Validação de conteúdo do diagnóstico de enfermagem processos familiares interrompidos

Validación de contenido del diagnóstico de enfermería Interrupción de los procesos familiares

Resumo

Objetivo

Validar o conteúdo do diagnóstico de enfermagem processos familiares interrompidos em mulheres privadas de liberdade.

Métodos

Estudo metodológico de validação de conteúdo do diagnóstico de enfermagem processos familiares interrompidos, realizado com 24 especialistas, no período de agosto a dezembro de 2019. Os especialistas foram enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais com experiência clínica e teórica na área do estudo. O recrutamento destes ocorreu a partir da plataforma Lattes, do universo relacional do pesquisador e técnica de amostragem “snow ball”. Os dados foram analisados pelo programa estatístico R, sendo calculado o Índice de Validade de Conteúdo com base no modelo da diversidade preditiva. Também foram calculados os Intervalos de Confiança de 95% e foi aplicado o teste de Wilcoxon, tendo como valor de referência para a hipótese nula o Índice de Validade de Conteúdo ≥ 0,9.

Resultados

Foram identificados 12 elementos do diagnóstico em estudo, os quais apresentaram significância estatística, com exceção do item “ausência da figura paterna” o qual foi excluído da proposta diagnóstica. O item “depressão” também foi excluído, conforme sugestão dos especialistas, apesar da significância estatística.

Conclusão

O conteúdo do diagnóstico de enfermagem processos familiares interrompidos em mulheres privadas de liberdade foi considerado válido pelos especialistas e pode nortear a prática clínica do enfermeiro, sobretudo na operacionalização do Processo de Enfermagem.

Diagnóstico de enfermagem; Estudo de validação; Mulheres; Prisões; Relações familiares

Resumen

Objetivo

Validar el contenido del diagnóstico de enfermería Interrupción de los procesos familiares en mujeres privadas de la libertad.

Métodos

Estudio metodológico de validación de contenido del diagnóstico de enfermería Interrupción de los procesos familiares, realizado con 24 especialistas, en el período de agosto a diciembre de 2019. Los especialistas fueron enfermeros, psicólogos y asistentes sociales con experiencia clínica y teórica en el campo de estudio. Este reclutamiento se realizó a partir de la plataforma Lattes, del universo relacional del investigador y técnica de muestreo “snow ball”. Los datos fueron analizados por el programa estadístico R y el Índice de Validez de Contenido fue calculado con base en el modelo de la diversidad predictiva. También se calcularon los Intervalos de confianza de 95 % y se aplicó la prueba de Wilcoxon, en la que el valor de referencia para la hipótesis fue el Índice de Validez de Contenido ≥ 0,9.

Resultados

Se identificaron 12 elementos del diagnóstico estudiado que presentaron significación estadística, excepto el ítem “ausencia de la figura paterna” que fue excluido de la propuesta diagnóstica. El ítem “depresión” también fue excluido, de acuerdo con lo sugerido por los especialistas, a pesar de su significación estadística.

Conclusión

El contenido del diagnóstico de enfermería Interrupción de los procesos familiares en mujeres privadas de la libertad fue considerado válido por los especialistas y puede nortear la práctica clínica del enfermero, sobre todo en la operacionalización del Proceso de Enfermería.

Diagnostico de enfemería; Estudio de validación; Mujeres; Prisiones; Relaciones familiares

Abstract

Objective

To validate the Interrupted Family Processes nursing diagnosis content in women deprived of liberty.

Methods

This is a methodological study to validate the Interrupted Family Processes nursing diagnosis content, carried out with 24 experts, from August to December 2019. Experts were nurses, psychologists and social workers with clinical and theoretical experience in the area of study. These were recruited from the Plataforma Lattes, the researcher’s relational universe and snowball sampling technique. Data were analyzed using the R statistical program, and Content Validity Index was calculated based on the predictive diversity model. The 95% Confidence Intervals were also calculated and the Wilcoxon test was applied, having Content Validity Index ≥ 0.9 as a reference value for the null hypothesis.

