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Ideação suicida e consumo de drogas ilícitas por mulheres

Ideas suicidas y consumo de drogas ilícitas en mujeres

Resumo

Objetivo

Analisar a relação entre ideação suicida e consumo de drogas ilícitas em mulheres.

Métodos

Estudo analítico realizado com 369 mulheres atendidas em Unidades Básicas de Saúde utilizando para investigação do consumo de drogas ilícitas o Non-Student Drugs Use Questionnaire e para investigação da ideação suicida o Self-Reporting Questionnaire.

Resultados

Verificou-se que existe associação entre ideação suicida e o uso de tranquilizantes sem prescrição médica (p=0,005), de solventes (p=0,006) e de maconha (p=0,003). O consumo de tranquilizantes aumenta em 2,7 vezes (IC=1,372-5,608) as chances de as mulheres terem ideação suicida quando comparadas com aquelas que não fazem uso das referidas drogas, bem como pelo uso de solventes em 10,1 vezes (IC=2,197-46,967) e o uso de maconha em 3,3 vezes (IC=1,865-13,900).

Conclusão

Os indicadores produzidos apontam que uso de drogas ilícitas pelas mulheres tem implicação grave e, portanto, necessita de intervenções efetivas que devem focalizar, sobretudo, na prevenção da ideação suicida, uma vez que a progressão dessa ideação poderá convergir para desfechos trágicos que incluem tentativa de suicídio, automutilação e suicídio.

Drogas iIícitas; Ideação suicida; Saúde mental; Mulheres; Saúde pública

Resumen

Objetivo

Analizar la relación entre ideas suicidas y consumo de drogas ilícitas en mujeres.

Método

Estudio analítico realizado con 369 mujeres atendidas en Unidades Básicas de Salud utilizando para investigación del consumo de drogas ilícitas el Non-Student Drugs Use Questionnaire y para investigar las ideas suicidas el Self-Reporting Questionnaire.

Resultados

Se verificó que existe asociación entre ideas suicidas y uso de tranquilizantes sin prescripción médica (p=0,005), solventes (p=0,006) y marihuana (p=0,003). El consumo de tranquilizantes aumenta en 2,7 veces (IC=1,372-5,608) las chances de que las mujeres tengan ideas suicidas, comparadas con las que no usan dichas drogas; así como el uso de solventes las aumenta en 10,1 veces (IC=2,197-46,967) y el uso de marihuana en 3,3 veces (IC=1,865-13,900).

Conclusión

Los indicadores elaborados establecen que el uso de drogas ilícitas por parte de mujeres tiene grave implicación, precisando de intervenciones efectivas que deben hacer foco, principalmente, en la prevención de ideas suicidas, toda vez que la progresión de tales ideas conduce a desenlaces trágicos, incluyendo tentativas de suicidio, automutilación y suicidio.

Drogas ilícitas; Ideación suicida; Salud mental; Mujeres; Salud pública

Abstract

Objective

To analyze the relationship between suicidal ideation and illicit drug use in women.

Methods

An analytical study conducted with 369 women receiving care in the Basic Health Units, using the Non-Student Drug Use Questionnaire and the Self-Reporting Questionnaire for investigating suicidal ideation.

Results

Association between suicidal ideation and the use of tranquilizers without medical prescription (p=0.005), solvents (p=0.006), and marijuana (p=0.003) was identified. Utilization of tranquilizers increased the chances of suicidal ideation in women by 2.7 times (CI=1.372-5.608) when compared to those who did not use these drugs; the use of solvents increased it by 10.1 times (CI=2.197-46.967), and marijuana use by 3.3 times (CI=1.865-13.900).

Conclusion

The indicators indicate that illicit drug use by women has serious implications and, therefore, requires effective interventions that should focus above all on the prevention of suicidal ideation, as the progression of this ideation may converge in tragic outcomes that include attempted suicide, self-mutilation, and suicide.

Street drugs; Suicidal ideation; Mental health; Women; Public health

Introdução

O consumo de drogas ilícitas, a cada dia, se torna mais preocupante, tanto por ocasionar consequências graves à saúde dos indivíduos e ampliarem os indicadores de morbimortalidade, quanto pelas consequências sociais, econômicas e penais que ele traz.(11. Vargas D, Soares J, Leon E, Pereira CF, Ponce TD. O primeiro contato com as drogas: análise do prontuário de mulheres atendidas em um serviço especializado. Saúde Debate. 2015; 39(106):782-91.,22. Arenliu A, Kelmendi K, Haskuka M, Halimi T, Canhasi E. Drug use and reported suicide ideation and attempt among Kosovar adolescents. J Subst Use. 2014;19(5):358–63.)

