Programa ERAS^® - Cuidados de enfermagem à pessoa submetida a cirurgia colorretal

Programa ERAS^®: cuidados de enfermería para personas sometidas a cirugía colorrectal

Resumo

Objetivo

Identificar os cuidados de Enfermagem associados ao programa Enhanced Recovery After Surgery^® na área da cirurgia colorretal.

Métodos

Realizou-se uma Scoping Review de publicações no período entre 2009 e 2019, segundo as recomendações do Joanna Briggs Institute, com base na questão de pesquisa: “Quais os cuidados de Enfermagem à pessoa submetida a cirurgia colorretal, no âmbito do programa Enhanced Recovery After Surgery^®?”. A pesquisa realizou-se entre 02/12/2019 a 12/12/2019 através da pesquisa boolena nas bases de dados eletrónicas CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Library, Information Science & Technology Abstracts, MedicLatina e no repositório b-ON, com os descritores MeSH “nursing”, “colorectal” e a palavra-chave “enhanced”.

Resultados

Foram selecionados 13 artigos que evidenciam uma adaptação e uma complementaridade nos cuidados de Enfermagem assegurados pelo Enfermeiro coordenador do programa e Enfermeiro Estomaterapeuta. No pré-operatório destaca-se como intervenção o ensino e otimização da pessoa, no intra-operatório, uma abordagem minimamente invasiva com gestão multimodal da dor e no período pós-operatório, um retorno precoce da alimentação, reabilitação e acompanhamento telefônico aquando a alta.

Conclusão

Os Enfermeiros desempenham um papel crucial na adoção e sustentação das práticas clínicas sugeridas pelo programa verificando um impacto positivo na experiência cirúrgica dos pacientes de colorretal.

Cirurgia colorretal; Enfermagem perioperatória; Reabilitação; Pacientes; Cuidados de enfermagem

Resumen

Objetivo

Identificar los cuidados de enfermería relacionados con el programa Enhanced Recovery After Surgery^® en el área de la cirugía colorrectal.

Métodos

Se realizó una Scoping Review de publicaciones del período entre 2009 y 2019, de acuerdo con las recomendaciones del Joanna Briggs Institute, con base en la pregunta de investigación: “¿Cuáles son los cuidados de enfermería para personas sometidas a una cirugía colorrectal, en el contexto del programa Enhanced Recovery After Surgery^®?”. La investigación se llevó a cabo del 02/12/2019 al 12/12/2019 mediante una búsqueda booleana en las bases de datos electrónicas CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Library, Information Science & Technology Abstracts, MedicLatina y en el repositorio b-ON, con los descriptores MeSH “nursing”, “colorectal” y la palabra clave “enhanced”.

Resultados

Se seleccionaron 13 artículos que evidencian una adaptación y una complementariedad en los cuidados de enfermería garantizados por el enfermero coordinador del programa y el enfermero estomaterapeuta. En el preoperatorio se destaca como intervención la enseñanza y optimización de la persona, en el intraoperatorio, un enfoque mínimamente invasivo con gestión multimodal del dolor, y en el período posoperatorio, un retorno precoz de la alimentación, rehabilitación y seguimiento telefónico después del alta.

Conclusión

Los enfermeros desempeñan un papel crucial para adoptar y sustentar las prácticas clínicas sugeridas por el programa, lo que confirma un impacto positivo en la experiencia quirúrgica de los pacientes de cirugía colorrectal.

Cirugía colorrectal; Enfermería perioperatoria; Rehabilitación; Pacientes; Cuidados de enfermería

Abstract

Objective

To identify the nursing care associated with the Enhanced Recovery After Surgery^® program in the field of colorectal surgery.

Methods

According to the recommendations of the Joanna Briggs Institute, a Scoping Review of publications from 2009 to 2019 was carried out based on the research question: “What is the nursing care for patients undergoing colorectal surgery in the scope of the Enhanced Recovery After Surgery^® program?”. The research took place between 12/02/2019 and 12/12/2019 through the boolean research in the following electronic databases: CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Library, Information Science & Technology Abstracts, MedicLatina, and in the b-ON repository with the MeSH descriptors “nursing”, “colorectal” and the key-word “enhanced”.

