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Homicídios: mortalidade e anos potenciais de vida perdidos

Homicidios: mortalidad y años potenciales de vida perdidos

Resumo

Objetivo

Investigar a tendência dos homicídios e estimar os anos potenciais de vida perdidos por essa causa na região sul do Brasil.

Métodos

Estudo de série temporal por homicídio construído a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade. Estimados os anos potenciais de vida perdidos segundo faixa etária, sexo e causa de óbito e calculadas as taxas de mortalidade. A análise de tendência foi verificada pela regressão de Prais-Winsten com cálculo da variação percentual anual.

Resultados

A região sul teve um incremento de 14,5% nas taxas de mortalidade por homicídio na série histórica com destaque para adultos jovens (20 a 29 anos) e população masculina como principais vítimas dos homicídios e com maiores anos potenciais de vida perdidos. As maiores taxas de homicídio foram registradas no Paraná, com tendência estacionária (APC= 0,10%; IC95%= -1,23; 1,65; p= 0,875). No Rio Grande do Sul houve tendência crescente com aumento de 25,0% (APC= 0,90% IC95%=0,49; 1,32; p<0,001); Santa Catarina com tendência crescente com aumento de 20,8% (APC= 0,70%; IC95%= 0,09; 1,32, p<0,001). Em relação ao sexo, houve maior prevalência do masculino no Rio Grande do Sul com 27,7% (APC= 0,90%; IC95%= 0,49; 1,32, p<0,001) e do feminino em Santa Catarina com 17,4% (APC= 0,70% IC95%= 0,50; 0,91, p<0,001).

Conclusão

A tendência foi de incremento dos homicídios nos estados da região sul com predominância de homicídio entre adultos jovens e a maior perda de anos de vida entre indivíduos do sexo masculino representa questões socioeconômicas importantes para uma causa prevenível.

Homicídio; Mortalidade; Anos potenciais de vida perdidos; Registros de mortalidade

Resumen

Objetivo

Investigar la tendencia de los homicidios y estimar los años potenciales de vida perdidos por esta causa en la región sur de Brasil.

Métodos

Estudio de serie temporal por homicidio construido a partir del Sistema de Información sobre Mortalidad. Se estimaron los años potenciales de vida perdidos según grupo de edad, sexo y causa de fallecimiento y se calcularon las tasas de mortalidad. El análisis de tendencia fue verificado por la regresión de Prais-Winsten con cálculo de la variación porcentual anual.

Resultados

La región sur tuvo un incremento del 14,5 % en las tasas de mortalidad por homicidio en la serie histórica con énfasis en adultos jóvenes (20 a 29 años) y población masculina como principales víctimas de los homicidios y con mayores años potenciales de vida perdidos. Las mayores tasas de homicidio fueron registradas en Paraná, con tendencia estacionaria (APC= 0,10 %; IC95 %= -1,23; 1,65; p= 0,875). En Rio Grande do Sul hubo tendencia creciente con aumento del 25,0 % (APC= 0,90 % IC95 %=0,49; 1,32; p<0,001); Santa Catarina con tendencia creciente con aumento del 20,8 % (APC= 0,70 %; IC95 %= 0,09; 1,32, p<0,001). Con relación al sexo, hubo mayor prevalencia del masculino en Rio Grande do Sul con el 27,7 % (APC= 0,90 %; IC95 %= 0,49; 1,32, p<0,001) y del femenino en Santa Catarina con el 17,4 % (APC= 0,70 % IC95 %= 0,50; 0,91, p<0,001).

Conclusión

La tendencia fue de incremento de los homicidios en los estados de la región sur con predominancia de homicidio entre adultos jóvenes, y la mayor pérdida de años de vida entre individuos de sexo masculino representa cuestiones socioeconómicas importantes para una causa prevenible.

Homicidio; Mortalidad; Años potenciales de vida perdidos; Registros de mortalidad

Abstract

Objective

To investigate the trend of homicides and estimate the years of potential life lost due to this cause in southern Brazil.

Methods

This is a time series study for homicide constructed from the Mortality Information System. Years of potential life lost were estimated according to age group, sex and cause of death, and mortality rates were calculated. Trend analysis was verified by Prais-Winsten regression with calculation of annual percentage change.

Results

The South had a 14.5% increase in homicide mortality rates in the historical series, with emphasis on young adults (20 to 29 years) and the male population as the main victims of homicides and with greater years of potential life lost. The highest homicide rates were recorded in Paraná, with a stationary trend (APC= 0.10%; 95%CI= -1.23; 1.65; p= 0.875). In Rio Grande do Sul, there was a growing trend with an increase of 25.0% (APC=0.90%CI95%=0.49; 1.32; p<0.001). In Santa Catarina, there was a growing trend with an increase of 20.8% (APC= 0.70%; 95%CI= 0.09; 1.32, p<0.001). Regarding sex, there was a higher prevalence of males in Rio Grande do Sul with 27.7% (APC= 0.90%; 95%CI= 0.49; 1.32, p<0.001) and females in Santa Catarina with 17.4% (APC=0.70%; 95%CI=0.50; 0.91, p<0.001).

Conclusion

The trend was towards an increase in homicides in the southern states, with a predominance of homicides among young adults and the greater loss of years of life among males represents important socioeconomic issues for a preventable cause.

