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Determinantes sociais da saúde e o uso de drogas psicoativas na gestação

Determinantes sociales de la salud y el uso de drogas psicoactivas durante el embarazo

Resumo

Objetivo

Analisar a relação entre os Determinantes Sociais de Saúde e o uso de drogas psicoativas em gestantes de risco habitual.

Métodos

Estudo documental e retrospectivo, realizado com 344 prontuários. A coleta de dados utilizou um questionário semiestruturado, com questões relacionadas a aspectos sociodemográficos, clínicos e obstétricos. As variáveis preditoras se configuraram como os Determinantes Sociais da Saúde. Os dados foram processados no Statistical Package for the Social Sciences e discutidos segundo o Modelo de Dahlgren e Whitehead.

Resultados

Sobre o uso de drogas psicoativas, a mais presente entre a população estudada foi o álcool, 12 (3,5%), seguida de drogas ilícitas, 9 (2,6%) e do tabaco, 8 (2,3%). Percebeu-se associação dos determinantes proximais, pertencentes à segunda camada do modelo, com o etilismo, entre as multigestas. Referente aos determinantes intermediários, evidenciou-se que as mulheres que tiveram um número de consultas inadequado durante o pré-natal apresentaram quase cinco vezes mais chances de praticar o etilismo. Suplementação inadequada esteve associada ao tabagismo e escolaridade esteve associada a tabagismo e uso de drogas ilícitas.

Conclusão

Dessa forma, o presente estudo demonstrou a relação entre os Determinantes Sociais de Saúde multigestação, inadequação do número de consultas pré-natais, suplementação inadequada e escolaridade com o uso de drogas psicoativas em gestantes de risco habitual, que poderá facilitar a detecção de gestantes suscetíveis, permitindo ao profissional de saúde fortalecer ações de promoção da saúde visando a redução de danos ao binômio.

Gestantes; Complicações na gravidez; Determinantes sociais da saúde; Transtornos relacionados ao uso de substâncias; Drogas ilícitas; Cuidado pré-natal; Risco

Resumen

Objetivo

Analizar la relación entre los Determinantes Sociales de Salud y el uso de drogas psicoactivas en embarazadas con riesgo normal.

Métodos

Estudio documental y retrospectivo, realizado con 344 historias clínicas. La recopilación de datos utilizó un cuestionario semiestructurado, con preguntas relacionadas con aspectos sociodemográficos, clínicos y obstétricos. Las variables predictoras se configuraron como los Determinantes Sociales de Salud. Los datos se procesaron en el Statistical Package for the Social Sciences y discutidos de acuerdo con el Modelo de Dahlgren y Whitehead.

Resultados

Sobre el uso de drogas psicoactivas, la más presente en la población estudiada fue el alcohol, 12 (3,5 %), seguida por las drogas ilegales, 9 (2,6 %) y el tabaco, 8 (2,3 %). Se notó una asociación de los determinantes proximales, que pertenecen a la segunda camada del modelo, con el etilismo, entre las multigestas. Referente a los determinantes intermedios, se evidenció que las mujeres que tuvieron un número de consultas inadecuado durante el control prenatal presentaron casi cinco veces más posibilidades de practicar el etilismo. La suplementación inadecuada estuvo asociada al tabaquismo y la escolaridad estuvo asociada al tabaquismo y al uso de drogas ilegales.

Conclusión

De esa forma, el presente estudio demostró la relación entre los Determinantes Sociales de Salud embarazo múltiple, inadecuación del número de consultas prenatales, suplementación inadecuada y escolaridad con el uso de drogas psicoactivas em mujeres embarazadas con riesgo normal, que podrá facilitar la detección de embarazadas susceptibles, posibilitándole al profesional de salud fortalecer acciones de promoción de la salud con el objetivo de reducir los daños al binomio.

Mujeres embarazadas; Complicaciones del embarazo; Determinantes sociales de la salud; Trastornos relacionados con sustancias; Drogas ilícitas; Atención prenatal; Riesgo

Abstract

Objective

To analyze the relationship between social determinants of health and psychoactive drug use in pregnant women at habitual risk.

Methods

This is a documentary and retrospective study carried out with 344 medical records. Data collection used a semi-structured questionnaire, with questions related to sociodemographic, clinical and obstetric aspects. The predictor variables were configured as social determinants of health. Data were processed in the Statistical Package for the Social Sciences and discussed according to the Dahlgren and Whitehead Model.

Results

About psychoactive drug use, the most common among the population studied was alcohol, 12 (3.5%), followed by illicit drugs, 9 (2.6%) and tobacco, 8 (2.3%). An association of the proximal determinants belonging to the second layer of the model with alcoholism was noticed among the multigravidas. Regarding the intermediate determinants, it was evident that women who had an inadequate number of consultations during prenatal care were almost five times more likely to practice alcoholism. Inadequate supplementation was associated with smoking and education was associated with smoking and illicit drug use.

