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Acolhimento e ambiência hospitalar: percepção de profissionais da saúde

Acogida y ambientación hospitalaria: percepción de profesionales de la salud

Resumo

Objetivo

Conhecer a percepção de acolhimento e ambiência para profissionais de saúde, na perspectiva de referenciais da humanização.

Métodos

Trata-se de um estudo qualitativo realizado entre fevereiro e junho de 2019, com 18 profissionais de uma instituição hospitalar filantrópica de médio porte, localizada na região central do estado do Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados com base na técnica de grupo focal e submetidos à análise de conteúdo.

Resultados

As duas categorias temáticas Acolhimento: da rotina à escuta qualificada; e Ambiência: da individualidade à interatividade denotam compreensões complementares. O acolhimento associa-se aos processos dialógicos e a ambiência relaciona-se às questões de conforto e aos espaços propícios à interação entre usuários, familiares e equipe de colaboradores.

Conclusão

O acolhimento e a ambiência hospitalar vão além de melhorias físicas e vínculos utilitaristas ou funcionais. Os mesmos podem ser considerados indutores e ampliadores de promoção da saúde, tanto de gestores e colaboradores quanto de usuários. Pressupõe-se, para tanto, processos interativos e dialógicos construídos com base em gestos simples, em atitudes respeitosas e em práticas motivadoras e potencializadoras de cuidado.

Acolhimento; Assistência hospitalar; Humanização da assistência; Equipe de assistência ao paciente; Cuidados de enfermagem

Resumen

Objetivo

Conocer la percepción de acogida y ambientación para profesionales de la salud, desde la perspectiva del marco referencial de la humanización.

Métodos

Se trata de un estudio cualitativo realizado entre febrero y junio de 2019, con 18 profesionales de una institución hospitalaria filantrópica de porte mediano, localizada en la región central de estado de Rio Grande do Sul. Los datos fueron recopilados con base en la técnica de grupo focal y fueron sometidos al análisis de contenido.

Resultados

Las dos categorías temáticas Acogida: de la rutina a la escucha cualificada y Ambientación: de la individualidad a la interactividad denotan comprensiones complementarias. La acogida está asociada a los procesos dialógicos y la ambientación está relacionada con cuestiones de bienestar y con espacios propicios para la interacción entre usuarios, familiares y equipo de colaboradores.

Conclusión

La acogida y la ambientación hospitalaria van más allá de mejoras físicas y vínculos utilitaristas o funcionales. Estos pueden considerarse inductores y ampliadores de la promoción de la salud, tanto de administradores y colaboradores, como de usuarios. Para eso, se presupone que existan procesos interactivos y dialógicos construidos con base en gestos simples, actitudes respetuosas y prácticas motivadoras y fortalecedoras del cuidado.

Recepción; Atención hospitalaria; Humanización de la atención; Grupo de atención al paciente; Atención de enfermería

Abstract

Objective

To assess healthcare professionals’ perception of care and ambience, from the perspective of humanization references.

Method

This is a qualitative study carried out between February and June 2019, with 18 professionals from a medium-sized philanthropic hospital in the central region of the state of Rio Grande do Sul. Data were collected with the focus group technique and submitted to content analysis.

Results

The two thematic categories Care: from routine to qualified listening; and Ambience: from individuality to interactivity demonstrated complementary understandings. Care is associated with dialogic processes and ambience is related to comfort and to spaces that allow interaction between users, family members and staff.

Conclusion

Care and hospital environment go beyond physical improvements and professional or functional bonds. They can induce and enhance health promotion for managers, employees and users. They require, therefore, interactive and dialogic processes with simple gestures, respectful attitudes and motivating and health-enhancing practices.

Embracement; Hospital care; Humanization of assistance; Patient care team; Nursing care

