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Distribuição e custo de antimicrobianos na Atenção Primária

Distribución y costo de antimicrobianos en la Atención Primaria

Resumo

Objetivo:

Analisar a distribuição e custos de antimicrobianos na Atenção Primária de uma capital da Região Nordeste do Brasil.

Método:

Estudo transversal, analítico, desenvolvido em Teresina, Piauí, Brasil. Os dados contemplam o período de junho de 2015 a julho de 2016. Calculou-se estatísticas descritivas e o Teste de Kruskal-Wallis para comparar as medianas das distribuições de dados independentes.

Resultados:

Foram distribuídos 1.651.516 antimicrobianos de 15 tipos diferentes dos quais a amoxicilina (500mg) foi o mais distribuído (75%) nos Centros de Atenção Psicossocial e nas Unidades Básicas de Saúde (47%). O custo total no período foi de 98.705,00 reais. Não houve diferenças estatisticamente significante entre as medianas dos custos em cada zona do município estudado.

Conclusão:

A distribuição desses medicamentos é realizada de forma irregular entre as unidades, de acordo com a demanda. O fornecimento não segue protocolo específico, e não se investiga um possível aumento na demanda ou redução.

Descritores
Anti-Infecciosos; Boas práticas de distribuição; Atenção primária à saúde; Controle de infecções

Resumen

Objetivo:

Analizar la distribución y costos de antimicrobianos en Atención Primaria de una capital del Noreste de Brasil.

Método:

Estudio transversal, analítico, desarrollado en Teresina, Piauí, Brasil. Datos obtenidos entre junio de 2015 y julio de 2016. Se aplicó estadística descriptiva y el Test de Kruskal-Wallis para comparar las medianas de las distribuciones de datos independientes.

Resultados:

Fueron distribuidos 1.651.516 antimicrobianos de 15 tipos diferentes, de los cuales la amoxicilina (500mg) fue el más entregado (75%) en Centros de Atención Psicosocial y en Unidades Básicas de Salud (47%). El costo total durante el período fue de 98.705,00 Reales. No hubo diferencia estadísticamente significativa entre las medianas de costos en cada zona del municipio estudiado.

Conclusión:

La distribución de estos medicamentos se realiza de manera irregular entre las unidades, de acuerdo a la demanda. La provisión no cumple protocolos específicos, y no se investiga un posible aumento o reducción de demanda.

Descriptores
Antiinfecciosos; Buenas prácticas de distribución; Primary health care; Control de infecciones

Abstract

Objective:

To analyze antimicrobial distribution and costs in primary care of a capital city in the Northeast region of Brazil.

Methods:

Cross-sectional, analytical study, developed in the city of Teresina, in the state of Piauí, Brazil. Data cover the period from June 2015 to July 2016. Descriptive statistics and the Kruskal-Wallis test were calculated to compare the medians of the independent data distributions.

Results:

A total of 1,651,516 antimicrobials were distributed in 15 different types, with amoxicillin (500mg) being the most distributed (75%) in psychosocial care centers, and in the basic health units (47%). The total cost for the period was 98,705.00 BRL. There were no statistically significant differences among the costs medians in each zone of the studied municipality.

Conclusion:

These drugs are irregularly distributed among the units, according to the demand. The supply does not follow a specific protocol, and a possible increase or reduction in demand is not investigated.

Keywords
Anti-infective agents; Good distribution practices; Primary health care; Infection control

Introdução

Os antimicrobianos representam um dos fármacos mais frequentemente distribuídos e utilizados nos serviços de saúde, correspondendo a quase um terço das prescrições médicas. São considerados um dos mais notáveis medicamentos que influenciam não apenas o paciente em tratamento, mas todo o ecossistema em que ele está inserido(11. Silveira TS, Carpes AD, Zimmerman B, Krause LMF, Santos RCV, Costenaro RGS. Prevalence of dispensation of antimicrobial use in pediatric primary health network in the city of Santa Maria/RS. Disciplinarum Scientia. 2012; 13(2): 173-180. https://www.periodicos.unifra.br/index.php/disciplinarumS/article/download/1004/948
https://www.periodicos.unifra.br/index.p...
) uma vez que o uso irracional desses medicamentos vem contribuindo significativamente para a “Resistência Antimicrobiana” (RAM), ameaça global para a saúde pública.

