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Reutilização do dialisador e uso único: episódios de pirogenia e bacteremia

Reutilización del dializador y uso único: episodios de reacciones pirógenas y bacteriemias

Resumo

Objetivos

Comparar a reutilização do dialisador com o uso único deste material para marcadores bioquímicos, hematológicos, episódios de pirogenias e bacteremias.

Métodos

Estudo longitudinal com coleta de dados retrospectiva em prontuários de pacientes em hemodiálise, em hospital público universitário. A investigação foi conduzida seis meses com a reutilização do dialisador e seis meses com uso único. Os dados foram analisados no SPSS Versão 18.0. Para comparação das médias dos exames utilizou-se teste t pareado e Wilcoxon, episódios de pirogenia e bacteremia foram analisados pelo teste de Wilcoxon e Razão de Chances (RC) como medida de força de associação. Variáveis categóricas foram analisadas pelos testes de McNemar e Exato de Fisher. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa.

Resultados

Foram analisadas 5.508 sessões de hemodiálise de pacientes predominantemente masculinos 21(62%), média de idade 58(± 14) anos, hipertensos 14(41%), tempo médio de tratamento 6±3 anos. Durante uso único identificou-se redução da ureia pós diálise, creatinina, fósforo, ferritina, hematócrito e hemoglogina em relação ao reutilizado (p < 0,05) e 91% menos risco de pirogenia comparado a reutilização do dialisador (Razão de Chance= 0,091; IC 95%: 0,002-0,625). Não houve diferença significativa na ocorrência de bacteremias.

Conclusão

Os resultados sugerem maior remoção de biomarcadores bioquímicos e menos episódios de pirogenias quando o dialisador é uso único.ater removal of biochemical biomarkers and fewer pyrogenics episodes when the dialyzer is a single use.

Diálise renal; Reutilização de equipamento; Rins artificiais; Bacteriemia

Resumen

Objetivos

Comparar la reutilización del dializador con el uso único de este material en marcadores bioquímicos, hematológicos, episodios de reacciones pirógenas y bacteriemias.

Métodos

Estudio longitudinal con recolección de datos retrospectiva en historias clínicas de pacientes en hemodiálisis, en un hospital público universitario. La investigación fue conducida seis meses con la reutilización del dializador y seis meses con un único uso. Los datos fueron analizados en SPSS Versión 18.0. Para comparar los promedios de los análisis, se utilizó el Test-T pareado y prueba de Wilcoxon, los episodios de reacciones pirógenas y bacteriemia fueron analizados mediante la prueba de Wilcoxon y Razón de Momios (RM) como medida de fuerza de asociación. Las variables categóricas se analizaron con la prueba de McNemar y la prueba exacta de Fisher. El estudio fue aprobado por el Comité de Ética e Investigación.

Resultados

Se analizaron 5.508 sesiones de hemodiálisis de pacientes predominantemente masculinos 21 (62 %), promedio de edad 58 (±14) años, hipertensos 14 (41 %), tiempo promedio de tratamiento 6±3 años. Durante el uso único del dializador, se identificó una reducción de la urea posdiálisis, creatinina, fósforo, ferritina, hematocrito y hemoglobina respecto al dializador reutilizado (p < 0,05) y un 91 % menos de riesgo de reacción pirógena comparado con la reutilización del dializador (Razón de Momios = 0,091; IC 95 %: 0,002-0,625). No hubo diferencia significativa en episodios de bacteriemias.

Conclusión

Los resultados sugieren mayor eliminación de biomarcadores bioquímicos y menos episodios de reacciones pirógenas cuando el dializador se utiliza una única vez.

Diálisis renal; Equipo reutilizado; Riñones artificiales; Bacteriemia

Abstract

Objectives

To compare dialyzer reuse with its single use for biochemical, hematological markers, pyrogenesis and bacteremia episodes.

Methods

A longitudinal study with retrospective data collection from medical records of patients on dialysis in a public university hospital. The investigation was conducted six months with dialyzer reuse and six months with single use. Data were analyzed using SPSS Version 18.0. To compare the tests means, paired t-test and Wilcoxon were used. Pyrogenesis and bacteremia episodes were analyzed using the Wilcoxon test and Odds Ratio (OR) as association strength measures. Categorical variables were analyzed using McNemar and Fisher’s Exact tests. The study was approved by the hospital’s Research Ethics Committee.