Introdução

Dentre as estratégias de humanização hospitalar, o acolhimento e a ambiência ocupam espaço fundamental. O acolhimento está associado às relações e às interações de confiança entre os usuários, profissionais e equipes, bem como às melhorias das condições de trabalho do cuidador.(11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010 [citado 2021 Nov 24]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_praticas_producao_saude.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
,22. Shinzato CM, Lima LR, Volpe CR, Santos WS, Rehem TC. Welcoming in primary health care from the viewpoint of nurses. Acta Paul Enferm. 2016;29(4):463-8.) A ambiência, por sua vez, não envolve apenas a eleição de critérios térmicos, acústicos, visuais ou químicos, mas o acréscimo de emoção, vínculo e empatia. A ambiência relaciona-se a três eixos que se ampliam de forma circular e dinâmica: a valorização de elementos que compõem o ambiente como espaço de intersubjetividades; o espaço vivo que possibilita o encontro e a produção de subjetividades e o espaço como ferramenta dinamizadora do processo de trabalho.(33. Moradi AM, Hosseini SB, Shamloo G. Evaluating the impact of environmental quality indicators on the degree of humanization in healing environments. Space Ontol Intern J. 2018;7(1):1-8.,44. Shakshuki EM, Yasar AU, Malik H. Special issue on advances in ambient intelligence and pervasive computing. J Ambient Intell Human Comput. 2020;11:3893-94.)

O ambiente hospitalar move-se, frequentemente, de forma despersonalizada e racionalizada em decorrência de fatores estressores internos e externos.(55. Silva KA, Dias AA. Understanding humanized care at a navy outpatient dental clinic. Rev Bras Prom Saúde. 2019;32:8336.) Paralelamente, no entanto, a eficiência técnico-científica e a racionalidade administrativa em saúde vêm perdendo força para dispositivos que envolvem as relações e as interações humanas baseadas na solidariedade, no respeito e na ética das relações de trabalho.(66. Galvan LB, Anversa AC, Silva AR, Silva LC. Analysis of physical accessibility in the treatment center for children with cancer of the university hospital. Cad Bras Ter Ocup. 2019;27(1):81-91.)

O ambiente hospitalar, espaço de cuidado por excelência, deve ser estimulador e agregador de possibilidades dialógicas e sistêmicas. Na medida em que as práticas profissionais são motivadas pela gestão horizontalizada e a escuta qualificada, estas serão geradoras de acolhimento e de cuidado singular e multidimensional. A arquitetura associada ao acolhimento e a ambiência são dispositivos estratégicos de indução da humanização hospitalar.(77. Martins CP, Luzio CA. HumanizaSUS policy: anchoring a ship in space. Interface. 2017;21(60):13-22.,88. Freitas FD, Silva RN, Araújo FP, Ferreira MA. Environment and humanization: resumption of nightingale’s discourse in the national humanization policy. Esc Anna Nery. 2013;17(4):654-60.)

Nessa perspectiva, a humanização hospitalar se constitui em estratégia dinamizadora e potencializadora de trocas afetivas e solidárias, as quais contribuem para o protagonismo de sujeitos autônomos e comprometidos com as melhores práticas em saúde. Esse processo implica na superação de modelos tradicionais de gestão em saúde, a fim de alterar o modo como os gestores, trabalhadores e usuários interagem entre si.(99. Mongiovi VG, Anjos RC, Soares SB, Lago-Falcão TM. Reflexões conceituais sobre humanização da saúde: concepção de enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva. Rev Bras Enferm. 2014;67(2):306-11.,1010. Busch IM, Moretti F, Travaini G, Wu AW, Rimondini M. Humanization of Care: key elements identified by patients, caregivers, and healthcare providers. a systematic review. Patient. 2019;12(5):461-74. Review.)

A humanização hospitalar, mesmo que amplamente discutida e considerada na prática dos profissionais de saúde, segue gerando dúvidas e inquietações em função de modelos tradicionais e verticalizados de dinamização do processo de trabalho. Assim, no sentido de contribuir para o avanço das discussões e a superação de abordagens verticalizadas de intervenção, questiona-se: qual a percepção de acolhimento e ambiência para os profissionais da saúde de uma instituição hospitalar? Objetiva-se, assim, conhecer a percepção de acolhimento e ambiência para profissionais de saúde, na perspectiva de referenciais da humanização.

Métodos

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa,(1111. Minayo MC. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13a ed. São Paulo: Hucitec; 2013. 416 p.) conduzido com base nos critérios do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

O estudo foi realizado com 18 profissionais, de diferentes categorias, de uma instituição hospitalar filantrópica, de médio porte, localizada no sul do Brasil. Responderam afirmativamente ao convite formal e no prazo previsto os profissionais assim caracterizados: 05 enfermeiros, 09 técnicos de enfermagem, 01 fisioterapeuta, 01 psicólogo, 01 nutricionista e 01 técnica em farmácia. Considerou-se como critério de inclusão: ser colaborador da referida instituição hospitalar e com mais de seis meses de atuação. Excluiu-se do estudo os colaboradores em férias, atestado ou licença-maternidade no período estabelecido para a coleta de dados.