O fenômeno da RAM é complexo, porém tratase de um processo biológico natural que surgiu com a utilização de antibióticos no tratamento de infecções e intensificou-se com o uso irracional dos antimicrobianos. É compreendida como a capacidade de micro-organismos se multiplicarem mesmo na presença de concentrações elevadas de antimicrobianos(22. Mckenna M. Antibiotic resistance: the last resort. Nature. 2013; 499(1): 394-6. doi: 10.1038/499394a.
https://doi.org/10.1038/499394a...
,33. Centers for Disease Control and Prevention. CDC principles of appropriate antibiotic use. Washington, 2012. http://www.cdc.gov/getsmart/campaign-materials/info-sheets/adult-approp-summary.html
http://www.cdc.gov/getsmart/campaign-mat...
) e está relacionada com a utilização desse medicamento, em todos os ambientes, seja domiciliar, de prestação de cuidados a saúde (primário, secundário ou terciário) ou outros setores de atividades, como agropecuária.

Dados de um estudo multicêntrico realizado em 28 países europeus, apontam associação entre aumento da resistência antimicrobiana e qualidade gerencial do governo, sugerindo que países nos quais mantem-se baixa qualidade no controle dessa classe de medicamentos, em humanos e outros animais, apresentam aumento na taxa de resistência microbiana, como também em sua disseminação.(44. Collignon P, Athukorala PC, Senanayake S, Khan F. Antimicrobial Resistance: The Major Contribution of Poor Governance and Corruption to This Growing Problem. PloS One. 2015; 10(3): 116-26.)

Embora recaia sobre a assistência hospitalar grande peso sobre o aumento da RAM, a literatura traz evidências de que a assistência prestada na Atenção Primária pode ocasionar e propiciar uma distribuição irracional de antimicrobianos, aumentando gastos e contribuindo para o aumento da resistência. Além disso, tendo em vista o enorme quantitativo de unidades que prestam serviço ambulatorial no Brasil, acredita-se que o consumo de antimicrobianos possa equiparar-se aos hospitais. Á exemplo disto, estudo realizado no estado do Rio de Janeiro, Brasil, constatou que a maior parte dos custos com antimicrobianos advinham da Atenção Primária, e não da assistência hospitalar.(55. Brandão CM, Guerra Júnior AA, Cherchiglia ML, Andrade EIG, Almeida AM, Silva GD, et al. Gastos do Ministério da Saúde do Brasil com medicamentos de alto custo: uma análise centrada no paciente. Value Health. 2011; 14(5): 71-7.)

O ambiente não-hospitalar no Brasil não possui um sistema de vigilância específico sobre o uso racional de medicamentos, incluindo os antimicrobianos, o que limita o monitoramento e controle desse fármaco e favorece seu uso exacerbado de forma empírica. Além disso, uma distribuição irregular e não direcionada pode propiciar a RAM e potencializar gastos desnecessários. Nesse sentido, a análise da distribuição e dos custos relacionados a uso de antimicrobianos na Atenção Primária tornase pertinente à medida que caracteriza sua representatividade no contexto explorado.

Dessa forma, esse estudo objetivou analisar a distribuição e os custos de antimicrobianos utilizados na atenção primária de uma capital da Região Nordeste do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, analítico, com coleta retrospectiva, desenvolvido no município de Teresina, capital do estado do Piauí. Utilizou-se o banco de dados da central de distribuição de medicamentos essenciais da Gerência de Assistência Farmacêutica, ligada a Fundação Municipal de Saúde (FMS) de Teresina responsável pelo Ciclo da Assistência Farmacêutica, que engloba o planejamento, o recebimento, o armazenamento e a distribuição de medicamentos, de material médico-hospitalar e de produtos médico-odontológicos para as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) sob a responsabilidade da FMS.(66. Teresina (Estado) Secretaria Municipal de Saúde. Unidades de Saúde [Internet]. Teresina: FMS; 2016. [citado 2018 Fev 22]. Disponível em: http://www.fms.teresina.pi.gov.br/
http://www.fms.teresina.pi.gov.br/...
)

No município, as UBS são subdivididas em zonas, a saber: a Zona Leste/Sudeste, que compreende 36 UBS; a Zona Norte, com 25 Unidades; e a Zona Sul, com 27. Os CAPS dividem-se em três modelos, cada qual com as suas particularidades: 4(quatro) CAPS II, 1(um) CAPS III, 1(um) CAPS AD e 1(um) CAPS infanto-juvenil.(66. Teresina (Estado) Secretaria Municipal de Saúde. Unidades de Saúde [Internet]. Teresina: FMS; 2016. [citado 2018 Fev 22]. Disponível em: http://www.fms.teresina.pi.gov.br/
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) Dos quatro modelos, somente o CAPS infanto-juvenil não recebeu antimicrobianos no período estudado. Portanto, fizeram parte do estudo os modelos de CAPS II, III e AD.

