-B, Vargas I, Vázquez M-L. What do we know about patients’ perceptions of continuity of care? A meta-synthesis of qualitative studies. Int J Qual Health Care. 2012; 24(1):39-48.) respeito,(2121. Lima CA, Oliveira AP, Macedo BF, Dias OV, Costa SM. [Professional-user of family health relationship: perspective of contractualist bioethics]. Rev Bioet. 2014; 22(1):152-60. Portuguese.)e a comunicação a partir de uma abordagem integral.(1919. Schultz K, Delva D, Kerr J. Emotional effects of continuity of care on family physicians and the therapeutic relationship. Can Fam Physician. 2012; 58(2):178-85.)Quando há o fortalecimento dessa relação, há, portanto, maior engajamento visando promover a saúde, permitindo um espaço de escuta e esclarecimento de dúvidas.(1111. Braz JC, Mello DF, David YG, Teixeira SA, Prado AS, Furtado MCC [Longitudinality and comprehensive care of children under one year old: assessment of caretakers]. Medicina (Ribeirão Preto). 2013; 46(4):416-23. Portuguese.)

Em relação ao tempo de atendimento, grande parte dos profissionais acreditava oferecer tempo suficiente para conversar sobre problemas e preocupações acerca das crianças e adolescentes com HIV em seus serviços de saúde. Essa tendência está relacionada ao tempo adequado na consulta, à atenção disponibilizada, à comunicação eficaz e aos laços de confiança estabelecidos, sendo fortalecida por meio do comprometimento dos profissionais com a situação de saúde do indivíduo.(1717. Baratieri T, Mandu EN, Marcon SS. [Longitudinalidad en el trabajo del enfermero: relatos de la experiencia professional]. Rev Esc Enferm USP; 46(5):1260-7. Portuguese.) Nesse sentido, a preocupação dos profissionais em resolver os problemas em seu território possibilita o reconhecimento do serviço de saúde como a fonte habitual de atenção, o que favorece a continuidade e o atendimento individualizado.(2222. Arce VA, Sousa MF. [Practices of longitudinality in the Family Health strategy in Distrito Federal, Brazil]. Cad Saúde Coletiva. 2014; 22(1):62-8. Portuguese.)

Em geral, a ESF obteve melhor avaliação relacionada ao atributo longitudinalidade quando comparada à UBS. Essa diferença a favor da ESF também foi evidenciada em estudos no Estado do Rio Grande do Sul(2323. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncan BB. [Quality assessment of primary care by health professionals: a comparison of different types of services]. Cad. Saúde Pública. 2012; 28(9):1772-84. Portuguese.) e Paraná.(99. Chomatas E, Vigo A, Marty I, Hauser L, Harzheim E. [Evaluation of the presence and extension of the attributes of primary care in Curitiba]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):294-303. Portuguese.) Este resultado sugere que os profissionais destas equipes de ESF percebem maior vinculação dos usuários aos serviços, sendo capazes de reconhecer sua população adscrita.(99. Chomatas E, Vigo A, Marty I, Hauser L, Harzheim E. [Evaluation of the presence and extension of the attributes of primary care in Curitiba]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):294-303. Portuguese.) Entretanto, estudo aponta quanto à rotatividade dos profissionais atuantes na ESF de municípios do RS sendo prejudicial para o desempenho do atributo longitudinalidade e da efetividade das ações desenvolvidas. Frente a isso, há a necessidade de promover mudanças em relação aos vínculos trabalhistas, às condições de trabalho e à formação de trabalhadores, em vistas à constituição de vinculo às unidades de saúde para o desempenho da atenção à saúde contínua aos usuários.(2424. Arantes LJ, Shimizu HE, Merchán-Hamann E. [The benefits and challenges of the family health strategy in brazilian primary health care: a literature review]. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(5):1499-1509. Portuguese.)

O ineditismo da aplicação deste instrumento a essa população sugere a necessidade de avaliações similares que auxiliem no aprimoramento da atenção à saúde e de políticas públicas. Entretanto, salienta-se que a generalização dos dados deve ser feita com cautela, uma vez que o instrumento não é específico à população com HIV.

Conclusão

Conclui-se que os resultados da avaliação do atributo longitudinalidade da APS, na experiência dos profissionais, apontaram que os itens foram satisfatórios à atenção à criança e ao adolescente com HIV. O acompanhamento pelo mesmo profissional utilizando-se da continuidade informacional produz ações resolutivas, reduzindo a necessidade de utilização de atendimento especializado. Embora o atendimento longitudinal esteja na prática profissional, somente será possível se for prioridade da organização local da saúde, pois envolve, além de oferta adequada de saúde ao usuário, a fixação profissional no serviço de saúde. Cabe à equipe de profissionais e gestores atribuir prioridades na implementação de ações às necessidades de crianças e adolescentes com HIV. O serviço de APS e o especializado devem se articular, mantendo a APS como fonte de referência. Por fim, como implicações práticas, indica-se a necessidade da construção e validação de um instrumento específico para as crianças e adolescentes com HIV.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos Professores Doutores Luis Felipe Dias Lopes, pelo auxílio durante a etapa de análise dos dados, Maria Denise Schimith e Erno Harzheim, pelas contribuições que qualificaram a estrutura e o conteúdo científico deste estudo. Além disso, os autores agradecem às fontes de financiamento: Programa de Pesquisa para o SUS e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (PPSUS/FAPERGS-2013-2014): Número do Processo: 1217-2551/13-0; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - edital Universal (2013-2016): Número do Processo: 482554/2013-4; Produtividade em Pesquisa- PQ-2014. Número do Processo: 307350/2014-2.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    3 Nov 2016
  • Aceito
    27 Mar 2017
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