Results

We selected 13 articles that showed adaptation and complementarity with the nursing care ensured by the nurse coordinator of the program and stomatherapist nursing. In the preoperative period, instruction and person optimization stand out as an intervention, in the intraoperative period, a minimally invasive approach with multimodal pain management, and in the postoperative, a precocious return to feeding, rehabilitation, and telephone follow-up at the time of the hospital discharge.

Conclusion

The nurses perform a crucial role to the adoption and support of the suggested clinical practices of the program verifying a positive impact in patients submitted to colorectal surgery.

Colorectal surgery; Perioperative care; Rehabilitation; Patients; Nursing care

Introdução

A necessidade constante de adequação e desenvolvimento das práticas de Enfermagem à luz do progresso científico conduz a alterações constantes das práticas desenvolvidas em alguns serviços. Este progresso abrange a área da Enfermagem Perioperatória, requerendo cada vez mais suporte técnico e formativo para dar resposta adequada às necessidades da pessoa.

O programa Enhanced Recovery After Surgery^® (ERAS^®) surge como uma abordagem multimodal, baseado na evidência científica, que contempla um conjunto de orientações referentes ao período perioperatório.(¹) Os primeiros protocolos surgiram na área da cirurgia colorretal, e expandiram-se rapidamente às outras especialidades cirúrgicas por apresentar vantagens significativas para o paciente e para as organizações,(¹,²) das quais se enumeram: diminuição da taxa de complicações, redução do tempo de internamento e redução dos custos em saúde.(¹,³) O processo de implementação, com o respectivo apoio administrativo, pressupõe a adaptação dos protocolos às realidades de cada instituição, realçando a importância do envolvimento de uma equipe multidisciplinar com o objetivo de aumentar a adesão e sustentabilidade das práticas.(⁴)

Anteriormente à implementação do programa ERAS^®, o tempo de demora média para a recuperação de uma cirurgia colorretal rondava os 10-14 dias, condicionando à pessoa a um retorno tardio do trânsito intestinal, sensação de fome e, consequentemente, maior risco de desnutrição.(⁵) Atualmente, as orientações fornecidas pelo programa contrariam esse cenário, apontando para um período de internamento entre 3-5 dias após cirurgia e para a diminuição das complicações sem comprometer a satisfação do paciente.(²,⁶)

Com esta nova metodologia emerge um novo papel na área de Enfermagem, o Enfermeiro Coordenador do programa Enhanced Recovery After Surgery^® (Enfermeiro ERAS^®). Embora o seu papel não seja totalmente claro, é um elemento preponderante no acompanhamento da pessoa ao longo do perioperatório, na formação às equipes e no processo de auditorias.(³,⁷)

A consulta pré-operatória é habitualmente realizada pelo Enfermeiro ERAS^® que recorre às suas competências comunicacionais e relacionais para transmitir informação e explorar com a pessoa e família as questões geradoras de ansiedade, como o regresso a casa.(⁸,⁹) Ao longo da consulta, são abordados os critérios de otimização sugeridos pelo programa com o objetivo de prevenir complicações associadas a cirurgia e aumentar a tolerância face ao stress fisiológico.(⁶,⁹)

Em relação ao procedimento anestésico-cirúrgico, o programa privilegia técnicas menos invasivas como a cirurgia laparoscópica e uma monitorização rigorosa.(⁶,⁹) Durante o período pós-operatório, algumas recomendações do programa vão de encontro aos cuidados já priorizados pelos Enfermeiros, tais como o alívio do desconforto causado por náuseas, vômitos ou dor sendo que, outras intervenções como a mobilização da pessoa e o retorno precoce da alimentação surgem como uma inovação.(⁴,⁶,⁹)