Esse consumo transita pelos diversos grupos sociais, faixas etárias e gênero. Em relação ao gênero, apesar de ser prática comum entre homens, tem-se observado o aumento desse consumo entre a população feminina,(33. Monteiro CF, Carvalho NA, Santos JD, Silva Júnior FJ. Intergenerational approach of crack users by using genograms. Int Arch Med. 2016; 9(74):1-7.) realidade demonstrada por metanálise realizada com 135 estudos primários nos quais 21,5% das mulheres consomem drogas.(44. Des Jarlais DC, Boltaev A, Feelemyer J, Bramson H, Arasteh K, Phillips BW, et al. Gender disparities in HIV infection among persons who inject drugs in Central Asia: a systematic review and meta-analysis. Drug Alcohol Depend. 2013;132(1 Suppl 1):S7–12.)

Esse aumento também foi descrito em estudo realizado em comunidades periféricas brasileiras onde mulheres vêm até superando os homens nas taxas de consumo de drogas ilícitas, especialmente entre aquelas que se dedicam ao trabalho com o sexo. Nestes casos, o fácil acesso, o baixo valor das sustâncias psicoativas (SPAs) e a aceitação do sexo como moeda de troca são tidos como fatores facilitadores para esta prática.(55. Alves TM, Rosa LC. Usos de substâncias psicoativas por mulheres: a importância de uma perspectiva de gênero. Rev Estud Fem. 2016;24(2):443–62.)

Diante da presença de muitas mulheres nesse panorama estatístico, o consumo de drogas ilícitas ainda vem associado à promiscuidade, à imoralidade, expõe-nas a situações de violência e favorece o surgimento de comorbidades, inclusive psiquiátricas, tais como: Depressão, Transtorno Bipolar, Transtorno de Personalidade, dentre outros.(66. Olivan-Blázquez B, Rubio-Aranda E, García-Sanz O, Magallón-Botaya R. Correlation between diagnosis of depression and symptoms present in primary care patients. Actas Esp Psiquiatr. 2016;44(2):55–63.) Estes podem contribuir para perda de valor existencial e, consequentemente para comportamento suicida.(77. Felix TA, Oliveira EN, Lopes MV, Parente JR, Dias MS, Moreira RM. Fatores de risco para tentativa de suicídio: produção de conhecimento no Brasil. Contexto Saúde. 2016; 16(31):173-85.)

Nessa questão, a população feminina apresenta taxas mais elevadas de ideação e tentativa de suicídio do que os homens, sendo a intoxicação o método mais utilizado.(88. Machado DB, Santos DN. Suicídio no Brasil, de 2000 a 2012. J Bras Psiquiatr. 2015;64(1):45–54.) A ideação suicida é caracterizada por ideias, planejamento e desejo em atentar contra a própria vida.(99. Gonçalves RE, Ponce JC, Leyton V. Uso de álcool e suicídio. Saúde, Ética & Justiça. 2015; 20(1):9-14.)

Frente a esse contexto, urge a necessidade de ampliar a discussão acerca dessas problemáticas, sobretudo, no universo feminino, cuja ampliação do consumo de drogas ilícitas é, sobremaneira recente e seus desfechos ainda necessitam ser estudados, especialmente, aqueles que envolvem o comportamento suicida. Neste sentido, o objetivo deste estudo é analisar a relação entre ideação suicida e consumo de drogas ilícitas por mulheres.

Métodos

Estudo transversal e analítico, realizado de agosto de 2015 a março de 2016 em cinco cidades do Piauí: Teresina, Bom Jesus, Floriano, Parnaíba e Picos.