Conclusion

Thus, the present study demonstrated the relationship between the multiparity social determinants of health, inadequate number of prenatal consultations, inadequate supplementation and education with psychoactive drug use in pregnant women at usual risk, which may facilitate the detection of susceptible pregnant women, allowing the healthcare professional to strengthen health promotion actions aimed at reducing damage to the binomial.

Pregnant women; Pregnancy complications; Social determinants of health; Substance-related disorders; Illicit drugs; Prenatal care; Risk

Introdução

As drogas psicoativas consistem em substâncias capazes de alterar o funcionamento cerebral e classificam-se entre lícitas ou ilícitas, naturais ou sintéticas e depressoras, estimulantes ou perturbadoras do Sistema Nervoso Central (SNC).(11. Alarcon S. Drogas Psicoativas: classificação e bulário das principais drogas de abuso. In: Alarcon S, Jorge MA. Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2012. p. 103-29.)

O uso de drogas psicoativas, sejam elas lícitas ou ilícitas, apresenta-se como um grave problema de saúde pública, atingindo todas as classes sociais, faixas etárias e gêneros, sendo, entretanto, agravado quando utilizado pelas gestantes.(22. Maia JA, Rodrigues AL, Souza DR, Figueiredo MB. Uso de drogas por mulheres durante o período gestacional. Rev Enferm Contemp. 2019;8(1):25-32.)

A mortalidade infantil vem traçando um novo perfil, evidenciando uma redução na taxa de óbitos por infecção e um aumento do número de mortes por má formação congênita. Entre os principais motivos dessas mudanças, destaca-se o consumo de drogas psicoativas, como o álcool e o tabaco.(33. Rocha RS, Bezerra SC, Lima JW, Costa FS. Consumo de medicamentos, álcool e fumo na gestação e avaliação dos riscos teratogênicos. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(2):37-45.)

A prevalência do uso de drogas psicoativas entre mulheres grávidas é provavelmente subestimada.(44. Hetea A, Cosconel C, Stanescu AA, Simionescu AA. Alcohol and psychoactive drugs in pregnancy [Editorial]. Maedica (Bucur). 2019;14(4):397-401.) Um estudo de coorte retrospectivo, realizado nos Estados Unidos, evidenciou uma tendência no aumento da dependência de drogas lícitas e ilícitas em gestantes, com taxas crescentes nos últimos anos, atingindo uma prevalência de 35 casos por 10.000 partos. Dentre as drogas utilizadas, destacam-se opióides (33.285; 65,82%), cocaína (10.539; 20,84%) e cannabis (7.244; 14,32%).(55. Hoang T, Czuzoj-Shulman N, Abenhaim HA. Pregnancy outcome among women with drug dependence: A population-based cohort study of 14 million births. J Gynecol Obstet Hum Reprod. 2020;49(7):1017410.)

No Brasil, uma coorte prospectiva de 1.447 gestantes de São Luís (Maranhão), estimou a prevalência do uso de drogas ilícitas na gestação em 1,45% para a população em análise, com monoparentalidade evidenciada por residir sem o companheiro, apresentar níveis de estresse elevado e uso de drogas lícitas, álcool e cigarro, como fatores associados a este uso.(66. Rocha PC, Alves MT, Chagas DC, Silva AA, Batista RF, Silva RA. Prevalência e fatores associados ao uso de drogas ilícitas em gestantes da coorte BRISA. Cad Saude Publica. 2016;32(1):e00192714.) Outro estudo realizado com 394 gestantes acompanhadas em unidades básicas de saúde em Maringá, identificou uma prevalência de 6,09% para o uso de álcool; 9,14% para o uso de cigarro; 0,51% para o uso de maconha e de crack.(77. Kassada DS, Marcon SS, Pagliarini MA, Rossi RM. Prevalence of drug abuse among pregnant women. Acta Paul Enferm. 2013;26(5):467-71.)

Faz-se necessário, contudo, conhecer os fatores que se relacionam a esse uso. Percebe-se que o uso de drogas psicoativas está intrinsecamente relacionado aos Determinantes Sociais da Saúde (DSS). Os DSS são definidos como as circunstâncias em que as populações crescem, vivem, trabalham e envelhecem, bem como os sistemas implementados para lidar com as doenças. Essas conjunturas são moldadas por forças de ordem política, social e econômica.(66. Rocha PC, Alves MT, Chagas DC, Silva AA, Batista RF, Silva RA. Prevalência e fatores associados ao uso de drogas ilícitas em gestantes da coorte BRISA. Cad Saude Publica. 2016;32(1):e00192714.)