Results

Twelve elements of the diagnosis under study were identified, which were statistically significant, with the exception of Father Absence item, which was excluded from the diagnostic proposal. Depression item was also excluded, as suggested by the experts, despite the statistical significance.

Conclusion

The Interrupted Family Processes nursing diagnosis content in women deprived of liberty was considered valid by the experts and can guide the clinical practice of nurses, especially in the operationalization of the Nursing Process.

Nursing diagnosis; Validation studies; Women; Prisions; Family relations

Introdução

O aumento das taxas de encarceramento feminino é considerado um fenômeno que causa impactos negativos às mulheres e suas famílias, tais como: rompimento das relações afetivas e familiares, fragilidades na rede de apoio, desenvolvimento de transtornos mentais comuns, ansiedade, estresse e interrupção do exercício da maternidade.(¹)

No Brasil, as mulheres em privação de liberdade, geralmente, são negras, solteiras e têm baixo nível educacional e socioeconômico. Elas estão expostas às situações de vulnerabilidades, negligência familiar e violação de direitos em toda sua trajetória de vida, e o delito mais frequente está relacionado ao tráfico de drogas.(²,³)

O cárcere reforça a violência e o estigma sobre essas mulheres. Assim, os profissionais de saúde devem atentar-se à identificação de possíveis fragilidades entre os processos familiares das mesmas. O enfermeiro, que atua como membro da equipe de saúde do sistema carcerário, pode contribuir com as mudanças necessárias à saúde e bem-estar físico, emocional e social dessa população.(⁴)

Ademais, o enfermeiro deve planejar e implementar estratégias eficazes, com base em evidências científicas e na educação em saúde. Dentre as principais ferramentas que podem auxiliá-lo na tomada de decisão e no raciocínio clínico, tem-se os Diagnósticos de Enfermagem (DE), que correspondem às respostas humanas da pessoa, família ou coletividade relacionadas ao processo saúde-doença.(⁴,⁵)

Nesse contexto, a prática do enfermeiro deve alcançar as populações vulneráveis, a exemplo das mulheres privadas de liberdade, com base na identificação dos DE, os quais devem traduzir as reais situações de saúde, sem deixar de considerar as diferentes culturas e exigências de determinados grupos de pessoas.(⁴,⁵)

Entre os DE que apresentam relevância às mulheres privadas de liberdade, tem-se o diagnóstico “Processos familiares interrompidos”,(⁶) proposto em 1998 pela Taxonomia da NANDA-I. O mesmo está categorizado no domínio “Papéis e Relacionamentos” e na classe “Relações Familiares”. Na 11ª edição da NANDA-I, este consta com 18 características definidoras, três fatores relacionados, seis populações de risco e uma condição associada.(⁵)

Existem estudos que trazem os DE identificados na população das mulheres privadas de liberdade.(⁷,⁸) É preciso destacar que os diagnósticos podem apresentar inconsistências que interferem no processo de inferência diagnóstica por parte do examinador. Isso ocorre porque o encarceramento feminino e as consequentes fragilidades familiares são fenômenos que apresentam alto grau de subjetividade.(⁹)Nesse sentido, o presente estudo avança ao preencher as lacunas existentes no DE Processos Familiares Interrompidos.

Os componentes diagnósticos, a saber: título, fatores relacionados, condições associadas, populações em risco e características definidoras, deverão representar de forma clara e objetiva determinado fenômeno. Caso contrário, o enfermeiro poderá ter dificuldades relativas à compreensão, objetividade e acurácia desses componentes, o que pode comprometer a elaboração de intervenções de enfermagem especificas e efetivas.(⁹)

Ainda não foram realizados estudos de validação do DE Processos Familiares Interrompidos em mulheres privadas de liberdade, sendo necessário a execução desses para contribuir com o aperfeiçoamento e atualização da Taxonomia da NANDA-I e, consequentemente, com a operacionalização do Processo de Enfermagem.

