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80 Anos do Curso de Graduação em Enfermagem – a construção de um legado

O Curso de Enfermagem da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo (EEHSP), hoje Escola Paulista de Enfermagem (EPE), foi criado em 1939 pela colaboração entre a Escola Paulista de Medicina (EPM) e a Arquidiocese de São Paulo, com a vinda das religiosas enfermeiras diplomadas francesas do Instituto das Franciscanas Missionarias de Maria.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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) Sua história se confunde com a própria história da profissão no Brasil, pois embora o modelo Nightingaleano ou Enfermagem Moderna já se fizesse presente, na esteira do movimento de Reforma Sanitária, suas origens remontam a uma época em que o ensino profissional da Enfermagem era incipiente e ainda fortemente influenciado pelo modelo de formação religiosa das Santas Casas de Misericórdia.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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Em que pese esse forte cunho religioso, expresso pelo lema “Non vivere nisi ad serviendum” - que permaneceu até 2007,(22. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2010.) o curso foi criado para viabilizar e garantir a qualidade da assistência no recém-fundado Hospital São Paulo, campo de formação da EPM e desde sua concepção, teve por objetivo formar profissionais nos moldes da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN).(22. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2010.44. Vianna LA. Enfermagem: da vida abnegada á autodeterminação profissional. Acta Paul Enf. 2000; 13 (n esp):17-26.) Seu Regimento foi elaborado em conformidade com o Decreto n° 20.109, de 15 de junho de 1931,(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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,55. Oguisso T. A Legislação do ensino de graduação em Enfermagem. Rev Esc Enf USP. 1976; 10(2):202-18.) que fixava as condições para fins de equiparação e reconhecimento dos diplomas das escolas de enfermagem no Brasil, e tinha como requisitos ser dirigida por enfermeira diplomada, ensino de conteúdos de enfermagem e supervisão das atividades práticas exercidos por enfermeiras, além de critérios admissionais e de organização programática da EEAN.(55. Oguisso T. A Legislação do ensino de graduação em Enfermagem. Rev Esc Enf USP. 1976; 10(2):202-18.)

Primeiro curso de enfermagem de São Paulo e, à época, um dos dez existentes no país(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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,33. Silva MR, Gallian DM. A Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e seu primeiro currículo (1939-1942). Rev Bras Enferm. 2009;62(2):317-22.,44. Vianna LA. Enfermagem: da vida abnegada á autodeterminação profissional. Acta Paul Enf. 2000; 13 (n esp):17-26.) o curso da EEHSP teve o currículo respaldado no modelo Nightingaleano, focado no âmbito hospitalar e curativo da prática médica, acompanhando a expansão da rede hospitalar, além de moldado no curriculo da EEAN que, por sua vez, se espelhou no “Standard Curriculum for Nursing School” norte americano, sem que fossem feitas adaptações à realidade nacional.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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Com carga horária total de 4.200h, cerca de 12h de atividades diárias de aulas teóricas e teórico-práticas realizadas nas instalações do curso médico e atividades práticas cumpridas no HSP, onde assumiam todas a ações assistenciais nas 24h, com a supervisão das enfermeiras religiosas, o curso com duração de 3 anos possuía corpo docente formado pelos professores das áreas clínicas e de ciências básicas da EPM e pelas religiosas enfermeiras.(22. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2010.,33. Silva MR, Gallian DM. A Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e seu primeiro currículo (1939-1942). Rev Bras Enferm. 2009;62(2):317-22.)

As aulas se iniciaram em 15 de março de 1939 e no final desse mesmo ano a diretora da EEAN, indicada pelo Ministro da Educação, realiza a primeira inspeção para emissão do parecer de reconhecimento do curso e aponta a necessidade das religiosas Marie Domineuc, Maria Hermana José e Maria de Fontenelle, diplomadas pela Escola de Enfermagem de Paris, realizarem a revalidação de seus diplomas sendo aprovadas nos exames realizados. Em 1941, após 2 anos de funcionamento do curso, foi solicitada nova visita de inspeção para obtenção da equiparação definitiva, realizada em janeiro de 1942 e obtida em 01/04 1942 com a publicação do Decreto 9.101 de 24/03/1942.(22. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2010.,33. Silva MR, Gallian DM. A Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e seu primeiro currículo (1939-1942). Rev Bras Enferm. 2009;62(2):317-22.)

A direção da EEHSP ficou a cargo de Madre Maria das Dores, diplomada pela Escola Anna Nery, no período de 1939 a 1944, sendo sucedida por outras enfermeiras religiosas até 1976, quando a primeira diretora laica, enfermeira Esmeralda Augusto, assumiu a direção da escola. No HSP a direção de Enfermagem é exercida pela Madre Marie Domineuc entre 1937 e 1947,(22. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2010.,33. Silva MR, Gallian DM. A Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e seu primeiro currículo (1939-1942). Rev Bras Enferm. 2009;62(2):317-22.) e as Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria permaneceram na chefia do Serviço de Enfermagem do HSP até 1970, quando a direção passa a ser laica e é assumida por uma egressa do curso.(22. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2010.,33. Silva MR, Gallian DM. A Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e seu primeiro currículo (1939-1942). Rev Bras Enferm. 2009;62(2):317-22.) Em seu tempo essas lideranças se dedicaram intensamente, não apenas na construção do curso, mas também da profissão de Enfermagem no Brasil, por meio de suas participações ativas na fundação e organização de associações de classe, nacionais e internacionais, nos eventos e reuniões de Escolas de Enfermagem no Brasil, além dos colegiados da EEHSP.