A amostra foi calculada, tendo como referência população de 347.414 mulheres, de 20 a 59 anos, residentes nos referidos municípios.(1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010 [Internet]. Brasília (DF): IBGE; 2015. [citado 2015 Ago 5]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/censo2010
http://www.ibge.gov.br/censo2010...
) Adotou-se a prevalência presumida de consumo de álcool entre mulheres de 39%.(1111. Instituto Nacional de Politicas Públicas do Álcool e Outras Drogas. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) [Internet]. 2012[citado 2014 Ago 25]. Disponível em: http://inpad.org.br/2lenad/
http://inpad.org.br/2lenad/...
) O nível de confiança estabelecido foi de 95% e erro tolerável de 5%. A amostra constou de 369 mulheres. Por distribuição proporcional foram selecionadas e recrutadas 232 em Teresina, 36 em Parnaíba, 46 em Picos, 38 em Floriano e 17 em Bom Jesus. Destaca-se que não houveram perdas da amostra calculada.

O critério de inclusão foi ser atendida na Estratégia Saúde da Família dos referidos municípios. O critério de exclusão adotado no estudo foi mulheres com registro de doença mental no seu prontuário. Quando da abordagem a mulheres que atendiam ao critério de exclusão uma nova participante era sorteada.

A coleta de dados ocorreu no período de agosto de 2015 a março de 2016. O recrutamento das mulheres se deu por meio de sorteio. Utilizou-se o software Excel 2010, considerando listagem numérica das mulheres atendidas nas respectivas cidades que foi disponibilizada pelas Unidades Básicas de Saúde.

Foram utilizados três instrumentos: formulário para caracterização sociodemográfica (elaborado pelos pesquisadores para o registro das variáveis: idade, cor/raça, situação conjugal, quantidade de filhos, procedência, escolaridade e religião), Non-Student Drugs Use Questionnaire (NSDUQ) (para identificação do consumo de drogas ilícitas), instrumento recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que encontra-se traduzido e testado em vários países(1212. Smart RG, Arif A, Hughes PH, Medina ME, Navaratnam V, Varma VK, et al. Drug use among non-student youth. WHO Offset Publ. 1981;60(1):1-58.) e Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), recomendado, também, pela OMS para estudos realizados na atenção básica à saúde, encontra-se traduzido e validado para realidade brasileira, composto por 20 questões objetivas, que contempla quatro dimensões: humor depressivo-ansioso, sintomas somáticos, decréscimo de energia vital e pensamentos depressivos.(1313. Mari JJ. Psychiatric morbidity in three primary medical care clinics in the city of Sao Paulo: issues on the mental health of the urban poor. Soc Psychiatry. 1987;22(3):129-38.) O presente estudo teve enfoque em pergunta específica da dimensão “pensamentos depressivos”, que questiona se a participante “tem tido ideias de acabar com a vida”.

Realizou-se teste piloto com 10% da amostra (37 mulheres) com a finalidade de testar os instrumentos e a habilidade dos pesquisadores. As informações oriundas desta etapa não compuseram o banco de dados para análise.

Para análise dos dados utilizou-se software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0. Foram calculadas as medidas de tendência central, dispersão, frequências e porcentagens o que permitiu determinar a prevalência do consumo de drogas ilícitas pelas mulheres. Para verificar associação entre variáveis qualitativas utilizou-se o teste qui-quadrado. Quando da frequência das caselas foi menor que 20% ou menor que 5 realizou-se teste exato de Fischer. A força das associações entre as variáveis foi aferida pelo odds-ratio (OR) e intervalos de confiança (IC 95%). Foi realizada regressão logística com variáveis que apresentaram p>0,010 com a finalidade de verificar quais as drogas ilícitas que explicam melhor o efeito sobre a ideação suicida das mulheres. O processo de modelagem foi o stepwise forward.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (Parecer nº. 1.630.831). A participação das mulheres foi voluntária, após leitura, esclarecimentos e assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Das 369 mulheres, houve predomínio de adultas jovens (20 a 39 anos) (75,1%), com média de idade de 33,1 anos (Desvio padrão=9,9), autodeclaradas pardas (59,4%), casada/união estável (71,8%), católica (60,9%), com filhos (70,7%) e natural do interior (58,8%). Em média, possuíam 10 anos de estudo (Desvio padrão=3,5).

A tabela 1 mostra que existe associação estatisticamente significativa entre ideação suicida e o uso de tranquilizantes sem prescrição médica (p=0,005), de solventes (p=0,006) e de maconha (p=0,003).

