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Adesão de portadores de doença renal crônica em hemodiálise ao tratamento estabelecido

Adhesión de enfermos de insuficiencia renal crónica al tratamiento establecido

Resumo

Objetivo:

Identificar o comportamento de adesão do paciente renal crônico ao regime terapêutico nas suas quatro dimensões: hemodiálise uso de medicamentos, dieta e restrição hídrica.

Métodos:

Estudo descritivo, transversal com abordagem quantitativa, desenvolvido em dois centros de hemodiálise no Estado do Rio de Janeiro. Para coleta de dados, foi utilizado um questionário de avaliação sobre a adesão do portador de doença renal crônica em hemodiálise. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva simples.

Resultados:

O domínio que apresentou maior percentual de pacientes não aderentes foi a hemodiálise, com 32%. Já a medicação foi o domínio com maior percentual de pacientes aderentes, 93,6%.

Conclusão:

A adesão à terapêutica é um comportamento dinâmico e, como tal, merece monitorização constante.

Descritores
Cooperação do paciente; Adesão à medicação; Insuficiência renal crônica; Diálise renal

Resumen

Objetivo:

Identificar el comportamiento de adhesión del paciente renal crónico al régimen terapéutico en sus cuatro dimensiones: hemodiálisis, uso de medicamentos, dieta y restricción hídrica.

Métodos:

Estudio descriptivo, transversal, con abordaje cualitativo, desarrollado en dos centros de hemodiálisis del Estado de Río de Janeiro. Datos recolectados mediante cuestionario de evaluación sobre la adhesión del enfermo de insuficiencia renal crónica en hemodiálisis. Estos datos fueron analizados por estadística descriptiva simple.

Resultados:

El dominio que presentó mayor porcentaje de pacientes no adherentes fue la hemodiálisis, con 32%. La medicación fue el dominio con mayor porcentaje de pacientes adherentes, con 93,6%.

Conclusión:

La adhesión a la terapéutica es un comportamiento dinámico. Siendo esa su condición, merece recibir monitoreo constante.

Descriptores
Cooperación del paciente; Cumplimiento de la medicación; Insuficiencia renal crônica; Diálisis renal

Abstract

Objective:

Identify the adherence behavior of chronic kidney patients to the four dimensions of the therapeutic regimen: hemodialysis, medication use, diet and fluid restriction.

Methods:

Descriptive and cross-sectional study with a quantitative approach, developed at two hemodialysis centers in the State of Rio de Janeiro. To collect the data, an evaluation questionnaire was used on the adherence of the chronic kidney patient on hemodialysis. The data were analyzed through simple descriptive statistics.

Results:

The domain with the highest percentage of non-adherent patients was hemodialysis with 32%. Medication was the domain with the highest percentage of adherent patients, 93.6%.

Conclusion:

Treatment adherence is a dynamics behavior and, therefore, needs constant monitoring.

Keywords
Patient compliance; Medication adherence; Renal insufficiency, chronic; Renal dialysis

Introdução

A doença renal crônica (DRC) apresenta diversos impactos sobre a vida do indivíduo doente e de seus familiares. O caráter irreversível da patologia exige destes uma transformação em suas rotinas para que possam adequar-se e, além disso, aderir ao novo tratamento instituído.(11. Bezerra KV, Santos JL. O cotidiano de pessoas com insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico. Rev Lat Am Enfermagem. 2008;16(4):1-6.) A perda progressiva da função renal confere vários estágios à doença, que vão desde o estágio um, caracterizado pela lesão renal inicial sem qualquer sintomatologia, ao estágio cinco, em que se faz necessária a utilização de uma Terapia Renal Substitutiva (TRS).