Frente ao exposto, a Taxonomia da NANDA-I recomenda que os DE sejam revisados e validados periodicamente. Esta estratégia pode reduzir as lacunas existentes na interface enfermeiro-cliente e teoria-prática. Portanto, este estudo teve como objetivo validar o conteúdo do diagnóstico de enfermagem processos familiares interrompidos entre mulheres privadas de liberdade.

Métodos

Trata-se de um estudo metodológico de validação de conteúdo por especialistas, o qual tem a finalidade de estimar a proporção de concordância dos especialistas em relação aos elementos do DE e suas definições operacionais e conceituais.(⁹)

Foram incluídos na amostra profissionais com formação acadêmica nas áreas de enfermagem, psicologia ou serviço social, com experiência prática e teórica sobre a temática de DE, famílias e/ou prisões e que tivessem com o currículo Lattes atualizado nos últimos 12 meses. A inclusão de outros profissionais da saúde como especialistas, além de enfermeiros, pautou-se nos princípios da interdisciplinaridade e multiprofissionalidade no qual o diagnóstico em estudo está inserido.(¹⁰)

A determinação do número de especialistas se deu a partir do cálculo amostral proposto por Lopes e Silva:(⁹)$n=(Z1-\alpha /2\times s÷\sigma {)}^2$, em que foi considerado o nível de confiança de 95% (Z1-α/2 = 1,96), desvio padrão (s) de 0,17 e erro amostral (ϭ) de 0,07, sendo a amostra mínima de 23 juízes.

O recrutamento dos especialistas ocorreu por meio da Plataforma Lattes no portal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), utilizando os termos “mulheres”, “diagnóstico de enfermagem” e “prisões”. Além disso, houve a indicação de especialistas a partir do universo relacional da pesquisadora e orientadoras e a realização da técnica de amostragem “snow ball”, em que os participantes indicaram outros.

Para determinar o nível de expertise dos especialistas, foi considerado a experiência clínica e acadêmica. Cada avaliador foi questionado quanto: a) tempo de experiência prática em anos; b) tempo de grupo de pesquisas voltados às taxonomias de enfermagem, privação de liberdade e/ou famílias; c) trabalho de titulação voltados aos DE privação de liberdade ou famílias; d) publicação científicas nas áreas temáticas de DE, privação de liberdade ou famílias; e) titulação.

Em seguida, atribuiu-se pontuações para cada categoria. A média obtida na fórmula $X+Y+Z÷3$ permitiu a classificação dos especialistas em categorias,(¹¹) a saber: 1. novato, 2. iniciante avançado, 3. competente, 4. proficiente e 5. expert (Tabela 1).

Tabela 1
Classificação dos especialistas quanto ao nível de expertise

Pontuação	Experiência prática		Experiência acadêmica
	Tempo de prática*+ (X)	Tempo Grupo de pesquisa*+ (Y)	Conhecimento científico
			Titulação (Z1)	Trabalho de titulação (Z2)	Prod. científica (Z3)
0	-	-	Graduado	Não	Não
1	1-5	1-4	Especialista	Sim	Sim
2	6-10	5-7	Mestre	-	-
3	11-15	8-10	Doutor	-	-
4	16-20	11-13	-	-	-
5	21 ou mais	14-16	-	-	-

• * - em anos; + - Intervalos construídos a partir dos tempos de prática e grupo de pesquisa mínimo e máximo

Os especialistas foram convidados a participar do estudo por meio de uma carta-convite enviada por endereço eletrônico. Após o aceite, foram encaminhados o instrumento de coleta de dados e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para o endereço eletrônico ou de forma impressa.

O instrumento de coleta de dados foi dividido em duas partes e fundamentado no material utilizado por outros autores.(¹²) A primeira parte refere-se à caracterização dos juízes, com os dados de identificação e experiência, tais como: sexo, idade, cidade onde trabalha, titulação, ocupação atual, tempo de formação profissional, experiência no ensino e na assistência com as terminologias de enfermagem e/ou prisões e/ou famílias, tempo de atuação e participação em grupos de pesquisa sobre terminologias de enfermagem.