Homicide; Mortality; Potential years of life lost; Mortality registries

Introdução

O homicídio é um fenômeno global com diferenças geográficas de grande importância na mortalidade e na expectativa de vida dos indivíduos. Apresenta consigo implicações significativas na sociedade e na saúde pública, resultando em perdas emocionais, sociais e econômicas. Além da sua letalidade, repercute nos dados epidemiológicos devido às questões complexas que o envolvem que são amplas e de difíceis mudanças em prazo curto.(11. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Global Study on Homicide 2019: Trends, Contexts, Data. Vienna: UNODC; 2019 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/global-study-on-homicide.html
https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-...
,22. Veloso AO, Medeiros KK, Soares RA, Pereira FJ, Silva Neto CF, Cavalcanti AL. Contexto socioespacial de vítimas de homicídio doloso em uma capital do nordeste brasileiro. Cad Saude Colet. 2020;28(2):180-8.)

Em 2016, mais de 560.000 pessoas foram assassinadas violentamente, aproximadamente 385.000 dessas mortes foram homicídios intencionais, o que torna ainda esse fenômeno importante preocupação mundial.(33. McEvoy C, Hideg G. Global violent deaths 2017: time to decide. Geneva: Small Arms Survey; 2017 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2018/04/SAS-Report-GVD2017.pdf
https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digit...
)

Diante do contexto recente, em 2015, a taxa de homicídio na América Latina e Caribe foi cinco vezes maior do que a média global.(44. United Nations Children’s Fund (UNICEF). A familiar face: violence in the lives of children and adolescents. New York (USA): UNICEF; 2017 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://data.unicef.org/resources/a-familiar-face/
https://data.unicef.org/resources/a-fami...
) O Brasil está na 26ª posição nos países com maiores taxas de mortalidade por homicídio no mundo.(44. United Nations Children’s Fund (UNICEF). A familiar face: violence in the lives of children and adolescents. New York (USA): UNICEF; 2017 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://data.unicef.org/resources/a-familiar-face/
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,55. Oliveira AL. Homicídios do Brasil na última década: uma revisão integrativa. 25(5):1925-34. Review.) Estudos mostraram redução de óbitos por homicídios na maioria das macrorregiões do Brasil, no entanto, independentemente dessa queda, o país continua situado entre as taxas de mortalidade mais elevadas no mundo e tem experimentado o fenômeno de interiorização dos homicídios.(11. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Global Study on Homicide 2019: Trends, Contexts, Data. Vienna: UNODC; 2019 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/global-study-on-homicide.html
https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-...
,44. United Nations Children’s Fund (UNICEF). A familiar face: violence in the lives of children and adolescents. New York (USA): UNICEF; 2017 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://data.unicef.org/resources/a-familiar-face/
https://data.unicef.org/resources/a-fami...
,66. Tavares R, Catalan VD, Romano PM, Melo EM. Homicídios e vulnerabilidade social. Cien Saude Colet. 2016;21(3):923-34.,77. Soares Filho AM, Merchan-Hamann E, Vasconcelos CH. Expansão, deslocamento e interiorização do homicídio no Brasil, entre 2000 e 2015: uma análise espacial. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3097-105.)

O homicídio constitui ainda uma das principais causas de morte precoce no mundo, sendo a população jovem a principal vítima. Mais de metade dos homicídios ocorrem na faixa etária de 15 a 29 anos e constitui-se como principal causa de perda de anos de vida nesse grupamento etário.(77. Soares Filho AM, Merchan-Hamann E, Vasconcelos CH. Expansão, deslocamento e interiorização do homicídio no Brasil, entre 2000 e 2015: uma análise espacial. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3097-105.

8. Rocha GG, Nunes BP, Silva EF, Wehrmeister FC. Análise temporal da mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito em Foz do Iguaçu, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(2):323-30.
-99. Costa DH, Schenker M, Njaine K, Souza ER. Homicídios de jovens: os impactos da perda em famílias de vítimas. Physis. 2017;27(3):685-705.)

Apesar dos esforços com políticas públicas de anti-violência nos últimos anos, os homicídios continuam a encabeçar a lista de causas de morte na região sul do país.(1010. Soares Filho AM, Duarte EC, Merchan-Hamann E. Tendência e distribuição da taxa de mortalidade por homicídios segundo porte populacional dos municípios do Brasil, 2000 e 2015. Cien Saude Colet. 2020;25(3):1147-56.)Diante desta situação, além de se avaliar o impacto da mortalidade por homicídios para a sociedade por meio de taxas, os anos potenciais de vida perdidos (APVP) revelam ser importante forma de verificar os impactos provocados por esse agravo. Esse indicador consiste em quantificar o número de anos de vida perdidos quando o óbito ocorre antes da quantidade de anos esperados de sobrevida. Além disso, não há estudos que abordem a influência dos APVP gerados pelos homicídios na região sul do Brasil. Nesse sentido esta investigação pode contribuir para a formulação de políticas públicas de saúde e de segurança pública, a fim de prevenir sua ocorrência. O objetivo deste estudo foi investigar a tendência dos homicídios e estimar os APVP por essa causa na região sul do Brasil.

Métodos

Estudo descritivo de série temporal (1996 a 2019) sobre mortalidade e APVP por homicídios nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O estudo foi elaborado a partir de dados disponibilizados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS).

