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Fatores associados ao estresse de pais em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

Factores asociados al estrés de padres en Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales

Resumo

Objetivo

Analisar os fatores associados ao estresse de pais de recém-nascidos internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal.

Métodos

Estudo transversal desenvolvido com 204 pais presentes em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do estado do Rio Grande do Sul. Para a coleta dos dados, utilizaram-se um instrumento de caracterização dos participantes e a versão brasileira da Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care Unit. Os dados foram analisados por meio do teste de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis.

Resultados

As variáveis sociodemográficas que se mostraram associadas a maiores níveis de estresse foram sexo, experiência anterior com unidade neonatal, escolaridade e religião. E as variáveis clínicas dos recém-nascidos foram unidade de internação, terapêuticas respiratória e intravenosa e procedimento cirúrgico prévio.

Conclusão

Os participantes do sexo feminino, que não possuíam experiência prévia com unidade neonatal, com maior escolaridade e religião apresentaram maiores níveis de estresse bem como os que tinham os filhos internados na unidade de alto risco, com suporte respiratório, uso de dois dispositivos intravenosos e com história prévia de procedimento cirúrgico.

Estresse psicológico; Pais; Recém-nascido; Recém-nascido prematuro; Unidades de terapia intensiva neonatal

Resumen

Objetivo

Analizar los factores asociados al estrés de padres de recién nacidos internados en Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales.

Métodos

Estudio transversal realizado con 204 padres presentes en una Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales del estado de Rio Grande do Sul. Para la recopilación de datos, se utilizó un instrumento de caracterización de los participantes y la versión brasileña de la Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care Unit. Los datos fueron analizados mediante la prueba de Mann-Whitney y Kruskal-Wallis.

Resultados

Las variables sociodemográficas que demostraron estar asociadas a mayores niveles de estrés fueron sexo, experiencia anterior en unidad neonatal, escolaridad y religión. Y las variables clínicas de los recién nacidos fueron unidad de internación, terapia respiratoria e intravenosa y procedimiento quirúrgico previo.

Conclusión

Los participantes de sexo femenino, que no tenían experiencia previa en unidad neonatal, con mayor escolaridad y religión presentaron mayores niveles de estrés, así como los que tenían hijos internados en unidades de alto riesgo, con soporte respiratorio, uso de dos dispositivos intravenosos y con historia previa de procedimiento quirúrgico.

Estrés psicológico; Padres; Recién nacido; Recien nacido prematuro; Unidades de cuidado intensivo neonatal

Abstract

Objective

To analyze the stress-related factors of parents of newborns hospitalized in a Neonatal Intensive Care Unit.

Methods

This is a cross-sectional study developed with 204 parents present in a Neonatal Intensive Care Unit in the state of Rio Grande do Sul. For data collection, we used an instrument to characterize participants and the Brazilian version of the Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care Unit. Data were analyzed using the Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests.

Results

The sociodemographic variables that were associated with higher levels of stress were sex, previous experience with neonatal unit, education and religion. And the clinical variables of newborns were hospitalization unit, respiratory and intravenous therapies and previous surgical procedure.

Conclusion

Female participants, who had no previous experience with a neonatal unit, with higher education and religion, had higher levels of stress, as well as those who had their children hospitalized in the high-risk unit, with respiratory support, use of two intravenous devices and with previous history of surgical procedure.

Stress, psychological; Parents; Infant, newborn; Infant, premature; Intensive care units, neonatal

Introdução

Estima-se que, anualmente, nasçam 15 milhões de prematuros no mundo, isto quer dizer um a cada dez nascimentos.(11. World Health Organization (WHO). Preterm birth. Geneva: WHO; 2018 [cited 2021 May 23]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs363/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
)A partir disso, verifica-se que existe uma grande população de recém-nascidos (RN) prematuros e suas famílias a serem acolhidas pelo sistema de saúde, tornando a prematuridade uma importante questão de saúde pública.(11. World Health Organization (WHO). Preterm birth. Geneva: WHO; 2018 [cited 2021 May 23]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs363/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
)

A prematuridade moderada a extrema isoladamente já acarreta na permanência em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), o que compromete a dinâmica familiar e potencializa as reações de estresse nos pais.(22. Fróes GF, Mendes EN, Pedroza GA, Cunha ML. Stress experienced by mothers of preterm newborns in a neonatal intensive care unit. Rev Gaucha Enferm. 2019;41(spe):e20190145.) Estudos evidenciam que a hospitalização de um filho nesta unidade é considerada estressante, uma vez que os pais não estão preparados para a internação precoce, além do fato de deixar seu filho no hospital, o que gera insegurança e impotência.(33. Kegler JJ, Neves ET, Silva EM, Jantsch LB, Bertoldo CS, Silva JH. Stress in parents of newborns in a Neonatal Intensive Care Unit. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180178.