A segunda parte do instrumento continha as definições conceituais e operacionais das características definidora, fatores relacionados, populações em risco e condições associadas, para avaliação dos especialistas, que julgaram todos os itens quanto à relevância.(¹³)

Para tanto, foi elaborada uma escala do tipo Likert para cada item, que variou entre cinco níveis, a saber: (1- Discordo Totalmente; 2- Discordo Parcialmente, 3- Indiferente, 4- Concordo parcialmente; 5- Concordo Totalmente). Estipulou-se o prazo de 20 dias para o preenchimento do instrumento de coleta de dados.

Os dados foram tabulados no programa Microsoft Office Excel 2016 e analisados pelo programa estatístico R, versão 3.2.0. A análise descritiva se deu pelo cálculo de frequências absolutas e relativas, além de intervalos de confiança de 95% para variáveis categóricas. Para analisar a relevância dos itens, foi calculado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) com base no modelo da diversidade preditiva, que se refere à avaliação dos especialistas ponderada com o nível de expertise.(⁹,¹¹,¹²)

Para a verificação da normalidade dos dados, foi utilizado o teste não-paramétrico de Shapiro-Wilk, sendo verificada a não normalidade na distribuição do IVC. Desta forma, para cada item foi verificado a estimativa da mediana do IVC, os Intervalos de Confiança (IC) de 95% para cada mediana e foi aplicado o teste de Wilcoxon, tendo-se como valor de referência para a hipótese nula o IVC ≥ 0,9. O item foi considerado válido para o DE Processos familiares interrompidos em mulheres privadas de liberdade se o valor de p do teste de Wilcoxon fosse maior que 0,05.

Este estudo atendeu às recomendações da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), referentes às pesquisas realizadas com seres humanos e obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com nº 3.385.614 (CAAE: 12357419.6.0000.5208). A coleta de dados teve início mediante assinatura do TCLE.

Resultados

A partir dos critérios de inclusão, foram selecionados e convidados 125 especialistas. No entanto, 24 concordaram em participar do estudo e responderam o instrumento de coleta de dados corretamente e em tempo adequado.

Os especialistas, em sua maioria, eram do sexo feminino (91,7%), enfermeiros (70,8%), oriundos da região Nordeste (70,8%), com titulação de doutor (62,5%), docentes de instituições de ensino (70,8%) e com área temática de estudo voltadas para DE (37,5%). A mediana da variável idade foi de 36,5 anos (IQ ± 8).

Com relação ao nível de expertise, a maioria dos especialistas possuía de 11 a 15 anos de experiencia prática (41,7%), 1 a 4 anos em grupos de pesquisa (37,5%), trabalho de titulação na área (87,5%) e maior produção científica na área de prisões e famílias (70,8%). O nível de expertise “competente” foi identificado com maior frequência entre a amostra (41,7%), seguido de “iniciante avançado” e “proficiente” (29,2%). As classificações “novato” e “expert” não foram evidenciadas (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização do nível de expertise dos especialistas

Variáveis	n(%)
Tempo de prática 11 a 15 anos 6 a 10 anos 21 anos ou mais 1 a 5 anos 1 6 a 20 anos	10(41,7) 6(25,0) 4(16,7) 3(12,5) 1(4,2)
Tempo de grupos de pesquisa nas áreas 1 a 4 anos 8 a 10 anos Não tem 5 a 7 anos 14 a 16 anos 11 a 13 anos	9(37,5) 5(20,8) 5(20,8) 4(16,7) 1(4,2) -(-)
Trabalho de titulação nas áreas Sim Não	21(87,5) 3(12,5)
Produção científica Prisões e/ou Família Enfermagem Enfermagem e prisões/família Nenhuma	11(45,8) 6(25,0) 6(25,0) 1(4,2)
Nível de expertise Competente Iniciante avançado Proficiente Novato Expert	10(41,7) 7(29,2) 7(29,2) -(-) -(-)