Os dados foram coletados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Tomou-se como base a Classificação Internacional de Doenças da 10ª revisão (CID-10) para registro dos óbitos por agressões (X-85 a Y-09). Os dados demográficos foram obtidos a partir de dados censitários e estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os casos com informações ignoradas não foram incluídos na descrição dos dados.

Os óbitos por homicídios foram analisados de acordo com variáveis de idade (anos), sexo (masculino/feminino), e meio usado para realizar a agressão. Nesta variável, os homicídios foram agrupados da seguinte forma: X93 a X95 agressão por armas de fogo, X99 agressão por objeto cortante ou penetrante, Y00 agressão por meio de um objeto contundente e os demais agrupados em outros meios de agressão.

As taxas de mortalidade foram calculadas pela razão do número de óbitos ocorridos no ano, considerando a população em risco do mesmo período por 100 mil habitantes. Empregou-se a padronização pelo método direto por idade para efeito de comparação das taxas ao longo da série histórica. Nesse método de ajuste, utiliza-se uma população padrão no sentido de afastar a possibilidade de resultados encontrados serem diferentes daquelas existentes na distribuição etária da população. Ademais, é empregado para comparar duas ou mais populações com diferenças em suas estruturas etárias ou uma mesma população em períodos distintos. Para realizar esse método, foi delimitado uma população padrão de referência para os demais anos da série temporal. (1111. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Atlas da violência 2020. Brasília (DF): IPEA; 2020 [citado 2021 Abr 28]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/d...
) A população padrão considerada foi a do último censo demográfico do IBGE ocorrido em 2010.

Aplicou-se neste estudo cálculo de APVP, empregando a adaptação da fórmula proposta por Romeder e McWhinnie.(1212. Nogueira VD, Xavier-Gomes LM, Barbosa TL. Homicide mortality in border regions in the State of Paraná, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3107-18.) Para tanto, foram excluídos óbitos ocorridos em indivíduos menores de um ano e maiores de 70 anos, seguido do cálculo do ponto médio das faixas etárias. Em seguida, foi subtraído de 70 anos (idade limite proposta no método original) o ponto médio de cada faixa etária e multiplicado pelo número de óbitos em cada grupo de idade. Os totais obtidos em cada faixa etária foram somados, obtendo-se o total de APVP em cada estado e na região analisada. Os óbitos em decorrência de homicídio ocorridos antes dos 70 anos de idade definem a precocidade dos mesmos.(1212. Nogueira VD, Xavier-Gomes LM, Barbosa TL. Homicide mortality in border regions in the State of Paraná, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3107-18.) Calculou-se o APVP segundo sexo, faixa etária e causa de óbito.

Considerando a exclusão de óbitos por homicídios de menores de um ano e maiores de 69 anos, os APVP por homicídios foram analisados por sexo e faixa etária (01 a 09 anos, 10 a 19 anos, 20 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 anos e 60 a 69 anos) entre os estados da região sul.

As taxas de mortalidade por homicídio foram analisadas por sexo e estado/região. A análise de tendência foi realizada por meio do modelo análise linear generalizada de Prais-Winsten.(1313. Andrade SS, Mello-Jorge MH. Mortality and potential years of life lost by road traffic injuries in Brazil, 2013. Rev Saude Publica. 2016;50(59):1-9.) As taxas de mortalidade padronizadas por homicídio foram empregadas como variáveis dependentes (Y - dependente), enquanto os anos sequenciais foram utilizados como variáveis independentes (X - independente). O modelo adotado é indicado para corrigir a autocorrelação serial em séries temporais. A verificação da existência de autocorrelação da série foi determinada pelo teste de Durbin-Watson, cuja interpretação é estabelecida em uma escala de medida que varia de 0 a 4. Quando o valor do teste é próximo a zero, há a indicação da existência de uma máxima autocorrelação positiva, enquanto se o valor for próximo a 4, a autocorrelação serial é negativa e, quando o valor do teste é próximo a 2, não existe autocorrelação serial.(1414. Cunha AP, Cruz MM, Torres RM. Aids mortality trends according to sociodemographic characteristics in Rio Grande do Sul State and Porto Alegre City, Brazil: 2000-2011*. Epidemiol Serv Saúde 2016;25(3):477-86.)

Para aplicação modelo de regressão escolhido, utilizou-se o método sugerido por Antunes e Cardoso.(1515. Antunes JL, Cardoso MR. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(3):565-76.) Primeiramente, foi realizada a transformação logarítmica dos valores de Y, seguida da aplicação do modelo autoregressivo de Prais-Winsten, para que fossem estimados os valores de b1 das taxas de mortalidade padronizadas, segundo sexo e total. Posteriormente, identificado as taxas de variação anual (do inglês Annual Percent Change - APC) a partir dos valores de b1 correspondentes a cada uma das taxas por meio da seguinte fórmula:

A P C = [ 1 + 10 b 1 ] 100 %

Na etapa final da modelagem, foram calculados os intervalos de confiança (IC) das medidas do estudo b1 e do APC, mediante a aplicação das seguintes fórmulas:

I C 95 % c = [ 1 + 10 b 1 minimo ] 100 % [ 1 + 10 b1 máximo ] 100 %

Os valores de b1 mínimo e b1 máximo são captados no intervalo de confiança (IC) gerado pelo programa de análise estatística e são aplicados na fórmula. O valor de b1 mínimo correspondente ao ponto mínimo do IC e o valor de b1 máximo correspondente ao ponto máximo do IC.