Os dados foram coletados a partir da técnica de grupo focal.(1212. Backes DS, Colomé JS, Erdmann RH, Lunardi VL. Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas. Mundo Saúde. 2011;35(4):438-42.) No total foram realizados três encontros focais, a partir de questões norteadoras centradas na ambiência e no acolhimento como dispositivos do processo de humanização. Essa técnica possibilitou o debate ampliado e aprofundado das temáticas entre os participantes e possibilitou o repensar da prática profissional em âmbito individual e coletivo.(1212. Backes DS, Colomé JS, Erdmann RH, Lunardi VL. Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas. Mundo Saúde. 2011;35(4):438-42.)

Os três encontros focais foram realizados entre os meses de fevereiro e junho de 2019, nas dependências do referido hospital e durante o horário de expediente dos participantes. Os encontros, com duração média de uma hora, foram coordenados pela pesquisadora principal e uma profissional responsável pelas gravações e registros. Os dados gravados foram transcritos para posterior análise e arquivados conforme previsto nas determinações ético-legais.

No primeiro encontro focal foram dispostas folhas coloridas na mesa central e, ao verso das mesmas, constava o termo humanização. Para iniciar a dinâmica, os participantes foram convidados a refletirem e ilustrarem, de forma espontânea e criativa, o que entendiam por humanização. Após o tempo estipulado, os participantes foram convidados a partilharem as suas percepções. Disponibilizou-se, para tanto, um painel, no qual os colaboradores iam agrupando as suas percepções, a partir de semelhanças e diferenças. Sintetizou-se, assim, uma ideia coletiva de humanização com base em três eixos: a humanização centrada no usuário; a humanização associada às relações profissionais e a humanização como processo renovador da gestão. Esse conceito foi aprofundado nas discussões posteriores e retomado nos encontros focais seguintes.

O segundo encontro focal iniciou com a apresentação da síntese do primeiro encontro e, na sequência, prosseguiu com a dinâmica da caixa-surpresa. Cada profissional foi convidado a retirar um bilhete da caixa, relacionado ao acolhimento e ambiência, e a realizar a leitura da mensagem, em voz alta. Em seguida, os demais deliberaram sobre qual dos dispositivos de humanização àquela sentença se referia. As frases foram agrupadas no painel, a fim de possibilitar a interação e a compreensão ampliada de ambiência e acolhimento. Em continuidade, os participantes foram convidados a formarem dois grupos para discutirem a ressonância dessa construção coletiva na prática profissional. Este encontro encerrou com uma nova síntese e o convite para o encontro subsequente.

Retomou-se, no terceiro e último encontro, a síntese dos dois encontros anteriores e partiu-se, novamente, para os dois grupos de trabalho denominados Ambiência e Acolhimento. Com base na síntese teórico-prática dos encontros anteriores, cada grupo de trabalho foi motivado a elencar estratégias de melhoria do ambiente hospitalar, as quais foram, posteriormente, consideradas e implementadas no hospital, com o consentimento dos gestores da instituição. Prevaleceu, nessa dinâmica construtiva, a estratégia relacionada à promoção de espaços mais interativos, inclusivos e acolhedores para os trabalhadores.

Os dados foram codificados conforme análise de conteúdo preconizada por Bardin.(1313. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. 229 p.) Utilizou-se, após a transcrição da síntese dos grupos focais, o método colorimétrico para sinalizar a fala dos participantes com base nas unidades de significação e, por fim, a delimitação das categorias temáticas.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o CAAE: 04453118.1.0000.5306. Antes do início dos encontros focais, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, no intuito de manter o anonimato dos participantes, suas falas foram identificadas por números (P1, P2...) por sugestão deles mesmos.

