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O uso de analgesia farmacológica influencia no desfecho de parto?

Resumo

Objetivo:

Investigar associação entre analgesia farmacológica e desfechos do parto.

Métodos:

Estudo transversal que utilizou amostra representativa dos partos realizados em 2013, em uma maternidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Foram incluídos dados de 978 partos, excluindo-se as cesarianas eletivas. A exposição principal foi o uso de analgesia farmacológica durante o trabalho de parto e o desfecho classificado como parto vaginal, vaginal instrumentalizado e cesariana. Verificou-se a associação entre analgesia e os desfechos do parto por meio de regressão logística multinominal para obter as estimativas de Odds Ratio (OR) com seus respectivos intervalos de 95% de confiança, e o modelo final foi ajustado por idade da mulher, número de partos anteriores, presença de acompanhante ou doula e dilatação cervical no momento da analgesia.

Resultados:

Do total de nascimentos, 87,1% foram vaginais e 12,9% cesariana. A prevalência do uso de analgesia farmacológica foi 34,2% e do parto instrumentalizado de 8,4%. Cerca de 70% das mulheres tiveram gestação de risco habitual. Mesmo após ajuste por confundidores, o uso da analgesia aumentou em 3,5 vezes a chance de parto instrumentalizado (p<0,0001) e para as mulheres com gestação de alto risco esse aumento foi ainda superior (OR=4,62; p<0,0001). Não houve associação do uso da analgesia com a cesariana (p=0,320).

Conclusão:

O uso de analgesia farmacológica modifica o desfecho do parto, aumentando as chances de parto instrumentalizado, principalmente em mulheres com gravidez de alto risco. Nesse contexto considera-se importante orientar as mulheres quanto aos potenciais riscos e benefícios da analgesia para uma escolha segura.

Descritores
Dor do parto; Analgesia obstétrica; Trabalho de parto; Extração obstétrica

Abstract

Objective:

To investigate the association between pharmacological analgesia and childbirth outcomes.

Methods:

A cross-sectional study using a representative sample of childbirth performed in 2013, at a maternity hospital in Belo Horizonte, Minas Gerais. Data from 978 childbirths were included, excluding elective cesareans. The main exposure was the use of pharmacological analgesia during labor, with the outcome classified as vaginal, instrumental vaginal, or cesarean delivery. The association between analgesia and childbirth outcomes was assessed using multinomial logistic regression to obtain Odds Ratio (OR) estimates with their respective 95% confidence intervals. The final model was adjusted for the woman's age, number of previous births, presence of companion or doula, and cervical dilatation at the time of analgesia.

Results:

Among the total number of births, 87.1% were vaginal and 12.9% were cesarean. The prevalence of the use of pharmacological analgesia was 34.2%, and delivery with instrumentation was 8.4%. About 70% of the women had a normal risk pregnancy. Even after adjusting for confounding variables, the use of analgesia increased the chance of delivery with instrumentation by 3.5 times (p<0.0001); for women with high-risk pregnancies, this increase was even higher (OR=4.62; p<0.0001). There was no association between analgesia and cesarean section (p=0.320).

Conclusion:

The use of pharmacological analgesia modifies the outcome of childbirth, increasing the chances of delivery with instrumentation, especially in women with high-risk pregnancies. In this context, it is important to guide women about the potential risks and benefits of analgesia so they may make a safe choice.

Keywords
Labor pain; Analgesia; obstetrical; Labor; obstetric; Extraction; obstetrica