Como referido anteriormente, este conjunto de procedimentos leva a uma redução do tempo de internamento e consequentemente à redução dos riscos relativos à hospitalização. Por outro lado, no caso da pessoa estomizada, o Enfermeiro dispõe de menos tempo para acompanhar e providenciar à pessoa autonomia nos cuidados ao estoma.(¹⁰)

A chegada das orientações na área da cirurgia colorretal não só impulsionaram a criação de novas funções como alteraram transversalmente as práticas desenvolvidas ao longo do percurso perioperatório, sendo fundamental compreender qual o impacto do programa nos cuidados de Enfermagem. Neste sentido, torna-se pertinente a realização desta scoping review de modo a mapear o conhecimento existente referente aos cuidados de Enfermagem à pessoa submetida a cirurgia colorretal, no âmbito do programa ERAS^®.

Métodos

Perante a recém-chegada do programa ERAS^®, considerou-se pertinente desenvolver uma scoping review, segundo a metodologia do Joanna Briggs Institute,(¹¹) com o objetivo de identificar os cuidados de Enfermagem contemplados pelo programa na área da cirurgia colorretal e, assim, contribuir para a produção de conhecimento em prol das pessoas propostas a cirurgia eletiva.

Deste modo, definiu-se a pergunta de partida seguindo a metodologia PCC (População, Conceito e Contexto): “Quais os cuidados de Enfermagem à pessoa submetida a cirurgia colorretal, no âmbito do programa Enhanced Recovery After Surgery^®?”, identificando como (P) à pessoa submetida a cirurgia colorretal, (C) os cuidados de Enfermagem e (C) programa Enhanced Recovery After Surgery^®. A estratégia de pesquisa realizou-se entre 02/12/2019 a 12/12/2019 nas bases de dados eletrónicas CINAHL Complete, MEDLINE Complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Library, Information Science & Technology Abstracts, MedicLatina e no repositório b-ON, com os descritores MeSH “nursing”,“colorectal” e a palavra-chave “enhanced”, combinados com o operador booleano AND. Foram definidos como critérios de inclusão: artigos com texto integral, publicados nos últimos 10 anos dado o início da implementação dos protocolos ERAS^®, redigidos em Português, Inglês e/ou Francês e cuja população fosse constituída por pessoas submetidas a cirurgia colorretal, alvos dos cuidados de Enfermagem no programa ERAS^®. Para sistematizar o processo de inclusão dos estudos, optou-se pela metodologia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).(¹¹)Os artigos foram pré-selecionados a partir da análise dos títulos, resumos e removidos os duplicados. A fim de selecionar a amostra final da revisão, procedeu-se a leitura completa dos estudos com aplicação dos critérios de inclusão. Foram removidos os artigos repetidos e os que não exploram a abordagem do Enfermeiro no âmbito do programa.

Resultados

Quanto ao resultado da pesquisa, foram obtidos um total de 294 artigos, dos quais 274 foram excluídos por duplicação, pelo título e pelo resumo, identificando assim 20 artigos para leitura de acordo com os critérios de inclusão. Destes, 13 foram incluídos na revisão conforme contemplado no fluxograma (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma PRISMA (adaptado) do processo de seleção de artigos

A sistematização da análise efetuada aos treze artigos selecionados é apresentada segundo o instrumento adaptado do manual metodológico para Revisões Scoping do Joanna Briggs Institute destacando as caracteristicas principais dos artigos analisados e respetivos resultados (Quadro 1).(¹¹)O período de publicação dos artigos é compreendido entre os anos de 2009 e 2019 onde mencionam as intervenções do Enfermeiro no domínio do programa ERAS^®.