4. Ionio C, Mascheroni E, Colombo C, Castoldi F, Lista G. Stress and feelings in mothers and fathers in NICU: identifying risk factors for early interventions. Prim Health Care Res Dev. 2019;20:e81.
-55. Gusmão RO, Araújo DD, Maciel AP, Soares JB, Silva Júnior RF. Sentimentos e emoções de mães de prematuros de uma unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Enferm Cent Oeste Min. 2021;11:e4183.)

Existem muitos aspectos que podem vir a desencadear estresse nos pais na UTIN. Dentre eles, podemos citar o fato de que eles passam a vivenciar a parentalidade em um ambiente cercado de ruídos constantes, luzes fortes e pessoas estranhas e, frequentemente, presenciam o RN ser submetido a procedimentos dolorosos.(22. Fróes GF, Mendes EN, Pedroza GA, Cunha ML. Stress experienced by mothers of preterm newborns in a neonatal intensive care unit. Rev Gaucha Enferm. 2019;41(spe):e20190145.)Outro fator é que os pais necessitam abdicar dos cuidados básicos de seu filho, uma vez que estes são realizados pela equipe de saúde.(44. Ionio C, Mascheroni E, Colombo C, Castoldi F, Lista G. Stress and feelings in mothers and fathers in NICU: identifying risk factors for early interventions. Prim Health Care Res Dev. 2019;20:e81.,55. Gusmão RO, Araújo DD, Maciel AP, Soares JB, Silva Júnior RF. Sentimentos e emoções de mães de prematuros de uma unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Enferm Cent Oeste Min. 2021;11:e4183.)

Desta forma, os pais podem apresentar quadros depressivos, transtornos de ansiedade e distúrbios do sono decorrentes do estresse vivenciado na UTIN.(66. Galea M, Park T, Hegadoren K. Improving mental health outcomes of parents of infants treated in neonatal intensive care units: a scoping review. J Neonatal Nurs. 2021 Oct 20. https://doi.org/10.1016/j.jnn.2021.10.002
https://doi.org/10.1016/j.jnn.2021.10.00...
)Estudos revelam que o grave sofrimento dos pais durante a internação, está vinculado a piores resultados futuros, tanto no que se refere a interação familiar quanto aos aspectos cognitivos e comportamentais do RN.(22. Fróes GF, Mendes EN, Pedroza GA, Cunha ML. Stress experienced by mothers of preterm newborns in a neonatal intensive care unit. Rev Gaucha Enferm. 2019;41(spe):e20190145.,77. Grunberg VA, Geller PA, Bonacquisti A, Patterson CA. NICU infant health severity and family outcomes: a systematic review of assessments and findings in psychosocial research. J Perinatol. 2019;39(2):156–72.)

A família considera importante quando há interesse por parte da equipe em seus sentimentos, atentando tanto para as necessidades do RN, quanto para as suas, o que resulta na oportunidade de buscar o apoio emocional para aquele momento.(88. Bry A, Wigert H. Psychosocial support for parents of extremely preterm infants in neonatal intensive care: a qualitative interview study. BMC Psychol. 2019;7(1):76.) Fato que demonstra a necessidade de implementar os preceitos do Cuidado Centrado na Família nas UTIN, buscando assim atender também as necessidades de cuidado da família, o que minimiza o estresse parental e promove a consolidação do vínculo.(99. Felipin LC, Merino MF, Baena JA, Oliveira RB, Borghesan NB, Higarashi IH. Family-centered care in Neonatal and Pediatric Intensive Care Unit: nurse’s vision. Cien Cuid Saúde. 2018;17(2):1-7.)

Neste sentido, torna-se imprescindível conhecer os fatores associados ao estresse dos pais na UTIN, o que possibilitará, posteriormente, a implementação de estratégias pelos profissionais de saúde para o seu enfrentamento. Considerando, que a partir de uma busca na literatura científica, identificou-se a incipiência de estudos no cenário brasileiro que revelem estes fatores definiu-se como objetivo: analisar os fatores associados ao estresse de pais de recém-nascidos internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal.

