Acessibilidade / Reportar erro

Complicações intradialíticas em pacientes com injúria renal aguda

Complicaciones intradialíticas en pacientes con insuficiencia renal aguda

Resumo

Objetivo

Identificar a prevalência de complicações intradialíticas em pacientes com injúria renal aguda (IRA) na unidade de terapia intensiva (UTI) e seus fatores associados; verificar quais foram as condutas profissionais imediatas adotadas pela equipe.

Métodos

Estudo retrospectivo, com abordagem quantitativa, realizado na UTI de um hospital universitário e público, localizado na região sul do Brasil. Foram incluídos neste estudo todos os pacientes internados na UTI com diagnóstico médico de IRA dialítica entre janeiro de 2011 e dezembro de 2016. Realizou-se coleta de dados contidos em prontuários. Considerou-se como estatisticamente significativo p-valor < 0,05.

Resultados

Foram incluídos 76 pacientes, sendo a maioria com idade entre 41 e 65 anos (n= 44; 57,9%). Todos realizaram hemodiálise intermitente. Do total de pacientes, 71 (93,4%) apresentaram complicações durante a hemodiálise, sendo hipotensão intradialítica a complicação mais prevalente, acometendo 51 (71,8%) pacientes. A conduta profissional imediata mais frequente para a referida complicação foi instalação e/ou controle da infusão do medicamento vasoativo (100% dos casos). Idade, ventilação mecânica, IRA relacionada à sepse, número e tempo de duração (horas) das sessões dialíticas, bem como o momento de início da diálise foram significativamente associados à frequência das complicações intradialíticas.

Conclusão

Os pacientes apresentaram alta prevalência de complicações intradialíticas, sendo que as condutas profissionais imediatas mais frequentes objetivaram reverter hipotensão intradialítica e foram realizadas majoritariamente pela equipe de enfermagem. Os fatores associados às complicações estiveram relacionados à gravidade dos pacientes no início da diálise.

Descritores
Injúria renal aguda; Diálise renal; Cuidados críticos; Enfermagem em nefrologia; Unidades de terapia intensiva

Resumen

Objetivo

Identificar la prevalencia de complicaciones intradialíticas en pacientes con insuficiencia renal aguda (IRA) en la unidad de cuidados intensivos (UCI) y sus factores asociados; verificar qué conductas profesionales inmediatas fueron adoptadas por el equipo.

Métodos

Estudio retrospectivo, con abordaje cuantitativo, realizado en la UCI de un hospital universitario y público, ubicado en la región sur de Brasil. Se incluyeron en este estudio todos los pacientes ingresados a la UCI con diagnóstico médico de IRA dialítica entre enero de 2011 y diciembre de 2016. Se realizó la recopilación de datos de los prontuarios. Considerados estadísticamente significante p-valor < 0,05.

Resultados

Se incluyeron 76 pacientes, en su mayoría con edades entre 41 y 65 años (n= 44; 57,9 %). Todos realizaron hemodiálisis intermitente. Del total de pacientes, 71 (93,4 %) presentaron complicaciones durante la hemodiálisis, con hipotensión intradialítica como la complicación más prevalente, acometiendo a 51 (71,8 %) pacientes. La conducta profesional inmediata más frecuente para la referida complicación fue la instalación o el control de la infusión del medicamento vasoactivo (100 % de los casos). Edad, ventilación mecánica, IRA relacionada a la sepsis, número y tiempo de duración (horas) de las sesiones dialíticas, así como el momento de inicio de la diálisis estuvieron significativamente asociados con la frecuencia de las complicaciones intradialíticas.

Conclusión

Los pacientes presentaron alta prevalencia de complicaciones intradialíticas y las conductas profesionales inmediatas más frecuentes tuvieron el objetivo de revertir la hipotensión intradialítica y se realizaron mayoritariamente por el equipo de enfermería. Los factores asociados a las complicaciones se relacionaron con la gravedad de los pacientes al inicio de la diálisis.

Descriptores
Lesión renal aguda; Diálisis renal; Cuidados críticos; Enfermería em nefrologia; Unidades de cuidados intensivos

Abstract

Objective

To identify the prevalence of intradialytic complications in patients with acute kidney injury (AKI) in an Intensive Care Unit (ICU) and their associated factors and verify what were the immediate professional behaviors adopted by the team.