Dentre os modelos de CAPS estudados, o CAPS II são para atendimento diário de adultos, em sua população de abrangência, com transtornos mentais severos e persistentes. Os CAPS III são para atendimento diário e noturno de adultos, durante sete dias da semana, atendendo à população de referência com transtornos mentais severos e persistentes e o CAPSad para usuários de álcool e drogas, para atendimento diário à população com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, como álcool e outras drogas.(66. Teresina (Estado) Secretaria Municipal de Saúde. Unidades de Saúde [Internet]. Teresina: FMS; 2016. [citado 2018 Fev 22]. Disponível em: http://www.fms.teresina.pi.gov.br/
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)

Os dados referentes à distribuição de medicamentos à base de antimicrobianos entre junho de 2015 e julho de 2016 (14 meses), foram investigados nessa pesquisa. O recorte temporal se fundamenta na Portaria n.° 04/2015, de 9 de julho de 2015,(77. Secretaria Municipal de Saúde de Teresina PI. Diário Oficial. Portaria GAB/SMS N° 07/2015. Dispõe sobre questões técnicas e administrativas relacionadas à prescrição e dispensação de medicamentos no âmbito das unidades públicas pertencentes à rede municipal de saúde de Teresina. Teresina: SMS; 2015. Available from: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/96001913/dom-the-normal-17-07-2015-pg-5
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) emitida pela Secretaria Municipal de Saúde de Teresina-PI, a qual determina que o tempo mínimo de arquivamento de uma receita para fins de controle seja de dois anos, de modo que, de acordo com o período estimado para a coleta de dados (janeiro de 2017), definiu-se o período descrito acima.

Utilizou-se para a coleta dos dados um formulário com informações acerca da distribuição de medicamentos à base de antimicrobianos, o qual continha informações sobre a quantidade desses fármacos distribuídos por mês, por zona, por UBS e por CAPS; o nome; e o custo desses produtos distribuídos. O formulário foi validado (face-conteúdo) por peritos da área, e testado em etapa piloto.

Os dados foram processados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0. Calculou-se estatísticas descritivas, para as variáveis quantitativas e frequências para as variáveis qualitativas, além do Teste de Kruskal-Wallis para comparar as medianas das distribuições de dados independentes (distribuições formadas por dados de origens diferentes: unidades diferentes).

O estudo obedeceu aos princípios da Resolução n.° 466, de 12 de dezembro de 2012, sendo aprovado com o parecer n.° 1.806.553. Para garantir o anonimato das unidades de saúde avaliadas no estudo, foram utilizadas somente suas iniciais.

Resultados

No período compreendido (14 meses) para a pesquisa foram distribuídos para as unidades 1.651.516 antimicrobianos na Atenção Primária da capital. Desses, 1.638.009 pertencentes às UBS e 13.507 aos CAPS.

A zona da cidade que mais recebeu medicamentos foi a Leste/Sudeste. Quanto aos CAPS, o II foi o que mais recebeu. Os três antimicrobianos mais distribuídos nas UBS divididas por zonas foram: a Amoxicilina (500mg) em comprimido, o Metronidazol (250mg) e a associação entre o Sulfametoxazol + Trimetoprima (400mg + 80mg) em comprimido. A amoxicilina (500 mg) é o antimicrobiano que está em evidência nos CAPS, como mostra a tabela 1.

Tabela 1
Quantitativo de antimicrobianos distribuídos para Atenção Primária conforme demanda nos serviços (n=1651516)

Foram gastos 2.590,71 reais nos CAPS do município e 98.705,00 reais com antimicrobianos distribuídos nas UBS das três zonas do município analisadas (Figura 1) (Tabela 2).

Figura 1
Custos com antimicrobianos dos Centros de Atenção Psicossocial no período em estudo (n=13.507)
Tabela 2
Custos de antimicrobianos das Unidades Básicas de Saúde que mais distribuíram no período em estudo conforme zona do município.