Métodos

Estudo transversal desenvolvido com pais (pai e/ou mãe) de RN internados em uma UTIN de um hospital público da região central do Rio Grande do Sul. Os critérios de inclusão foram o(a) pai/mãe deveria ter visitado o filho pelo menos três vezes antes da coleta dos dados e o RN deveria estar internado pelo menos cinco dias na UTIN. E o critério de exclusão foi o(a) pai/mãe de RN que internaram diretamente na unidade canguru.

Quanto a amostra, esta foi delimitada pelo tempo de coleta de dados, que ocorreu de janeiro a agosto de 2017, em que todos os pais que se encontravam na unidade foram convidados a participar do estudo, desde que atendidos os critérios de inclusão e exclusão. Neste período, 168 RN eram elegíveis, sendo que destes, o pai e/ou a mãe de 135 participaram do estudo. Os dados foram coletados pela primeira autora deste artigo, auxiliada por uma acadêmica de enfermagem previamente capacitada. Utilizou-se a versão brasileira da Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care Unit (PSS: NICU) e um formulário de caracterização dos participantes construído para o estudo.

O formulário de caracterização encontrava-se estruturado em dois blocos: Bloco A – Perfil sociodemográfico do pai/mãe e Bloco B – Perfil clínico do recém-nascido. As variáveis que constituíram o Bloco A foram data de nascimento, sexo, situação conjugal, número de filhos, experiência prévia de internação de filho em UTIN, raça/cor da pele, escolaridade, ocupação, religião e local de residência. Para caracterização da renda e condições de saneamento básico e moradia foi utilizado o questionário da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). O Bloco B compreendeu as variáveis data de nascimento, unidade de internação, dias de internação, sexo, idade gestacional, peso ao nascer, parto, intercorrências ao nascer, apgar do 1º e 5º minutos, motivo da internação, terapêuticas respiratória, intravenosa e nutricional, uso de fototerapia, malformação congênita, procedimento cirúrgico prévio, uso de sedação, drenos, coberturas especiais e sonda vesical.

A PSS: NICU foi traduzida, adaptada e validada para a população brasileira em 2009 e tem por objetivo avaliar o estresse vivenciado por pais de RN em UTIN. É constituída por 26 itens, distribuídos em três subescalas – Sons e Imagens, Aparência e o Comportamento do Bebê e Alteração no Papel de Mãe/Pai – e organizada em uma escala do tipo Likert, com uma pontuação entre 1 e 5, em que os pais devem indicar o quanto estressante foi a experiência descrita em cada item. A pontuação “1” refere-se a não estressante, “2” a pouco estressante, “3” a moderadamente estressante, “4” a muito estressante e “5” a extremamente estressante. Além disso, caso os pais não tivessem passado pela situação descrita em determinado item, eles poderiam escolher a resposta “NA” de “não se aplica”.(1010. Souza SR, Dupas G, Balieiro MM. Adaptação cultural e validação para a língua portuguesa da Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care Unit (PSS:NICU). Acta Paul Enferm. 2012;25(2):171–6.)Destaca-se que quando a média é maior ou igual a dois indica presença de estresse. Com relação a sua validação, a PSS: NICU obteve um alfa de Cronbach acima de 0,70 e um grau de variância de 57,9%. Desta forma, mostra-se uma ferramenta válida e confiável para avaliação do estresse de pais em UTIN.(1010. Souza SR, Dupas G, Balieiro MM. Adaptação cultural e validação para a língua portuguesa da Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care Unit (PSS:NICU). Acta Paul Enferm. 2012;25(2):171–6.)

O preenchimento do Bloco A se deu mediante entrevista individual com o(a) pai/mãe em local que oferecia privacidade. Em seguida, a PSS: NICU era entregue e preenchida pelo(a) pai/mãe em um tempo médio de dez minutos. Destaca-se que para os pais não alfabetizados e com algum tipo de limitação visual aplicou-se a escala na forma de entrevista. Já o Bloco B foi preenchido a partir de informações obtidas do prontuário médico e com o profissional de enfermagem.

Os dados foram digitados e organizados no programa Epi-info® (versão 7.2.1), sob dupla digitação independente. Após verificadas e corrigidas as inconsistências, a análise dos dados foi realizada no programa estatístico R (versão 3.4.2). O Nível de Ocorrência de Estresse (Métrica 1) foi utilizado para a análise das subescalas da PSS: NICU, em que o denominador para obtenção da média é o número de itens experienciados pelos(as) pais/mães. Para a comparação de escores utilizou-se o Teste de Mann-Whitney (para dois grupos) e o Teste de Kruskal-Wallis (para três ou mais grupos). Quando obtida diferença estatística significativa foi aplicado o Teste Post-Hoc de Dunn, a fim de identificar quais foram os grupos. Considerou-se com nível de significância quando p<0,05.