Results

Five thousand five hundred eight dialysis sessions of predominantly male patients were analyzed, 21 (62%), with mean age of 58 (± 14) years, hypertensive 14 (41%), with mean treatment time 6 ± 3 years. During single use, a reduction in urea after dialysis, creatinine, phosphorus, ferritin, hematocrit and hemoglogin was identified in relation to reuse (p<0.05) and 91% less risk of pyrogenesis compared to dialyzer reuse (Odds Ratio=0.091; 95% CI: 0.002-0.625). There was no significant difference in the occurrence of bacteremia.

Conclusion

The results suggest greater removal of biochemical biomarkers and fewer pyrogenics episodes when the dialyzer is a single use.

Renal dialysis; Equipment reuse; Kidney artiticial; Bacteremia

Introdução

A reutilização do dialisador capilar em hemodiálise é uma prática realizada em muitos países em que os recursos são limitados,(11. Duong CM, Olszyna DP, Nguyen PD, McLaws ML. Challenges of hemodialysis in Vietnam: experience from the first standardized district dialysis unit in Ho Chi Minh City. BMC Nephrol. 2015;16(1):122.,22. Dhrolia MF, Nasir K, Imtiaz S, Ahmad A. Dialyser reuse: justified cost saving for South Asian Region. J Coll Physicians Surg Pak. 2014; 24(8): 591-6.) apesar de não se ter um consenso sobre sua segurança e eficácia em comparação a dispositivos descartáveis, denominados de uso único.(33. Costa EA. Panorama internacional do reprocessamento de produtos médicos de uso único. Rev Sobecc. 2016;21(4):203–9.)Uma revisão sistemática que incluiu 14 estudos envolvendo 956.807 pacientes, apontou não haver evidências que comprovem com precisão a eficácia ou não da reutilização do dialisador em comparação ao uso único, principalmente quanto à mortalidade. Esses autores relatam que mesmo com evidências contraditórias, a técnica da reutilização é pratica comum em alguns serviços.(44. Galvão TF, Silva MT, Araújo ME, Bulbol WS, Cardoso AL. Dialyzer reuse and mortality risk in patients with end-stage renal disease: a systematic review. Am J Nephrol. 2012;35(3):249–58.)Além da preocupação imputada ao risco de mortalidade, existem ainda as inquietação em relação à reutilização do dialisador com relação à redução de seu desempenho, efeitos bioquímicos e imunológicos e os risco de infecção.(55. Malyszko J, Milkowski A, Benedyk-Lorens E, Dryl-Rydzynska T. Effects of dialyzer reuse on dialysis adequacy, anemia control, erythropoieting-stimulating agents use and phosphate level. Arch Med Sci. 2016;12(1):219–21.)Nessa perspectiva, após alerta para casos de infecções da corrente sanguínea (ICS) ocasionadas por bactérias gram-negativas em clínicas de hemodiálise na Califórnia, um grupo de pesquisadores realizou um estudo de caso controle, para observar a reutilização do dialisador nas instituições. Em um ano, foram observados 17 casos confirmados de crescimento de microrganimos Gram-negativos e 12 suspeitas. Os sintomas associados à presença destes microrganismos se manifestaram na forma de arrepios e febre durante a diálise, 35% dos pacientes foram hospitalizados e as reações pirogênicas foram associadas com o número de reutilizações.(66. Edens C, Wong J, Lyman M, Rizzo K, Nguyen D, Blain M, et al. Hemodialyzer Reuse and Gram-Negative Bloodstream Infections. Am J Kidney Dis. 2017;69(6):726–33.)A reutilização de dispositivo médico hospitalar oferece potencial risco ao paciente se contaminado ou danificado.(22. Dhrolia MF, Nasir K, Imtiaz S, Ahmad A. Dialyser reuse: justified cost saving for South Asian Region. J Coll Physicians Surg Pak. 2014; 24(8): 591-6.) Países de primeiro mundo como os da União Européia e Japão, o reuso do dialisador é proíbida por Lei, pelos riscos potenciais aos pacientes.(77. Argyropoulos C, Roumelioti ME, Sattar A, Kellum JA, Weissfeld L, Unruh ML. Dialyzer reuse and outcomes of high flux dialysis. PLoS One. 2015;10(6):e0129575.) No Brasil, país em desenvolvimento a reutilização do dialisador é regulamentada como prática padrão.(88. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada no11, de 13 de março de 2014. Dispõe sobre os Requisitos de Boas Práticas de Funcionamento para os Serviços de Diálise e dá outras providências. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.) Entretanto, estudos que tenham comparado o reuso do dialisador e o uso único no contexto brasileiro são inexistente. Visando preencher esta lacuna, esse estudo teve como objetivo comparar o efeito da reutilização do dialisador com o de uso único para variáveis de marcadores bioquímicos, hematológicos, taxas de reações pirogênicas e bacteremias e descrever o uso de antibiótico após resultado de hemocultura positiva durante a reutilização do dialisador e o uso único.