O tratamento da DRC, estágio cinco, se dá através de um complexo regime terapêutico, que inclui a realização da hemodiálise, de um rigoroso regime medicamentoso, dietético e de controle de líquidos. Estes quatro aspectos do tratamento são indissociáveis e configuram os pilares da terapia, influenciando diretamente nas taxas de morbidade/mortalidade. A não adesão a uma destas variáveis implicará negativamente na qualidade de vida do doente e nos custos da saúde.(22. Kim Y, Evangelista LS, Philips LR, Pavlish C, Kopple JD. The end-stage renal disease adherence questionnaire (ESRD-AQ): testing the psychometric properties in patients receiving In-center hemodialysis. Nephrol Nurs J. 2010; 37(4):777-93.)

De acordo com o censo 2015, realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a prevalência e a incidência da DRC são 544 e 180 por milhão de habitantes, respectivamente. Há, no Brasil, 726 centros de TRS, nos quais estima-se que haja aproximadamente 111.303 pacientes em TRS, com 84% deles financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Deste total, 92, 8% são submetidos à hemodiálise (HD).(33. Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) [Internet]. Censo de diálise SBN; 2015 [Internet]. [citado 2017 Set 1]. Disponível em: http://www.sbn.org.br/leigos/index.php?censo
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)

Dentro do espectro de atenção à saúde na alta complexidade, ou seja, para os pacientes que já fazem hemodiálise, os objetivos da política de atenção ao paciente renal são aumentar a sobrevida do paciente, reduzir a morbidade, melhorar a qualidade de vida e garantir o acesso ao tratamento, sua continuidade, bem como a possibilidade de realização de um transplante renal.(44. Brasil. Ministério da Saúde (Brasil). Portaria n° 389, de 13 de março de 2014. Define os critérios para a organização da linha de cuidado da Pessoa com Doença Renal Crônica (DRC) e institui incentivo financeiro de custeio destinado ao cuidado ambulatorial pré-dialítico [Internet]. [citado 2015 Fev 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0389_13_03_2014.html
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) Para alcance destes objetivos, assegurar a adesão do paciente ao tratamento é questão fundamental.

De acordo com a National Kidney Foundation, a dose ideal de hemodiálise já encontra-se estabelecida mantendo uma taxa de depuração de ureia, Kt/V, maior que 1,2 com uma frequência de três vezes por semana e duração de quatro horas cada sessão.(55. National Kidney Foundation (NKF) [internet]. Updates clinical practice guidelines and recommendations. EUA: NKF; 2006 [cited 2015 Jun 12]. Available from: https://kidnei.org
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) Assim, para alcançar redução da taxa de mortalidade é necessário focar as pesquisas em outras áreas, inclusive na adesão do paciente ao regime terapêutico proposto.

Portanto, a presente pesquisa busca identificar o comportamento de adesão do paciente renal crônico ao regime terapêutico.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo, transversal com abordagem quantitativa, desenvolvido em dois centros de hemodiálise localizados, respectivamente, nas cidades de Itaboraí e Niterói, ambas no estado do Rio de Jaeneiro.

O estudo foi registrado na Plataforma Brasil sob o número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 27160314.8.0000.5238 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CEP-Escola de Enfermagem Anna Nery) com protocolo nº 567.434. Todos os participantes incluídos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com base na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.(66. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº. 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União. 2013 Jun 13; Seção 1.)

Os participantes do estudo foram os pacientes sob hemodiálise nos centros descritos. Foram critérios de inclusão: estar em hemodiálise (HD) a mais de três meses; fazer HD três vezes por semana com duração de três a quatro horas; ser maior de dezoito anos; apresentar independência para realizar atividades da vida diária; apresentar capacidade de leitura e não possuir déficit cognitivo. Os três últimos critérios de inclusão foram referidos pela enfermeira chefe das unidades, que já acompanhava e possuía conhecimento prévio dos participantes. A amostra desses participantes foi do tipo não probabilística, por conveniência.