Methods

This is a quantitative retrospective study, carried out in the ICU of a university and public hospital, located in southern Brazil. All patients admitted to an ICU with a medical diagnosis of dialysis AKI between January 2011 and December 2016 were included in this study. Data were collected from medical records. A statistical difference with a p-value < 0.05 was considered significant.

Results

A total of 76 patients were included, the majority aged between 41 and 65 years (n=44; 57.9%). All underwent intermittent hemodialysis. Of the total number of patients, 71 (93.4%) had complications during hemodialysis, with intradialytic hypotension being the most prevalent complication, affecting 51 (71.8%) patients. The most frequent immediate professional conduct for this complication was installation and/or control of vasoactive drug infusion (100% of cases). Age, mechanical ventilation, sepsis-related AKI, number and duration (hours) of dialysis sessions, as well as the time of starting dialysis were significantly associated with the frequency of intradialytic complications.

Conclusion

Patients had a high prevalence of intradialytic complications, and the most frequent immediate professional procedures aimed at reversing intradialytic hypotension and were performed mainly by the nursing team. Factors associated with complications were related to the severity of patients at the beginning of dialysis.

Keywords
Acute kidney injury; Renal dialysis; Critical care; Nephrology nursing; Intensive care units

Introdução

No ambiente hospitalar, as maiores taxas de incidência e mortalidade por Injúria Renal Aguda (IRA) são descritas para pacientes criticamente enfermos internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).(11 Hoste EA, Bagshaw SM, Bellomo R, Cely CM, Colman R, Cruz DN, et al. Epidemiology of acute kidney injury in critically ill patients: the multinational AKI-EPI study. Intensive Care Med. 2015;41(8):1411-23.33 Mehta RL, Burdmann EA, Cerdá J, Feehally J, Finkelstein F, García-García G, et al. Recognition and management of acute kidney injury in the International Society of Nephrology 0by25 Global Snapshot: a multinational cross-sectional study. Lancet. 2016;387(10032):2017-25. Erratum in: Lancet. 2016;387(10032):1998.) Devido aos efeitos deletérios, muitos pacientes com IRA severa em UTI, necessitam de terapia dialítica, a qual prolonga o tempo de internação, acarreta maior gasto financeiro, demanda mais recursos humanos e tecnológicos para o cuidado e incorre em maior mortalidade.(44 Bagshaw SM, Darmon M, Ostermann M, Finkelstein FO, Wald R, Tolwani AJ, et al. Current state of the art for renal replacement therapy in critically ill patients with acute kidney injury. Intensive Care Med. 2017;43(6):841-54. Review.,55 Heung M, Yessayan L. Renal replacement therapy in acute kidney injury: controversies and consensus. Crit Care Clin. 2017;33(2):365-78. Review.) Por outro lado, é considerada a opção terapêutica de escolha para a remoção de toxinas e excretas nitrogenadas em excesso e reversão do estado urêmico, visando a redução do risco de falência orgânico-funcional generalizada, situação em que também há considerável risco de óbito ao paciente.(55 Heung M, Yessayan L. Renal replacement therapy in acute kidney injury: controversies and consensus. Crit Care Clin. 2017;33(2):365-78. Review.)

Assim, a equipe multiprofissional de saúde deve apresentar conhecimentos, habilidades e atitudes que garantam a segurança do paciente com IRA dialítica durante os procedimentos, identificando precocemente e agindo adequadamente perante as complicações.(66 Neyra JA, Goldstein SL. Optimizing renal replacement therapy deliverables through multidisciplinary work in the intensive care unit [Editorial]. Clin Nephrol. 2018;90(1):1-5.) Nesse sentido, conhecer as complicações que podem ocorrer durante os procedimentos dialíticos realizados em UTI subsidiará o enfermeiro na realização de um diagnóstico clínico acurado, o qual servirá como base para planejamento da assistência de enfermagem e, por conseguinte, implementação de cuidados que garantam a segurança do paciente durante os procedimentos.(77 Lessa SR, Bezerra JN, Barbosa SM, Luz GO, Borba AK. Prevalence and factors associated with the occurrence of adverses events in the hemodialusis service. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e3830017.,88 Sousa MR, Silva AE, Bezerra AL, Freitas JS, Neves GE, Paranaguá TT. Prevalence of adverse events in a hemodialysis unit. Rev Enferm UERJ. 2016;24(6):e18237.)