Introdução

A gestão da dor é um dos principais objetivos do cuidado durante o trabalho de parto, existindo duas abordagens para seu alívio: a farmacológica e a não farmacológica.(11. Committee on Practice Bulletins-Obstetrics. Practice Bulletin No. 177: Obstetric Analgesia and Anesthesia. Obstet Gynecol. 2017; 129(4):e73-e89.) A abordagem não farmacológica inclui grande variedade de técnicas que abrangem não só as sensações físicas da dor, mas também evitar o sofrimento, melhorando os componentes psicoemocionais e espirituais do cuidado. A abordagem farmacológica é direcionada a eliminar a sensação física da dor, incluindo diversas substâncias e técnicas.(11. Committee on Practice Bulletins-Obstetrics. Practice Bulletin No. 177: Obstetric Analgesia and Anesthesia. Obstet Gynecol. 2017; 129(4):e73-e89.,22. Simkin P Klein MC. Nonpharmacologic approaches to management of labor pain [Internet]. 2017 [cited 2017 Feb 13]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/nonpharmacologic-approaches-to-management-of-labor-pain
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) A analgesia neuroaxial, do tipo epidural é a mais discutida e presente nos estudos, devido sua grande eficácia para alívio da dor.(11. Committee on Practice Bulletins-Obstetrics. Practice Bulletin No. 177: Obstetric Analgesia and Anesthesia. Obstet Gynecol. 2017; 129(4):e73-e89.44. Jones L, Othman M, Dowswell T, Alfirevic Z, Gates S, Newburn M, et al. Pain management for women in labour: an overview of systematic reviews. Cochrane Database Syst Rev. 2012; 14(3):1-161.)

No Brasil, a oferta de métodos para alívio da dor durante o trabalho de parto, ainda é menos frequente que o desejado, mesmo que o direito da mulher de receber atenção que ofereça possibilidades de controle da dor tenha sido instituído por Portarias do Ministério da Saúde,(55. Leal MC, Pereira AP Domingues RM, Filha MM, Dias MA, Nakamura- Pereira M, et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saúde Pública. 2014; 30(Suppl1): S17-S32.) reforçado pela estratégia Rede Cegonha, em 2011,(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011 [citado 2017 Fev 23]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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) e pelas diretrizes do parto normal, em 2016.(77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes Nacionais De Assistência Ao Parto Normal: Relatório de Recomendação [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/2016/Relatorio_Diretriz-PartoNormal_CP.pdf.
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) A exemplo, em 2006, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde evidenciou que apenas 30,4% das mulheres brasileiras tiveram acesso a medidas não farmacológicas e farmacológicas para alívio da dor.(88. Brasil. Ministério da Saúde. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnds_crianca_mulher.pdf.
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) Mais recentemente, a pesquisa Nascer no Brasil indicou que 33,9% das mulheres com gravidez de risco habitual usaram analgesia epidural para o alívio da dor, mas restrito a um determinado perfil de mulheres: 35 anos ou mais, maior escolaridade e que tiveram o parto em instituição privada.(55. Leal MC, Pereira AP Domingues RM, Filha MM, Dias MA, Nakamura- Pereira M, et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saúde Pública. 2014; 30(Suppl1): S17-S32.)

A abordagem farmacológica para alívio da dor é uma prática que, cada vez mais, vem sendo estudada e utilizada no sentido de proporcionar que o trabalho de parto e o parto sejam experiências prazerosas para a mãe.(77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes Nacionais De Assistência Ao Parto Normal: Relatório de Recomendação [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/2016/Relatorio_Diretriz-PartoNormal_CP.pdf.
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) Assim, reconhece- se o direito da mulher à abordagem farmacológica, quando as medidas não farmacológicas forem insuficientes para confortá-la.(77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes Nacionais De Assistência Ao Parto Normal: Relatório de Recomendação [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/2016/Relatorio_Diretriz-PartoNormal_CP.pdf.
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,88. Brasil. Ministério da Saúde. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnds_crianca_mulher.pdf.
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) Ressalta-se a existência de controvérsias quanto ao seu uso e impacto causado no progresso do trabalho de parto e seus desfechos.(99. Hasegawa J, Farina A, Turchi G, Hasegawa Y, Zanello M, Baroncini S. Effects of epidural analgesia on labor length, instrumental delivery, and neonatal short-term outcome. J Anesth. 2013; 27(1):43-7.) Ao comparar a analgesia epidural com formas alternativas de alívio da dor ou nenhum alívio, uma revisão sistemática com 38 ensaios clínicos randomizados e uma população de 9.658 mulheres demonstrou associação dessa analgesia com consequências obstétricas adversas, dentre elas prolongamento do segundo período do trabalho de parto, aumento do uso de ocitócito e maior chance de parto vaginal instrumentalizado.(33. Anim-Somuah M, Smyth R, Jones L. Epidural versus non-epidural or no analgesia in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2011; 7(12):1-87.)