Os dois centros de diálise, em conjunto, possuíam aproximadamente 300 pacientes. No entanto, apenas 109 atendiam aos critérios de inclusão da pesquisa. Destes, foram abordados 78 pacientes, no período de setembro de 2014 a fevereiro de 2015. Os participantes recebiam e respondiam ao Questionário de avaliação sobre a adesão do portador de doença renal crônica em hemodiálise (QADRC-HD), instrumento validado e adaptado culturalmente para uso no Brasil.(77. Lins SM, Leite JL, Godoy S, Fuly PS, Araújo ST, Silva IR. Validação do questionário de adesão do paciente renal crônico brasileiro em hemodiálise. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):558-65.)

Por sua vez, os marcadores biológicos foram coletados do prontuário eletrônico de cada paciente. Destaca-se que as duas clínicas utilizam o mesmo sistema de dados, no qual as informações de cada sessão de HD, bem como os resultados de exames e as evoluções de enfermagem ficam armazenados. Estes dados são utilizados como critérios objetivos na determinação do comportamento de adesão/não adesão ao tratamento em associação com os dados subjetivos provenientes do instrumento aplicado.

O QA-DRC-HD possui quarenta e seis questões divididas em cinco sessões. A primeira refere-se às informações gerais sobre o paciente e a TRS. A segunda diz respeito à hemodiálise, a terceira trata da medicação, a quarta aborda as restrições hídricas e, por último, são apresentados questionamentos sobre as recomendações dietéticas. As respostas contidas no instrumento utilizam uma combinação da escala Likert, múltipla escolha, bem como respostas no formato sim/não.(77. Lins SM, Leite JL, Godoy S, Fuly PS, Araújo ST, Silva IR. Validação do questionário de adesão do paciente renal crônico brasileiro em hemodiálise. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):558-65.)

A adesão propriamente dita é avaliada em seis das quarenta e seis questões, nas quais os pacientes recebem uma pontuação de acordo com a resposta apresentada. Os mais aderentes conquistam mais pontos, ao contrário dos menos aderentes. São três questões para o domínio HD, cuja pontuação somada varia de 0 a 600 pontos. A adesão aos demais domínios (medicação, ingesta hídrica e dieta) é avaliada por uma questão para cada domínio e a pontuação das mesmas varia de 0 a 200 pontos.(77. Lins SM, Leite JL, Godoy S, Fuly PS, Araújo ST, Silva IR. Validação do questionário de adesão do paciente renal crônico brasileiro em hemodiálise. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):558-65.)

Oito questões retratam a percepção e o conhecimento do paciente sobre o tratamento, também são abordadas as ações educativas às quais os pacientes foram expostos por parte dos profissionais de saúde que os acompanha e tem-se, ainda, questionamentos sobre as causas relacionadas a não adesão. Deste modo, é possível detalhar o universo do indivíduo aprofundando o conhecimento sobre as causas relacionadas a determinados comportamentos.

Os dados subjetivos são correlacionados a critérios objetivos na determinação do comportamento aderente/não aderente. Estes critérios são:(66. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº. 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União. 2013 Jun 13; Seção 1.) faltar a mais de uma sessão e/ou encurtar acima de dez minutos mais de uma sessão de HD (para não adesão à HD); possuír um fósforo maior que 7.5mg/dl (para não adesão à medicação e a dieta); GPID maior que 5,7% do peso seco (para não adesão à ingesta hídrica) e um potássio maior que 6 mmol/l (para não adesão à dieta).

Os dados foram inseridos num banco de dados do programa Excel® e analisados por meio de estatística descritiva simples.

Resultados

Responderam ao questionário 78 pacientes. A média de idade foi de 51,10 anos, variando de 22,72 a 84,25 anos. Do total, 38,5% (30) eram mulheres e 61,5% (48) eram homens. Já em relação ao tempo de hemodiálise, a média foi 86,11 meses, variando de 3,32 a 409,9 meses. Verificou-se que 93,6% (73) dos participantes jamais realizaram diálise peritoneal (DP).