Tabela 1
Associação entre o consumo de drogas ilícitas e ideação suicida entre mulheres (n=369)

Após regressão logística realizada entre as variáveis categóricas independentes (uso de tranquilizantes, solventes e maconha) com a variável dependente (ideação suicida), verificou-se que essa associação se manteve. O consumo de tranquilizantes aumenta em 2,7 vezes (IC=1,372-5,608) as chances de as mulheres terem ideação suicida quando comparadas com aquelas que não fazem uso das referidas drogas, bem como pelo uso de solventes em 10,1 vezes (IC=2,197-46,967) e o uso de maconha em 3,3 vezes (IC=1,865-13,900) (Tabela 2).

Tabela 2
Regressão logística do consumo de drogas ilícitas com ideação suicida (n=369)

Discussão

Dentre as limitações do estudo está àquela relacionada ao delineamento transversal que, embora, seja capaz de demonstrar relação entre os fenômenos estudados (ideação suicida e uso de drogas ilícitas), não permite afirmar a existência de causalidade. Destaca-se ainda, que apesar de o instrumento utilizado não ser específico para investigação de ideação suicida, a avaliação das participantes quanto à dimensão “pensamentos depressivos” da SRQ-20, possibilita identificação da ideação.

Contudo, os resultados obtidos se somam ao panorama estatístico para ampliação da discussão acerca do consumo de drogas no universo feminino e sua interface com a ideação suicida, uma vez que ainda são limitados os conhecimentos produzidos sobre o tema, considerando que a problemática do consumo de SPAs por mulheres é relativamente recente.

Os dados desta pesquisa apresentam características sociodemográficas e econômicas semelhantes aos achados de outros estudos também desenvolvidos com mulheres atendidas na atenção básica, geralmente, jovens, em fase economicamente ativa e reprodutiva, desempregadas, com baixo poder aquisitivo e nível de escolaridade abaixo do esperado para idade.(1414. Vernaglia TV, Leite TH, Faller S, Pechansky F, Kessler FH, Cruz MS, et al. The female crack users: higher rates of social vulnerability in Brazil. Health Care Women Int. 2017;38(11):1170–87.

15. Arruda RL, Teles ED, Machado NS, Oliveira FJ, Foutora IG, Ferreira AG. Prevenção do câncer de mama em mulheres atendidas em Unidade Básica de Saúde. Rev RENE. 2015;16(2):143–9.

16. Borges TL, Hegadoren KM, Miasso AI. Common mental disorders and use of psychotropic medications in women consulting at primary care units in a Brazilian urban area. Rev Panam Salud Publica. 2015;38(3):195–201.
-1717. Diniz A, Pillon SC, Monteiro S, Pereira A, Gonçalves G, Santos MA. Uso de substâncias psicoativas em idosos: uma revisão integrativa. Psicol Teor Prat. 2017;19(2):23-41.)

Além dessas características existem particularidades nas relações estabelecidas entre mulheres e drogas, que incluem desde o tipo de droga escolhida, a finalidade até as expectativas implicadas nesse consumo.

Neste contexto, o Relatório Mundial sobre Drogas, publicado em 2016, evidencia que há diferença de gênero em relação ao uso de SPAs, sendo que os homens são três vezes mais propensos ao uso de maconha, cocaína e anfetamina, e as mulheres são ao uso de opióides e tranquilizantes sem prescrição médica.(1818. . United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). World Drug Report [Internet]. UNODC; 2016 [cited 2016 Dec 20]. Available from: https://www.unodc.org
https://www.unodc.org...
)

Essa realidade ratifica a ideia de que o fenômeno das drogas faz parte do cotidiano das mulheres, embora com valores simbólicos e características distintas sob o prisma de gênero. Esse cenário, também, representa risco de exposição a outras situações de vulnerabilidade físicas e mentais.

Ao analisar a qualidade de vida e saúde mental de dependentes químicos, os resultados mostram que as mulheres apresentam menor qualidade de vida e saúde mental que os homens, embora, iniciem o consumo mais tardiamente, por menos tempo e com menor padrão de consumo.(1919. Bonadiman CS, Passos VM, Mooney M, Naghavi M, Melo AP. A carga dos transtornos mentais e decorrentes do uso de substâncias psicoativas no Brasil: Estudo de Carga Global de Doença, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(20 Supl 1):191–204.)