Entretanto, a despeito de sua importância, a investigação científica neste contexto ainda é incipiente e, a produção do conhecimento em enfermagem acerca da temática é limitada. Destarte, a presente pesquisa teve como objetivos identificar a prevalência de complicações intradialíticas em pacientes com IRA na UTI e seus fatores associados, bem como verificar quais foram as condutas profissionais imediatas adotadas pela equipe.

Métodos

A apresentação deste estudo foi guiada pelo checklist Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).(99 von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344-9.)

Estudo observacional retrospectivo, com abordagem quantitativa, realizado na UTI de um hospital universitário e público, localizado na região sul do Brasil. Trata-se de uma UTI mista (clínica e cirúrgica), com 15 leitos que dispõe de quatro máquinas de diálise. Foram incluídos neste estudo todos os pacientes internados na UTI com diagnóstico médico de IRA dialítica entre janeiro de 2011 e dezembro de 2016, que tinham pelo menos 18 anos e permaneceram mais de 48 horas na unidade.

Realizou-se coleta de dados contidos em prontuários em janeiro de 2018, por meio de instrumento semiestruturado. Foram extraídos dados relativos às características gerais dos pacientes (sexo, raça, idade, comorbidades), dados da admissão na UTI (origem do paciente e diagnóstico médico), etiologia da IRA, dados referentes à diálise (modalidade, número de procedimentos, tempo (em horas) das sessões; tempo entre data do diagnóstico da IRA e da primeira diálise), uso de ventilação mecânica e sepse durante a diálise e óbito na UTI.

Para identificar as complicações intradialíticas e condutas profissionais imediatas, foram analisadas todas as anotações dos profissionais de Enfermagem envolvidos no cuidado aos pacientes nessas condições. Assim, identificou-se a prevalência das complicações pelo quantitativo geral de registros, verificando-se, ainda, quantos pacientes foram acometidos por cada complicação durante as sessões de diálise.

Todos os dados coletados foram tabulados em planilha do software Excel® e as análises estatísticas realizadas com auxílio do software XLSTAT® versão 2018. Dados categóricos foram expressos pelas frequências (absolutas e relativas), enquanto que dados contínuos, pela média ± desvio padrão e/ou mediana e percentil interquartil. Para identificar os fatores associados às complicações intradialíticas, as variáveis de interesse foram submetidas à análise bivariada aplicando-se o teste Qui-quadrado, sendo considerado como estatisticamente significativo o p-valor menor que 0,05.

A realização do estudo foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Não obstante, foram respeitados todos os preceitos ético-legais estabelecidos pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde brasileiro, bem como aqueles preconizados pela Declaração de Helsinki (CAAE: 57042316.2.0000.0107).

Resultados

Foram incluídos 76 pacientes com IRA dialítica em UTI. Houve predominância do sexo masculino (n= 42; 55,3%), com idade entre 41 e 65 anos (n= 44; 57,9%) e portadores de hipertensão (n= 28; 36,8%). Sepse foi a principal etiologia da IRA (n= 27; 35,5%) e todos (n= 76; 100%) os pacientes realizaram Hemodiálise Intermitente (HDI). No total, foram efetivados 511 procedimentos dialíticos, com mediada de quatro (2 – 7) sessões por paciente (Tabela 1).