Métodos

Tipo de estudo e período

Estudo de longitudinal com coleta de dados retrospectiva em prontuários de pacientes em programa de hemodiálise convencional, em hospital público universitário. O reuso manual do dialisador teve início desde a implantação do serviço de hemodiálise, em Junho de 1975, até março de 2013; após este período, todos os pacientes passaram a utilizar dialisador de uso único. Assim, o período de observação dos pacientes foi de setembro de 2012 a fevereiro de 2013 (seis meses de reuso) e de abril a setembro de 2013 (seis meses de uso único), o mês de março, não foi contabilizando por ser o período de transição da técnica. O estudo atendeu as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, foi submetido ao Comitê de Ética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e aprovado sob nº 924.238 parecer em 16/12/2014.

Participantes

Todos os pacientes com diagnóstico de Doença Renal Crônica (DRC) em tratamento de hemodiálise convencional da unidade por meio de cateter, fístula ou enxerto, com fluxo de sangue de pelo menos 300ml/min, com prescrição prevista de tempo de diálise de três a quatro horas e que realizaram diálise nos dois períodos do estudo foram considerados elegíveis. Foram excluídos pacientes em diálise diária, com Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) positivo, portadores de hepatite B e aqueles com tempo de tratamento de hemodiálise igual ou inferior a três meses. Resultando em 35 pacientes.

Variáveis de desfecho

Os desfechos de interesse foram: - Exames laboratoriais: ureia pré e pós hemodiálise, k/tv, creatinina, cálcio, potássio, fósforo, albumina, ferritina, ferro, hematócrito, hemoglobina e paratormônio.

  • Reação pirogênica: definida por episódio repentino de pelo menos um dos sinais e sintomas de febre, calafrios, tremores, sudorese, hipotensão, sem causa justificável e hemocultura negativa.(99. Bevilacqua JL, Gomes JG, Santos VF, Canziani ME. Comparison of trisodium citrate and heparin as catheter-locking solution in hemodialysis patients. J Bras Nefrol. 2011;33(1):86–92.)

  • Bacteremia: definida pela ausência de evidências clínicas de uma fonte alternativa de infecção e na presença de febre e calafrios, com crescimento de bactérias no sangue, coletado de via periférica ou cateter, resultado de hemocultura positiva.(1010. Shepshelovich D, Yelin D, Bach LO, Halevy N, Ziv Y, Green H, et al. Chills During Hemodialysis: Prediction and Prevalence of Bacterial Infections - A Retrospective Cohort Study. Am J Med. 2017;130(4):477–81.)

  • Uso de antibióticos: Antibióticos utilizados empiricamente e/ou após resultado positivo de hemocultura, considerando o número de dias e doses.

Protocolo da unidade na ocorrência de pirogenia

Na ocorrência de episódios de reações pirogênicas ou suspeita de bacteremias constatadas pela presença de tremores, febre e calafrios durante as sessões de hemodiálise, a conduta na unidade em estudo era administração de antitérmico, conforme prescrição, e realizar coleta de hemocultura solicitando antibiograma. Quando paciente em uso de FAV, duas amostras de sangue periférico com intervalos de cinco minutos, na ascensão do pico febril. Quando cateter venoso central, coletava-se dois pares de hemoculturas (pelo menos um em veia periférica). O método de processamento das hemoculturas é automatizado. Após a coleta e se prescrito, administrava-se antibiótico. Dialisador e linhas eram descartados.

Coleta de dados

A partir da coleta de dados nos prontuários eletrônicos foi considerado o acesso venoso em uso pelo paciente aquele na data em que ocorreu a reação pirogênica. Quando havia no prontuário a descrição de FAV e cateter, considerou-se somente o cateter venoso. Pacientes que não apresentaram reações pirogênicas, foi registrado o acesso em uso na primeira data de coleta dos exames laboratoriais de cada período.