O questionário apresenta oito perguntas direcionadas para a atuação do profissional de saúde voltada à educação e estímulo ao paciente para adesão. O padrão das perguntas se repete, mudando apenas o domínio ao qual se dirigem (HD, medicações, ingestão hídrica e dieta). Tanto em relação ao domínio HD (26,9% dos pacientes), quanto à ingesta hídrica (33,3% dos pacientes), a resposta mais prevalente para a frequência com que receberam informações sobre estes aspectos foi “Quando eu comecei o tratamento pela primeira vez”. Com relação aos medicamentos e a dieta, a resposta mais prevalente foi “Um mês atrás”, sendo 41% e 33,3%, respectivamente.

O questionário, em perguntas separadas por domínio, também indaga se o paciente possui dificuldades em seguir o tratamento apropriado e em que nível a mesma ocorre. A opção “nenhuma dificuldade” foi respondida por 65,4% dos pacientes questionados sobre o cumprimento da sessão completa de HD, e por 74,3% dos indivíduos quanto à tomada dos medicamentos prescritos.

Já em relação à ingesta hídrica e à dieta, 49,8% e 53,9% dos pacientes relataram um nível de dificuldade que variou do moderado ao extremo para cumprimento das recomendações prescritas. Também foram questionadas as razões associadas ao fato, tendo chamado atenção que mais da metade dos pacientes, 55,1%, responderem “não conseguir” seguir a recomendação de restrição hídrica e 56,4%%, a dieta proposta.

A despeito das dificuldades apresentadas pelos pacientes, os mesmos, majoritariamente, reconheciam e classificavam como de “extrema importância” a realização completa da programação de HD (85,8%), da tomada de medicamentos (84,6%), da restrição hídrica (78,2%) e do seguimento da dieta (71,7%) (Tabela 1).

Tabela 1
Razões associadas à dificuldade para cumprimento do regime terapêutico

O domínio que apresentou maior percentual de pacientes não aderentes foi a hemodiálise, com 32%. Já a medicação foi o domínio com maior percentual de pacientes aderentes, 93,6%. A tabela 2 apresenta também a pontuação obtida pelos respondentes, de modo que os pacientes mais aderentes obtiveram maior pontuação em cada domínio, ao contrário dos menos aderentes, com menor pontuação (Tabela 2).

Tabela 2
Status de aderente/não aderente

Discussão

De acordo com o censo 2015,(33. Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) [Internet]. Censo de diálise SBN; 2015 [Internet]. [citado 2017 Set 1]. Disponível em: http://www.sbn.org.br/leigos/index.php?censo
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) da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), 42,2% dos pacientes em terapia dialítica estão na faixa etária entre 45 – 64 anos, a média de idade do presente estudo foi de 51,10 anos. Por sua vez, o percentual de 61,5% de pessoas do sexo masculino está próximo ao apresentado pelo censo 2015, que foi de 58%. No que se refere à modalidade inicial de tratamento, no período entre 2000 e 2004, 89% dos pacientes iniciavam a terapia pela hemodiálise,(88. Cherchiglia ML, Machado EL, Szuster DA, Andrade EL, Acúrcio FA, Caiaffa WT, et al. Perfil epidemiológico dos pacientes em terapia renal substitutiva no Brasil, 2000-2004. Rev Saúde Pública. 2010;44(4):639-49.) já no presente estudo, 93,6% deles jamais se submeteram previamente à DP.

A elevada frequência de respostas “quando eu comecei o tratamento pela primeira vez” sobre as orientações recebidas acerca da ingesta hídrica, bem como do cumprimento da HD refletem a escassez e consequente necessidade de educação contínua em saúde por parte da equipe multiprofissional.