Elegeram-se, para a tabela a seguir, as três UBS, de cada zona do município, que mais receberam antimicrobianos em ordem decrescente. A partir do Teste de Kruskal-Wallis comparou-se as medianas dos custos em cada zona do município. O resultado evidenciou que não houve diferenças estatisticamente significante, ou seja, os gastos por cada unidade (dentro de uma mesma região), no período avaliado, embora elevados foram praticamente os mesmos (Tabela 2).

Discussão

A distribuição de antimicrobianos na Atenção Primária a Saúde do município estudado é realizada de forma irregular entre as unidades de saúde e não segue protocolo específico. Percebeu-se que a mesma adequa-se a demanda de cada zona, sem uma sistemática de análise para nortear a distribuição. Essa situação implica em uso exacerbado do medicamento que, por sua vez, onera o sistema de saúde ao buscar antimicrobianos de espectro estendido para suprir a necessidade que não foi atendida com o fármaco anterior, além das consequências à evolução clínica do paciente por prolongar a cura da infecção e potencializar a necessidade de outros níveis de atenção à saúde.

O Brasil foi classificado pela Intercontinental Marketing Services Health (IMS Health) como uma das nações que, representam dois terços do crescimento farmacêutico global, sendo que os antimicrobianos preenchem um largo espaço nesse percentual, representando um dos fármacos mais consumidos no país. Isto motivou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a intensificar medidas de regulação e controle relacionados à venda ao exigir prescrições para essa classe de drogas, as quais até então eram vendidas livremente; à obrigatoriedade de dados na prescrição como informações sobre o paciente, o emissor, o medicamento e a data de emissão da prescrição; à inserção na lista de medicamentos, ao estabelecer orientações quanto a distribuição de medicamentos incluídos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e na Relação Municipal de Medicamentos (REMUME), entre outros regulamentos envolvendo produtos contendo antimicrobianos em sua composição.(88. Lima SIV, Diniz RS, Egito ES, Azevedo PR, Oliveira AG, Araujo IB. Rationality of Antimicrobial Prescriptions in Community Pharmacy Users. PloS One. 2015; 10(10): e0141615.)

Os medicamentos ainda se configuram em um dos principais instrumentos terapêuticos no processo saúde-doença, reflexo de uma assistência historicamente hospitalocêntrica e curativa. O tratamento farmacológico para doenças infecciosas é um valioso aliado na cura. Contudo, a utilização irracional e a consequente resistência antimicrobiana, podem dificultar a progressão da terapêutica. Por isso, a sua prescrição, distribuição e, dispensação são atividades necessárias à todos os níveis de atenção à saúde, e compõe o conjunto de serviços e ações denominada Assistência Farmacêutica.(99. Sartor VB, Freitas SFT. Model for the evaluation of drug-dispensing services in primary health care. Rev Saúde Pública. 2014; 48(5): 827-36.)

O ciclo da Assistência Farmacêutica na Atenção Primária do Brasil é composto pela seleção de medicamentos, programação, aquisição, armazenamento, gestão de materiais, distribuição de medicamentos e dispensação, respectivamente. A etapa de distribuição consiste no suprimento de medicamentos às unidades de saúde, em quantidade, qualidade e tempo oportuno. A aquisição e a distribuição é realizada por meio da transferência regular e automática, fundo a fundo, de recursos federais, sob a forma de incentivo agregado ao Piso da Atenção Básica.(1010. Brasil. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de medicamentos 2001. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001.,1111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Assistência farmacêutica na atenção básica: instruções técnicas para sua organização. 2nd ed. Brasília(DF): Ministeerio da Saúde; 2006.)

A utilização de medicamentos, em geral, é influenciada por uma série de fatores entre os quais destaca-se a estrutura demográfica, perfil de morbidade, fatores socioeconômicos, comportamentais e culturais, características do mercado farmacêutico e pelas políticas governamentais dirigidas ao setor.(1212. Oliveira NS, Xavier RM, Araújo PS. Análise do perfil de utilização de medicamentos em uma unidade de saúde da família, Salvador, Bahia. Rev Cienc Farm Basica Apl. 2012; 33(2):283-9.)