Além disso, o consumo de SPAs, no universo feminino, é considerado fator de risco para comportamento suicida.(2020. da Silveira DX, Fidalgo TM, Di Pietro M, Santos JG Jr, Oliveira LQ. Is drug use related to the choice of potentially more harmful methods in suicide attempts? Subst Abuse. 2014;8(1):41–3.) O abuso de SPAs interfere, e pode, inclusive, potencializar as chances desse comportamento.(2121. Silva TP, Lima MD, Sougey EB. Alucinógenos, anfetaminas e comportamento suicida: revisão integrativa da literatura. Rev Hosp Univ Pedro Ernesto. 2016;15(1):28-36.) Estudo desenvolvido na Sérvia aponta que, entre mulheres, o uso de SPAs pode aumentar de 6,5 a 9 vezes o risco de comportamento suicida, quando comparado a mulheres que não consomem drogas.(2222. Dragisic T, Dickov A, Dickov V, Mijatovic V. Drug addiction as risk for suicide attempts. Mater Sociomed. 2015;27(3):188–91.)

O comportamento suicida é problema multifacetado, o qual a presença de transtornos mentais aumenta a sua vulnerabilidade.(2323. Arribas-Ibar E, Suelves JM, Sanchez-Niubò A, Domingo-Salvany A, T Brugal M. Suicidal behaviours in male and female users of illicit drugs recruited in drug treatment facilities. Gac Sanit. 2017;31(4):292–8.) A maioria das pessoas com este tipo de comportamento (mais de 90%) tem transtorno mental crônico diagnosticável, sendo mais comuns a Depressão, a Esquizofrenia e o Abuso de SPAs. Chama atenção para este último, em que estudos relataram associação de comportamento suicida com o uso de SPAs ilícitas, especificamente, heroína, cocaína e tranquilizantes sem prescrição médica.(2424. Stahlman S, Javanbakht M, Cochran S, Hamilton AB, Shoptaw S, Gorbach PM. Mental health and substance use factors associated with unwanted sexual contact among U.S. Active Duty Service Women. J Trauma Stress. 2015;28(3):167–73.)

No presente estudo, a ideação suicida também se encontra associada ao consumo de tranquilizantes. Estes, em sua maioria, benzodiazepínicos, que são substâncias depressoras do sistema nervoso central. Normalmente são utilizados, pelas mulheres, na busca pelo alívio de frustração e/ou estresse (49%).(2525. Nebhinani N, Sarkar S, Gupta S, Mattoo SK, Basu D. Demographic and clinical profile of substance abusing women seeking treatment at a de-addiction center in north India. Ind Psychiatry J. 2013;22(1):12–6.)

Embora, essas substâncias atuem biologicamente nas dimensões humor e ansiedade, o uso recreativo e indiscriminado pode gerar dependência física e psicológica, além do risco de efeitos paradoxais, como Depressão e ideação suicida.(2626. Smith SM, Goldstein RB, Grant BF. The association between post-traumatic stress disorder and lifetime DSM-5 psychiatric disorders among veterans: Data from the National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions-III (NESARC-III). J Psychiatr Res. 2016;82(11):16–22.,2727. Eaton NR, Rodriguez-Seijas C, Krueger RF, Campbell WK, Grant BF, Hasin DS. Narcissistic personality disorder and the structure of common mental disorders. J Pers Disord. 2017;31(4):449–61.)

Outro achado importante desta pesquisa, é sobre o uso de solventes, esse uso aumenta às chances de ideação suicida entre mulheres. A literatura aponta que o risco associado ao consumo de solventes/inalantes é erroneamente considerado baixo, quando, na verdade, pode ser responsável por desfechos trágicos, inclusive morte.(2828. Souza AR, Panizza H, Magalhães JG. Uso abusivo de inalantes. Saúde, Ética & Justiça. 2016; 21(1):3-11.)

O uso indevido de solventes está entre as formas mais prevalentes e perniciosas de uso de drogas nas Américas. Estas incluem amplo grupo de substâncias com diferentes utilidades e consequências, tendo utilização legalizada na indústria/residências e, portanto, estão prontamente disponíveis. As repercussões, desta prática, no meio feminino têm sido negligenciadas por cientistas e profissionais de saúde. No entanto, estudo de revisão descreve recentes avanços obtidos por meio de dados pré-clínicos e clínicos sobre complicações graves associadas a esta prática por mulheres: morte súbita e síndrome do solvente fetal, além de neurotoxicidade, comprometimento cognitivo, cefaleia, habilidades sensoriais diminuídas (perda de visão, audição e coordenação), distúrbios do sono e aumento de transtornos mentais, que inclusive potencializam os pensamentos suicidas.(2929. Bowen SE. Two serious and challenging medical complications associated with volatile substance misuse: sudden sniffing death and fetal solvent syndrome. Subst Use Misuse. 2011;46(1 Suppl 1):68–72.)