Quanto à relevância dos itens, nota-se que os componentes do DE apresentaram mediana do IVC abaixo de 0,9, a saber: uso de álcool e/ou drogas (IVC = 0,88), ausência da figura paterna (IVC = 0,87), e depressão (IVC = 0,87). Quando considerado os IC, foi constatado que os itens depressão e uso de álcool e/ou drogas possuíam os valores de IVC satisfatórios e o teste de Wilcoxon desses itens apresentaram valores de p>0,05, o que confirma sua validade estatística. O elemento “Ausência da figura paterna” apresentou IVC < 0,9 e p valor <0,05, sendo excluído da proposta final (Tabela 3).

Tabela 3
Validade dos itens do Diagnóstico de Enfermagem Processos Familiares Interrompidos em mulheres privadas de liberdade (n=24)

Termos	Teste de Shapiro-Willk		IVC	Intervalo de confiança (95%)		Teste de Wilcoxon
	W1	p-value		Li*	Ls**	V	p-value
Fatores relacionados
Diminuição ou ausência de contato com familiares	0,434	<0,001	1,00	1,00	1,00	1770	0,997
Uso de álcool e/ou drogas	0,611	<0,001	0,88	0,87	1,00	1128	0,140
Violência intrafamiliar	0,201	<0,001	1,00	1,00	1,00	2415	1,000
Ausência da figura paterna	0,713	<0,001	0,87	0,75	0,88	903	0,009
Discriminação familiar	0,564	<0,001	1,00	0,88	1,00	1485	0,845
Condições associadas
Baixo nível socioeconômico	0,590	<0,001	1,00	0,87	1,00	1378	0,648
Transtornos mentais	0,337	<0,001	1,00	1,00	1,00	2145	1,000
Violência comunitária	0,573	<0,001	1,00	0,88	1,00	1485	0,845
Depressão	0,655	<0,001	0,87	0,75	1,00	1081	0,089
História de encarceramento anterior	0,241	<0,001	1,00	1,00	1,00	2346	1,000
História e/ou encarceramento de familiares	0,383	<0,001	1,00	1,00	1,00	1953	1,000
Populações de risco
Mães encarceradas	0,241	<0,001	1,00	1,00	1,00	2346	1,000
Características definidoras
Desempenho da maternidade interrompido	0,337	<0,001	1,00	1,00	1,00	2145	1,000
Desempenho do papel materno prejudicado	0,246	<0,001	1,00	1,00	1,00	2346	1,000
Ansiedade	0,552	<0,001	1,00	0,87	1,00	1540	0,911
Estresse	0,476	<0,001	1,00	1,00	1,00	1770	0,997
Relações íntimas prejudicadas	0,523	<0,001	1,00	1,00	1,00	1653	0,979
Relações familiares disfuncionais	0,470	<0,001	1,00	1,00	1,00	1653	0,979
Papéis familiares desorganizados	0,457	<0,001	1,00	0,88	1,00	1540	0,911

• ¹ - Teste de Wilcoxon; * - Limite inferior; ** - Limite Superior

Discussão

Os achados obtidos são relevantes para a área de enfermagem, pois permitem que o enfermeiro revise conceitos importantes no campo da saúde familiar das mulheres privadas de liberdade. Estudos de validação com o DE Processos Familiares Interrompidos podem contribuir para a implementação do Processo DE, tornando o diagnóstico preciso e acurado.(⁵,⁶)

Com relação ao perfil dos especialistas que compuseram a amostra, evidenciou-se um número expressivo de especialistas do sexo feminino, com média de idade de 36,5 anos, enfermeiros e com formação acadêmica em doutorado. Outro estudo de validação de DE voltados às populações vulneráveis, com pessoas em privação de liberdade,(¹⁰) apresentou perfil similar de especialistas.