Os exames laboratoriais foram agrupados a cada dois meses, gerando uma média, e inseridos em uma planilha, contabilizando três registros de exames para cada grupo de pacientes. Para cálculo do sp Kt/V utilizou-se a equação de Daugirdas segunda geração.

Episódios de pirogenias foram registrados de acordo com o número de vezes apresentadas. Em casos de dois ou mais episódios, estes eram registrados em novo formulário, e identificados como 1º episódio, 2º episódio, sucessivamente, tanto no período de reuso quanto no uso único do dialisador.

Análise estatística

Para análise de dados foi utilizado o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) Versão 18.0. Variáveis categóricas foram descritas em números percentuais e absolutos. Foi realizado teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov. Conforme distribuição dos dados as variáveis contínuas foram expressas com médias e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil. A comparação das médias de resultados de exames laboratoriais foi realizada nos dois períodos do estudo utilizando-se o teste t pareado. Variáveis com distribuições assimétricas utilizou-se o teste de Wilcoxon. Os episódios de pirogenias e bacteremias entre os dois períodos, foram comparados pelo teste de Wilcoxon, posteriormente, utilizou-se a Razão de Chances (RC) como medida de força de associação para avaliar o risco nos episódios de pirogenia e bacteremias. Para variáveis categóricas, na comparação entre os períodos para verificar se hemocultura positiva, aplicou-se o teste de McNemar e teste Exato de Fisher para comparar o tipo de acesso venoso. Um valor p<0,05 foi considerado significativo.

Resultados

De um total de 48 pacientes em tratamento de hemodiálise, 35 atenderam aos critérios de inclusão, destes, um foi excluído durante o estudo por estar em uso de antifúngico (Anfotericina). Foram analisadas 5.508 sessões de hemodiálise de 34 pacientes renais crônicos, 21(62%) eram do sexo masculino, média de idade de 58 (±14) anos. A hipertensão arterial sistêmica foi à causa mais comum da DRC com 14 (41%).O tempo médio de tratamento foi 6±3 anos. Predominantemente as sessões de hemodiálise nos dois períodos analisado transcorriam em quatro horas, com fluxo de sangue de 300ml/min para um fluxo de dialisato de 500ml/min. A via de acesso venoso para realização do tratamento apresentou-se similar entre os dois períodos. Durante o período de reuso, o dialisador utilizado era o Diacap LOPS da B. Braun, enquanto que no período de uso único Polyflux L-Gambro. As membranas utilizadas em ambos os períodos eram biocompatíveis e o processo de esterilização no reuso manual ocorreu com proxitane (ácido peracético 0,2%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características clínicas da amostra e parâmetros hemodinâmicos e volêmicos de acordo com o uso do dialisador

Exames laboratoriais

Na comparação entre os exames laboratoriais entre os períodos analisados da utilização do dialisador, observou-se uma redução estatística significativa nos valores de ureia pós-diálise, creatinina, fósforo, ferritina, hematócrito e hemoglobina quando se utilizou o dialisador de uso único em relação a reutilização do dialisador (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação dos resultados laboratoriais entre os dois períodos

Episódios de pirogenia e ou bacteremias

Dos 34 pacientes acompanhados, 20 (59%) não apresentaram pirogenia/bacteremia em nenhum dos dois períodos do estudo. Dos 14 (41%) pacientes que apresentaram pirogenia/bacteremia, 13 (32%) apresentaram no período de reuso e um durante o período de uso único. Houve uma diferença significativa nos episódios de pirogenia entre os dois grupos, na figura 1. No uso único observa-se 91% menos risco de pirogenia comparado ao período de reuso do dialisador capilar (RC= 0,091; IC 95%: 0,002-0,625).

Figura 1
Percentagem de pirogenia e ou bacteremia no período do estudo de reuso e uso único do dialisador. p* teste de Wilcoxon.