A regulamentação dos centros de diálise determina uma composição profissional de um enfermeiro para cada 35 pacientes por turno de HD, um médico na mesma proporção e um nutricionista, um psicólogo e um assistente social por centro de diálise.(99. Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Internet]. Resolução de Diretoria Colegiada – RDC N° 11, de 13 de março de 2014. Brasília, 2014. Dispõe sobre os Requisitos de Boas Práticas de Funcionamento para os Serviços de Diálise e dá outras providências. [citado 2015 Fev 17] Disponível em: https://www20.anvisa.gov.br
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) Levando-se em consideração que a adesão é um fenômeno dinâmico, que deverá sofrer influência de vários fatores e poderá mudar com bastante frequência, é imprescindível que a equipe de saúde elabore estratégias para manter uma promoção constante do comportamento de adesão.(1010. Oh HS, Park JS, Seo WS. Psychosocial influencers and mediators of treatment adherence in haemodialysis patients. J Adv Nurs. 2013;69(9):2041-53.)

Na Suíça, foi desenvolvido um estudo prospectivo e randomizado que propunha separar os pacientes em dois grupos: um grupo seria submetido à abordagem de cuidados integrados (CI) e o outro à abordagem de cuidados habituais (CH). A pesquisa mostrou que, após 6 meses de acompanhamento, 84% dos pacientes submetidos ao grupo do CI alcançaram níveis satisfatórios de paratormônio, contra 55% dos pacientes no grupo de cuidados habituais.(1111. Ogna VF, Pruijm M, Zweiacker C, Wuerzner G, Tousset E, Burnier M. clinical benefits of an adherence monitoring program in the management of secondary hyperparathyroidism with cinacalcet: results of a prospective randomized controlled study. Biomed Res Int. 2013;2013:104892. doi: 10.1155/2013/104892.
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)

Em um ambulatório de tratamento conservador, na cidade do Rio de Janeiro, percebeu-se a necessidade de avançar nas estratégias de abordagem ao paciente buscando melhorar sua adesão ao tratamento. Foram adotadas uma estratégia de caráter coletivo, que consistia no debate em sala de espera mediado por profissionais de saúde, e uma individual que consistia num cartão de acompanhamento da DRC inspirado no cartão da criança, facilitando, assim, a visualização da progressão da patologia, além de outros aspectos do tratamento.(1212. Costa e Silva FV, Avesani CM, Scheeffer C, Lemos CC, Vale B, Silva MI, et al. Tratamento da doença renal crônica: estratégias para o maior envolvimento do paciente em seu auto-cuidado. J Bras Nefrol. 2008;30(2):83-7.) Estratégias como estas buscam o reforço permanente da necessidade de adesão dos pacientes, fazendo-os refletir sobre a centralidade do seu papel na condução da terapêutica instituída.

Uma ampla revisão sistemática avaliou os modelos de cuidados eficientes no atendimento ao paciente com doença renal crônica. Apesar de evidência limitada, os modelos multidisciplinares com protocolos de abordagem liderados por enfermeiros e farmacêuticos apresentaram os melhores resultados na condução do paciente renal e melhor adesão ao alvo do tratamento. Elementos-chave no gerenciamento de doenças crônicas incluem uma abordagem organizada usando terapias baseadas em evidências e apoio à autogestão.(1313. Nicoll R, Robertson L, Gemmell E, Sharma P, Black C, Marks A. Models of care for chronic kidney disease: a systematic review. Nephrology (Carlton). 2017 Nov 21. doi: 10.1111/nep.13198.
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)

Neste estudo, não foi avaliada a realização da consulta de enfermagem. Mas cabe reforçar o papel desta no estímulo e alcance da adesão à terapêutica. Ao serem questionados sobre “Quando fora a última vez que um profissional de saúde falou com você sobre…”, a resposta mais recorrente nos domínios HD e ingesta hídrica foi “quando comecei pela primeira vez o tratamento”, com 26,9% e 33,3%, respectivamente. Ao se partir do pressuposto que a adesão é um processo extremamente dinâmico, não se pode permitir que orientações específicas ao tratamento sejam fornecidas apenas quando do início do tratamento, sob pena de colaboração para um processo de desmotivação do indivíduo e consequente não adesão à terapia.