Tabela 1
Características gerais dos pacientes com IRA dialítica em UTI

Foram identificadas 251 intercorrências intradialíticas, sendo que cinco pacientes não apresentaram nenhuma complicação durante as sessões. A prevalência de complicações intradialíticas foi de 93,4%, com média aproximada de três complicações por paciente e uma complicação a cada dois procedimentos. Do total de pacientes com complicações, observou-se que 51 (71,8%) apresentaram hipotensão intradialítica e a conduta profissional imediata mais frequente para a referida complicação foi instalação e/controle de infusão de dose do medicamento vasoativo (100%). Esta também foi a conduta imediata prevalente (54,2%) nos casos de instabilidade hemodinâmica, registrada em 24 (31,6%) pacientes. A hipoglicemia foi a segunda complicação que mais acometeu os pacientes (n= 28; 36,8%) e a administração de glicose 50% foi a conduta profissional imediata adotada em todos os casos (Quadro 1).

Quadro 1
Complicações intradialíticas segundo o tipo, número de pacientes acometidos, condutas profissionais imediatas, frequência e categoria profissional envolvida

Na tabela 2, verifica-se que idade, ventilação mecânica, etiologia da IRA, número e tempo (em horas) das sessões dialíticas, bem como momento de início da TRS foram os fatores que apresentaram associação, estatisticamente significativa, com as complicações intradialíticas registradas na amostra estudada.

Tabela 2
Fatores associados às intercorrências intradialíticas (n = 251)

Discussão

O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou identificar a prevalência de complicações intradialíticas em pacientes com IRA na UTI e seus fatores associados, além de viabilizar o conhecimento sobre quais foram as condutas profissionais imediatas adotadas pela equipe. O estudo apresenta contribuição à literatura pertinente, uma vez que traz informações específicas, concentrando-se não apenas na prevalência, mas também nos fatores associados à ocorrência das complicações e nas condutas profissionais imediatas. Ademais, os resultados do estudo destacam a importância da prática avançada de enfermagem, fundamentada em conhecimento técnico e científico, desenvolvido por meio da educação permanente e qualificação profissional. Não obstante, verifica-se, ainda, a importância do trabalho de enfermagem na realização de procedimentos dialíticos em UTI e na segurança dos pacientes submetidos a estas terapias.

Além de destacar o importante papel da enfermagem no processo de cuidado de pacientes dialíticos em UTI, os resultados demonstram haver necessidade de interação da equipe multidisciplinar de saúde, assegurando uma assistência holística. A complexidade do processo exige dos profissionais conhecimentos, habilidades e condutas que sustentem a sistematização da assistência e o desenvolvimento de práticas avançadas de enfermagem. O membro da equipe responsável por realizar os procedimentos dialíticos deve apresentar sólida compreensão técnica do aparato tecnológico utilizado (equipamento, circuito de diálise e demais recursos materiais), além de raciocínio clínico e capacidade de tomada de decisão pautada no conhecimento sobre a fisiopatologia da IRA e os diversos mecanismos fisiológicos envolvidos no processo da terapia dialítica em pacientes criticamente enfermos.

Em que pese o exposto, importante registrar que este é um estudo desenvolvido em um único centro brasileiro, com análise de dados provenientes de amostra relativamente pequena. O desenho retrospectivo, com coleta de dados secundários (registros em prontuários) limitou a inclusão de variáveis importantes para compreensão mais aprofundada sobre os aspectos pesquisados, especialmente, pela falta de registros sobre informações valiosas relativas aos procedimentos dialíticos e ao cuidado ofertado pela equipe de saúde. Além disso, o fato de o diagnóstico médico ter sido o referencial para identificar a ocorrência de IRA pode ter incluído pacientes em condições clínicas e graus de lesão renal diferentes, o que torna difícil a comparação do perfil clínico da amostra.

Dessa maneira, destaca-se que os dados desta pesquisa não podem ser generalizados e, os pesquisadores estimulam o desenvolvimento de investigações mais abrangentes sobre a ocorrência de complicações intradialíticas em pacientes criticamente enfermos com IRA. Pesquisas futuras devem ter como escopo identificar as principais medidas de prevenção e tratamento efetivadas na prática e reconhecer os fatores associados, evidenciando as características do subgrupo de pacientes mais susceptíveis a complicações durante os procedimentos nas diferentes modalidades de terapia dialítica disponível e praticadas nos diferentes centros.