Alguns modelos auxiliam na compreensão dos determinantes, dentre os quais se destaca o Modelo de Dahlgren e Whitehead (1991). Esse modelo dispõe os DSS em cinco camadas. A primeira camada relaciona-se aos determinantes proximais – características individuais como idade, sexo e fatores hereditários; a segunda faz referência ao comportamento e estilo de vida dos indivíduos; a terceira abrange as redes sociais e comunitárias, destacando sua relação com o nível de coesão social ou capital social; a quarta trata dos determinantes intermediários – fatores relacionados às condições de vida e de trabalho; e a quinta camada envolve os determinantes distais – macrodeterminantes de caráter supranacional, relacionados às condições socioeconômicas, culturais e ambientais da sociedade.(88. Dahlgren G, Whitehead M. Policies and strategies to promote social equity in health. Background document to WHO – Strategy paper for Europe. Stockholm: Institute for Future Studies; 1991 [cited 2021 Mayo 22]. Available from: https://core.ac.uk/reader/6472456
https://core.ac.uk/reader/6472456...
)

Diante do cenário de risco perinatal associado ao uso de drogas psicoativas na gestação, torna-se necessário o uso de um modelo conceitual de DSS, a fim de se obter uma melhor compreensão da relação entre os diferentes determinantes e o uso de drogas psicoativas pelas gestantes. É premente o estabelecimento de estratégias que visem à promoção da saúde do binômio materno-infantil, mediante ações preventivas que favoreçam determinar a vulnerabilidade das gestantes, bem como intervir em tempo oportuno com o objetivo de se evitar desfechos materno-neonatais negativos. Dessa forma, objetivou-se analisar a relação entre os DSS e o uso de drogas psicoativas em gestantes de risco habitual.

Métodos

Estudo documental, retrospectivo, transversal, escrito com base no checklist STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology),(99. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. BMJ. 2007;335(7624):806-8.) desenvolvido na Coordenadoria de Desenvolvimento Familiar (CDFAM) da Universidade Federal do Ceará (UFC), unidade de ensino que oferece atendimento primário à saúde da mulher na área sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento reprodutivo, o pré-natal (PN) e a consulta ginecológica de Enfermagem. Os atendimentos são gratuitos, complementares à rede de saúde local e fornecidos a partir da demanda espontânea surgida na área de abrangência da unidade.

A população e amostra do estudo incluiu todos os prontuários de gestantes atendidas no CDFAM entre agosto de 2015 e dezembro de 2018. Os critérios de exclusão foram: ter sido encaminhada ao PN de alto risco ou ter registro de apenas uma consulta PN, caracterizando desistência. Foram totalizados durante esse período 445 prontuários. Destes, 55 tinham registro de apenas uma consulta e 46 apresentavam registro de encaminhamento ao PN de alto risco, compondo uma amostra final de 344 prontuários avaliados.

A coleta de dados ocorreu utilizando-se um questionário semiestruturado, com questões relacionadas a aspectos sociodemográficos, clínicos e obstétricos, elaborado pelas autoras e validado por três professoras da área de saúde sexual e reprodutiva, com experiência no atendimento pré-natal. Houve dupla checagem de coleta de dados para evitar erros de coleta. A variável desfecho foi o uso de drogas psicoativas e as variáveis preditoras se configuraram como os DSS dispostos nas quatro primeiras camadas do modelo, tendo em vista que a quinta camada refere-se aos macrodeterminantes, não sendo abordados no estudo.

Foram adotados os critérios da estratégia Rede Cegonha para a adequabilidade em relação ao número mínimo de consultas PN (sete consultas) e ao início precoce do PN (até 12 semanas de gestacão). As recomendações do Ministério da Saúde (MS) foram adotadas para a adequabilidade acerca da suplementação de ácido fólico (primeiro trimestre gestacional), do sulfato ferroso (a partir da 20ª semana gestacional) e dos exames laboratoriais, a saber: uma tipagem sanguínea e fator Rh (ABO/Rh), duas hemoglobinas e dois hematócritos (Hb/Ht), dois exames de sífilis (VDRL), duas glicemias de jejum, dois testes anti-HIV, um exame HbsAg, uma sorologia para toxoplasmose e dois sumários de urina. Considerou-se, também, a imunização (antitetânica e hepatite B) na gestação.(1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual prático para implementação da Rede Cegonha. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011 [citado 2021 Maio 22]. Disponível em: http://anr-dpn.vjf.cnrs.fr/sites/default/files/rede-cegonha%20manuel%20copie.pdf
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)

Os dados foram processados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23.0. Para as variáveis nominais foram utilizados os testes Qui-quadrado de Pearson, Exato de Fisher e Razão de Verossimilhança, considerando significância estatística quando p<0,05. Adotou-se o intervalo de confiança de 95%. Foi utilizado Odds Ratio (OR) para avaliação do risco nas associações e o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov para as variáveis numéricas, adotando-se a mediana, uma vez que houve desvio de normalidade. Os dados foram apresentados em frequências absolutas e relativas e discutidos conforme a literatura adequada.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (CEP/UFC), com o parecer nº. 3.728.323 (CAAE: 15948619.7.0000.5054).

Resultados

A maioria das gestantes tinha de 20 a 34 anos de idade, 230 (66,9%), com idade mínima encontrada de 14 anos e máxima, 45, com mediana de 24 e intervalo interquartil de 9 anos (p25 20,0 – p75 29,25). Em relação à escolaridade, 173 (50,3%) gestantes tinham nível secundário. A maioria tinha companheiro, 263 (76,5%), e, considerando as respostas válidas, a maioria era economicamente ativa 112 (67,0%).