O software Microsoft Excel 2019 foi utilizado para construção de indicadores, padronização e preparação de tabelas. Para análise da tendência da mortalidade por homicídios, utilizou- se o software estatístico Bioestat 5.0 da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Tabwin for Windows do Datasus. Nesse estudo, foi adotado o nível de significância de 5%.

Por se tratar de estudo com dados secundários sem identificação dos participantes, não houve necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. A Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012, foi respeitada.

Resultados

No período analisado, foram registrados 4.141.193 óbitos na região sul, sendo que 468.206 foram devidos às causas externas, representando 10,6% do total. Desse valor, 262.634 tiveram como causa os homicídios, o que representou 5,9% do total de óbitos na região sul e 56,1% de todos os óbitos por causas externas. A distribuição dos óbitos por homicídio nos estados da região sul foram: 47,9% no Paraná, 39,6% no Rio Grande do Sul e 12,5% em Santa Catarina.

As tabelas 1 e 2 apresentam a evolução das taxas de mortalidade e análise da tendência dos homicídios de 1996 a 2019 nos estados da região sul. Durante a série histórica, as maiores taxas de homicídio foram registradas no Paraná, apresentando as maiores médias do período analisado, assim como a maior proporção média de homicídios entre homens e mulheres de 10,4, valor superior a região sul com 9,6. Na primeira metade do período (1996 a 2007), esse estado apresentou o maior crescimento das taxas (masculino=90,9%; feminino=27,3%; total=73,6%), e as maiores reduções (masculino= -48,3% feminino= -34,1% total= -45,7%) na outra metade da série (2008 a 2019). A região sul apresentou comportamento semelhante nos dois períodos, com exceção das taxas de homicídio do público feminino em que houve redução de 1996 a 2007.

Tabela 1
Taxas de mortalidade por homicídios (por 100.000 hab.)
Tabela 2
Análise das tendências de mortalidade por homicídios (total e por sexo)

Ao se comparar o último ano em relação ao primeiro da série histórica, verifica-se que apenas os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina apresentaram tendência ascendente significativa. No primeiro estado, o aumento foi de 25,0% no período (APC= 0,90%; IC95%=0,49; 1,32; p<0,001) enquanto o segundo foi de 20,8% (APC= 0,70%; IC95%= 0,09; 1,32, p<0,001), ambos superiores ao aumento apresentado pela região sul de 14,5% (APC= 0,50% IC95%= -0,11; 1,12;), porém não significativo (p= 0,079). Apesar de o estado do Paraná apresentar as maiores taxas de mortalidade por homicídios (APC= 0,10%; IC95%=-1,23; 1,65; p=0,875), constatou-se tendência estacionária. Em relação ao sexo masculino, houve maior elevação no Rio Grande do Sul com 27,7% (APC= 0,90%; IC95%= 0,49; 1,32, p<0,001), enquanto o sexo feminino foi maior em Santa Catarina com aumento de 17,4% (APC= 0,70%; IC95%= 0,50; 0,91, p<0,001).

Houve predomínio de anos perdidos no grupamento etário de 20 a 29 anos em ambos os sexos ao se comparar o primeiro e o último ano da série histórica (Tabela 3). Entre os homens, essa faixa etária contabilizou mais de 40,0% do total de APVP, e nas mulheres esse percentual alcançou 35,0%. Ainda nessa análise, a variação percentual do APVP, em relação ao público masculino, destacou-se Santa Catarina com aumento de 200,0% de APVP entre indivíduos de 60 a 69 e redução de 75,0% entre crianças de 01 a 09 anos. No público feminino, observou-se mesmo comportamento de elevação de APVP no público idoso com destaque ao Paraná com 700,0% e retração dos APVP no público mais jovem (01 a 19 anos) no Rio Grande do Sul com 50,0% em indivíduos de 01 a 09 anos. Em relação ao total para cada estado, observou-se maior aumento para o público idoso com 216,7% e retração para as crianças com 42,5%, ambos em Santa Catarina. Na região sul, o comportamento foi semelhante aos grupos etários com maior APVP e também com relação ao aumento e redução percentual dos APVP.

Tabela 3
Distribuição percentual e anos potenciais de vida perdidos por homicídios, segundo sexo e faixa etária

Em relação ao meio utilizado para perpetrar o homicídio (Tabela 4), houve maior APVP nos óbitos provocados pelo uso de armas de fogo em todas os estados comparando os dois anos da série histórica. Essa causa representou mais da metade do total de anos perdidos por homicídios com destaque para Santa Catarina com incremento de 81,8%. Constata-se elevação nos APVP provocados por objetos contundentes na região sul e na maioria dos estados, com destaque para o Rio Grande do Sul com 271,5%. Por sua vez, as agressões por meio não especificado reduziram 33,6% na comparação feita no mesmo estado. Na análise global das causas de homicídio, observou-se maior elevação percentual em Santa Catarina com 74,4%, valor esse superior aos estados e região sul.