Em nosso estudo, constamos que a distribuição dos antimicrobianos na cidade estudada é realizada, unicamente, de acordo com a demanda das unidades de saúde. Assim, é possível afirmar que as áreas de atuação das unidades relacionam-se e repercutem no perfil de consumo dos medicamentos influenciados por questões sociais, populacionais e econômicas. Á exemplo disto, estudo realizado na mesma cidade evidenciou que as infecções respiratórias eram as mais frequentemente diagnosticadas nas UBS (52,2%), e que o tratamento das mesmas envolviam antibioticoterapia empírica em 95.5% das vezes, sem a solicitação prévia de cultura antimicrobiana, com destaque para o uso da amoxicilina (85%).(1313. Oliveira LB, Valle ARM, Magalhães RL, Andrade DF, Sousa AF, Queiroz AA. Prevalence of community infections diagnosed in the family health strategy. Rev enferm UFPE. 2016; 10(Supl. 1): 325-6.) Essa abordagem, visa à prevenção de complicações mais graves, como febre reumática e/ou abscessos periamigdalianos, e impacta diretamente no consumo e distribuição dos antimicrobianos.

Estudos realizados nas farmácias de UBS de outros três municípios brasileiros corroboram que dentre os medicamentos mais prescritos destaca-se a amoxicilina como antimicrobiano predominante.(1313. Oliveira LB, Valle ARM, Magalhães RL, Andrade DF, Sousa AF, Queiroz AA. Prevalence of community infections diagnosed in the family health strategy. Rev enferm UFPE. 2016; 10(Supl. 1): 325-6.1515. Deuschle VC, Deuschle RA, Marques UC. Avaliação da prevalência da dispensação de antimicrobianos na farmácia pública do município de Cruz Alta ⊠RS. Rev Eletr Farmácia. 2015;12(2):1-15.) Esse perfil de consumo elevado se dá devido as suas características de amplo espectro, baixa toxicidade, administração oral, boa tolerabilidade e grande experiência de uso clínico o que favorece sua escolha nas unidades básicas de saúde.(1313. Oliveira LB, Valle ARM, Magalhães RL, Andrade DF, Sousa AF, Queiroz AA. Prevalence of community infections diagnosed in the family health strategy. Rev enferm UFPE. 2016; 10(Supl. 1): 325-6.,1616. Gillies M, Ranakusuma A, Hoffmann T, Thorning S, McGuire T, Glasziou P et a. Common harms from amoxicillin: a systematic review and meta-analysis of randomized placebo-controlled trials for any indication. CMAJ. 2015; 187(1):21-31.) A amoxicilina é um antibiótico betalactâmico que possui ação bactericidas contra micro-organismos gram-positivos e gram-negativos, sendo indicada para infecções das vias respiratórias superiores e infecções do trato urinário, condições clínicas prevalentes na atenção primária.(1717. Brunton LL, Keith L, Parker CV. Manual de farmacologia e terapêutica. Porto Alegre: AMGH: McGraw-Hill; 2010.)

Estudos realizados em Gana e Nigéria também apontam, a amoxicilina como o fármaco mais prescrito (26,7%; 18,2% respectivamente), seguida do metronidazol (25,4%; 20,1%). Juntos, esses medicamentos são considerados os principais antimicrobianos utilizados na Atenção Primária desses países.(1818. Ahiabu MA, Tersbøl BP, Biritwum R, Bygbjerg IC, Magnussen P. A retrospective audit of antibiotic prescriptions in primary health-care facilities in Eastern Region, Ghana. Health Policy Plan. 2016; 31(2): 250-8.,1919. Adisa R, Fakeye TO, Aindero VO. Evaluation of prescription pattern and patients' opinion on healthcare practices in selected primary healthcare facilities in Ibadan, South-Western Nigeria. Afr Health Sci. 2015; 15(4): 1318-29.) O metronidazol é um antimicrobiano com atividade bactericida a bacilos anaeróbios gram-negativos, a todos os cocos anaeróbios e a bacilos esporulados gram-positivos. É recomendado em feridas para controlar o odor causadas por bactérias anaeróbicas,(2020. Castro DL, Santos VL. Controlling wound odor with metronidazole: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2015; 49(5): 858-63.) além do tratamento de algumas infecções por protozoários (Giardia lamblia, Trichomonas vaginalis), o que justifica sua alta demanda na Atenção Primária.(2121. Howland RD, Mycek MJ. Farmacologia Ilustrada. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.)