Entende-se como parto vaginal instrumentalizado aquele que utiliza fórceps ou vácuo extrator para auxiliar no período expulsivo.(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.) Pode ser indicado por condições fetais ou maternas durante o segundo estágio do trabalho de parto. (1111. Nikpoor P, Bain E. Analgesia for forceps delivery. Cochrane Database Syst Rev. 2013; 30(9):1-35.) É um importante recurso para minimizar riscos, como nos casos de sofrimento fetal, podendo impedir danos irrecuperáveis ou até a morte fetal.(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.) Em contrapartida, tem sido associado ao maior risco de morbidades e mortalidade fetal, além de morbidades maternas.(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.,1212. Memon HU, Blomquist JL, Dietz HP, Pierce CB, Weinstein MM, Handa VL. Comparison of levator ani muscle avulsion injury after forceps and vacuum-assisted vaginal childbirth. Obstet Gynecol. 2015; 125(5):1080-7.,1313. Matsumoto N, Takenaka T, Ikeda N, Yazaki S, Sato Y Forceps delivery and association between morbidity and the number of forceps traction applications: a retrospective study. J Pregnancy. 2015; 2015:483195. doi: 10.1155/2015/483195.
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) Dentre as morbidades maternas cita-se laceração do esfíncter anal e do canal de parto e deslocamento dos músculos do assoalho pélvico para fora do osso púbico.(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.,1212. Memon HU, Blomquist JL, Dietz HP, Pierce CB, Weinstein MM, Handa VL. Comparison of levator ani muscle avulsion injury after forceps and vacuum-assisted vaginal childbirth. Obstet Gynecol. 2015; 125(5):1080-7.,1313. Matsumoto N, Takenaka T, Ikeda N, Yazaki S, Sato Y Forceps delivery and association between morbidity and the number of forceps traction applications: a retrospective study. J Pregnancy. 2015; 2015:483195. doi: 10.1155/2015/483195.
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) Já entre as morbidades neonatais, destacam-se lesões faciais, céfalo-hematomas, hemorragia intracraniana, lesões oculares e fratura dos ossos do crânio.(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.)

Apesar das possíveis condições adversas do uso da analgesia, esta oferece benefícios evidentes, principalmente maior possibilidade de alívio efetivo da dor, menor tempo para percepção do seu efeito, e diminuição da necessidade de nova dose de medicamentos.(33. Anim-Somuah M, Smyth R, Jones L. Epidural versus non-epidural or no analgesia in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2011; 7(12):1-87.,77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes Nacionais De Assistência Ao Parto Normal: Relatório de Recomendação [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/2016/Relatorio_Diretriz-PartoNormal_CP.pdf.
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) Considerando os benefícios e potenciais riscos da analgesia farmacológica, seu uso relativamente frequente e a grande demanda das parturientes por esta tecnologia, torna-se necessário elucidar a relação causa-efeito da analgesia. Dessa forma, indaga-se: a utilização de analgesia modifica o desfecho do parto e há real associação entre analgesia e parto vaginal instrumentalizado? Assim, buscou-se investigar a associação entre analgesia farmacológica e os desfechos do parto. Acredita-se que o estudo tem potencial para subsidiar as discussões sobre o uso de métodos farmacológicos no alívio da dor no trabalho de parto e seus potenciais riscos.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal com amostra aleatória e representativa de todos os partos realizados em 2013, em uma maternidade filantrópica, com atendimento exclusivo pelo Sistema Único de Saúde no município de Belo Horizonte, Minas Gerais. É referência no país em humanização da assistência e assiste, aproximadamente, 920 partos por mês e a taxa de analgesia farmacológica é 30%.(1414. Hospital Sofia Feldman. Indicadores hospitalares [Internet]. 2013 [citado 2017 Fev 27]. Disponível em: http://www.sofiafeldman.org.br/indicadores-hospitalares.
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)

O cálculo amostral considerou nível de confiança de 95%, poder de 80%, erro de 2%, totalizando amostra mínima de 918 partos. Considerando a possibilidade de perdas de 30%, chegou-se a um n amostral de 1200 partos que foram coletados a partir de sorteios aleatórios mensais, contemplando os plantões diurnos e noturnos, pares e ímpares, em todos os meses do ano de 2013, utilizando o software Open epi (http://www.openepi.com). Foram sorteados 100 números aleatórios para cada mês do ano de 2013, sendo 50 para cada turno, incluiu-se os partos de gestação única, a termo, com apresentação cefálica e feto vivo, e excluiu-se as cesáreas eletivas, gestações múltiplas, prematuridade, apresentações anômalas e feto morto.