Tabela 4
Distribuição percentual e anos potenciais de vida perdidos por homicídios, segundo meio utilizado

Discussão

O presente estudo apresenta limitações pela utilização de dados secundários obtidos a partir do SIM como base de análise de cada estado da região sul. Destaca-se que os indicadores estudados apontam a realidade coletiva – ao nível estadual e regional – e não refletem o risco em nível individual. Os óbitos por homicídios podem ser subestimados se baseado unicamente nos dados do SIM, devido à existência de categoria indeterminada nas diversas variáveis analisadas no estudo. Ademais, a exclusão dos óbitos de indivíduos menores de um ano e maiores de 70 anos no cálculo do APVP pode levar a subestimação deste indicador. Contudo, os resultados exibidos neste estudo denotam o comportamento das taxas de mortalidade e dos APVP por homicídio na região sul do país, corroborando para um melhor entendimento da realidade dos óbitos no contexto dessa região. A utilização dos APVP com o intuito de determinar o potencial de vida perdido em cada óbito permite auxiliar no processo de determinação de novo critério para seleção de prioridades, atribuindo mais peso nos óbitos de pessoas mais jovens. O uso dessas medidas epidemiológicas pode contribuir significativamente no monitoramento do ônus da morte por homicídio, além de avaliar a eficácia da redução dessas mortes consequente de introdução de medidas preventivas prévias.

Ressalta-se que o Paraná teve maior magnitude das taxas de homicídio em toda série temporal, registrando maior elevação percentual na primeira metade e redução na segunda metade do período, em relação ao sexo e total. Embora apresente tendência estacionária, esse estado possui 90,0% dos municípios mais violentos da região sul do país, apresentando maior risco por sua localização na região da fronteira com outros países, e provavelmente pela maior disponibilidade de drogas ilegais e de armas de fogo ali presente.(88. Rocha GG, Nunes BP, Silva EF, Wehrmeister FC. Análise temporal da mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito em Foz do Iguaçu, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(2):323-30.,1212. Nogueira VD, Xavier-Gomes LM, Barbosa TL. Homicide mortality in border regions in the State of Paraná, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3107-18.,1616. Malta DC, Minayo MC, Soares Filho MA, Silva MM, Montenegro MM, Ladeira RM, et al. Mortality and years of life lost by interpersonal violence and self-harm: in Brazil and Brazilian states: analysis of the estimates of the Global Burden of Disease Study, 1990 and 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(1):142-56.) Portanto, a magnitude do homicídio nesse estado reside na disseminação da violência no estado entre as regiões e municípios, podendo ressaltar Foz do Iguaçu como município com altas taxas de homicídio no estado, marcado pela presença de desigualdades, narcotráficos, concentração e distribuição irregular de rendas, grande fluxo de pessoas e demais atividades clandestinas existentes.

Neste estudo, os homens foram mais vulneráveis aos homicídios que as mulheres em todos os estados e região sul. A maior mortalidade nesse público tem sido vinculada à masculinidade e à violência, presente na cultura brasileira, na qual desde a época de infância e/ou adolescência concede-se maior liberdade para meninos do que meninas. Esse fato acaba por ampliar a possibilidade de os homens serem mais agressivos com o avançar da idade, tornando-os em potenciais perpetradores ou vítimas desta violência.(77. Soares Filho AM, Merchan-Hamann E, Vasconcelos CH. Expansão, deslocamento e interiorização do homicídio no Brasil, entre 2000 e 2015: uma análise espacial. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3097-105.,1616. Malta DC, Minayo MC, Soares Filho MA, Silva MM, Montenegro MM, Ladeira RM, et al. Mortality and years of life lost by interpersonal violence and self-harm: in Brazil and Brazilian states: analysis of the estimates of the Global Burden of Disease Study, 1990 and 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(1):142-56.,1717. Anjos Júnior OR, Lombardi Filho SC, Ciríaco JS, Silva MV. Testando a hipótese de dependência espacial na taxa de crime dos municípios da região sul do Brasil. Desenvol Regional Debate. 2018;8(1):118-1.) Acrescenta-se ainda o fato de muitas pesquisas(1818. Barreto MS, Teston EF, Latorre MR, Mathias TA, Marcon SS. Traffic accident and homicide mortality in Curitiba, Paraná, Brazil, 1996-2011. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(1):95-104.

19. Zahnow R, Mcveigh J, Bates G, Hope V, Kean J, Campbell J, et al. Identifying a typology of men who use anabolic na drogenic steroids (AAS). Int J Drug Policy. 2018;55:105-12.

20. Dunn M, Bartle J, Mckay FH. Exploring judicial opinion on the relationship between anabolic-androgenic steroid use and violent offending. Perform Enhanc Heal. 2016;5(1):31-3.
-2121. Delgado PF, Maya-Rosero E, Franco M, Montoya-Oviedo N, Guatibonza R, Mockus I. Testosterona y homicidio: aspectos neuroendocrinos de la agresión. Rev Fac Med. 2020;68(2):283-94.) relacionarem os níveis de testosterona com os maiores índices de violência o que poderia ser uma explicação para os resultados deste estudo.