O estudo seguiu os preceitos éticos da Resolução 466/2012 e possui aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa sob o número de parecer: 1.865.348 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 62641816.7.0000.5346.

Resultados

A população do estudo foi constituída por 204 pais. Houve predomínio do sexo feminino (62,3%), média de idade de 28,5 anos (DP=7,6), 67,2% viviam em união estável ou com companheiro(a), 57,3% estudaram menos de 12 anos e 47% pertenciam aos estratos socioeconômicos C2 ou D-E, o que equivale a uma estimativa de renda domiciliar mensal de R$ 1.446,24 e R$ 639,78, respectivamente. Não residiam na cidade cenário do estudo (53,9%) e não possuíam experiência com hospitalização anterior em UTIN (86,3%). Na tabela 1 encontram-se apresentadas as comparações de médias entre as subescalas da PSS: NICU e as variáveis sociodemográficas dos pais.

Tabela 1
Comparação de médias das variáveis sociodemográficas dos pais segundo as subescalas da Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care (PSS: NICU)

De acordo com a tabela 1, foram identificadas algumas variáveis sociodemográficas dos pais com diferença estatisticamente significativa (p<0,05), como sexo, internação de outro filho em UTIN, escolaridade e religião. Em relação ao sexo, as mães apresentaram maiores níveis de estresse nas três subescalas “Sons e imagens” (média=2,31), “Aparência e o comportamento do bebê” (média=3,00) e “Alteração no papel de mãe/pai” (média=3,68). Os pais que não possuíam experiência prévia de internação de um filho em UTIN exibiram maiores níveis de estresse relacionado à subescala “Alteração no papel de mãe/pai” (média=3,54). No que tange a escolaridade, percebeu-se que os pais apresentaram maiores níveis de estresse na subescala “Sons e imagens”, sendo que na comparação dos grupos, obteve-se diferença estatisticamente significativa entre o fundamental completo/médio incompleto (média=1,99) e o superior completo (média=2,69). Também se identificou que os pais que possuíam religião manifestaram maiores níveis de estresse na subescala “Aparência e o comportamento do bebê” (média=2,93).

Nas comparações de médias entre as subescalas da PSS: NICU e as variáveis de nascimento dos RN não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (Tabela 2). Na tabela 3 encontram-se descritas as variáveis clínicas dos RN com relação estatística significativa (p<0,05), que foram unidade de internação, terapêutica respiratória, tipo de terapêutica intravenosa e procedimento cirúrgico prévio.

Tabela 2
Comparação de médias das variáveis de nascimento dos recém-nascidos segundo as subescalas da Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care (PSS: NICU)
Tabela 3
Comparação de médias das variáveis clínicas dos recém-nascidos segundo as subescalas da Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care (PSS: NICU)

Com relação à unidade de internação, encontraram-se maiores níveis de estresse na subescala “Alteração no papel de mãe/pai”. Na comparação dos grupos, observou-se relação estatística significativa entre a unidade de alto risco (média=3,79) e a unidade canguru (média=3,04). Também se verificou que os pais em que o filho estava fazendo uso de terapêutica respiratória apresentaram maiores níveis de estresse na subescala “Sons e imagens” (média=2,40). Contudo, na variável de tipo de terapêutica respiratória não se obteve diferença estatisticamente significativa (p>0,05). No que tange ao tipo de terapêutica intravenosa, os pais exibiram maiores níveis de estresse na subescala “Alteração no papel de mãe/pai”. Na comparação entre os grupos, obtiveram-se diferenças estatisticamente significativas entre nenhuma (média=3,37), cateter periférico (média=3,47) e PICC (média=3,36) com o uso de dois dispositivos intravenosos (média=4,42). A realização de procedimento cirúrgico prévio mostrou-se associada a maiores níveis de estresse nos pais no que se refere às subescalas “Sons e imagens” (média=2,64) e “Aparência e o comportamento do bebê” (média=3,50).

Discussão

No presente estudo, identificou-se relação estatística significativa entre o estresse e algumas variáveis sociodemográficas dos pais e clínicas dos RN. Dentre as variáveis sociodemográficas, cita-se o sexo, a escolaridade, a experiência prévia com hospitalização de um filho em UTIN e a religião.