Quadro 1
Síntese dos artigos incluídos na Scoping Review

Autores/Ano	Amostra/tipo de estudo	Objetivos	Resultados
Burch J, Fecher-Jones I, Balfour A, Fitt I, Carter F. 2017(2)	- 89 Enfermeiros - Descritivo e Qualitativo	Identificar o papel do Enfermeiro ERAS®.	Os Enfermeiros Especialistas e/ou Seniores são os mais indicados para o desempenho da função de Enfermeiro ERAS® por deterem competências acrescidas.
Brown D, Xhaja A. 2018(3)	- Artigo de opinião	Explorar o papel que a Enfermagem desempenha na implementação do programa ERAS®.	A liderança e coordenação da equipe de Enfermagem são essenciais para a disseminação de novas práticas clínicas e mudanças culturais.
Burch J, Taylor J. 2012(5)	- 100 pessoas submetidas a cirurgia colorretal - Prospetivo e Comparativo	Conhecer o processo de recuperação e acompanhamento das pessoas submetidas a cirurgia colorretal no programa ERAS®	O acompanhamento da pessoa é feito através do follow-up permitindo apoiar e esclarecer dúvidas ligadas ao processo de recuperação.
Brady KM, Keller DS, Delaney CP. 2015(7)	- 18 processos auditados em 2013 e 15 processos auditados seis meses depois - Retrospetivo e Comparativo	Identificar os cuidados de enfermagem integrados no programa ao longo do perioperatório.	Os cuidados de enfermagem no pré-operatório são dirigidos à pessoa e família com a realização de ensinos. Na admissão hospitalar, o jejum é mínimo e a preparação cólica habitualmente descontinuada. No intra-operatório, deve-se validar a informação clínica, assegurar a profilaxia do tromboembolismo e da antibioterapia e monitorizar a temperatura. No pós-operatório, os Enfermeiros têm mais autonomia na remoção de dispositivos e na gestão da fluidoterapia e analgesia.
Mitchell M. 2011(8)	- Artigo de opinião	Descrever a abordagem do programa e identificar os aspetos ligados às práticas de Enfermagem.	Destaca-se como intervenção de Enfermagem o ensino à pessoa e família dando ênfase aos aspetos psicossociais e, o estabelecimento de um contacto entre o meio hospitalar e comunitário.
Ruel MC, Lapierre A, Côté J, Arbour C. 2019(9)	- 1 pessoa submetida a cirurgia colorretal - Caso Clínico	Entender quais os cuidados de enfermagem envolvidos na redução do stresse fisiológico, na promoção do conforto e na recuperação acelerada do paciente dentro do Programa.	Cuidados no pré-operatório: ensino e otimização; redução do stress fisiológico (jejum pré-operatório mínimo, ingestão de bebidas hipercalóricas, preparação cólica seletiva). Cuidados no intra-operatório: abordagem minimamente invasiva; promoção da normotermia e normovolémia. Cuidados no pós-operatório: alimentação e mobilização precoce; controle da dor com analgesia multimodal.
Burch J, Slater R. 2012(10)	- Artigo de opinião	Descrever o conceito de recuperação avançada após a cirurgia e os seus benefícios para a pessoa com estomia	Destaca-se, para além da consulta pré-operatória, a importância dos cuidados do Enfermeiro de estomaterapia na preparação física e psicológica da pessoa e no planeamento eficaz da sua recuperação.
Aasa A, Hovbäck M, Berterö CM. 2013(12)	- 12 pessoas submetidas a cirurgia colorretal - Entrevista estruturada	Identificar e descrever a importância dos cuidados de enfermagem no pré-operatório dentro do programa ERAS®	No programa ERAS®, os cuidados de enfermagem no pré-operatório dirigem o foco para o empoderamento da pessoa e a criação de uma parceria de cuidados de forma a identificar atempadamente as necessidades individuais e apoios indispensáveis para a otimização pós-cirúrgica.
Forsmo HM, Erichsen C, Rasdal A, Tvinnereim JM, Körner H, Pfeffer F. 2018(13)	- 80 pessoas alvos de ensino estruturado e 84 alvos de ensino tradicional. - Randomizado controlado	Avaliar o impacto do ensino perioperatório na recuperação pós-cirúrgica nos grupos em estudo.	As pessoas que receberam informação detalhada no pré e pós-operatório tiveram uma atitude mais positiva durante a recuperação por entender as finalidades dos cuidados, resultando num internamento mais curto em relação ao outro grupo.
Burton J, Allison J, Smart N, Francis N. 2011(14)	- 240 pessoas submetidas a cirurgia colorretal - Descritivo e Quantitativo	Descrever qual o impacto do Programa ERAS® nos cuidados à pessoa estomizada após cirurgia eletiva.	Houve um impacto positivo no tempo de internamento nas pessoas estomizadas fruto dos cuidados de Enfermagem no pré e pós-operatório relacionadas com o ensino, treino na substituição do material de estomia e pela comunicação eficaz e motivacional.
Bernard H, Foss M. 2014(15)	- 4 pessoas submetidas a cirurgia colorretal - Entrevista semiestruturada	Analisar os meios comunicacionais entre o contexto hospitalar e comunitário.	Os pacientes identificaram como tranquilizadoras as seguintes intervenções de Enfermagem: o ensino, o agendamento de follow-up, o fornecimento de um contacto telefônico e a adequada referenciação para os cuidados de saúde primários.
Hübner M, Addor V, Slieker J, Griesser AC, Lecureux E, Blanc C, Demartines N. 2015(16)	- 50 pessoas submetidas a cirurgia colorretal antes do programa, 69 durante a implementação e 148 após - Coorte Retrospetivo	Observar e medir a carga de trabalho dos Enfermeiros antes, durante, e após o início do programa ERAS® na cirurgia colorretal.	Com a implementação do programa, o Enfermeiro direcionou as suas intervenções para o ensino e empoderamento da pessoa refletindo-se numa diminuição da carga de trabalho de Enfermagem.
Burch J. 2009(17)	- Artigo de opinião	Discutir os princípios da recuperação avançada e a carga de trabalho dos Enfermeiros da comunidade.	Os cuidados de Enfermagem ligados ao programa ERAS® permitiram às pessoas regressar mais cedo às suas casas e com mais autonomia, reduzindo a carga de trabalho dos Enfermeiros da comunidade.