Estudos com outras patologias crônicas demonstraram a importância da consulta de enfermagem no alcance de resultados satisfatórios de adesão. Um estudo com pacientes diabéticos, cuja intervenção foi a realização de três consultas de enfermagem com intervalos de tempo de um mês entre elas, demonstrou um aumento na taxa de adesão de 83,87% para 96,78%, estando este aumento associado à realização da consulta.(1414. Cruz EC. Contribuição da consulta de enfermagem na adesão ao tratamento medicamentoso do diabetes mellitus na estratégia saúde da família do município de Ribeirão Preto, SP. São Paulo [tese]. [São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015.) O mesmo ocorreu em estudo com pacientes com insuficiência cardíaca, cuja adesão esteve associada significativamente a realização das consultas de enfermagem.(1515. Silva AF, Cavalcante AC, Malta M, Arruda CF, Gandin T, da Fé A, et al. Adesão ao tratamento em pacientes com insuficiência cardíaca acompanhados por enfermeiras em duas clínicas especializadas. Rev Lat Am Enfermagem. 2015;23(5):888-94.)

Observou-se que os domínios ingesta hídrica e dieta obtiveram o maior percentual de pacientes que referiram dificuldade em seguir com o tratamento. O regime dietético proposto ao doente renal em hemodiálise é extremamente rigoroso e seu seguimento pode sofrer influência de diversos fatores, como paladar, situação econômica, preferência individual, status social, nível educacional, comportamento, preferências individuais e crenças religiosas. Todos estes aspectos podem contribuir para o relato de dificuldade apresentado pelos pacientes.(1616. Clark-Cutaia MN, Ren D, Hoffman LA, Burke LE, Sevick MA. Adherence to hemodialysis dietary sodium recommendations: influence of patient characteristics, self-efficacy and perceived barriers. J Ren Nutr. 2014;24(2):92–9.) Já num trabalho desenvolvido nos EUA, a dificuldade em seguir a restrição hídrica foi associada à falta de motivação, uma vez que a máquina retirava o excesso de líquido e as metas de ingestão eram muito rigorosas.(1717. Smith K, Coston M. Patient perspectives on fluid management in chronic hemodialysis. J Renal Nutr. 2010; 20(5):334-51.)

A principal causa associada à dificuldade para cumprimento do tratamento foi “eu não consigo seguir”. Considerando que 71,7% e 78,2% dos participantes referiam que era de “extrema importância” seguir as recomendações dietéticas e hídricas, parece haver uma falta de motivação e/ou inabilidade para mobilizar recursos internos e subjetivos para tal prática. Os aspectos psicológicos e motivacionais parecem ocupar um papel de destaque na não adesão ao tratamento.(1818. Khalil AA, Darawad M, Gamal EA, Hamdan-Mansour AM, Abed MA. Predictors of dietary and fluid non-adherence in Jordanian patients with end-stage renal disease receiving haemodialysis: a cross-sectional study. J Clin Nurs. 2012; 22(15-16):2361.)

No domínio hemodiálise 85,8% dos pacientes consideravam “extremamente importante” seguir a recomendação prescrita. No entanto, 32% foram considerados não aderentes com base nos critérios objetivos. Este número pode ser considerado alto quando comparado a dados oriundos da aplicação do mesmo instrumento: 22,4% em pesquisa realizada nos EUA(22. Kim Y, Evangelista LS, Philips LR, Pavlish C, Kopple JD. The end-stage renal disease adherence questionnaire (ESRD-AQ): testing the psychometric properties in patients receiving In-center hemodialysis. Nephrol Nurs J. 2010; 37(4):777-93.) e 7,6% em pesquisa também realizada no EUA, porém com pacientes exclusivamente de origem hispânica.(1919. Kim Y, Evangelista LS. Development and cultural adaptation of the Spanish version of the End Stage Renal Disease Adherence Questionnaire (SESRD-AQ). Nephrol Nurs J. 2013; 40(6):493-506.)