Com relação ao sexo, observou-se que as mães apresentaram as maiores médias nas três subescalas da PSS: NICU, o que corrobora com outros estudos,(1111. Faro KC, Santos RB, Bosa CA, Wagner A, Silva SS. Autism and mothers with and without stress: analysis of maternal burden and familiar support. Rev Psico (Porto Alegre). 2019;50(2):1-11.

12. Kawafha MM. Parental stress in the neonate intensive care unit and its association with parental and infant characteristics. J Neonatal Nurs. 2018;24(5):266–72.
-1313. Caporali C, Pisoni C, Gasparini L, Ballante E, Zecca M, Orcesi S, et al. A global perspective on parental stress in the neonatal intensive care unit: a meta-analytic study. J Perinatol. 2020;40(12):1739–52.) ao citarem que as mães apresentam maiores níveis de estresse quando comparado aos pais. Isso pode ser explicado visto que culturalmente e pelo direito à licença maternidade são as mães que atuam essencialmente no cuidado do filho após o seu nascimento.

Na comparação de médias entre as subescalas e a escolaridade, identificou-se que os pais com ensino superior completo exibiram níveis de estresse superiores aos que possuíam o fundamental completo ou médio incompleto, no que se refere à subescala sons e imagens. Resultado que é consistente com outro estudo, que encontrou que uma educação de nível superior está associada a maiores níveis de estresse na subescala sons e imagens.(1414. Moon SH, Park HR, Kim DY. Differences in perceived parental stress between parents with very low birth weight infants and nurses in neonatal intensive care units, South Korea. Child Health Nurs Res. 2021;27(3):297–307.) Os pais mais instruídos podem apresentar maiores níveis de estresse por terem melhor percepção do estado de saúde do filho.

O fato de a maioria dos pais nunca ter tido outro filho hospitalizado em UTIN, justifica os maiores níveis de estresse apresentados por eles na subescala alteração no papel de mãe/pai, visto que possivelmente não esperavam que o filho precisasse ser hospitalizado nessa unidade. A espiritualidade tem sido apontada por pais e mães como uma estratégia para o enfrentamento da situação de hospitalização de um filho em UTIN, proporcionando sentimentos de força, esperança e conforto para superar este momento tão difícil.(1515. Silva RS, Santos JV, Araújo LF. O sentido da vida de mães com filhos na uti neonatal. Rev NUFEN. 2021;13(1):222–41,1616. Woinarovicz BP, Moreira MC. Estratégias de enfrentamento de familiares de pacientes em UTI: uma revisão sistemática da literatura. Rev SBPH. 2020;23(2):126–38. Review.)O que diverge do encontrado neste estudo, uma vez que os pais que possuíam religião manifestaram maiores níveis de estresse na subescala aparência e o comportamento do bebê.

Ao relacionar as variáveis de nascimento dos RN às subescalas da PSS: NICU não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. Esse achado corrobora com um estudo de meta-análise, em que variáveis como idade gestacional e peso ao nascer não se mostraram associadas ao estresse dos pais.(1313. Caporali C, Pisoni C, Gasparini L, Ballante E, Zecca M, Orcesi S, et al. A global perspective on parental stress in the neonatal intensive care unit: a meta-analytic study. J Perinatol. 2020;40(12):1739–52.)

A hospitalização em UTIN já é o suficiente para causar níveis elevados de estresse nos pais, independente do grau de prematuridade e peso ao nascimento. Esta unidade é vista pelas mães como um ambiente em que os RN se encontram muito graves, com risco iminente de morte, o que desperta medo, dúvidas e sofrimento perante a possibilidade de o filho não sobreviver.(1717. Almeida CR, Carvalho ES, Passos SS, Miranda FP, Santos LM. Experiências maternas na primeira semana de hospitalização do prematuro em cuidado intensivo. Rev Enferm UFSM. 2020;10:1-21.)