Discussão

Grande parte dos estudos disponíveis sobre o programa ERAS^® centralizam as suas perspetivas no papel do cirurgião, todavia, dada a natureza multidisciplinar no cuidado à pessoa, tem-se destacado cada vez mais a figura do Enfermeiro como pilar do programa.

A implementação do programa ERAS^® destronou certas práticas tradicionalmente desempenhadas e trouxe consigo uma nova cultura de cuidado à luz do conhecimento atual.(³,⁶) De forma a ultrapassar as barreiras iniciais que desafiavam as mentalidades dos profissionais, foram destacados Enfermeiros líderes capazes de formar e educar as equipes acerca da fundamentação teórica e científica das práticas inseridas no programa, promovendo assim a qualidade e segurança dos cuidados.(³)Emerge deste modo um novo conceito, o Enfermeiro ERAS^®. Este é destacado como elemento formador das equipes, coordenador do programa através da monitorização, introdução e divulgação dos dados da plataforma ERAS^® Interactive Audit System (EIAS) e colaborador no seio da equipe de Enfermagem nos cuidados à pessoa. A formação dirigida à equipe de Enfermagem foi descrita como fundamental para conhecer as razões que sustentam o programa e acreditar nas suas potencialidades.(²,³,⁷)

Um dos estudos analisados sugere que os elementos com maior competência para desempenhar as funções de Enfermeiro ERAS^® são os Enfermeiros Especialistas e/ou Seniores. As suas funções variam de acordo com a instituição, mas é-lhes habitualmente atribuído um horário entre 24 a 37,5 horas para o desempenho do cargo no qual ainda têm a responsabilidade de realizar as consultas pré-operatórias, acompanhar a pessoa durante o internamento e apoiá-la no regresso a casa com o respetivo follow-up.(²)