*p é o resultado da comparação por número de pacientes


Na análise dos dois períodos do estudo ocorreram 22 episódios de febre e calafrios em 14 pacientes; 19 episódios foram registrados no período de reuso em 13 pacientes, enquanto no uso único foi constatado apenas um episódio de febre e calafrios em três pacientes. Dos 22 episódios ocorridos em 14 pacientes, sete apresentaram hemocultura positiva, seis (18%) no reuso e um (3%) no uso único. Não houve diferença significativa (P= 0,125) na presença da bacteremias comparando-se os diferentes usos do dialisador. Dos 13 pacientes que apresentaram pirogenia /bacteremias no período de reuso, quatro (31%) estavam em uso de cateter venoso central enquanto que nove (69%) pacientes apresentavam fístula arteriovenosa (FAV) (p=0,015). No período de uso único do dialisador, havia maior uso de cateter venoso central no grupo que apresentou pirogenia bacteremias (p=0,074), mas sem diferença significativa. Os microorganismos encontrados nos resultados das amostras sanguíneas dos seis pacientes com hemocultura positiva no período de reuso foram Staphylococcus sp coagulase negativo um (3,0 %), Staphylococcus aureus um (3,0 %), Complexo Burkholderia cepacea dois (6,0 %), Ralstonia Piketti dois (6,0 %). No período da utilização do dialisador de uso único a bacteremia foi confirmada em apenas um dos três pacientes que apresentaram episódio de calafrio e febre, com a presença de Escherichia Coli um (3,0 %) no resultado da hemocultura. Quanto à análise da presença de microoganismos na água de hemodiálise, durante o reuso, em um registro foi encontrado bactéria heterotrófica (>5700 UFC/ml) pós filtro de hemodiálise, em outro paciente, houve desenvolvimento de bactéria heterotrófica na saída do filtro de carvão ativado (>5700 UFC/ml), para os demais resultados, a qualidade da água obedecia os parâmetros recomendados pela legislação vigente, assim como as análises durante o uso único. O antibiótico mais utilizado empiricamente para tratar a pirogenia foi à vancomicina. Apenas um paciente fez uso desse antibiótico após o resultado da hemocultura utilizando sete doses do medicamento. A presença de outro foco de infecção durante o episódio de pirogenia foi confirmada em dois pacientes no período de reuso, enquanto que no uso único esteve associada em 100% dos episódios de pirogenia.

Discussão

Este é um dos poucos estudos desenvolvidos em hospital público e universitário brasileiro que avaliou a reutilização do dialisador com o de uso único para variáveis como marcadores bioquímicos, hematológicos, reações pirogênicas e bacteremias. Seus achados demonstraram redução estatística significativa nos níveis séricos de ureia pós-diálise, creatinina, fósforo, ferritina, hematócrito e hemoglobina, embora, a relevância clínica para esses marcadores deve ser interpretada com cautela. Houve redução nas taxas de reações pirogênicas e bacteremias quando da mudança da reutilização do dialisador para o uso único.

Além da ureia, outros pequenos solutos que devem ser removidos durante a diálise para garantir a sobrevida dos pacientes, são a creatinina e o fósforo, que no presente estudo, ambos apresentaram uma melhor redução durante o uso único.

Outro achado significativo, foi a manutenção da albumina para ambos os tipos de dialisadores, análogo a um estudo.(1111. Aggarwal HK, Jain AS, Bansal RK, Yadav KL. Effect of Dialyser Reuse on the Efficacy of hemodialysis in patients of chronic kidney disease in developing world. JIMSA. 2012;25(2):81–3.) que indicaram não haver diferença na média de albumina entre o dialisador processado e de uso único. Embora, nos pacientes renais crônicos em hemodiálise, é frequente observar queda em seus níveis séricos, pela associação de condições de acidose metabólica, redução da ingesta proteica e inflamações.(1212. Al S, Marcondes VM. Alterações bioquímicas em pacientes renais crônicos hipertensos. Interbio. 2014;8(1):65–71.)

A DRC por si só é um estado inflamatório, que está associado à anemia, a qual é apresentada pelos índices de hematócrito e hemoglobina. No presente estudo, os níveis destes marcadores tiveram uma redução estatística significativa durante o período de uso único do dialisador. Em um recente ensaio clínico cruzado, não foi encontrado diferença significativa quando comparado esses componentes sanguíneos no reuso e único do dialisador.(1313. Ribeiro IC, Roza NA, Duarte DA, Guadagnini D, Elias RM, Oliveira RB. Efeitos clínicos e microbiológicos do reuso de dialisadores em pacientes em hemodiálise. J Bras Nefrol. 2019;41(3):384:92.)