Com relação às variáveis clínicas do RN, encontrou-se relação estatística significativa entre as médias das subescalas da PSS: NICU com as variáveis unidade de internação, terapêutica respiratória, tipo de terapêutica intravenosa e procedimento cirúrgico prévio. Os pais em que o RN estava internado na unidade de alto risco mostraram-se mais estressados quando comparado aos pais da unidade canguru no que tange a subescala alteração no papel de mãe/pai, o que pode ser resultado das diferenças entre as duas unidades. A unidade canguru, trata-se de um ambiente com estrutura física e material que possibilita a permanência da mãe junto do RN nas 24 horas do dia para a realização do método canguru.(1818. Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido. Método Canguru – manual técnico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [citado 2021 Maio 23]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_metodo_canguru_manual_3ed.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
) Diferentemente da unidade de alto risco em que, muitas vezes, o contato dos pais com o RN é limitado, devido à rotina intensa, fragilidade clínica e complexidade tecnológica presente, além de que, poucas vezes, realizam atividades simples do dia a dia, ou até mesmo seguram o seu filho, fazendo com que não se sintam efetivamente pai e mãe. Níveis de estresse mais elevados foram encontrados em pais que não puderam segurar o filho no colo.(1919. Medeiros CC, Franzoi MA, Silveira AO. Cuidado parental e promoção do desenvolvimento infantil no contexto da prematuridade. Rev Bras Promoção Saúde. 2020;33:11656.)

O uso de terapêutica respiratória pelo RN também se mostrou associado a maiores níveis de estresse nos pais na subescala sons e imagens. Resultado que corrobora com o estudo que encontrou que quando o RN estava fazendo uso de suporte respiratório, seja por ventilação mecânica ou CPAP, os pais apresentaram um nível de estresse maior.(22. Fróes GF, Mendes EN, Pedroza GA, Cunha ML. Stress experienced by mothers of preterm newborns in a neonatal intensive care unit. Rev Gaucha Enferm. 2019;41(spe):e20190145.)

Os pais apresentaram níveis de estresse mais elevados na subescala alteração no papel de mãe/pai quando o RN possuía dois dispositivos intravenosos em comparação a nenhum, PICC ou cateter periférico. Isso pode ser explicado pelo receio dos pais em tocar ou pegar o RN utilizando tantos dispositivos, uma vez que acreditam que podem machucá-lo ou até mesmo por um descuido acabar retirando o acesso venoso.

Também se observou maiores níveis de estresse nos pais quando o filho necessitou realizar algum tipo de procedimento cirúrgico tanto na subescala sons e imagens quanto na aparência e o comportamento do bebê. A necessidade de cirurgia acaba sendo um potencializador do estresse já vivenciado pelos pais na unidade de terapia intensiva neonatal, pois eles precisam lidar com os riscos associados a anestesia e a cirurgia, as complicações pós-operatórias e a dor do recém-nascido.(2020. Govindaswamy P, Laing S, Waters D, Walker K, Spence K, Badawi N. Stressors of parents of infants undergoing neonatal surgery for major non-cardiac congenital anomalies in a surgical neonatal intensive care unit. J Paediatr Child Health. 2020;56(4):512–20.)

Desta forma, além dos fatores já descritos na literatura científica, este estudo evidencia aspectos novos, como a religião, não possuir experiência prévia com UTIN, a internação em unidade de alto risco e o uso de dois dispositivos intravenosos, como fatores associados a níveis de estresse mais elevados em pais de terapia intensiva neonatal. As limitações do estudo estão relacionadas ao fato de ter sido desenvolvido apenas em uma UTIN da região central do Rio Grande do Sul, não ter incluído todos os pais dos RN hospitalizados no período de coleta dos dados e a análise estatística não permitir estabelecer uma relação de causalidade. Destaca-se a necessidade de novos estudos que possam ampliar a compreensão do estresse vivenciado pelos pais em outras UTIN do Brasil.

Conclusão

Neste estudo, os fatores sociodemográficos associados a maiores níveis de estresse foram sexo feminino, não possuir experiência anterior com UTIN, maior escolaridade e religião. E os fatores clínicos, internação na unidade de alto risco, suporte respiratório, uso de dois dispositivos intravenosos e procedimento cirúrgico prévio. Nesse sentido, acredita que é necessário pensar em estratégias para minimizar o estresse vivenciado pelos pais nas UTIN, incluindo a participação deles nos cuidados e nas tomadas de decisão relacionadas ao cuidado do filho, organização de grupos de pais, fornecimento de informações constantes e claras, melhores condições de sono e repouso. Além de que é necessária uma conscientização das próprias instituições hospitalares, que precisam criar condições favoráveis de trabalho para que os profissionais possam assistir adequadamente as famílias nas UTIN.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; bolsa de mestrado para Jaquiele Jaciára Kegler).

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Marcia Barbieri. (https://orcid.org/0000-0002-4662-1983). Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2021
  • Aceito
    14 Jul 2022
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