Para coleta dos dados utilizou-se formulário estruturado que continha 27 perguntas objetivas sobre as variáveis de interesse do estudo, que foram preenchidas com dados extraídos do prontuário, mediante consulta na folha de evolução clínica, folha de registro de analgesia, partograma e a folha do Centro Latino Americano de Perinatologia (CLAP) neonatal. A coleta ocorreu entre os meses de fevereiro de 2013 a maio de 2015 e, ao final, foram incluídos no estudo 978 partos. A perda de 222 partos refere-se a prontuários não encontrados (41,4%), ao não cumprimento dos critérios de inclusão (39,6%) e aos registros inadequados dos livros de registros (18,9%), impossibilitando o acesso aos prontuários ou levando a prontuários não selecionados.

O uso de analgesia farmacológica durante o trabalho de parto foi definido como exposição principal deste estudo. Considerou-se analgesia farmacológica, a supressão da dor obtida por meio de fármacos,(11. Committee on Practice Bulletins-Obstetrics. Practice Bulletin No. 177: Obstetric Analgesia and Anesthesia. Obstet Gynecol. 2017; 129(4):e73-e89.) sendo categorizada em sim e não. O desfecho principal foi parto vaginal instrumentalizado, com uso de extrator a vácuo ou fórceps obstétrico.(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.) Essa variável foi categorizada em parto vaginal, parto vaginal instrumentalizado com fórceps ou com vácuo, e cesariana. As covariáveis estudadas foram idade (13-19; 20-29; 30 ou mais); escolaridade (zero a oito; nove a onze; doze ou mais); número de partos anteriores (nenhum; um ou mais); classificação do risco gestacional (habitual; alto risco); número de consultas de pré-natal (zero a cinco; seis ou mais); duração do trabalho de parto (horas); presença de acompanhante e/ ou doula (sim; não); uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor (sim; não); intervenções obstétricas antes e após analgesia (sim; não) e dilatação cervical ao receber analgesia (em cm).

O risco gestacional foi definido segundo parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde, pela presença de apenas um fator de risco, a seguir: doenças neurológicas, restrição de crescimento intrauterino, polidrâminio ou oligodrâminio, distúrbios hipertensivos da gestação, infecção por HIV, infecção por Sífilis, infecções urinárias de repetição, idade gestacional a partir de 41 semanas, anemia grave, pneumopatias graves, diabetes, endocrinopatias, toxoplasmose na gestação e hepatite B.(1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 [citado 2017 Fev 27]. [High concentrations of local anesthetics for labour analgesia on obstetric and anesthetic outcomes: a meta-analysis]. Can J Anesth. 2013; 60(9):840-54.)

A duração do trabalho de parto foi computada a partir das anotações dos partogramas, documento gráfico em que é registrado o desenvolvimento do trabalho de parto e as condições maternas e fetais. (1616. Brasil. Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Resolução Normativa - RN n° 368, de 6 de janeiro de 2015. Dispõe sobre o direito de acesso à informação das beneficiárias aos percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais, por operadora, por estabelecimento de saúde e por médico e sobre a utilização do partograma, do cartão da gestante e da carta de informação à gestante no âmbito da saúde suplementar [Internet]. Brasília (DF): ANS; 2015 [citado Fev 27]. legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=Mjg5Mg.
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) As intervenções obstétricas foram analisadas antes e após analgesia, sendo: uso de prostaglandina, ruptura artificial de membranas e uso de ocitócito.