Quanto aos dados obstétricos, a maioria teve até três gestações, 271 (78,8%), era nulípara, 199 (57,8%), e nunca teve aborto, 287 (83,4%). Em relação ao PN, a maioria das participantes não realizou o número de consultas mínimas preconizadas, 177 (51,5%), bem como iniciaram a consulta PN após 12 semanas de gestação, 236 (68,6%).

Observou-se que a grande maioria das gestantes, 250 (72,7%), realizou a suplementação de ácido fólico e sulfato ferroso de acordo com recomendações nacionais. A maioria das participantes foi imunizada, 252 (73,3%), contudo não realizou os exames laboratoriais de rotina do PN adequadamente, 290 (84,3%).

Sobre o uso de drogas psicoativas, a mais presente entre a população estudada foi o etilismo, 12 (3,5%), seguido do uso de drogas ilícitas, 9 (2,6%) e do tabagismo, 8 (2,3%).

Os dados referentes à associação dos DSS com o uso de drogas psicoativas pelas gestantes foram dispostos na tabela 1.

Tabela 1
Associação dos DSS com o uso de drogas psicoativas pelas gestantes avaliadas (n= 344)

Ao analisar a associação entre o uso de drogas psicoativas e as camadas do modelo de DSS, foi possível observar significância estatística. A associação dos determinantes proximais, pertencentes à segunda camada do modelo, com o etilismo, tornou evidente que as multigestas apresentaram mais de cinco vezes mais chances de praticar o etilismo (p = 0,05; OR 5,49; IC 1,6 – 17,8). No que diz respeito à quarta camada, referente aos determinantes intermediários, evidenciou-se que as mulheres que tiveram um número de consultas inadequado durante o pré-natal apresentaram quase cinco vezes mais chances de praticar o etilismo (p = 0,026; OR 4,8; IC 1,0 – 22,6). Da mesma forma, mulheres que fizeram suplementação inadequada apresentaram oito vezes mais chances de praticar o tabagismo durante a gestação (p = 0,010; OR 8,4; IC 1,8 – 39,1). Outro dado preocupante está relacionado à maior proporção de gestantes com baixa escolaridade relacionada ao uso de drogas psicoativas. Observou-se que gestantes com menor escolaridade usaram mais drogas ilícitas (p= 0,048). Ademais, a associação entre escolaridade e etilismo também mostrou essa mesma tendência (p= 0,024). Embora não tenha sido encontrada significância estatística ao associar a idade das gestantes com o uso de drogas psicoativas, percebeu-se que aquelas com 35 anos ou mais apresentaram menor frequência no tabagismo e no uso de drogas ilícitas, em que nenhuma mulher nessa faixa etária os referiu. Em contrapartida, observou-se que gestantes com 19 anos ou menos afirmaram com maior frequência tabagismo e uso de drogas ilícitas, quando comparado às demais faixas etárias.

Discussão

Quanto às substâncias mais consumidas entre as gestantes de risco habitual, o álcool foi a mais prevalente, seguido das drogas ilícitas e do tabaco. Demais pesquisas brasileiras corroboram ao apontar que a frequência de alcoolismo é superior a das demais substâncias.(66. Rocha PC, Alves MT, Chagas DC, Silva AA, Batista RF, Silva RA. Prevalência e fatores associados ao uso de drogas ilícitas em gestantes da coorte BRISA. Cad Saude Publica. 2016;32(1):e00192714.,1111. Carvalho EM, Moreira KS, Carvalho EN, Oliveira PH, Alamy AH. A restrição do crescimento fetal como consequência do consumo de álcool e outras drogas na gestação: um estudo transversal. Rev Inter Ciênc Médicas. 2020;4(1):44-9.)

No âmbito internacional, estimativas recentes sugerem que 41,3% das mulheres no Reino Unido consomem álcool em algum momento durante a gravidez, uma das mais altas taxas da Região Européia.(1212. Popova S, Lange S, Probst C, Gmel G, Rehm J. Estimation of national, regional, and global prevalence of alcohol use during pregnancy and fetal alcohol syndrome: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health. 2017;5(3):e290-9.) Em contrapartida, na América do Norte, evidencia-se a tendência ao tabagismo entre mulheres grávidas, sendo o uso de álcool e drogas ilícitas menos prevalentes.(1313. Cook JL, Green CR, de la Ronde S, Dell CA, Graves L, Ordean A, et al. Epidemiology and effects of substance use in pregnancy. J Obstet Gynaecol Can. 2017;39(10):906-15. Review.) No Canadá, avaliação populacional evidenciou que 10,5% das mulheres fumaram cigarros diariamente ou ocasionalmente durante o último trimestre gestacional; 10,5% relataram beber álcool; e 1% usou drogas de rua durante a gravidez. Percebe-se que o uso de substâncias varia de acordo com a raça e a etnia da população.(1414. Finnegan L. Substances abuse in Canadá. Licit and ilicit drug use during pregnancy: maternal, neonatal and early childhood consequences. Ottawa: Canadian Center on Substance Abuse; 2013 [cited 2021 Feb 28] Available from: https://www.ccsa.ca/sites/default/files/2019-04/CCSA-Drug-Use-during-Pregnancy-Report-2013-en.pdf
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)