Na fase do pré-operatório, o foco está dirigido para a otimização e capacitação da pessoa proposta para cirurgia colorretal através do ensino.(⁶,⁷,¹²) Durante a consulta pré-operatória, o Enfermeiro deverá informar a pessoa e família de todas as fases da sua experiência cirúrgica e esclarecer certas preocupações como o tempo de internamento, o procedimento anestésico-cirúrgico, as restrições no pós-operatório e o encaminhamento para os cuidados de saúde primários.(¹²,¹³) São apresentadas como medidas de otimização física: a avaliação do estado nutricional, reforço da prática de exercício físico, a cessação tabágica e alcoólica e a gestão de doenças crónicas.(⁹) Reforça-se ainda a importância não só da otimização física como da vertente psicossocial da pessoa e família, dando ênfase à comunicação para a gestão da ansiedade e identificação das necessidades.(⁷,⁸)

Um estudo comprovou que as pessoas que recebem ensino no pré e no pós-operatório, alusivo ao programa ERAS^®, tiveram uma atitude mais positiva durante o processo de recuperação por entender as finalidades dos cuidados, resultando num internamento mais curto.(¹²,¹³) As recomendações também sugerem uma preparação intestinal seletiva, pois aumenta o risco de desidratação e desequilíbrio hidroeletrolítico para além de não estar comprovada cientificamente a redução do risco de infecção.(⁶-⁹) As pessoas são aconselhadas a ingerir uma bebida hipercalórica com redução do tempo de jejum a fim de evitar o stress fisiológico e a resistência à insulina.(⁶,⁹)

Em contexto intra-operatório, as atividades de Enfermagem sugeridas pelo programa visam o controlo rigoroso da temperatura corporal, da fluidoterapia, dos parâmetros vitais incluindo a monitorização do nível de consciência, do relaxamento neuromuscular e gestão da dor através de analgésicos como a cetamina e ceterolac evitando o uso de opióides.(⁶,⁷,⁹) A administração do antibiótico deve respeitar o tempo definido antes da incisão cirúrgica.(⁶,⁷) A abordagem cirúrgica de eleição é a menos invasiva para a pessoa, preconizando-se no fim do procedimento anestésico-cirúrgico a remoção da sonda nasogástrica e a ponderação de drenos aspirativos.(⁶,⁷,⁹)

A avaliação e monitorização constante de náuseas, vómitos, dor, estado de consciência e desconforto são práticas executadas pelos Enfermeiros na fase pós-operatória.(⁹) É também da responsabilidade do Enfermeiro dar início à recuperação do paciente, duas a quatro horas depois da cirurgia, através do levante e promoção de ingestão oral de água e chá.(⁶) A progressão da dieta alimentar é monitorizada pela equipe multidisciplinar e, assim que a pessoa tolere a ingestão oral, deverá-se suspender a medicação endovenosa dando lugar a per os e, portanto, menos dispendioso para a instituição.(⁶,⁷) Para prevenir complicações cardiorespiratórias no pós-operatório, as pessoas devem se manter ativos e caminhar no mínimo duas vezes por dia para além de realizar os exercícios respiratórios com o auxílio do espirómetro de incentivo.(⁷) Com vista à redução do risco de infeção, o programa recomenda a remoção do cateter vesical no dia seguinte à cirurgia se a abordagem for laparoscópica ou no segundo dia se a abordagem for por cirurgia aberta.(⁶,⁷,⁹) Todos estes parâmetros são monitorizados e habitualmente introduzidos pelo Enfermeiro ERAS^® na base de dados do EIAS, sendo indispensável que todos os Enfermeiros efetuem os registos nos processos clínicos para posterior auditoria dos resultados.(³)