Inicialmente, realizou-se o cálculo de frequências absolutas e relativas, média e desvio-padrão. As diferenças estatísticas foram avaliadas, por meio dos testes qui-quadrado de Pearson e t-student para comparação de médias com nível de significância de 5%. Em seguida, investigou-se a associação entre analgesia e parto vaginal instrumentalizado, por meio de regressão logística multinominal, obtendo-se a OR não ajustada e intervalos de 95% de confiança (IC 95%). Realizou-se a mesma análise em gestações de risco habitual e de alto risco, separadamente. Depois, repetiu- se a análise com a introdução de possíveis confundidores e OR foi ajustada por idade da mulher, número de partos anteriores, presença de acompanhante e/ou doula e dilatação cervical no momento da analgesia. Utilizou-se o programa estatístico STATA versão 14.0 (Stata Corp., College Station, TX, USA).

Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais (CONEP/ UFMG), Parecer 898.375, e pelo Comitê de Ética do Hospital Sofia Feldman/Fundação de Assistência Integral à Saúde Parecer n° 943.689.

Resultados

A amostra estudada (n=978) possui média de idade ± DP de 24,4 (± 6,4) anos. A idade mínima foi 13 anos e a máxima, 45, sendo 20-29 a faixa etária mais frequente (50,6%), seguida de 13-19 (27,0%). A maioria das mulheres apresentou nove ou mais anos de estudos (63,4%), eram primíparas (53,7%), com idade gestacional de 37-40 semanas (84,9%), realizaram mais de cinco consultas pré-natal (78,8%). Cerca de 70% tiveram gestação de risco habitual, e 34,2% recebeu analgesia (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e da gestação, segundo uso da analgesia, das mulheres estudadas* * Excluídos casos com informação ignorada;

Houve associação significativa entre o número de partos anteriores e o uso de analgesia (p<0,0001), sendo essa prática mais frequente entre nulíparas. Observou-se também maior uso de analgesia entre as mais escolarizadas, porém sem significância estatística. Constatou-se que a maioria das mulheres teve a presença de acompanhante na sala de parto e foi utilizado algum método não farmacológico para alívio da dor (97,8% e 89,7%, respectivamente). A média ± DP de duração do trabalho de parto foi 5,5 (± 3,3) horas, sendo zero, o tempo mínimo, e 19 horas, o máximo. As mulheres que receberam analgesia tiveram maior duração do trabalho de parto do que as que não receberam (p < 0,0001) (Tabela 1).

O método de analgesia mais utilizado foi a epidural (98,1%, n=317) e as demais, bloqueio combinado. As mulheres receberam analgesia com uma média de 7,3 (±1,3) cm de dilatação cervical, sendo a dilatação mínima, três cm, e máxima, dez cm (dados não mostrados).

Em relação às intervenções realizadas antes e após analgesia, aferidas para aquelas que receberam analgesia, 56,9% tiveram alguma intervenção antes de receber e 41,4% após receberem. O uso de ocitócito foi o mais frequente; seguido da ruptura artificial de membranas. A maioria das mulheres sofreu apenas uma intervenção (Tabela 2). Ao comparar as mulheres que receberam intervenções antes e depois, observou-se que a ruptura artificial de membranas foi mais frequente e também houve maior número de intervenções antes da analgesia (p<0,05) (dados não mostrados).

Tabela 2
Caracterização do tipo e número de intervenções obstétricas utilizadas antes e após a analgesia

Do total de nascimentos (n=978), 87,1% foram vaginais (n=850) e 12,9% cesariana (n=128). Dentre os vaginais, a ocorrência do uso de fórceps ou vácuo foi de 8,4% (n=71), sendo que destes, 64,8% (n=46) receberam analgesia (dados não mostrados). A associação entre o uso de analgesia e os desfechos do parto mostrou que mulheres que receberam analgesia tiveram quase quatro vezes a chance de ter um parto com auxílio de fórceps ou vácuo, comparado àquelas que não receberam (p<0,0001), mesmo após ajustes por idade, número de partos anteriores, presença de acompanhante e/ou doula e dilatação cervical no momento da analgesia. Dentre as mulheres que vivenciaram uma gestação de alto risco, aquelas que fizeram uso de analgesia tiveram quase cinco vezes a chance de ter um parto vaginal instrumentalizado (p<0,0001), mesmo após ajustes. As mulheres cujas gestações eram de risco habitual também apresentaram maior chance de ter um parto com instrumentos quando utilizaram a analgesia. Não foi observada relação entre o uso de analgesia e cesariana (p=0,320) (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão multinomial da associação entre analgesia farmacológica e desfechos do parto das mulheres estudadas

Os prontuários que possuíam o registro do motivo da utilização do fórceps ou vácuo (n=71), 72,3% (n=34), justificaram seu uso devido ao estado fetal não tranquilizador, 19,2% (n=9) pelo período expulsivo prolongado, 6,4% (n=3) parada de progressão e 2,1% (n=1) exaustão materna (dados não mostrados).