O instrumento considera que algumas causas para redução do tempo de HD, como hipotensão, não devem caracterizar o paciente como não aderente. Assim, é necessário que a redução do tempo esteja associada a uma causa não relacionada a problemas de saúde. Dentre os pacientes considerados não aderentes à HD, 44% alegaram “problemas pessoais” e 28% “não queria mais ficar”. A falta e/ou o encurtamento às sessões de HD estão associadas ao aumento de hospitalização e mortalidade nesta população, sendo o domínio mais preocupante do tratamento quando não objeto de adesão pelos pacientes.(2020. Covic A, Rastogi A. Hyperphosphatemia in patients with ESRD: assessing the current evidence linking outcomes with treatment adherence. BMC Nephrology. 2013 Jul 18;14:153. doi: 10.1186/1471-2369-14-153.
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)

Quanto aos resultados da aderência nos demais domínios avaliados, os valores encontrados neste estudo assemelham-se às outras duas pesquisas realizadas utilizando-se o mesmo instrumento, tanto no domínio medicação quanto dieta. Foram considerados não aderentes à mediação 6,7% dos participantes brasileiros, 5,1% dos americanos(22. Kim Y, Evangelista LS, Philips LR, Pavlish C, Kopple JD. The end-stage renal disease adherence questionnaire (ESRD-AQ): testing the psychometric properties in patients receiving In-center hemodialysis. Nephrol Nurs J. 2010; 37(4):777-93.) e 5,7% dos hispânicos.(1818. Khalil AA, Darawad M, Gamal EA, Hamdan-Mansour AM, Abed MA. Predictors of dietary and fluid non-adherence in Jordanian patients with end-stage renal disease receiving haemodialysis: a cross-sectional study. J Clin Nurs. 2012; 22(15-16):2361.) Não aderentes à dieta foram 14,1% dos brasileiros, 12% dos americanos e 19,2% dos hispânicos. Já no domínio ingesta hídrica, houve maiores diferenças entre os resultados encontrados: 17,9% dos brasileiros não aderentes, 10,34% dos americanos e 5,7% dos hispânicos.

Em pesquisa realizada com 151 pacientes utilizando o mesmo instrumento aplicado no presente estudo, verificou-se que a adesão à ingesta hídrica esteve associada ao baixo ganho de peso interdialítico, a adesão a HD esteve relacionada ao valor satisfatório de Kt/V e a adesão à medicação correlacionou-se com baixos valores de fósforo. Esses achados reforçam o papel fundamental da adesão nos resultados clínicos apresentados por estes pacientes e indicam o caminho a ser percorrido pelos profissionais de saúde na vigilância e promoção constante da adesão.(2121. Kim Y, Evangelista LS. Depressive symptoms and dietary adherence in patients with end-stage renal disease. J Ren Care. 2011; 37(1). 37(1):30-9.)

Conclusão

A adesão à terapêutica é um comportamento dinâmico e, como tal, merece monitorização constante. Portanto, novos estudos com direcionamento para a promoção da adesão e melhoria de indicadores de morbidade e mortalidade são importantes. A principal limitação do estudo foi o nível educacional dos pacientes, restringindo uma maior inclusão na etapa de seleção dos participantes. Acredita-se que estudos como este podem beneficiar os pacientes renais proporcionando um cuidado mais próximo e individualizado, estabelecendo confiança na relação profissional-paciente e estimulando a adesão à terapêutica proposta. A equipe multidisciplinar nos centros de diálise já está legalmente estabelecida, no entanto, é preciso avançar na direção da interdisciplinaridade do cuidado promovendo a integração dos profissionais na assistência ao paciente renal.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2017
  • Aceito
    15 Fev 2018
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