Resultados

Da análise dos dados emergiram duas categorias temáticas: Acolhimento: da rotina à escuta qualificada; Ambiência: da individualidade à interatividade, conforme detalhamento, a seguir:

Acolhimento: da rotina à escuta qualificada

Os colaboradores exemplificaram a compreensão de acolhimento, a partir de suas práticas cotidianas, as quais, por vezes, se reduzem à rotina fria e despersonalizada. Nesse contexto, a escuta qualificada foi destacada como processo dialógico, relacionada à valorização, o respeito à individualidade, à empatia e à eficiência no atendimento, como segue:

Na questão do acolhimento, entra àquela questão da escuta qualificada, né? A empatia, valorizar os sentimentos de quem está ali. Respeitar a dignidade do usuário e a dor do familiar, não julgar a sua vida pregressa. (P1)

Então a gente elencou que precisa saber ouvir de forma atenta. De uma forma delicada, mais maleável e ser mais flexível. Ah... não é só regra, regra, regra. A gente tem que parar, analisar, avaliar. Dar informações mais claras e objetivas. (P2)

Os participantes mencionaram, em sua maioria, que a atitude acolhedora em saúde se efetiva a partir de relações compartilhadas de cuidado, as quais transcendem a rotina e as regras, muitas vezes impostas, pelo modelo tradicional verticalizado de gestão. Entendem que o acolhimento se efetiva, na prática, na medida em que o vínculo entre colaboradores e usuários se horizontaliza pelo diálogo e as reflexões coletivas. Nessa direção, sugerem a inclusão e a ampliação do acolhimento na relação com os familiares e cuidadores que, ao seu modo de ver, sustentam a dinâmica do cuidado integral.

Tem que estabelecer uma relação horizontal com os colaboradores e usuários... que a pessoa compreenda por que ela tem que fazer aquilo. Não o vertical que ela obedece. (P1)

Então, a confiança se estabelece no momento em que você explica o que vai fazer e na medida em cria relações de empatia. Por mais que a pessoa saiba, por mais que saiba mesmo, quando você é a pessoa que precisa daquele cuidado parece que esquece. Que bom quando alguém te explica de novo. Que alguém se interesse por você e compreenda as tuas necessidades. (P9)

O usuário... ele se complementa na relação com o familiar. Porque às vezes eles querem falar e a gente acaba não entendendo, né? Mas eles estão precisando daquela conversa e escuta. Às vezes não tem nada a ver com a saúde do paciente, sabe? Mas é mais é para ele se acalmar ali mesmo. Como familiar, não o cuidado só com o paciente, tem que cuidar do familiar, do cuidador. (P7)

Em relação ao acolhimento, os colaboradores evidenciam que o trabalho em equipe multiprofissional se configura como estratégia para a compreensão ampliada de saúde e cuidado. Acreditam, nessa relação, que o diálogo interprofissional é o princípio e o fundamento para o cultivo de ambientes acolhedores e motivadores. Reconhecem, no entanto, que esse processo é, frequentemente, banalizado e/ou relegado a um segundo plano pela rotina do dia a dia, como apresentado nos depoimentos a seguir:

Essa é a questão das relações interpessoais que transcendem a rotina. São as relações de respeito entre os colegas, mesmo os de outra área, que denotam atitudes de acolhimento. Como você vai acolher o usuário se não é capaz de acolher o seu colega? Isso inclui também a comunicação entre os setores. (P2)

Eu acho que entre os profissionais deve existir esta relação de confiança, não só para os pacientes. Mas entre os profissionais, tu poder confiar no trabalho do teu colega, de poder dialogar saberes, de poder contar com o outro para promover o cuidado integral, tudo isto eu chamo de acolhimento. (P4)

Os participantes denotaram, em sua maioria, que o acolhimento do usuário/família passa pelo acolhimento da equipe. Este traduz-se na capacidade de perceber e acolher o outro (profissional) que convive e compartilha, diariamente, do mesmo ambiente de trabalho. Nessa direção, permaneceu a instigação: como acolher bem o outro (usuário) se não sou capaz de acolher àquele que convive comigo no dia a dia?

Percebeu-se, na fala dos participantes, que o acolhimento se constitui em dispositivo disparador para a humanização do ambiente hospitalar, na medida em que este possibilita o profissional sentir-se humano entre os humanos. Ainda que imersos em rotinas e regras verticalizadas, por vezes frias e despersonalizadas, os colaboradores anseiam por mecanismos vivos, dinâmicos e potencializadores de cuidado humano.