Discussão

O estudo mostrou que o uso de analgesia farmacológica durante o trabalho de parto está positivamente associado ao parto vaginal instrumentalizado, com auxílio de fórceps ou vácuo extrator, sendo essa relação ainda maior entre aquelas com gestação de alto risco, independente da idade da mulher, do número de partos anteriores, da presença de acompanhante ou doula e da dilatação cervical no momento da analgesia. Observou-se que mulheres que receberam analgesia tiveram maior duração do trabalho de parto. Não foi observada relação do uso de analgesia com cesariana.

Os achados corroboram aqueles encontrados em revisão sistemática prévia, confirmando que o uso de analgesia esteve associado com a ocorrência de parto vaginal instrumentalizado, mas não com a cesariana.(33. Anim-Somuah M, Smyth R, Jones L. Epidural versus non-epidural or no analgesia in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2011; 7(12):1-87.) No entanto, ainda em relação à cesariana, há resultados que diferem daqueles encontrados pela presente pesquisa, como coorte envolvendo 210.708 mulheres australianas, que mostrou a analgesia epidural associada a um risco aumentado de cesariana (RR=2,5, IC 95%: 2,5-2,6).(1717. Bannister-Tyrrell M, Ford JB, Morris JM, Roberts CL. Epidural analgesia in labour and risk of caesarean delivery. Paediatr Perinat Epidemiol. 2014; 28(5):400-11.) Sabe-se que a relação entre a analgesia e a cesariana ainda é controversa e não totalmente estabelecida. Cabe ressaltar que a prevalência de cesariana na amostra estudada foi relativamente baixa, em comparação aos resultados nacionais,(1818. Esteves-Pereira AP, Deneux-Tharaux C, Nakamura-Pereira M, Saucedo M, Bouvier-Colle MH, Leal MC. Caesarean delivery and postpartum maternal m ortality: a population-based case control study in Brazil. PLoS One. 2016; 11(4): e0153396.) em decorrência dos critérios de inclusão e do próprio modelo assistencial da instituição que fomenta o parto vaginal.

A maior duração do trabalho de parto observado entre as mulheres que receberam analgesia comparado àquelas que não receberam não é consenso na literatura e essa relação específica tem resultados inconsistentes.(33. Anim-Somuah M, Smyth R, Jones L. Epidural versus non-epidural or no analgesia in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2011; 7(12):1-87.,1919. Mousa WF, Al-Metwalli R, Mostafa M. Epidural analgesia during labor versus no analgesia: a comparative study. Saudi J Anaesth. 2012; 6(1):36-40.) Uma possível explicação biológica para associação encontrada é o efeito da analgesia epidural na função motora, relaxando a musculatura do assoalho pélvico e, causando bloqueio motor, o que leva a uma diminuição do puxo materno efetivo e do reflexo involuntário.(55. Leal MC, Pereira AP Domingues RM, Filha MM, Dias MA, Nakamura- Pereira M, et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saúde Pública. 2014; 30(Suppl1): S17-S32.,1919. Mousa WF, Al-Metwalli R, Mostafa M. Epidural analgesia during labor versus no analgesia: a comparative study. Saudi J Anaesth. 2012; 6(1):36-40.) Essa depressão motora já foi questionada como mínima, dependendo da diluição utilizada.(1919. Mousa WF, Al-Metwalli R, Mostafa M. Epidural analgesia during labor versus no analgesia: a comparative study. Saudi J Anaesth. 2012; 6(1):36-40.,2020. Sultan P, Murphy C, Halpern S, Carvalho B. The effect of low concentrations versus high concentrations of local anesthetics for labour analgesia on obstetric and anesthetic outcomes: a metaanalysis. Can J Anesth. 2013; 60(9):840-54.) Outra explicação pode ser decorrente do fato da maioria das gestantes serem primíparas, cujo trabalho de parto geralmente é mais prolongado.(2121. Hildingsson I, Blix E, Hegaard H, Huitfeldt A, Ingversen K, Ólafsdóttír ÓÁ, et al. How long is a normal labor? contemporary patterns of labor and birth in a low-risk sample of 1,612 women from four nordic countries. Birth. 2015; 42(4):346-53.) Esse achado aponta a necessidade de ampliar estudos para melhor avaliar essa associação, bem como informar as mulheres sobre esta possibilidade ao utilizar a analgesia farmacológica.