É essencial destacar que o número de mulheres que faz uso de drogas psicoativas durante a gestação é subdiagnosticado, seja pela baixa adesão destas ao pré-natal, por conta do preconceito,(1515. Aragon SC, Cury IF, Queiroz LS, Montino MC, Lima IM, Lima IM, et al. Acompanhamento pré-natal como fator determinante para diminuição de grávidas usuárias de drogas e repercussões nos neonatos: uma revisão sistemática. Rev Amazônia Science Health. 2020;8(1):55-65.) ou em decorrência da omissão acerca do seu real consumo devido ao possível constrangimento frente ao profissional.(1616. Kassada DS, Marcon SS, Waidman MA. Perceptions and practices of pregnant women attended in primary care using illicit drugs. Rev Esc Anna Nery. 2014;18(3):428-34.)

O enfermeiro, como profissional de referência no acompanhamento pré-natal, possui grande importância nesse cenário, uma vez que é capaz de construir um vínculo de confiança com a paciente, permitindo o seu acolhimento de forma mais humanizada. Associado a isso, percebe-se que a gestação consiste em período oportuno à maior receptividade a intervenções que fortaleçam o cuidado a esta população.(1717. Tamashiro EM, Milanez HM, Azevedo RC. Because of the baby”: reduction on drug use during pregnancy. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2020;20(1):313-17.)

Sob a ótica de que alguns fatores podem interferir no uso de drogas psicoativas entre gestantes, considera-se essencial que os profissionais de saúde conheçam a condição na qual essas mulheres estão inseridas, com foco nos DSS, visando fornecer uma assistência integral, centrada na promoção da saúde, prevenção de agravos e redução de danos.

Acerca da associação dos Determinantes Individuais com o uso de drogas psicoativas, percebe-se que a faixa etária acima de 35 anos foi a que apresentou menor prevalência no uso de drogas psicoativas, corroborando com o estudo de coorte retrospectivo realizado nos Estados Unidos, o qual evidenciou que o crescimento mais acentuado da dependência de drogas em grávidas foi entre as mulheres de 25 a 34 anos.(55. Hoang T, Czuzoj-Shulman N, Abenhaim HA. Pregnancy outcome among women with drug dependence: A population-based cohort study of 14 million births. J Gynecol Obstet Hum Reprod. 2020;49(7):1017410.)

Em contrapartida, a faixa etária dos adolescentes estava entre a que mais consumia drogas ilícitas, o que pode revelar a interação entre os determinantes individuais e o uso de álcool, tabagismo e outras drogas, que são fatores que aumentam a exposição de adolescentes à gravidez não planejada e, até mesmo, ao risco de aquisição de infecção sexualmente transmissível, devido à prática de relação sexual desprotegida, influenciada pelo consumo de tais substâncias, denotando a importância de os profissionais de saúde reconhecerem tais determinantes e trabalharem as principais vulnerabilidades dos jovens.

No concernente aos determinantes individuais, ainda que não tenha sido encontrada associação estatística entre a idade materna e o uso de drogas psicoativas, considera-se essencial destacar que a idade de início do uso dessas substâncias tem sido precoce, sugerindo que a adolescência seja um importante fator de risco, o qual pode estar atrelado ao período de descobertas do indivíduo, incluindo as relações familiares e com os pares, capazes de influenciar no uso de drogas psicoativas.(1717. Tamashiro EM, Milanez HM, Azevedo RC. Because of the baby”: reduction on drug use during pregnancy. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2020;20(1):313-17.)

Em contrapartida, também é apontado que a idade mais avançada (30 anos ou mais) constitui fator de risco materno significativamente associado ao abuso de álcool na gestação, o que pode ser justificado pelo comportamento estabelecido ao longo da vida, o que diverge dos resultados apontados nessa pesquisa.(1818. Meucci RD, Saavedra JS, Silva ES, Branco MA, Freitas JN, Santos M, et al. Consumo de bebida alcoólica durante a gestação entre parturientes do extremo sul do Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2017;17(4):663-71.)Em consonância, a existência da crença de que substâncias de abuso não causam danos ao bebê, considerando experiências anteriores de uso de drogas psicoativas na gestação, interfere no abandono dessas drogas.(1616. Kassada DS, Marcon SS, Waidman MA. Perceptions and practices of pregnant women attended in primary care using illicit drugs. Rev Esc Anna Nery. 2014;18(3):428-34.)