Ambiência: da individualidade à interatividade

Embora os participantes, em sua maioria, tenham associado a ambiência às questões logísticas e estruturais, denotou-se que a ambiência vai além de um espaço duro e estático. Nessa direção, mencionaram que a ambiência comporta tecnologias leves, tais como a sociabilidade, a música, a estética, a valorização, o lazer, o colorido, dentre outros aspectos, conforme demostrado a seguir:

A ambiência me remete a interatividade, à convivência... quando eu desço aqui pra fazer a ginástica laboral que requer ambiente favorável para se colocar um som, colocar uma música para dar movimento. (P5)

Quanto à questão de ambiência, a questão do lazer e das atividades diversificadas que unem e integram a equipe... a gente ter um ambiente para levar os pacientes que possam ir de cadeira, né, para colocar sentado. Então o ambiente envolve muitas coisas... as interações, mas também os aspectos físicos. (P1)

Dentre as características de ambiência que necessitam ser fortalecidas no hospital, os profissionais expressaram a necessidade de melhorias no processo de trabalho, por reconhecerem que a ambiência interfere no bem-estar e na saúde tanto dos profissionais quanto dos usuários. Observaram que o ambiente deve ser promotor de encontros dialógicos, de lazer e de convivência empática pelo fato do ser humano mover-se continuamente com o ambiente, o qual não se reduz à dimensão física. Nesse contexto, os participantes mencionaram que a falta de ambiência para o descanso pode interferir no desempenho profissional satisfatório. Evidenciaram, nessa relação, que a ambiência está diretamente relaciona ao bem-estar e às condições ampliadas de cuidado em saúde.

A sala de descanso dos funcionários, lá é um lugar bom para se descansar, mas deixa muito a desejar. Quem trabalha na psiquiatria ou quem vem de outro serviço sabe que é muito difícil você ter silêncio. Você precisa daquele descanso para repor as energias. Já foi comprovado cientificamente que é saudável você descansar um pouquinho e voltar energizada, sabe? (P3)

A sala de descanso não deve ser apenas para você ir lá e dormir. Ela pode ser um espaço, também, para você conversar, se conhecer, trocar ideias. Esses dias nós estávamos passando e tinha aí um rapaz (sentado) e aí uma colega minha perguntou, ‘quem é aquele ali?’ Logo percebemos que não conhecíamos o colega. (P7)

Os profissionais denotaram, em suas falas, que a ambiência hospitalar deve ser caracterizada e apreendida de forma ampliada e para além das características físicas. Mais do que a cor, acústica, claridade, tamanho, o ambiente comporta vidas que interagem e compartilham expectativas e sonhos. Os mesmos evidenciaram, nessa relação, que a ambiência pode ser propulsora de relações saudáveis de convivência, na medida em que os colaboradores encontram espaço para conhecerem-se humanos e promotores de interações saudáveis. Caracterizaram, ainda, a ambiência como potencializadora de criatividade, na medida em que esta favorece “sair de seu espaço comum”. Sob esse enfoque, os colaboradores denotaram que a ambiência interfere diretamente na humanização do cuidado em saúde.

A gente pensou em pintar no próprio chão as goleirinhas... quadra para vôlei. Fazer uma estradinha que nem tem na universidade, assim, para caminhar. As faixas pintadas para eles andarem ali. Propiciar sair do espaço comum. (P4)

Esse ambiente aqui da frente...colocar desenho de amarelinha ou algo parecido. É bom para o familiar do paciente quando vem no fim de semana. Já é um jeito interativo de o próprio familiar brincar com eles e eles melhorarem e interagirem com os filhos lá fora. (P13)

A concepção de ambiência envolve, na perspectiva dos profissionais, questões relacionadas ao conforto, espaços propícios à interação entre usuários, familiares e equipes de colaboradores, além de recinto para ouvidoria, lazer, escuta e espera. Nessa relação os colaboradores deixam claro que o usuário, ao ser hospitalizado, não deixa de ser sujeito social. Para além da doença e do tratamento, o usuário é ator social, isto é, um ser de relações e de convivência, merecedor de acolhimento e comemorações, conforme exposto:

E até mesmo tem vezes que ocorre, como aconteceu lá na unidade, que o familiar queria comemorar o aniversário de 15 anos da menina que estava internada e não tinha um local adequado para fazerem isto... a menina estava completando 15, imagina! E ela queria fazer uma coisinha um pouquinho melhorada e não tinha. (P5)

A ambiência foi decodificada, pelos participantes em geral, como espaço interativo e associativo. Observaram que o ambiente pode ser composto pela estética das paredes, mas sobretudo pela sinergia que emana das interações e associações humanas. Denotou-se, nessa perspectiva, que a ambiência humanizada se constitui em estratégia prospectiva para a promoção da saúde tanto de colaboradores, quanto de usuários e familiares.