Posto isso, salienta-se que executar tecnicamente procedimentos dialíticos exige preparo da equipe de saúde tanto para a capacitação dos profissionais para o controle dos sinais e sintomas apresentados pelo paciente, quanto para a análise crítica e manuseio seguro dos recursos tecnológicos envolvidos com essa terapia.(1010 Palomba H, do Amaral Campos PP, Corrêa TD, de Carvalho FB, Westphal G, Gusmão D, Lisboa T, Grion CM, de Assunção MS; DETRAKI (DEfining and TReating Acute Kidney Injury) Study investigators. Defining and treating acute kidney injury patients in Brazilian intensive care units: Results from a cross-sectional nationwide survey. J Crit Care. 2016;34:33-7.) Esse estudo verificou que todos os pacientes incluídos na amostra foram submetidos à terapia dialítica por meio de HDI. Observou-se que, no início da terapia dialítica, os pacientes encontravam-se em condições clínicas severas. Tal fato contribui para o aumento das complicações durante os procedimentos dialíticos em UTI(55 Heung M, Yessayan L. Renal replacement therapy in acute kidney injury: controversies and consensus. Crit Care Clin. 2017;33(2):365-78. Review.,1111 Ricci Z, Romagnoli S, Ronco C. Renal replacement therapy. F1000Res. 2016;5(F1000 Faculty Rev):103. Review.1212 Ronco C, Ricci Z, De Backer D, Kellum JA, Taccone FS, Joannidis M, et al. Renal replacement therapy in acute kidney injury: controversy and consensus. Critical Care. 2015;19:146.) e pode justificar, em parte, a elevada prevalência de intercorrências intradialíticas identificada na amostra analisada (93,4%). Em estudo similar, pesquisadores analisaram prontuários de 65 pacientes com IRA dialítica, em outra UTI brasileira, e verificaram que os pacientes foram submetidos a 618 sessões de hemodiálise, enquanto que a prevalência de intercorrências durante os procedimentos foi de 47,9%.(1313 Silva GL, Thomé EG. Complicações do procedimento hemodialítico em pacientes com insuficiência renal aguda: intervenções de enfermagem. Rev Gaucha Enferm. 2009;30(1):33-9.)

Em relação aos tipos de intercorrências, verificou-se que a hipotensão foi a complicação mais prevalente, ocorrendo em 51 (71,8%) pacientes. Em ensaio clínico prospectivo, randomizado, outros pesquisadores brasileiros avaliaram a ocorrência de complicações intradialíticas em pacientes submetidos à diálise diária estendida (com sessões de 6 horas ou 10 horas). Os autores relataram que hipotensão (82,6%) e coagulação do filtro de diálise (25,3%) foram as principais complicações, independente da duração da terapia. Por outro lado, pacientes submetidos à sessões dialíticas com 10 horas de duração apresentaram maior resistência às condutas profissionais imediatas adotadas para os episódios de hipotensão, além de necessidade de interrupção da diálise com maior frequência.(1414 Albino BB, Balbi AL, Abrão JM, Ponce D. Dialysis complications in acute kidney injury patients treated with prolonged intermittent renal replacement therapy sessions lasting 10 versus 6 hours: results of a randomized clinical trial. Artif Organs. 2015;39(5):423-31.)

A hipotensão intradialítica é considerada a mais comum das complicações descritas na literatura, e, geralmente, está associada à remoção rápida ou exacerbada de volume, causando translocação de fluidos do espaço extra para o intravascular, aumento da resistência vascular e da contratilidade cardíaca.(1515 Sharma S, Waikar SS. Intradialytic hypotension in acute kidney injury requiring renal replacement therapy. Semin Dial. 2017;30(6):553-8.) Sua ocorrência é determinante nos episódios de instabilidade hemodinâmica durante a diálise, está frequentemente associada a necessidade de interrupção do procedimento e compromete a recuperação da função renal, devido à promoção de hipoperfusão (e lesão isquêmica) do órgão-alvo.(1414 Albino BB, Balbi AL, Abrão JM, Ponce D. Dialysis complications in acute kidney injury patients treated with prolonged intermittent renal replacement therapy sessions lasting 10 versus 6 hours: results of a randomized clinical trial. Artif Organs. 2015;39(5):423-31.)