Neste estudo, ao ser analisado a presença de pirogenias nos pacientes em hemodiálise, observou-se que 14(41%) dos pacientes apresentaram sinais e sintomas característicos de reação pirogênica ou bacteremias durante o estudo. Destes, 13 (38%) foi durante o reuso do dialisador. Durante o uso único, apenas três pacientes apresentaram pirogenia, contabilizando três episódios. Dois dos pacientes que exibiram reações pirogênicas no uso único haviam apresentado no reuso, e um paciente apresentou somente no uso único do dialisador, conferindo uma diferença significativa (p= 0,003) entre os grupos. Porém, para a análise dos resultados, foi contabilizado o número de pacientes e não dos episódios de pirogenias, isso significa que, a diferença do resultado entre os períodos é ainda maior, ou seja, há um menor risco de reações pirogênicas quando utilizado o dialisador de uso único.

Os riscos à exposição de microorganismos pelo reuso do dialisador, afirmam existir uma associação entre um número maior de reuso do dialisador e ocorrência de reações pirogênicas.(66. Edens C, Wong J, Lyman M, Rizzo K, Nguyen D, Blain M, et al. Hemodialyzer Reuse and Gram-Negative Bloodstream Infections. Am J Kidney Dis. 2017;69(6):726–33.) Assim ao investigar um surto de infecções bacterianas em pacientes em clínicas de hemodiálise, e após revisar detalhadamente fatores ambientais, técnica de reutilização e registros médicos, observaram que o crescimento de microorganismos ocorreu pela inadequada limpeza e desinfecção dos cabeçalhos do dialisador, em consequência do desinfectante não alcançar porções do O-ring durante a desinfecção.(1414. Oyong K, Marquez P, Terashita D, English L, Rivas H, Deak E, et al. Outbreak of bloodstream infections associated with multiuse dialyzers containing O-rings. Infect Control Hosp Epidemiol. 2014;35(1):89–91.)

Ao reforçar esses achados, um recente estudo avaliou a eficácia dos métodos de reuso manual e automatizado sobre a contaminação microbiana após múltiplos reuso do dialisador em dois serviços de diálise no Brasil. De um total de 11 amostras do dialisador com reuso automático, três (27,3%) apresentaram crescimento de microorganismos nas câmeras de sangue e todas as amostras apresentaram crescimento microbiano no compartimento do dialisato. Das quatro amostras do dialisador reutilizado manualmente, foram encontradas uma amostra (25%) de bactérias gram positivas na câmera de sangue e uma amostra (25%) de Burkholderia cepacia na câmera de dialisato. Sinalisando que a reutilização do dialisador pode representar riscos de segurança para o paciente pela exposição à microorganismos, independente do método manual ou automatizado.(1515. Toniolo AR, Ribeiro MM, Ishii M, da Silva CB, Jenné Mimica LM, Graziano KU. Evaluation of the effectiveness of manual and automated dialyzers reprocessing after multiple reuses. Am J Infect Control. 2016;44(6):719–20.)

Ao avançar nas análises de pirogenia, quando analisado os dois períodos do presente estudo para identificar entre essas quantas efetivamente foram diagnosticadas como bacteremias, não foi demonstrado diferença estatística comparando-se os diferentes usos do dialisador. Reforça-se que esse resultado foi apresentado pelo número de pacientes, e não pelo número de reações pirogências, assim, pacientes que apresentaram mais que um episódio, não foram contabilizados para o cálculo. Salienta-se que em ambos os períodos, todos os pacientes foram considerados para a análise da confirmação de bacteremias, uma vez que todos estavam expostos à possibilidade de apresentar episódio.

As pirogenias ou bacteremias durante o período de reuso ocorreram em pacientes em uso FAV, enquanto que no uso único do dialisador, havia maior uso do cateter venoso central para o grupo que apresentou pirogenia/bacteremias. Recentemente, uma coorte européia, investigou o risco e casos fatais de infecção da corrente sanguínea entre pacientes crônicos em hemodiálise, durante o período de 1995-2010, verificou que a criação de uma fístula arteriovenosa foi associada a um menor risco de infecção da corrente sanguínea.(1616. Skov Dalgaard L, Nørgaard M, Jespersen B, Jensen-Fangel S, Østergaard LJ, Schønheyder HC, et al. Risk and prognosis of bloodstream infections among patients on chronic hemodialysis: a population-based cohort study. PLoS One. 2015;10(4):e0124547.)Essa evidencia reforça os resultados do presente estudo, inferindo ao reuso do dialisador a possibilidade de ser o potencial agente causador dos episódios e isentando a associação com acesso venoso.