Em se tratando de distribuição de antimicrobianos para os CAPS, esse dado é escasso na literatura, reforçando o pioneirismo desse estudo. Tais Centros são unidades de saúde destinadas ao cuidado especializado em saúde psicossocial e costumam utilizar drogas específicas para o tratamento de transtornos mentais. Contudo, a assistência prestada nesses estabelecimentos demanda a integração do cuidado mental ao físico e social, ou seja, o usuário precisa de tratamento para o transtorno, mas deve ser atendido também em suas outras necessidades como em uma infecção, de modo que seja feita, assim, uma assistência resolutiva e holística.(2222. Rodrigues ES, Moreira MI. A interlocução da saúde mental com atenção básica no município de Vitoria/ES. Saude Soc. 2012; 21(3): 599-611.)

No que concerne a gastos, registramos que as despesas farmacêuticas com antibióticos para a atenção primária são elevadas, achado corroborado por outros estudos realizados na Malásia(2323. Shamsuddin S, Akkawi ME, Zaidi ST, Ming LC, Manan MM. Antimicrobial drug use in primary healthcare clinics: a retrospective evaluation. Int J Infect Dis. 2016; 52:16-22.) e Estados Unidos da América.(2424. Roberts RR, Hota B, Ahmad I, Scott RD, Foster SD, Abbasi F, et al. Hospital and societal costs of antimicrobial-resistant infections in a Chicago teaching hospital: implications for antibiotic stewardship. Clin Infect Dis. 2009; 49(8):1175-84.) De acordo com dados do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (SIASG), de 2006 a 2013, houve um aumento significativo nas despesas farmacêuticas pelo Governo brasileiro, sendo que o gasto total triplicou (2.72 vezes), enquanto que as quantidades compradas apenas duplicaram(1,99) durante esse mesmo período.(2525. Luz TC, Castro CG, Torres RM, Wettermark B. Trends in medicines procurement by the Brazilian federal government from 2006 to 2013. PLoS One. 2017; 12(4):e174616.) O uso irracional relacionado a incerteza no diagnóstico e a falta de dispositivos para precisar a terapêutica adequada, bem como a não existência de um sistema de vigilância de infecções comunitárias no Brasil podem ser apontados como fatores que colaboram para uso irracional de antimicrobianos, e consequentemente impactam em custos elevados e gastos desnecessários.(2626. Means AR, Weaver MR, Burnett SM, Mbonye MK, McClelland SN. Correlates of inappropriate prescribing of antibiotics to patients with malaria in Uganda. PLoS One. 2014; 9(2):e0090179.2828. Sousa AF, Queiroz AA, Oliveira LB, Valle AR, Moura ME. Social representations of community-acquired infection by primary care professionals. Acta Paul Enferm. 2015; 28(5): 454-9.)

O gerenciamento das infecções comunitárias na Atenção Primária, ainda é realizado de forma empírica baseada na observação de sinais e sintomas apresentados pelo paciente, ao invés da cultura bacteriana ou antibiograma.(2929. Shang J, Ma C, Poghosyan L, Dowding D, Stone P. The prevalence of infections and patient risk factors in home health care: a systematic review. Am J Infect Control. 2014; 42(5): 479-84.) A inexistência de portaria e legislações brasileiras voltadas a prevenção e controle de infecção nos ambientes extra-hospitalares que possam nortear a prática clínica exigem adaptações dos profissionais, que podem resultar em intervenções desnecessárias gastos elevados ao sistema de saúde.(3030. Valle AR, Andrade D, Sousa AF, Carvalho PR. Infection prevention and control in households: nursing challenges and implications. Acta Paul Enferm. 2016; 29(2): 239-44.)

Este estudo possui algumas limitações. A primeira refere-se a ter sido realizada em um único município o que dificulta a generalização dos achados. O fato de utilizar-se de dados secundários que podem ser passíveis de imprecisões de informação também deve ser considerado. Ressaltamos a necessidade de replicação de estudos desse porte em outras regiões brasileiras de modo a consolidar o perfil da distribuição de antimicrobianos no Brasil e subsidiar intervenções, em nível local e nacional, para a distribuição racional desses medicamentos.

Conclusão

A análise da distribuição e os custos de antimicrobianos na Atenção Primária do município estudado apresentou uma distribuição irregular pautada na demanda apresentada por cada zona do município. A capital não expõe nenhum protocolo específico ou sistema para investigar um possível aumento na demanda ou redução. Os gastos são proporcionais à distribuição dos medicamentos, logo, se não existe uma sistematização da distribuição, por consequência, não há uma gestão financeira dos gastos.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Universidade Federal do Piauí – UFPI pelo financiamento da pesquisa por meio do Programa de Iniciação Científica – PIBIC (PICCS1331-2016).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2018
  • Aceito
    23 Fev 2018
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