De acordo com o National Kidney Foundation Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI), hipotensão intradialítica pode ser definida como decréscimo ≥ 20 mmHg na pressão arterial sistólica ou de 10 mmHg na pressão arterial média, quando associado com sintomas sugestivos, tais como náuseas, vômitos, tontura, desmaio e ansiedade.(1616 K/DOQI Workgroup. K/DOQI clinical practice guidelines for cardiovascular disease in dialysis patients. Am J Kidney Dis. 2005;45(4 Suppl 3):S1-153.) Entretanto, a aplicação destes critérios é rotineiramente inviável em UTI, tendo em vista que pacientes criticamente enfermos, na maioria das vezes, não apresentam o grau de consciência necessário por questões relativas ao estado clínico geral e, também pela necessidade de ventilação mecânica e de sedação por longos períodos. Assim, verifica-se na literatura diferentes definições para a condição de hipotensão intradialítica em pacientes com IRA em UTI, dentre as quais se destaca a necessidade de iniciar suporte vasopressor, na vigência de pressão arterial média (PAM) <65 ou 70 mmHg ou com redução de 20% na PAM.(1515 Sharma S, Waikar SS. Intradialytic hypotension in acute kidney injury requiring renal replacement therapy. Semin Dial. 2017;30(6):553-8.)

Não foram identificados, nos prontuários analisados, dados sobre os critérios utilizados para definição da hipotensão intradialítica nos pacientes do presente estudo, apenas o registro da intercorrência. Apesar disso, constatou-se que as condutas profissionais imediatas, visando o controle desta complicação, envolveram a administração de medicamento vasoativo, infusão de volume (solução fisiológica e/ou ringer lactato) e de solução hipertônica, mudança dos parâmetros de diálise e, com menor frequência, a interrupção do procedimento (Quadro 1). Condutas adicionais podem incluir redução da taxa de ultrafiltração (UF), redução da temperatura de dialisato e da relação sódio/UF, redução na osmolaridade plasmática (especialmente na HDI) e administração intradialítica de manitol hipertônico.(1414 Albino BB, Balbi AL, Abrão JM, Ponce D. Dialysis complications in acute kidney injury patients treated with prolonged intermittent renal replacement therapy sessions lasting 10 versus 6 hours: results of a randomized clinical trial. Artif Organs. 2015;39(5):423-31.,1515 Sharma S, Waikar SS. Intradialytic hypotension in acute kidney injury requiring renal replacement therapy. Semin Dial. 2017;30(6):553-8.)

As condutas profissionais imediatas para o tratamento da hipotensão intradialítica também foram aplicadas a outras complicações registradas, sendo importante destacar a necessária interação multiprofissional na abordagem assistencial das diversas complicações apresentadas pelos pacientes durante a diálise e, principalmente, para efetivação das condutas imediatas. Juntamente com médicos, fisioterapeutas e nutricionista, a equipe de enfermagem desempenhou papel essencial no cuidado dos pacientes, sendo responsável por efetivar a maioria das condutas profissionais imediatas perante as complicações apresentadas pelos pacientes deste estudo.

A carga laboral da enfermagem em cuidados intensivos é reconhecidamente elevada e, pode tornar-se ainda maior no cuidado de pacientes com IRA, especialmente aqueles com necessidade de diálise.(1717 Coelho FU, Watanabe M, Fonseca CD, Padilha KG, Vattimo MF. Nursing active score and acute kidney injury. Rev Bras Enferm. 2017;70(3): 475-80.) Em unidades hospitalares, os procedimentos dialíticos são realizados por profissionais de enfermagem, membro de equipe especializada externa à unidade intensiva ou, profissional pertencente à organização compartilhada, externa à instituição em que os pacientes estão hospitalizados.(1818 Ricci Z, Benelli S, Barbarigo F, Cocozza G, Pettinelli N, Di Luca E, et al. Nursing procedures during continuous renal replacement therapies: a national survey. Heart Lung Vessel. 2015;7(3):224-30.)