Entre os microrganismos encontrados nestas amostras dos pacientes, destaca-se o Complexo Burkholderia Cepacea e Ralstonia Piketti. Ambos possíveis de serem encontrados nos sistema de água para hemodiálise, e quando em contato com a corrente sanguínea provocam reações pirogênicas ou bacteremias.(1717. Tejera D, Limongi G, Bertullo M, Cancela M. Ralstonia pickettii bacteremia in hemodialysis patients: a report of two cases. Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(2):195–8.)

Para averiguar se os microrganismos estavam associados ao reservatório de água de hemodiálise, observou-se as culturas de água durante o período de reuso do dialisador, sendo encontrado um registro de bactéria heterotrófica (>5700 UFC/ml) pós filtro de hemodiálise, que culminou no desenvolvimento Complexo Burkholderia Cepacea, comprovado pela hemocultura sanguínea. Em outro paciente que foi encontrado bactéria heterotrófica na saída do filtro de carvão ativado (>5700 UFC/ml), foi confirmado Staphylococcus aureus na hemocultura. Os demais registros de cultura de água mantinham padrões de qualidade de análise microscópica, amparam a opinião, de que a água não esteve associada às reações pirogênicas e bacteremias comprovado pela cultura negativa.

As reações pirogênicas e bacteremias foram tratadas com vancomicina de forma empírica, e apenas um paciente durante o uso único fez uso do antibiótico após o resultado da hemocultura. A explicação para os demais pacientes não utilizarem o antibiótico após o resultado, pode estar na demora da liberação do resultado, o que induz a permanência do uso do medicamento empírico até completar o ciclo planejado.

Em estudo que investigou um surto de enterococos resistentes à vancomicina no Sul do Brasil, demonstrou que todos os pacientes investigados, utilizaram algum tipo de terapia antimicrobiana antes do isolamento do microrganismo. Todos os isolados foram identificados como resistente à vancomicina e a maioria dos pacientes que foram a óbito eram da unidade de hemodiálise.(1818. Resende M, Caierão J, Prates JG, Narvaez GA, Dias CA, d’Azevedo PA. Emergence of vanA vancomycin-resistant Enterococcus faecium in a hospital in Porto Alegre, South Brazil. J Infect Dev Ctries. 2014;8(2):160–7.) Nesse sentido a prática de reutilização do dialisador é uma preocupação no aumento das taxas de infecção, pois o uso extensivo e às vezes inapropriado dos antibióticos somados a imunossupressão dos pacientes e a demora do diagnóstico das infecções bacterianas podem culminar na resistência microbiana.

Sumariamente, o desenvolvimento deste estudo trouxe informações relevantes na comparação entre a reutilização do dialisador e o uso único, principalmente ao sinalizar os potenciais riscos de reações pirogênicas com o reuso, os quais comprometem a segurança do paciente. No entanto, os resultados referentes a redução dos parâmetros laboratoriais quando utilizado dialisador de uso único, deve ser considerada com prudência, pois embora alguns tenham apresentado redução estatística significativa quando passou a ser utilizado o dialisador de uso único, é necessário ponderar se clinicamente essa diferença é relevante.

Algumas limitações são importantes ressaltar, como por exemplo, o tamanho amostral, ausência de informações nos prontuários de exames de proteína C reativa, além dos possíveis vieses de confusão sobre a ocorrência de pirogenia e bacteremia. Para estes, tentou-se definir os critérios de bacteremia e pirogenia, pesquisar a presença de cateter venoso central e cultura de água a fim de isolar possíveis confundidores.

Conclusão

Os resultados sugerem maior remoção de biomarcadores bioquímicos e menos episódios de pirogenias quando o dialisador é uso único. Adicionalmente, os antibióticos foram utilizados empiricamente para tratar as infecções.

Agradecimentos

À CAPES (apoio financeiro e bolsa de pesquisa CAPES DINTER AUX 172, para Olvani Martins da Silva).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2019
  • Aceito
    18 Fev 2020
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