Discussão

As contribuições do estudo estão relacionadas à ampliação dos debates sobre o acolhimento e a ambiência hospitalar, na perspectiva dos trabalhadores de saúde. Possibilitou-se, por meio de grupos focais, espaço para compartilhamento de vivências profissionais, a (re)significação de saberes e práticas, além do delineamento de estratégias de humanização, passiveis de serem implementadas em instituições hospitalares.

Fomentar o acolhimento e a ambiência hospitalar, na perspectiva da humanização, conforme mencionado pelos participantes deste estudo, implica em considerar a escuta qualificada, as demandas dos usuários e possibilitar tecnologias leves que transcendem as paredes físicas e os vínculos utilitaristas e funcionais. Implica em criar ambientes agregadores e geradores de saúde, estimuladores de esperança e de solidariedade e possibilitar dinâmica de trabalho menos inóspita, indiferente e anônima. Corroborando com estes achados, estudos demostram à necessidade de tecer laços acolhedores que se constroem com gestos simples, atitudes respeitosas e práticas motivadoras, as quais estão ao alcance de qualquer ser humano,(1414. Feron LF, Caregnato RC, Costa MR. Humanization in the intensive care: perception of family and healthcare professionals. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1040-47.,1515. Bestetti ML. Ambience: built environment and behavior. Ver Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(3):601-10.) como por exemplo, celebrar aniversário de 15 anos de um usuário em ambiente hospitalar, dentre outros.

Prospectar um hospital com arquitetura e características de lar/casa, isto é, com ambiência agregadora e motivadora,(1616. Bates V. ‘Humanizing’ healthcare environments: architecture, art and design in modern hospitals. Design Health (Abingdon). 2018;2(1):5-19.) necessita da cooperação de todos os seus atores, isto é, de gestores, colaboradores, usuários, familiares e demais serviços associados, conforme evidenciado pelos participantes deste estudo. A casa/lar, de acordo com os participantes, transcende a ideia de hospital-doença, geralmente, lembrado pela ambiência sombria e despersonalizada. A casa-hospital é, aqui, a representação de maior proximidade às pessoas, o lugar de encontro e de compartilhamento de saberes e práticas. Essa casa/lar/hospital deve se constituir, por excelência, em ambiência agregadora e promotora de saúde.

Para os participantes deste estudo, o hospital com características de casa/lar e ambiência acolhedora, mantem as suas portas continuamente abertas, a partir de um duplo movimento de entradas e saídas, isto é, de usuários que entram e encontram conforto às suas necessidades e de outros que saem renascidos e motivados para (re)iniciar o seu percurso histórico. Corroborando com esta ideia, outro estudo menciona que as portas devem estar igualmente abertas para acolher e para sair em busca de novas respostas às demandas sociais.(1717. Sousa KH, Damasceno CK, Almeida CA, Magalhães JM, Ferreira MA. Humanization in urgent and emergency services: contributions to nursing care. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40:e20180263.) Esse processo fica visível em cada depoimento dos profissionais, na medida em que mostram-se abertos para cultivar a própria saúde e o bem-estar, por meio de ambiência irradiadora de cuidado e saúde para todos quantos procuram o hospital.

Trata-se, portanto, não de uma instituição qualquer, mas de uma ambiência-hospital acolhedora e promotora de vida e saúde, capaz de acolher a pessoa em suas necessidades humanas básicas e de lhe possibilitar conforto e alívio. Uma instituição capaz de promover movimentos agregadores que corroboram com a promoção da saúde, conforme denotado pelos participantes do estudo. Nessa relação, o ser humano é um ser social que interage com o ambiente físico e o meio social. A história que se codifica na convivência, neste caso no ambiente hospitalar, suscitará emoções e expectativas, positivas ou negativas, que podem interferir no conforto e na melhora do tratamento de saúde, conforme evidenciado em estudos prévios.(1818. Michelan VC, Spiri WC. Perception of nursing workers humanization under intensive therapy. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):372-8.,1919. Silva RN, Freitas FD, Araujo FP, Ferreira MA. A policy analysis of teamwork as a proposal for healthcare humanization: implications for nursing. Int Nurs Rev. 2016;63(4):572-9.)