No que se refere à segunda camada do modelo de DSS, destacam-se os Determinantes Proximais como comportamentos capazes de interferir nas condições de saúde das gestantes. Nesse contexto, destaca-se o fato de multigestas atrelarem-se à maior prevalência de etilismo, um comportamento de risco. Aponta-se que mulheres com mais filhos consomem mais bebidas alcoólicas, quando comparadas às que tem menos filhos.(1818. Meucci RD, Saavedra JS, Silva ES, Branco MA, Freitas JN, Santos M, et al. Consumo de bebida alcoólica durante a gestação entre parturientes do extremo sul do Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2017;17(4):663-71.)Tal achado pode ser reflexo da ocorrência de gravidezes não planejadas. Em estudo realizado no Quênia, observou-se que algumas mulheres citaram a gravidez inesperada como um motivo para o uso de drogas.(1919. Mburu G, Ayon S, Mahinda S, Kaveh K. Determinants of women’s drugs use during pregnancy: perspectives from a qualitative study. Matern Child Health J. 2020;24(9):1170-78.)

Sabe-se que mulheres com gravidez não planejada apresentam maior chance de desenvolver ansiedade,(2020. Silva MM, Leite EP, Nogueira DA, Clapis MJ. Anxiety and depression in pregnancy: characterization of pregnant women who received prenatal care in public health units. Rev Enferm UFPE On Line. 2015;9(7):9027-37.) o que pode culminar no aumento do uso de drogas psicoativas.(1919. Mburu G, Ayon S, Mahinda S, Kaveh K. Determinants of women’s drugs use during pregnancy: perspectives from a qualitative study. Matern Child Health J. 2020;24(9):1170-78.) Diante disso, percebe-se uma somatização de vulnerabilidades relevantes e que devem ser consideradas pelos profissionais de saúde durante o pré-natal, no intuito de reduzir os riscos do binômio mãe-filho.

Estudo realizado em uma unidade de atenção primária da África do Sul com 376 grávidas evidenciou incidência de 18% de uso atual de álcool e outras drogas (AOD). Destas, 18% estavam experimentando um episódio depressivo maior, 19% tinham um diagnóstico atual de ansiedade e 22% expressaram ideação suicida. Depressão, ansiedade, suicídio, insegurança alimentar, violência interpessoal, dinâmica de relacionamento e problemas de saúde mental anteriores foram preditores do uso de AOD.(2121. Onah MN, Field S, Heyningen T, Honikman S. Predictors of alcohol and other drug use among pregnant women in a peri-urban South African setting. Int J Ment Health Syst. 2016;10:38.)

Embora o presente estudo não tenha verificado significância estatística entre o uso de drogas psicoativas e a paridade da mulher, aponta-se, na literatura, que ter maior paridade relaciona-se ao consumo de álcool na gestação.(1818. Meucci RD, Saavedra JS, Silva ES, Branco MA, Freitas JN, Santos M, et al. Consumo de bebida alcoólica durante a gestação entre parturientes do extremo sul do Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2017;17(4):663-71.) Além disso, é valido destacar que o comportamento e o estilo de vida adotados pelas gestantes, relacionados ao uso de drogas e álcool, associam-se com incidência de parto prematuro, baixo peso ao nascer e impacto adverso na duração da gravidez,(2222. Hamulka J, Zielińska MA, Chądzyńska K. The combined effects of alcohol and tobacco use during pregnancy on birth outcomes. Rocz Panstw Zakl Hig. 2018;69(1):45-54.) enfatizando a importância de reconhecer os DSS da segunda camada. Nesse sentido, acredita-se que reconhecer o tipo de comportamento das gestantes auxiliará a equipe de saúde na prestação de uma assistência mais individualizada, com orientações mais direcionadas à necessidade de cada mulher.

Acerca dos determinantes sociais da terceira camada do modelo, destaca-se que as Redes Sociais e Comunitárias traduzem o nível de coesão social entre as gestantes e a sua rede de apoio, incluindo família, vizinhos, amigos e grupos.(2323. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília (DF): Organização Pan-Americana de Saúde; 2012 [citado 2021 Fev 28]. Disponível em; http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cuidado_condicoes_atencao_primaria_saude.pdf
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) Nesse cenário, a experiência da gestação, permeada por mudanças físicas, emocionais e sociais, pode refletir no comportamento da mulher, assim como de sua família e das pessoas com as quais ela se relaciona. Desse modo, acredita-se que a participação do companheiro no processo gestatório é muito importante, capaz de repercutir diretamente no bem-estar materno-fetal.(2424. Martello NV, Wilhelm LA, Cremonese L, Prates LA, Timm MS, Ressel LB. Care practices carried out by the partner in the pregnant woman’s. Rev Enferm UFPE On Line. 2017;11(11):4574-8.)

Apesar do presente estudo não ter observado associação entre o consumo de drogas psicoativas e a presença do companheiro, aponta-se que viver sem o companheiro relaciona-se ao consumo de álcool na gestação.(1818. Meucci RD, Saavedra JS, Silva ES, Branco MA, Freitas JN, Santos M, et al. Consumo de bebida alcoólica durante a gestação entre parturientes do extremo sul do Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2017;17(4):663-71.,2525. Cândido TC, Ferreira GC, Moreira DS, Sousa BO, Cordeiro SM, Alfredo ER, et al. The use of alcoholic beverage among pregnant teens. Rev Eletr Saúde Mental Álcool Drog. 2019;15(4):1-8.) Corroborando, evidencia-se que a presença do parceiro pode ser eficaz ao apoiar sua parceira na redução do uso de drogas, principalmente no contexto de gravidez planejada.(1919. Mburu G, Ayon S, Mahinda S, Kaveh K. Determinants of women’s drugs use during pregnancy: perspectives from a qualitative study. Matern Child Health J. 2020;24(9):1170-78.)