Devido à complexidade dos cuidados, apresentar conhecimentos, habilidades e atitudes que alicerçam práticas avançadas de enfermagem é fundamental, sendo que dentre as atividades realizadas pela enfermagem durante a realização de TRS incluem-se, mas não se limitam, a preparação de soluções utilizadas durante os procedimentos; conexão, desconexão e remoção do paciente à terapia extracorpórea; gerenciamento e alteração dos parâmetros de diálise, conforme necessidade e prescrição médica; gerenciamento de alarmes e/ou avisos emitidos pela máquina de diálise; além do cuidado clínico intensivo, com monitorização contínua do estado hemodinâmico dos pacientes.(1919 Joynes J. An analysis of component parts of advanced nursing practice in relation to acute renal care in intensive care. Intensive Crit Care Nurs. 1996;12(2):113-9. Review.,2020 Houllé-Veyssière M, Courtin A, Zeroual N, Gaudard P, Colson PH. Continuous venovenous renal replacement therapy in critically ill patients: a work load analysis. Intensive Crit Care Nurs. 2016;36:35-41.)

No presente estudo, identificou-se, também, que a frequência das complicações esteve significativamente relacionada à idade, à necessidade de ventilação mecânica, à IRA associada à sepse, à quantidade de procedimentos dialíticos e tempo (em horas) de cada sessão. Esse cenário de fatores também foi descrito para complicações intradialíticas, registradas em pacientes com doença renal crônica em hemodiálise ambulatorial.(77 Lessa SR, Bezerra JN, Barbosa SM, Luz GO, Borba AK. Prevalence and factors associated with the occurrence of adverses events in the hemodialusis service. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e3830017.) Resultados de um único estudo brasileiro demonstram que, não houve diferença estatisticamente significativa na comparação dos principais fatores associados à ocorrência de complicações intradialíticas entre pacientes crônicos e agudos, sendo que os principais fatores analisados na amostra total foram idade, número de sessões dialíticas e tempo de duração (em horas) de cada sessão.(88 Sousa MR, Silva AE, Bezerra AL, Freitas JS, Neves GE, Paranaguá TT. Prevalence of adverse events in a hemodialysis unit. Rev Enferm UERJ. 2016;24(6):e18237.)

Os escassos dados da literatura, no que tange aos fatores associados às complicações intradialíticas em pacientes com IRA criticamente enfermos dificultam a análise comparativa dos dados ora apresentados. Entretanto, compreende-se que a identificação e disseminação do conhecimento referente a tal intercorrência fomentam a prática baseada em evidências, a elaboração de estratégias de educação permanente aos profissionais de enfermagem, para que incluam o reconhecimento precoce das complicações, tomadas de decisões com condutas imediatas e efetivas, minimização das consequências colaterais e dos desfechos negativos, assegurando a qualidade da assistência e a segurança do paciente, bem como a proposição de protocolos clínicos assistenciais para prevenção e tratamento das complicações.(1818 Ricci Z, Benelli S, Barbarigo F, Cocozza G, Pettinelli N, Di Luca E, et al. Nursing procedures during continuous renal replacement therapies: a national survey. Heart Lung Vessel. 2015;7(3):224-30.2020 Houllé-Veyssière M, Courtin A, Zeroual N, Gaudard P, Colson PH. Continuous venovenous renal replacement therapy in critically ill patients: a work load analysis. Intensive Crit Care Nurs. 2016;36:35-41.)

Conclusão

Os pacientes apresentaram alta prevalência de complicações intradialíticas, sendo que as condutas profissionais imediatas mais frequentes objetivaram reverter hipotensão intradialítica e foram realizadas majoritariamente pela equipe enfermagem. Os fatores associados às complicações estiveram relacionados à gravidade dos pacientes no início da diálise.