Na cirurgia colorretal, a pessoa pode ser alvo de uma alteração da imagem corporal que não se prende somente com a incisão cirúrgica, mas também com a possível criação de uma estomia de eliminação. O programa ERAS^® reconhece que tal procedimento tem um impacto substancial na qualidade de vida das pessoas e, por isso, procura reunir todos os esforços para melhorar o atendimento e providenciar cuidados de qualidade.(¹⁰,¹⁴) São sugeridas alterações na prestação de cuidados de Enfermagem à pessoa estomizada, com o objetivo de a preparar para enfrentar esse novo desafio com recurso a ferramentas de treino durante o ensino pré-operatório e uma reorganização do acompanhamento pós-operatório.(¹⁰) A realização da consulta ERAS^® e de estomaterapia permitem fornecer à pessoa um nível adequado de informação antes da cirurgia, e incentivá-la a adotar um papel ativo na sua recuperação sobretudo no que diz respeito ao cuidado ao estoma.(¹⁰) Com a implementação do programa, ao contrário da abordagem convencional, as pessoas recuperam mais cedo a sua autonomia, o retorno intestinal e o apetite, facilitando o acompanhamento e treino logo após a cirurgia.(¹⁰,¹⁴)

Aquando da melhoria clínica, o Enfermeiro deve assegurar que a pessoa se sente seguro e confiante com a ideia de regressar a sua casa, dispondo de todo o apoio necessário no momento da alta hospitalar.(⁵,¹⁴,¹⁵) Para que a recuperação seja vivida tranquilamente, devem ser estabelecidas medidas para dar continuidade aos cuidados. Uma das medidas apresentadas pelo programa diz respeito à realização de chamada de acompanhamento ou follow-up, que ocorre habitualmente duas semanas após a alta clínica e deverá ser realizada pelo Enfermeiro ERAS^® ou Enfermeiro ligado ao projeto.(⁵) O follow-up é visto como uma mais-valia para a pessoa e família por ter como objetivo identificar as necessidades e manter a continuidade dos cuidados.(⁵,¹⁵) Esta etapa passará igualmente pela existência de uma comunicação eficaz entre os contextos hospitalares e comunitários, através da entrega de toda a documentação referente ao período de internamento.(¹⁵) Outra proposta sugerida pelos autores é a formação de mais um Enfermeiro ERAS^®, desta feita inserido na comunidade.

Por fim, e estabelecendo uma relação com todos os dados citados anteriormente, poderíamos deduzir que as alterações sugeridas nas intervenções de Enfermagem iriam resultar num aumento da carga de trabalho. Contudo, dois diferentes estudos vêm contrariar essa ideia e constatar ainda que, quanto maior for a adesão ao protocolo, menor é a carga de trabalho tanto em contexto hospitalar como comunitário.(¹⁶,¹⁷)

Em suma, os estudos analisados apresentaram um conjunto de intervenções ligadas ao programa ERAS^®, que redirecionaram as práticas perioperatórias à luz do conhecimento atual e em prol da pessoa submetida a cirurgia colorretal.

Conclusão

Os resultados obtidos reforçam a importância da realização de uma consulta pré-operatória onde o Enfermeiro deverá realizar os ensinos à pessoa e família, promovendo a otimização física e psicológica face ao processo de transição de saúde/doença. Ainda na fase pré-operatória, os cuidados são direcionados para minimização do jejum e para uma preparação cólica mais seletiva. Em contexto intra-operatório, os Enfermeiros deverão orientar as suas práticas baseadas numa abordagem minimamente invasiva com analgesia multimodal e uma monitorização rigorosa da pessoa. No pós-operatório, os Enfermeiros deparam-se com um modelo de recuperação avançada podendo haver necessidade de integrar as intervenções do Enfermeiro Estomaterapeuta. Quanto ao regresso a casa, são implementadas intervenções que visam o acompanhamento eficaz da pessoa e família tais como, o follow-up, a cedência de um contacto de apoio e referenciação para os cuidados de saúde primários. Embora algumas intervenções vão de encontro às práticas habitualmente realizadas, outras surgem como novidade, contribuindo para produção de conhecimento da Enfermagem Perioperatória.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Nov 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  3 Ago 2020
• Aceito
  9 Dez 2020