Visando minimizar os danos causados pelo uso de drogas psicoativas sobre o binômio, acredita-se que conhecer o cenário social em que as gestantes estão inseridas possibilita o desenvolvimento de intervenções direcionadas a ela e a sua rede social e comunitária, a qual constitui o seu capital social e influencia o seu comportamento.

No tocante aos determinantes de nível intermediário, que são influenciados pelos determinantes distais, ressalta-se a sua importância sobre a saúde, uma vez que refletem os diferenciais de exposição e as vulnerabilidades aos fatores de risco. Diante disso, enfatiza-se a importância do acompanhamento pré-natal periódico, o qual viabiliza a identificação de problemas reais bem como potenciais das gestantes, favorecendo a elaboração de cuidados de enfermagem frente aos riscos clínicos e obstétricos apresentados.(2626. Silva VM, Tavares NH, Silva MB, Silva IC, Rêgo TC, Silva DF, et al. Fatores associados ao óbito fetal na gestação de alto risco: assistência de enfermagem pré-natal. Rev Eletr Acervo Saúde. 2019;(Supl 37):e1884.)

O início tardio do acompanhamento PN pode acarretar consequências que prejudiquem intervenções em tempo oportuno, sendo recomendado que as gestantes iniciem o PN no primeiro trimestre, para intervir nas condições adversas que possam ocorrer nesse período, reduzindo potencialmente o risco de complicações para a mulher e para o recém-nascido durante o processo parturitivo.(2727. World Health Organization (WHO). World health statistics 2020: Monitoring health for the SDGs, sustainable development goals. Genebra: WHO; 2018 [cited 2021 Feb 28]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/332070
https://apps.who.int/iris/handle/10665/3...
) Esse acompanhamento prévio é importante visto que entre usuários de drogas há um crescente risco de trabalho de parto e nascimento prematuros.(55. Hoang T, Czuzoj-Shulman N, Abenhaim HA. Pregnancy outcome among women with drug dependence: A population-based cohort study of 14 million births. J Gynecol Obstet Hum Reprod. 2020;49(7):1017410.)

Corroborando, uma coorte realizada em São Luíz∕MA, ao avaliar a assistência PN, apontou que o maior dano à gestante teve relação com o número reduzido de consultas por idade gestacional (IG), ratificando a importância do acompanhamento adequado, com vistas a identificar situações vulneráveis e garantir intervenções específicas.(2828. Goudard MJ, Simões VM, Batista RF, Queiroz RC, Alves MT, Coimbra LC, et al. Inadequação do conteúdo da assistência pré-natal e fatores associados em uma coorte no nordeste brasileiro. Cien Saude Colet. 2020;21(4):1227-38.)

No que tange à relação entre o número de consultas de PN e o etilismo, estudo realizado no Canadá corrobora o nosso achado ao apontar que o consumo de bebidas alcoólicas foi mais frequente entre mulheres que realizaram menor número de consultas de PN.(2929. Walker MJ, Al-Sahab B, Islam F, Tamim H. The epidemiology of alcohol utilization during pregnancy: an analysis of the Canadian Maternity Experiences Survey (MES). BMC Pregnancy Childbirth. 2011;11(52):1-9.) Ademais, pesquisa realizada no Maranhão apontou que etilismo e tabagismo estão associados à diminuição do acompanhamento PN.(3030. Oliveira SF, Moura EG, Nunes MA, Silva MR, França AC, Carvalho WR, et al. Avaliação do uso de sulfato ferroso por gestantes de um serviço de saúde público e privado de Bacabal, Maranhão. J Biol Phar Agricul Manag. 2019;15(3):259-81.)

Diante de um acompanhamento PN inadequado, sugere-se que as gestantes podem estar mais sujeitas a condições de vulnerabilidade, visto que as consultas de PN são momentos de vínculo entre equipe e gestante, facilitando intervenções voltadas ao controle do uso de drogas psicoativas.(3131. Cruz J, Cruz JG, Bortoli CF. Percepções de gestantes tabagistas sobre malefícios do tabaco durante a gestação. J Nurs Health. 2017;7(2):178-87.) Em concordância, aponta-se que o número de consultas PN foi influenciado negativamente pelo tabagismo materno entre gestantes de Porto Alegre/RS.(3232. Ferreira BR, Miranda JK. As complicações causadas pelo consumo de drogas lícitas e ilícitas durante a gestação: um desafio para a equipe de enfermagem. Rev Cient Enferm. 2016;6(18):36-43.) Enfatiza-se, ainda, que gestantes que não receberam orientação profissional quanto aos riscos do uso de drogas na gestação apresentaram maior chance de usar drogas de abuso durante a gravidez, em comparação àquelas que foram orientadas.(1616. Kassada DS, Marcon SS, Waidman MA. Perceptions and practices of pregnant women attended in primary care using illicit drugs. Rev Esc Anna Nery. 2014;18(3):428-34.)