Considerando a inclusão de profissionais do campo da psicologia e serviço social, como avaliadores do diagnóstico, destaca-se que não houve diferenças significativas quanto ao julgamento do DE. Para sanar possíveis lacunas no julgamento dos itens, adotou-se como estratégia a inclusão das definições dos elementos que compuseram o diagnóstico no instrumento de coleta de dados. A inclusão de profissionais de outras áreas como avaliadores nas pesquisas de validação de DE ainda é incipiente e, no entanto, a criação de estratégias metodológicas para alcançá-los é fundamental para a obtenção de um olhar diversificado acerca de fenômenos complexos.(¹⁰)

Ainda assim, verifica-se uma lacuna entre a população privada de liberdade e os profissionais de saúde, especialmente os profissionais de enfermagem, visto que se observa que o grupo de especialistas do estudo está mais próximo da academia do que da assistência direta à população em privação de liberdade.

Em relação aos trabalhadores que atuam no sistema prisional, poucos são profissionais de saúde, o que é considerado como um fator limitante ao acesso à assistência em saúde. Esses fatos ilustram a dificuldade de contactar enfermeiros e outros profissionais de saúde com experiência prática na temática de privação de liberdade. Além disso, há recomendações para o tempo mínimo de experiência clínica dos especialistas ser em torno de cinco anos.(¹,⁹) Nesse sentido, o tempo de experiência dos avaliadores desse estudo condiz com o proposto, sendo considerado satisfatório.

Não foi identificado alto nível de expertise no grupo de participantes. O perfil dos especialistas avaliados em outra pesquisa(¹⁰) apresentou características semelhantes a este estudo. Destaca-se que a inclusão de critérios mais rigorosos para classificar o nível de expertise pode justificar a dificuldade de obter especialistas com alto nível de conhecimento – o expert.(¹²)

Ressalta-se que os itens avaliados foram considerados válidos para o DE Processos familiares interrompidos em mulheres privadas de liberdade quando p-valor do Wilcoxon foi maior que 0,05.

O item “Uso de álcool e/ou drogas” (p-value = 0,140) foi considerado válido. Quanto à sua definição, os especialistas recomendaram utilizar o padrão reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).(¹³) Para alguns avaliadores, o uso experimental ou recreativo do álcool, apresentados na definição, não é um fator de risco para interrupção dos processos familiares.

Existe associação entre a dependência do álcool e de drogas ilícitas com o aumento da criminalidade e perpetuação da violência, com prejuízos à saúde das mulheres, em consequência de danos sociais e familiares, provocando perdas, fragilidades e quebra de vínculo entre elas e seus parentes.(¹⁴)

Com base no exposto, foi acrescentado na definição conceitual e operacional do item a investigação de todos os padrões de consumo, de acordo com a OMS.(¹⁵) O rótulo também foi ajustado para “Uso de álcool e outras drogas”, com a finalidade de diferenciar a inclusão do álcool e de outras substancias lícitas e ilícitas.

Outro item validado foi o baixo nível socioeconômico (p-valor = 0,648), situação frequentemente presente nas mulheres privadas de liberdade.(¹⁵) Esse aspecto, quando associado à dependência de álcool e drogas ilícitas, coloca essas mulheres em situação de extrema vulnerabilidade social e de saúde,(¹⁷) além de repercutir também nos processos familiares.(⁶)

Embora a condição associada “Depressão” fora considerada válida estatisticamente e relevante para o fenômeno (p-value = 0,089), o item foi questionado quanto à sua relevância. Os especialistas recomendaram a exclusão do mesmo, uma vez que já está previsto a investigação de transtornos mentais entre as mulheres privadas de liberdade e seus familiares.(¹⁷)

O termo “Violência Comunitária” foi categorizado como condição associada do DE e foi considerado válido (p-value = 0,845). Porém, os especialistas sugeriram uma nova categorização do elemento para fatores relacionados, pois, trata-se de um componente diagnóstico ao qual o profissional de enfermagem detém importante poder de atuação, tanto na prevenção como na identificação.