Referências

  • 1
    Hoste EA, Bagshaw SM, Bellomo R, Cely CM, Colman R, Cruz DN, et al. Epidemiology of acute kidney injury in critically ill patients: the multinational AKI-EPI study. Intensive Care Med. 2015;41(8):1411-23.
  • 2
    Bouchard J, Acharya A, Cerda J, Maccariello ER, Madarasu RC, Tolwani AJ, et al. A prospective international multicenter study of AKI in the intensive care unit. Clin J Am Soc Nephrol. 2015;10(8):1324-31.
  • 3
    Mehta RL, Burdmann EA, Cerdá J, Feehally J, Finkelstein F, García-García G, et al. Recognition and management of acute kidney injury in the International Society of Nephrology 0by25 Global Snapshot: a multinational cross-sectional study. Lancet. 2016;387(10032):2017-25. Erratum in: Lancet. 2016;387(10032):1998.
  • 4
    Bagshaw SM, Darmon M, Ostermann M, Finkelstein FO, Wald R, Tolwani AJ, et al. Current state of the art for renal replacement therapy in critically ill patients with acute kidney injury. Intensive Care Med. 2017;43(6):841-54. Review.
  • 5
    Heung M, Yessayan L. Renal replacement therapy in acute kidney injury: controversies and consensus. Crit Care Clin. 2017;33(2):365-78. Review.
  • 6
    Neyra JA, Goldstein SL. Optimizing renal replacement therapy deliverables through multidisciplinary work in the intensive care unit [Editorial]. Clin Nephrol. 2018;90(1):1-5.
  • 7
    Lessa SR, Bezerra JN, Barbosa SM, Luz GO, Borba AK. Prevalence and factors associated with the occurrence of adverses events in the hemodialusis service. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e3830017.
  • 8
    Sousa MR, Silva AE, Bezerra AL, Freitas JS, Neves GE, Paranaguá TT. Prevalence of adverse events in a hemodialysis unit. Rev Enferm UERJ. 2016;24(6):e18237.
  • 9
    von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344-9.
  • 10
    Palomba H, do Amaral Campos PP, Corrêa TD, de Carvalho FB, Westphal G, Gusmão D, Lisboa T, Grion CM, de Assunção MS; DETRAKI (DEfining and TReating Acute Kidney Injury) Study investigators. Defining and treating acute kidney injury patients in Brazilian intensive care units: Results from a cross-sectional nationwide survey. J Crit Care. 2016;34:33-7.
  • 11
    Ricci Z, Romagnoli S, Ronco C. Renal replacement therapy. F1000Res. 2016;5(F1000 Faculty Rev):103. Review.
  • 12
    Ronco C, Ricci Z, De Backer D, Kellum JA, Taccone FS, Joannidis M, et al. Renal replacement therapy in acute kidney injury: controversy and consensus. Critical Care. 2015;19:146.
  • 13
    Silva GL, Thomé EG. Complicações do procedimento hemodialítico em pacientes com insuficiência renal aguda: intervenções de enfermagem. Rev Gaucha Enferm. 2009;30(1):33-9.
  • 14
    Albino BB, Balbi AL, Abrão JM, Ponce D. Dialysis complications in acute kidney injury patients treated with prolonged intermittent renal replacement therapy sessions lasting 10 versus 6 hours: results of a randomized clinical trial. Artif Organs. 2015;39(5):423-31.
  • 15
    Sharma S, Waikar SS. Intradialytic hypotension in acute kidney injury requiring renal replacement therapy. Semin Dial. 2017;30(6):553-8.
  • 16
    K/DOQI Workgroup. K/DOQI clinical practice guidelines for cardiovascular disease in dialysis patients. Am J Kidney Dis. 2005;45(4 Suppl 3):S1-153.
  • 17
    Coelho FU, Watanabe M, Fonseca CD, Padilha KG, Vattimo MF. Nursing active score and acute kidney injury. Rev Bras Enferm. 2017;70(3): 475-80.
  • 18
    Ricci Z, Benelli S, Barbarigo F, Cocozza G, Pettinelli N, Di Luca E, et al. Nursing procedures during continuous renal replacement therapies: a national survey. Heart Lung Vessel. 2015;7(3):224-30.
  • 19
    Joynes J. An analysis of component parts of advanced nursing practice in relation to acute renal care in intensive care. Intensive Crit Care Nurs. 1996;12(2):113-9. Review.
  • 20
    Houllé-Veyssière M, Courtin A, Zeroual N, Gaudard P, Colson PH. Continuous venovenous renal replacement therapy in critically ill patients: a work load analysis. Intensive Crit Care Nurs. 2016;36:35-41.

Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Monica Taminato (https://orcid.org/0000-0003-4075-2496) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2020
  • Aceito
    19 Jul 2021
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br