Nesse cenário de comparação dos determinantes intermediários, ressalta-se a importância da suplementação vitamínica, das imunizações e da realização de exames de rotina, as quais podem ser prejudicadas pelo acompanhamento inadequado de PN.

No que se refere à suplementação vitamínica, evidenciou-se que gestantes que fizeram suplementação inadequada tiveram maiores chances de ser tabagistas. Estudo realizado com gestantes de Rio Grande (RS) evidenciou que o uso de sulfato ferroso foi menos prevalente entre gestantes que realizaram menos de seis consultas de PN, sugerindo relação com a recomendação por parte dos profissionais de saúde, ratificando a importância do acompanhamento adequado.(3333. Cesar JA, Dumith SC, Chrestani MA, Mendoza-Sassi RA. Iron supplementation among pregnant women: results from a population-based survey study. Rev Bras Epidemiol. 2013;16(3):729-36.)Destaca-se a importância de mais estudos que investiguem a relação entre a suplementação vitamínica e o uso de substâncias psicoativas na gestação.

No que tange à escolaridade materna, em corroboração ao achado no presente estudo, a elevada prevalência de consumo de álcool durante a gestação foi evidenciada em mulheres com menor escolaridade.(1818. Meucci RD, Saavedra JS, Silva ES, Branco MA, Freitas JN, Santos M, et al. Consumo de bebida alcoólica durante a gestação entre parturientes do extremo sul do Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2017;17(4):663-71.) Ademais, outro estudo identificou associação significativa entre escolaridade e o uso de drogas, demonstrando uma prevalência de gestantes usuárias de drogas com ensino médio completo (30%) e ensino fundamental incompleto (26,7%). Em contraponto, gestantes com nível superior incompleto ou completo utilizaram menos drogas, 10% e 3,3%, respectivamente.(22. Maia JA, Rodrigues AL, Souza DR, Figueiredo MB. Uso de drogas por mulheres durante o período gestacional. Rev Enferm Contemp. 2019;8(1):25-32.)

Em acréscimo aos achados da presente pesquisa, evidencia-se que a inadequação da assistência PN está associada a vários fatores indicativos da persistência da desigualdade social.(3434. Bernardes AC, da Silva RA, Coimbra LC, Alves MT, Queiroz RC, Batista RF, et al. Inadequate prenatal care utilization and associated factors in São Luís, Brazil. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:266.) Desse modo, faz-se necessária a atuação a contento da Atenção Primária à Saúde na operacionalizaçao de suas funções e atributos essenciais, conforme políticas existentes, para garantir uma atenção integral às gestantes, sendo recomendável considerar o contexto sociocultural que essa está inserida para intervir nas condições de vulnerabilidades sociais, que são fundamentais para alcançar a equidade em saúde.(2323. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília (DF): Organização Pan-Americana de Saúde; 2012 [citado 2021 Fev 28]. Disponível em; http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cuidado_condicoes_atencao_primaria_saude.pdf
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)

As limitações da pesquisa versam sobre a utilização de fontes secundárias, que estão sujeitas ao sub-registro, e pelo fato da investigação ter sido realizada em um único serviço especializado. Além disso, deve-se considerar a possibilidade das mulheres negligenciarem ou referirem consumo de substâncias psicoativas aquém da realidade, por receio de reprovação pelo profissional de saúde. Apesar disso, os dados encontrados são relevantes, pois constituem resultados relacionados a um assunto voltado para uma população pouco estudada no Brasil. Acredita-se que o uso de instrumentos de investigação de fatores de risco para o uso dessas substâncias pelas gestantes seja eficaz para direcionar a atenção profissional.

Conclusão

O presente estudo demonstrou a relação entre os DSS e o uso de drogas psicoativas em gestantes de risco habitual. Multigestação, inadequação do número de consultas pré-natais, suplementação inadequada e escolaridade foram os determinantes que estiveram associados no presente estudo, esses incluídos nas categorias de determinantes proximais e intermediários. Percebeu-se que é essencial a criação e a manutenção de vínculo dos serviços de saúde com as gestantes, no intuito de fazer com que elas sintam-se acolhidas, que seja detectado precocemente o risco ou uso de drogas psicoativas, aumentando a adesão ao pré-natal e consequentemente as intervenções para a promoção da saúde do binômio.

Agradecimentos

Ao Fundo Nacional de Desenvolvimeto da Educação (FNDE/MEC) pelo financiamento, via Programa de Educação Tutorial, de bolsa de Tutoria e acadêmica.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Rosely Erlach Goldman (https://orcid.org/0000-0002-7091-9691) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2020
  • Aceito
    14 Jun 2021
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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