A violência comunitária consiste em um desafio para a vida das mulheres, especialmente por que inclui os aspectos do tráfico de drogas. O contexto social da maioria das mulheres em privação de liberdade é permeado pela comercialização e consumo de substâncias lícitas e ilícitas ao longo de sua trajetória de vida.(¹⁸)

As taxas de encarceramento entre mulheres demonstram relação com o plantio da Cannabis e comercialização do crack. Outra substância bastante utilizada por essa população, é a maconha, em que o plantio e comercialização levam as mulheres à prisão.(¹⁹,²⁰)

Frente às situações de violência, o enfermeiro é reconhecido como profissional capaz de atuar junto às vítimas, uma vez que são corresponsáveis pelo cuidado. No conjunto de medidas a serem tomadas estão a identificação da violência, o acolhimento, a escuta sensível, a orientação acerca dos seus direitos para que as mulheres sejam capazes de tomar decisões de modo consciente e autônomo.(²¹)

A participação dos enfermeiros na prevenção da violência é indispensável, especialmente nos serviços de atenção primária, em que o profissional atua junto às famílias no domicílio, nos serviços de saúde, nas escolas e na comunidade. Nesse sentido, optou-se pela recategorização de “Violência Comunitária” para fatores relacionados do DE, uma vez que o enfermeiro pode atuar de forma precisa e clara em sua prevenção e identificação.(²²)

Acrescenta-se que o item “Ausência da figura paterna” foi excluído, uma vez que este não apresentou valores estatisticamente significantes (p-value < 0,05). Os pais desempenham papéis de cuidador e fornecem apoio às mulheres, para que estas lidem com situações estressantes, contudo a sua ausência não está relacionada à interrupção dos processos familiares.(²³)

Os itens “Diminuição ou ausência de contato com familiares”, “Violência intrafamiliar”, “Discriminação familiar”, “Transtornos mentais”, “História de encarceramento anterior”, “História e/ou encarceramento de familiares”, “Mães encarceradas”, “Desempenho da maternidade interrompido”, “Desempenho do papel materno prejudicado”, “Ansiedade”, “Estresse”, “Relações íntimas prejudicadas”, “Relações familiares disfuncionais” e “Papéis familiares desorganizados” foram considerados válidos para a população das mulheres privadas de liberdade, uma vez que o p-valor do teste de Wilcoxon foi superior a 0,05. Ademais, não foram necessárias alterações em seus rótulos e definições.

Esses itens estão voltados ao contexto de vulnerabilidade que as mulheres privadas de liberdade estão inseridas, o que interfere no relacionamento familiar. Assim, o enfermeiro pode operacionalizar o Processo de Enfermagem com vistas a melhorar as fragilidades familiares existentes.

Com relação as limitações do estudo, têm-se o número limitado de experts. De acordo com o método de validação de conteúdo do DE por especialistas, a média ponderada do Índice de Validação do Conteúdo (IVC) em pequenas amostras de experts, pode gerar valores tendenciosos e, consequentemente, conclusões equivocadas sobre o material analisado. Ademais, tem-se a subjetividade do fenômeno em estudo que pode tornar complexo o processo de avaliação dos juízes.

Conclusão

O conteúdo dos elementos do DE Processos Familiares Interrompidos da Taxonomia da NANDA-I, em mulheres privadas de liberdade, foi considerado adequado e válido pelos especialistas. As sugestões realizadas pelos avaliadores foram incluídas e refinadas. Sugere-se a realização da etapa posterior, a validação clínica, com o intuito de refinar os achados desta pesquisa, bem como o desenvolvimento de estudos voltados às mulheres privadas de liberdade e suas famílias.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Camila Takao Lopes (https://orcid.org/0000-0002-6243-6497) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  28 Jun 2021
• Aceito
  07 Dez 2021