A presença de algum acompanhante para quase a totalidade das mulheres estudadas é positiva e indica que a “Lei do Acompanhante” é respeitada na instituição, o que pode contribuir para redução de partos vaginais instrumentalizados, ao ofertar para a mulher apoio contínuo. Este, durante o trabalho de parto tem sido relacionado com a menor probabilidade de parto vaginal instrumentalizado,(2222. Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev. 2012; 10:CD003766.) além de reduzir a duração do trabalho de parto e aumentar a satisfação com a experiência. No presente estudo, não se observou essa relação, mas a ocorrência de parto instrumental foi relativamente baixa.

Considerando-se a possibilidade de vários fatores influenciarem o desfecho do estudo, verificou-se que esta associação positiva entre analgesia farmacológica e parto vaginal instrumentalizado, foi encontrada tanto em gestações de alto risco quanto em gestações de risco habitual, uma vez que as gestações de alto risco podem sugerir outros motivos adicionais para levar a necessidade de uso de instrumentos. Assim, independente do risco gestacional, a associação entre o uso de analgesia e a ocorrência de parto instrumental foi observada, apesar das mulheres consideradas com gestação de risco terem apresentado maior chance de uso de instrumentos no parto.

A importância desse achado se dá, considerando que o parto vaginal instrumentalizado é uma intervenção que pode ser associada às morbidades materna e neonatal,(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.,1212. Memon HU, Blomquist JL, Dietz HP, Pierce CB, Weinstein MM, Handa VL. Comparison of levator ani muscle avulsion injury after forceps and vacuum-assisted vaginal childbirth. Obstet Gynecol. 2015; 125(5):1080-7.,1313. Matsumoto N, Takenaka T, Ikeda N, Yazaki S, Sato Y Forceps delivery and association between morbidity and the number of forceps traction applications: a retrospective study. J Pregnancy. 2015; 2015:483195. doi: 10.1155/2015/483195.
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) tais como lesões no assoalho pélvico e incontinência fecal e urinária na mãe,(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.,1212. Memon HU, Blomquist JL, Dietz HP, Pierce CB, Weinstein MM, Handa VL. Comparison of levator ani muscle avulsion injury after forceps and vacuum-assisted vaginal childbirth. Obstet Gynecol. 2015; 125(5):1080-7.) além de distócia de ombro e paralisia do nervo facial no neonato.(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.,1313. Matsumoto N, Takenaka T, Ikeda N, Yazaki S, Sato Y Forceps delivery and association between morbidity and the number of forceps traction applications: a retrospective study. J Pregnancy. 2015; 2015:483195. doi: 10.1155/2015/483195.
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) Destaca-se, aqui, a importância destes instrumentos serem manuseados apenas por profissionais qualificados, uma vez que isso diminui as chances de ocorrerem lesões.(1010. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative Vaginal Delivery. Obstet Gynecol. 2015; 126(5): e56-e65.,1313. Matsumoto N, Takenaka T, Ikeda N, Yazaki S, Sato Y Forceps delivery and association between morbidity and the number of forceps traction applications: a retrospective study. J Pregnancy. 2015; 2015:483195. doi: 10.1155/2015/483195.
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)