No concernente à distribuição etária, percebeu-se impacto desproporcional de homicídio nos jovens, perfil coincidente com todos os níveis nacionais de renda e o Canadá.(11. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Global Study on Homicide 2019: Trends, Contexts, Data. Vienna: UNODC; 2019 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/global-study-on-homicide.html
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,99. Costa DH, Schenker M, Njaine K, Souza ER. Homicídios de jovens: os impactos da perda em famílias de vítimas. Physis. 2017;27(3):685-705.,2222. Silva MM, Meschial WC, Oliveira ML. Mortalidade de adolescentes por causas externas no estado do Paraná: análise de dados oficiais. Rev Bras Pesq Saúde. 2016;18(3):17-23.-2323. Lachaud J, Donnelly PD, Henry D, Kornas K, Calzavara A, Bornbaum C, et al. A population-based study of homicide deaths in Ontario, Canada using linked death records. Int J Equity Health. 2017;16(1):133-9.)Grande parcela dos APVP por homicídios ocorreu entre jovens de 20 a 29 anos, sendo esta faixa etária na qual a vitimização por essa causa apresenta sua expressão máxima, apesar de a blindagem educacional chegar ao ponto máximo de proteção contra ocorrência de homicídios.(2424. Waiselfisz JJ. Educação: blindagem contra a violência homicida? Recife: FLACSO Brasil; 2016 [citado 2021 Abr 28]. Disponível em: https://flacso.org.br/files/2016/07/educ_blindagem2.pdf
https://flacso.org.br/files/2016/07/educ...
)

No cenário mundial, aproximadamente 95,0% dos homicídios acontece nos homens e a metade das vítimas possui menos de 30 anos.(11. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Global Study on Homicide 2019: Trends, Contexts, Data. Vienna: UNODC; 2019 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/global-study-on-homicide.html
https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-...
)Quase a metade dos homicídios de jovens aconteceu na América Latina e Caribe, o que posiciona o Brasil dentro dos 5 países (República Boliviana de Venezuela, Honduras, Colômbia, Salvador e Brasil) com as maiores taxas de homicídios entre os jovens.(44. United Nations Children’s Fund (UNICEF). A familiar face: violence in the lives of children and adolescents. New York (USA): UNICEF; 2017 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://data.unicef.org/resources/a-familiar-face/
https://data.unicef.org/resources/a-fami...
)Esse padrão de exposição maior do sexo masculino é semelhante a outras realidades do país.(66. Tavares R, Catalan VD, Romano PM, Melo EM. Homicídios e vulnerabilidade social. Cien Saude Colet. 2016;21(3):923-34.,1010. Soares Filho AM, Duarte EC, Merchan-Hamann E. Tendência e distribuição da taxa de mortalidade por homicídios segundo porte populacional dos municípios do Brasil, 2000 e 2015. Cien Saude Colet. 2020;25(3):1147-56.,1818. Barreto MS, Teston EF, Latorre MR, Mathias TA, Marcon SS. Traffic accident and homicide mortality in Curitiba, Paraná, Brazil, 1996-2011. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(1):95-104.,2525. Lima CC, Lima RP, Nobre AC. Uso de drogas ilícitas na prática do homicídio. Cad Ibero Amer Dir Sanit. 2017;6(3):118-28.)

Estudos nacionais sobre o perfil da violência evidenciaram, nos últimos anos, que a maioria das regiões e estados tiveram aumento ou manutenção em número e taxas de homicídios.(55. Oliveira AL. Homicídios do Brasil na última década: uma revisão integrativa. 25(5):1925-34. Review.,77. Soares Filho AM, Merchan-Hamann E, Vasconcelos CH. Expansão, deslocamento e interiorização do homicídio no Brasil, entre 2000 e 2015: uma análise espacial. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3097-105.,1010. Soares Filho AM, Duarte EC, Merchan-Hamann E. Tendência e distribuição da taxa de mortalidade por homicídios segundo porte populacional dos municípios do Brasil, 2000 e 2015. Cien Saude Colet. 2020;25(3):1147-56.,2626. França EB, Passos VM, Malta DC, Duncan BB, Ribeiro AL, Guimarães MD, et al. Cause-specific mortality for 249 causes in Brazil and states during 1990–2015: a systematic analysis for the global burden of disease study 2015. Popul Health Metr. 2017;15(1):39.) Neste estudo, foi possível observar comportamento semelhante e associado ao aumento do risco de perda de anos de vida por essa causa de óbito em toda região sul. A perda prematura de anos de vida associado às altas taxas de mortalidade implicam em maiores cifras econômicas para o país em perdas relacionadas à expectativa de vida dos indivíduos.

Investigação de série histórica semelhante a este estudo, ao longo do período de 2008 a 2018, apontou estabilidade nas taxas de homicídios na região sul, enquanto teve um decréscimo do indicador na região Sudeste, ao passo que no Centro-Oeste, Norte e Nordeste houve um notório acréscimo das taxas.(77. Soares Filho AM, Merchan-Hamann E, Vasconcelos CH. Expansão, deslocamento e interiorização do homicídio no Brasil, entre 2000 e 2015: uma análise espacial. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3097-105.,1010. Soares Filho AM, Duarte EC, Merchan-Hamann E. Tendência e distribuição da taxa de mortalidade por homicídios segundo porte populacional dos municípios do Brasil, 2000 e 2015. Cien Saude Colet. 2020;25(3):1147-56.) No entanto, o presente estudo, por se tratar de uma análise da série temporal de 24 anos, de 1996 a 2019, essa estabilidade não reflete a realidade da região sul, pois as taxas de mortalidade e os APVP compreendidos no período estudado mostraram tendência crescente com acréscimo significativo. Esse incremento pode ser devido ao crescimento demográfico, aumento de organizações criminais e as economias ilegais presentes(1010. Soares Filho AM, Duarte EC, Merchan-Hamann E. Tendência e distribuição da taxa de mortalidade por homicídios segundo porte populacional dos municípios do Brasil, 2000 e 2015. Cien Saude Colet. 2020;25(3):1147-56.,1212. Nogueira VD, Xavier-Gomes LM, Barbosa TL. Homicide mortality in border regions in the State of Paraná, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3107-18.)além da crise econômica e dificuldades do Estado em prover políticas que abordem as áreas de segurança e sociais de forma efetiva.