O uso de solventes e sua interface com comportamento suicida foi discutido por pesquisadores da Universidade de Washington. Estes revelaram que ao compararem usuários de solventes com não usuários, aqueles primeiros apresentaram taxas significativamente mais altas de suicidalidade, incluindo ideação (52,1%; 32,2%, respectivamente) e tentativas (25,8%; 12,5%, respectivamente).(3030. Snyder SM, Howard MO. Patterns of Inhalant Use among Incarcerated Youth. PLoS One. 2015;10(9):e0135303.)

Neste estudo, observou-se também que o uso de maconha aumenta as chances de ideação suicida entre mulheres. Embora o uso dessa substância apresente grande relevância epidemiológica, ainda é, relativamente, pouco explorado o curso natural dos transtornos causados pelo seu uso.(3131. Farmer RF, Kosty DB, Seeley JR, Duncan SC, Lynskey MT, Rohde P, et al. Natural course of cannabis use disorders. Psychol Med. 2015;45(1):63–72.) Além disso, como os homens constituem 75% da população de usuários de maconha, as mulheres têm sido historicamente subrepresentadas nas investigações de problemas relacionados ao seu uso. Assim, a compreensão de riscos e consequências específicas de gênero encontram-se limitadas.(3232. Choi NG, DiNitto DM, Marti CN, Choi BY. Relationship between marijuana and other illicit drug use and depression/suicidal thoughts among late middle-aged and older adults. Int Psychogeriatr. 2016;28(4):577–89.)

Estudiosos afirmam que as mulheres têm avançado da experimentação para o uso regular mais rapidamente e apresentado maior diminuição na qualidade de vida, como consequência do consumo da maconha.(3333. Sartor CE, Agrawal A, Lynskey MT, Duncan AE, Grant JD, Nelson EC, et al. Cannabis or alcohol first? Differences by ethnicity and in risk for rapid progression to cannabis-related problems in women. Psychol Med. 2013;43(4):813–23.) Pesquisa realizada no México descreve que o uso de maconha por jovens, nos últimos 12 meses, aumenta o risco de ideação e tentativa de suicídio. Ressalta ainda, que outras drogas estão associadas, porém em menor grau.(3434. Borges G, Benjet C, Orozco R, Medina-Mora ME, Menendez D. Alcohol, cannabis and other drugs and subsequent suicide ideation and attempt among young Mexicans. J Psychiatr Res. 2017;91(1):74–82.)

No contexto feminino, especificamente, estudo com 600 participantes, apontou que as mulheres que procuraram tratamento por uso compulsivo de maconha no final da adolescência e na idade adulta jovem exibiram taxas significativamente mais altas de ansiedade e risco de suicídio em comparação com os homens que procuraram tratamento durante os mesmos estágios de desenvolvimento.(3535. Foster KT, Li N, McClure EA, Sonne SC, Gray KM. Gender differences in internalizing symptoms and suicide risk among men and women seeking treatment for cannabis use disorder from late adolescence to middle adulthood. J Subst Abuse Treat. 2016;66(1):16–22.)

Os indicadores produzidos apontam que uso de drogas ilícitas pelas mulheres tem implicação grave e, portanto, necessita de intervenções efetivas que devem focalizar, sobretudo, na prevenção da ideação suicida, uma vez que a progressão dessa ideação poderá convergir para desfechos trágicos que incluem tentativa de suicídio, automutilação e suicídio.

Conclusão

Os resultados encontrados neste estudo mostraram predominância de mulheres adultas jovens, pardas, casadas/união estável, católicas, com filhos e procedentes do interior. As mulheres que fazem uso de drogas ilícitas como: tranquilizantes sem prescrição médica, solventes e maconha tinham mais chances de terem ideação suicida quando comparadas àquelas que não referiram uso.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq) pelo financiamento desta pesquisa por meio do Edital Universal 2014 (Processo 443107/2014-9) e da bolsa de produtividade em pesquisa nível 1ª destinada a autora Claudete Ferreira de Souza Monteiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    9 Maio 2018
  • Aceito
    10 Jul 2018
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