Em 1949 com a Lei n° 775 de 6/8/49 o currículo do curso sofre modificações fortalecendo o modelo clínico e a assistência hospitalar, com a exclusão de conteúdos de Enfermagem em Saúde Pública e Ciências Sociais que passam a ser optativas. Em 1962 o curso é reconhecido como curso superior, de acordo com o Parecer 271/62 do Conselho Federal de Ensino. Em 1968 a EEHSP torna-se Escola Paulista de Enfermagem (EPE) e em 1977 é federalizada e incorporada como Departamento da Escola Paulista de Medicina.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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,44. Vianna LA. Enfermagem: da vida abnegada á autodeterminação profissional. Acta Paul Enf. 2000; 13 (n esp):17-26.)

Em 1968 com a reforma e expansão do ensino superior a EPE se organizou em departamentos e em 1972, pelo Parecer CFE n° 163/72 e Resolução n° 4/72, o curso sofre nova modificação do currículo mínimo. Desenvolvido em três componentes, pré-profissional, um eixo comum profissional e as habilitações, permanecendo o enfoque curativo e hospitalar.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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Na década de 80, face a nova Constituição, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Lei Orgânica da Saúde as escolas de enfermagem empreenderam esforços para modificar o currículo vigente. Estudos sobre perfil epidemiológico demandas da população, perfil e competências desejadas para egressos foram realizados e se propôs que os cursos se desenvolvessem em 4 anos, com carga horária de 4.540h, sendo aprovado pelo Parecer n° 388 de 1983.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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Nos anos 90 o avanço das pesquisas e discussões, em diversos espaços nacionais e internacionais, sobre nomenclatura e diagnósticos de enfermagem, bem como sobre quais eixos constituir os cursos, resultam em nova mudança curricular com a definição de carga horária mínima de 3.500h e prazos mínimo de 4 e máximo de 6 anos para a conclusão do curso.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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Em 2001, o Ministério da Educação inicia o processo de discussão para proposição das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), por meio das quais postula o conjunto de competências e os eixos temáticos para construção dos Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) que devem ser adequados às necessidades da população em que se inserem os cursos e em atendimento ao previsto na Constituição Federal no que diz respeito ao SUS como norteador da formação dos recursos humanos em saúde.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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) Nesta ocasião o curso de graduação da EPE promove e participa de uma ampla discussão, em seus colegiados e entre seus pares no âmbito nacional, sobre os requisitos contido na DCN e os objetivos para os cursos de enfermagem, considerando seu entorno e adequações necessárias para transformação de seu currículo.(11. Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
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No decorrer desses anos o Curso de Enfermagem e a EPE evoluíram da transmissão para a produção e difusão do conhecimento científico, por meio do periódico Acta Paulista de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem - nível Mestrado e Doutorado acadêmicos, ambos com mais de trinta anos de existência.(66. Barros AL. Escola Paulista de Enfermagem: um pouco da sua história. Acta Paul Enferm. 2009;22(esp 70 anos):861-3.) O sucesso no acompanhamento das transformações profissionais, sociais e políticas do cenário nacional, deve-se à forte participação de suas lideranças nas reformas curriculares e no contínuo esforço para o desenvolvimento da Enfermagem, sempre sustentado pela filosofia do curso - “pautada no valor do cuidado ao ser humano, sua dignidade e integralidade; no conhecimento científico, competências e habilidades do profissional; respaldada pela ética que requer o preparo para a reflexão, a crítica construtiva, a inovação e a busca da autodeterminação profissional”.

Hoje, após 80 anos da sua criação e já tendo graduado mais de 3.000 estudantes, o curso se destaca como um centro formador de profissionais de excelência no ensino de Enfermagem, na pesquisa e na assistência, sendo reconhecido pela produção de conhecimento, o pensamento crítico e o compromisso com a saúde dos indivíduos e comunidades. E como atesta sua história, continuará atuando para promoção da profissão e para o enfrentamento dos novos desafios da assistência, do ensino e da pesquisa.

Referências

  • 1
    Medeiros M, Tipple AC, Munari DB. A expansão das escolas de enfermagem no Brasil na primeira metade do século XX. Rev Eletr Enferm [Internet]. 1999;10(1). [citado 2019 Maio 8]. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
    » http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index
  • 2
    Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2010.
  • 3
    Silva MR, Gallian DM. A Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e seu primeiro currículo (1939-1942). Rev Bras Enferm. 2009;62(2):317-22.
  • 4
    Vianna LA. Enfermagem: da vida abnegada á autodeterminação profissional. Acta Paul Enf. 2000; 13 (n esp):17-26.
  • 5
    Oguisso T. A Legislação do ensino de graduação em Enfermagem. Rev Esc Enf USP. 1976; 10(2):202-18.
  • 6
    Barros AL. Escola Paulista de Enfermagem: um pouco da sua história. Acta Paul Enferm. 2009;22(esp 70 anos):861-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019
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