O conforto envolve, na perspectiva de estudo previamente realizado, não somente a eleição de critérios térmicos, acústicos, visuais, químicos ou estéticos, mas também o acréscimo de emoção e prazer.(2020. Busari JO, Moll FM, Duits AJ. Understanding the impact of interprofessional collaboration on the quality of care: a case report from a small-scale resource limited health care environment. J Multidiscip Healthc. 2017;10:227-34.) Essa ideia fica clara, na medida em que os colaboradores fazem referência ao conforto da sala de descanso, à necessidade de se ter espaços de diálogo e convivência, além de mecanismos que favoreçam processos de trabalho mais interativos e associativos.

Embora fatores como a sinalização que confere autonomia aos usuários, a disposição dos equipamentos complementares que garantem maior produtividade e organização para a circulação de pessoas, estes não são capazes de traduzir o real significado de acolhimento e ambiência hospitalar. Ambiência é, portanto, encontro entre sujeitos/humanos, propiciada pela adequação das condições físicas do lugar e pelo exercício da humanização.(2121. Broca PV, Ferreira MA. Communication process in the nursing team based on the dialogue between Berlo and King. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2015;19(3):467-74.)

Reconhece-se, com base nas políticas públicas de saúde, a importância do acolhimento e da ambiência hospitalar ao se enfatizar a gestão participativa, a clínica ampliada, o protagonismo dos colaboradores e usuários, os movimentos coletivos de construção, dentre outros elementos.(2222. Poblete M, Valenzuela S. Humanized care: a challenge for nursing in the hospitals services. Acta Paul Enferm. 2007;20(4):499-503.) Essa percepção está ao alcance dos colaboradores ao correlacionarem o acolhimento e a ambiência aos processos relacionais e interativos, ao trabalho em equipe, ao respeito à singularidade de cada ser humano, dentre outros aspectos. Em apenas dois momentos os participantes mencionaram a estrutura física, os recursos tecnológicos e os materiais hospitalares, evidenciando que os vínculos e as interações humanas estão acima de qualquer estrutura física.

A humanização, motivada pelo acolhimento e a ambiência hospitalar, diz respeito, em suma, à superação de modelos verticalizados de atenção e de gestão em saúde e denotam a proposição de abordagens dialógicas entre usuários e colaboradores e destes entre si, a fim de torná-los protagonistas e corresponsáveis. Sob esse enfoque, a humanização hospitalar não pode ser entendida como apenas mais uma política, mas como ferramenta dinamizadora do processo de trabalho e das interlocuções interprofissionais.(2323. Jorge HM, Makuch MY. Nursing training and practice on humanization actions in monitoring the delivery in Brazil. Int Arch Med. 2016;9(212):1-12.)

As limitações deste estudo estão associadas à não regularidade de participação dos profissionais em todos os encontros focais propostos. Em cada um dos três encontros focais faltaram, geralmente, três convidados, embora não fossem os mesmos, o que de certa forma impactou no seguimento das reflexões.

Conclusão

O acolhimento e a ambiência hospitalar, na perspectiva da humanização, vão além de melhorias físicas e vínculos utilitaristas ou funcionais. Implicam em possibilitar processos relacionais menos indiferentes e tecer laços acolhedores que se constroem com base em gestos simples, em atitudes respeitosas e em práticas motivadoras e potencializadoras de saúde. O acolhimento e a ambiência hospitalar podem ser considerados indutores e ampliadores de promoção da saúde e, nessa relação, favorecerem e potencializam as relações e interações humanas, bem como o cuidado singular e multidimensional. Os resultados deste estudo demostram que investir no acolhimento e na ambiência hospitalar, não implica em grandes investimentos estruturais por parte da gestão hospitalar. Mais do que isto, importam as relações e interações profissionais saudáveis, a valorização, o respeito e o atendimento às necessidades humanas básicas. Conclui-se, em suma, que o acolhimento e a ambiência hospitalar dizem respeito à dinâmica interativa e associativa dos trabalhadores e usuários. Assim, ambientes acolhedores e geradores de sinergia repercutem em promoção da saúde, em motivação profissional e em satisfação no trabalho.

Referências

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Marcia Barbieri (https://orcid.org/0000-0002-4662-1983) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2021
  • Aceito
    7 Dez 2021
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