Salienta-se a necessidade de um estudo aprofundado da cultura de violência e de sua interiorização nos espaços brasileiros. Estudo recente(2727. Crespo F. Debate teórico sobre el proceso de instalación de una cultura de la violencia en Venezuela. Rev Crim. 2019;62(1):117-32.) fez uma análise da instalação da cultura de violência na Venezuela e detectou que esta se tornou aceitável e estimulada dentro da cultura em que as instituições e o Estado entraram em descrédito frente a população. Frente à esse debate da Venezuela é importante aprofundar no debate teórico da cultura brasileira para entender as raízes da violência e assim atuar de forma preventiva e corretiva para melhoria dos indicadores de homicídio frente ao incremento detectado no presente estudo.

O Rio Grande do Sul destacou-se com o maior incremento anual e por período das taxas de homicídio durante a série temporal para o sexo masculino, sendo um dos onze estados, que não corresponde às regiões Norte e Nordeste do país, com crescimento gradativo nas taxas de homicídios total nos últimos dez anos;(1010. Soares Filho AM, Duarte EC, Merchan-Hamann E. Tendência e distribuição da taxa de mortalidade por homicídios segundo porte populacional dos municípios do Brasil, 2000 e 2015. Cien Saude Colet. 2020;25(3):1147-56.)ao passo que Santa Catarina é o estado com maior aumento para o sexo feminino.

O notório femicídio de Santa Catarina reflete a construção de virilidade a partir da violência exibida pela cultura desse local que consiste em modelo patriarcal, com iniquidade de sexo, enfatizando o poder de domínio atribuído aos homens pelo zelo do comportamento da mulher, podendo penalizar as ações das mulheres através da violência quando estas infringirem as normas sociais de gênero regidas pela cultura de honra.(2828. Nascimento SG, Silva RS, Cavalcante LM, Carvalho AP, Bonfim CV. External causes of mortality in pregnant and puerperal women. Acta Paul Enferm. 2018;31(2):181-6.,2929. David LV, Minamisava R, Vitorino PV, Rocha MJ, Carneiro VS, Vieira MA. Perfil dos óbitos femininos por homicídios no município de Goiânia. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e20180985.)

Os achados deste estudo apontaram maior APVP entre indivíduos de 20 a 29 anos, com proporção superior a 35,0% em ambos os sexos na região sul. Entre as causas externas, os homicídios se destacam em relação às mortes prematuras, principalmente nas faixas etárias jovens, acarretando fortes impactos em diferentes áreas do setor da saúde.(3030. Garcia LA, Camargo FC, Pereira GA, Ferreira LA, Iwamoto HH, Santos AS, et al. Anos potenciais de vida perdidos e tendência de mortalidade na população adulta em um município do Triângulo Mineiro, 1996-2013. Medicina (Ribeirão Preto). 2017;50(4):216-26.) Esse tipo de óbito está entre as principais causas de incapacidade, ficando abaixo apenas de doenças cardíacas isquêmicas. Por acometer populações mais jovens, indivíduos em plena capacidade produtiva, os homicídios desencadeiam consequências nefastas com altos custos individuais e coletivos. (1616. Malta DC, Minayo MC, Soares Filho MA, Silva MM, Montenegro MM, Ladeira RM, et al. Mortality and years of life lost by interpersonal violence and self-harm: in Brazil and Brazilian states: analysis of the estimates of the Global Burden of Disease Study, 1990 and 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(1):142-56.)

Apesar dessa elevada proporção entre os jovens de 20 a 29 anos, no período analisado, houve maior crescimento dos APVP principalmente entre idosos de 60 a 69 anos e, em contrapartida, maior redução nos indivíduos com idade entre 10 a 19 anos, sendo esse comportamento semelhante entre os estados e a região sul. As implicações disso podem estar associadas ao aumento da violência contra o idoso no ambiente familiar com baixo cumprimento do Estatuto do Idoso.(3131. Santana IO, Vasconcelos DC, Coutinho MP. Prevalência da violência contra o idoso no Brasil: revisão analítica. Arq Bras Psicol. 2016;68(1):126-39. Review.) Por outro lado, a redução das taxas nos adolescentes pode apontar que atividades educativas e políticas de inclusão desse público em atividades de formação nas escolas, podem ter tido impacto positivo para esse público. (2222. Silva MM, Meschial WC, Oliveira ML. Mortalidade de adolescentes por causas externas no estado do Paraná: análise de dados oficiais. Rev Bras Pesq Saúde. 2016;18(3):17-23.)