Deve-se considerar o uso de estratégias não farmacológicas para alívio da dor, como banho de aspersão, banho de imersão, massagem e bola de nascimento, muito presentes na instituição de estudo, antes da aplicação da analgesia. No entanto, o acesso à analgesia farmacológica também é direito e reivindicação das mulheres, devendo estar ao seu alcance quando solicitado durante o trabalho de parto, após findos os métodos não farmacológicos, conforme preconizado pela nova Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal.(77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes Nacionais De Assistência Ao Parto Normal: Relatório de Recomendação [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/2016/Relatorio_Diretriz-PartoNormal_CP.pdf.
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) Ainda, o uso de analgesia farmacológica deve seguir protocolos clínicos baseados em evidências científicas atualizadas, principalmente no que diz respeito às dosagens, pois já foi demonstrado que doses menos concentradas não ocasionam o bloqueio motor, o que permite que a parturiente continue participando ativamente do trabalho de parto.(33. Anim-Somuah M, Smyth R, Jones L. Epidural versus non-epidural or no analgesia in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2011; 7(12):1-87.,77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes Nacionais De Assistência Ao Parto Normal: Relatório de Recomendação [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/2016/Relatorio_Diretriz-PartoNormal_CP.pdf.
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,1919. Mousa WF, Al-Metwalli R, Mostafa M. Epidural analgesia during labor versus no analgesia: a comparative study. Saudi J Anaesth. 2012; 6(1):36-40.)

Na instituição estudada o parto instrumentalizado pode ser considerado evento raro (8,4%), apontando que práticas humanizadas contribuem para melhores desfechos do parto, mesmo que o uso de analgesia possa aumentar a chance de parto instrumentalizado. Ademais, é imprescindível que todas as mulheres sejam informadas dos riscos e benefícios do uso da analgesia farmacológica, incluindo o seu uso recorrente, para que cada vez mais estejam seguras e tornem-se protagonistas do seu processo de parir e das decisões envolvidas nele.(55. Leal MC, Pereira AP Domingues RM, Filha MM, Dias MA, Nakamura- Pereira M, et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saúde Pública. 2014; 30(Suppl1): S17-S32.,1919. Mousa WF, Al-Metwalli R, Mostafa M. Epidural analgesia during labor versus no analgesia: a comparative study. Saudi J Anaesth. 2012; 6(1):36-40.)

Ressalta-se que algumas práticas que possivelmente podem influenciar na incidência de partos vaginais instrumentalizados não foram analisadas neste estudo, devido às suas limitações. Dentre elas, tem-se a posição materna durante o trabalho de parto, informação ausente em mais de um terço dos prontuários, e as dosagens de analgesia utilizadas, sem registro nos prontuários. A falta de dados e o preenchimento inadequado dos livros de registros de partos impossibilitaram a utilização dessas variáveis.

Reitera-se que os registros incompletos ou ausentes foram um importante empecilho para identificar a duração de cada fase do trabalho de parto, avaliar sua progressão pelo partograma e impossibilitou análise das dosagens e soluções utilizadas. Outro aspecto a ser observado em relação ao partograma e que pode se constituir em possível limitação de nossa análise são os registros nesse instrumento que, às vezes, podem iniciar-se com o trabalho de parto já avançado, ocasionando uma subestimação desse tempo. Ressalta-se que os resultados foram ajustados por importantes fatores de confusão que, somado a possibilidade de comparar o uso com o não uso de analgesia farmacológica, reforça a relevância desse estudo ao evidenciar os possíveis desfechos do trabalho de parto.

Conclusão

O uso de analgesia farmacológica modifica o desfecho do parto, aumentando as chances de parto instrumentalizado e podendo elevar a duração do trabalho de parto, principalmente em mulheres com gravidez de alto risco. Acredita-se que esses resultados podem contribuir para o cuidado da enfermeira à gestante no pré-natal e na maternidade, não no sentido de desestimular a utilização dos métodos farmacológicos para alívio da dor, já que o seu uso é um direito e muitas vezes necessário e fundamental para que a mulher consiga prosseguir no trabalho de parto. Mas, no sentido de discutir previamente quanto ao significado da dor no trabalho de parto e orientá-las quanto aos potenciais riscos e benefícios da analgesia, para que a escolha de sua utilização seja feita pelas parturientes. Finalmente, cabe ressaltar que o uso racional das tecnologias é fundamental para se evitar as iatrogenias do processo de nascimento e a desvalorização de cuidados efetivos, mas de menor densidade tecnológica.

Agradecimentos

Agradecemos o Hospital Sofia Feldman pela concordância com estudo e disponibilização dos dados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2017
  • Aceito
    11 Out 2017
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