Em relação às causas específicas, é importante destacar, na presente investigação, os homicídios causados por arma de fogo na região sul e seus estados compõem percentual superior em relação a outras formas de agressão, corroborando com estudos realizados no Brasil, Colômbia e em outros países da América Latina. (77. Soares Filho AM, Merchan-Hamann E, Vasconcelos CH. Expansão, deslocamento e interiorização do homicídio no Brasil, entre 2000 e 2015: uma análise espacial. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3097-105.,1010. Soares Filho AM, Duarte EC, Merchan-Hamann E. Tendência e distribuição da taxa de mortalidade por homicídios segundo porte populacional dos municípios do Brasil, 2000 e 2015. Cien Saude Colet. 2020;25(3):1147-56.,3232. Chaparro-Narváez P, Cotes-Cantillo K, León-Quevedo W, Castañeda-Orjuela C. Mortalidad por homicídios en Colombia, 1998-2012. Biomédica. 2016;36(4):572-82.)

O uso de arma de fogo nos óbitos é uma realidade global, sendo que em 2016, contribuiu com o óbito de cerca de 210.000 pessoas, com 81,0% de mortes por homicídio intencional. Incluso nesse mesmo ano, uma elevada proporção de óbitos por armas de fogo foi registrada na América Latina e no Caribe.(33. McEvoy C, Hideg G. Global violent deaths 2017: time to decide. Geneva: Small Arms Survey; 2017 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2018/04/SAS-Report-GVD2017.pdf
https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digit...
) Ressalta-se que 10,0% de todos os homicídios do mundo concentram-se no Brasil, pois apresenta disposição de armas de fogo e possui violência policial.(11. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Global Study on Homicide 2019: Trends, Contexts, Data. Vienna: UNODC; 2019 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/global-study-on-homicide.html
https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-...
,33. McEvoy C, Hideg G. Global violent deaths 2017: time to decide. Geneva: Small Arms Survey; 2017 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2018/04/SAS-Report-GVD2017.pdf
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,3333. Canudas-Romo V, Aburto JM. Youth lost to homicides: disparities in survival in Latin America and the Caribbean. BMJ Glob Health. 2019;4(2):e001275.) Saindo do marco nacional, na maioria dos países africanos e nos Estados Unidos, a arma de fogo é responsável por um mínimo de 50,0% incidências violentas letais.(33. McEvoy C, Hideg G. Global violent deaths 2017: time to decide. Geneva: Small Arms Survey; 2017 [cited 2021 Apr 28]. Available from: https://assets-dossies-ipg-v2.nyc3.digitaloceanspaces.com/sites/3/2018/04/SAS-Report-GVD2017.pdf
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)

Curiosamente, o Rio Grande do Sul é o estado com maior posse de armas de fogo pela população brasileira.(3434. Oliveira CA, Rostirolla CC. Mais armas de fogo, mais homicídios? Uma evidência empírica para a Região Metropolitana de Porto Alegre a partir de dados em painel. In: XX Encontro de Economia da Região Sul, 2017, Porto Alegre. Anais do XX Encontro de Economia da Região Sul, 2017 [citado 2021 Abr 28]. Disponível em: https://www.anpec.org.br/sul/2017/submissao/files_I/i8-2482198d4504562fba23934168cc49f4.pdf
https://www.anpec.org.br/sul/2017/submis...
) A despeito do advento da lei de desarmamento, o estado mostrou-se ineficaz em conseguir coibir a violência após a implantação do Estatuto do Desarmamento em 2003. Apesar de 15 anos de existência, os efeitos desse documento se mostram ainda insuficientes para reduzir o aumento das mortes prematuras provocadas pelos homicídios entre os estados da região sul.(3535. Ferro WC, Teixeira EC. Efeito do estatuto do desarmamento sobre as mortes por armas de fogo no Brasil. Rev Desenvol Economico. 2019;3(44):56-87.)

Outro fato que se destaca nesta investigação é o aumento do uso de arma branca como meio utilizado, principalmente objetos contundentes. Apesar dessa elevação, a arma de fogo permanece como principal meio perpetrado para cometer homicídio. A arma branca, por sua vez, é um meio de homicídio bastante utilizado pelo sexo masculino, principalmente pelos adultos jovens e adolescentes.(1212. Nogueira VD, Xavier-Gomes LM, Barbosa TL. Homicide mortality in border regions in the State of Paraná, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(8):3107-18.)

Conclusão

A tendência observada foi de incremento dos homicídios nos estados da região sul com predominância de homicídio entre adultos jovens e a maior perda de anos de vida entre indivíduos do sexo masculino representa questões socioeconômicas importantes para uma causa prevenível. A magnitude da violência verificada nas taxas de mortalidade aponta para adoção de estratégias preventivas para modificar esse cenário na região sul do país, especialmente para o Rio Grande do Sul entre os homens e Santa Catarina entre as mulheres. Por ser de origem multicausal os homicídios demandam uma articulação intersetorial, das empresas públicas e privadas e de toda a sociedade em geral para a realização de parcerias com escolas e institutos que trabalham com jovens para atuação em conjunto a fim de realizar ações contínuas possibilitando educação profissionalizante para inserção no mercado de trabalho a fim de reduzir os níveis de violência e as suas causas.

Agradecimentos

Estudo realizado com o apoio financeiro e também de iniciação científica custeada pela Universidade Federal de Integração Latino-Americana (UNILA).

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Paula Hino (https://orcid.org/0000-0002-1408-196X) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    4 Maio 2021
  • Aceito
    7 Dez 2021
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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