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Transtorno depressivo em mulheres no período pós-parto: análise segundo a raça/cor autorreferida

Trastorno depresivo en mujeres en el período posparto: análisis según raza/color autodeclarado

Resumo

Objetivo

Identificar a raça/cor autorreferida por mulheres com 60 dias de pós-parto; identificar a prevalência do indicativo de transtorno depressivo nessas mulheres e verificar a associação entre o indicativo de transtorno depressivo e o quesito raça/cor autorreferida.

Métodos

Estudo transversal desenvolvido em um município do interior paulista. Foram utilizados, para a coleta de dados, um instrumento com dados sociodemográficos e a Escala de Depressão Pós-Natal de Edimburgo. Os dados foram analisados utilizando-se o Statistical Package for Social Sciences, SPSS, versão 17.0.

Resultados

Participaram deste estudo 186 mulheres, 60,8% referiram ser da cor parda, 24,2% apresentaram indicativo de transtorno depressivo e, entre estas, 81,7% eram da raça negra. O indicativo de transtorno depressivo associou-se às variáveis: número de filhos (p=0,006), gestação planejada (p=0,04) e tipo de parto (p< 0,001).

Conclusão

Os resultados deste estudo contribuem para maior visibilidade da temática da saúde mental das mulheres, especificamente das mulheres negras, pois, mesmo que não tenha sido identificada associação significativa dentre aquelas que apresentaram indicativo de transtorno depressivo, a maioria era da raça negra.

Transtorno depressivo; Saúde da mulher; Período pós-parto; Saúde da população negra; Negros; Fatores raciais

Resumen

Objetivo

Identificar la raza/color autodeclarado por mujeres con 60 días de posparto, identificar la prevalencia de indicios de trastorno depresivo en esas mujeres y verificar la relación entre los indicios de trastorno depresivo y el ítem raza/color autodeclarado.

Métodos

Estudio transversal realizado en un municipio del interior paulista. Para la recopilación de datos, se utilizó un instrumento con datos sociodemográficos y la Escala de Depresión Posnatal de Edimburgo. Para analizar los datos se utilizó el Statistical Package for Social Sciences, SPSS, versión 17.0.

Resultados

Participaron en el estudio 186 mujeres, el 60,8 % declararon ser de color pardo, el 24,2 % presentó indicios de trastorno depresivo y, entre ellas, el 81,7 % era de raza negra. Los indicios de trastorno depresivo se relacionaron a las variables: número de hijos (p=0,006), embarazo planeado (p=0,04) y tipo de parto (p< 0,001).

Conclusión

Los resultados de este estudio contribuyen para una mayor visibilidad del tema de salud mental de las mujeres, específicamente de mujeres negras, ya que, aunque no se haya identificado una relación significativa entre las que presentaron indicios de trastorno depresivo, la mayoría era de raza negra.

Trastorno depresivo; Salud de la mujer; Periodo posparto; Salud de las minorías étnicas; Negros; Factores raciales

Abstract

Objective

To identify the race/color self-reported by women 60 days postpartum; to identify the prevalence of signs of depressive disorder among these women and to verify the association between signs of depressive disorder and the self-reported race/color.

Methods

Cross-sectional study carried out in a noncapital city in the state of São Paulo. An instrument with sociodemographic data and the Edinburgh Postnatal Depression Scale were used for data collection. Data was analyzed using the Statistical Package for Social Sciences, SPSS, version 17.0.

Results

A total of 186 women participated in this study, 60.8% reported being brown, 24.2% had signs of depressive disorder and, among these, 81.7% were black. Signs of depressive disorder were associated with the variables: number of children (p=0.006), planned pregnancy (p=0.04) and type of delivery (p< 0.001).

Conclusion

The results of this study contribute to greater visibility of the issue of women’s mental health, specifically of black women, because even though no significant association was identified among those who showed signs of depressive disorder, most were black.

Depressive disorder; Women´s health; Postpartum period; Health of ethnic minorities; Blacks; Race factors

Introdução

O período pós-parto é caracterizado pelo retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, quando ocorrem mudanças biológicas e também psicológicas e emocionais.(11. Cantilino A, Zambaldi CF, Sougey EB, Rennó Junior J. Transtornos psiquiátricos no pós-parto. Arch Clin Psychiatry. 2010;37(6):288–94.)Essas mudanças aumentam os riscos de complicações que, se não forem identificadas e tratadas, podem levar à morbidade e mortalidade maternas por causas evitáveis.(22. Santos FA, Brito RS, Mazzo MH. Puerpério e revisão pós-parto: significados atribuídos pela puérpera. Rev Min Enferm. 2013;17(4):859–63.)

Especificamente no que tange às mudanças psicológicas e emocionais, as diferentes situações vividas pela mulher após o parto, como a adaptação ao papel materno quando primípara, a preocupação e a responsabilidade com o filho, a privação de sono e o isolamento social, aumentam os riscos para o adoecimento por transtornos mentais.(11. Cantilino A, Zambaldi CF, Sougey EB, Rennó Junior J. Transtornos psiquiátricos no pós-parto. Arch Clin Psychiatry. 2010;37(6):288–94.) Dentre estes, destaca-se o transtorno depressivo, ou depressão pós-parto, que é caracterizado como qualquer episódio depressivo após o parto, geralmente iniciado entre duas semanas até três meses pós-parto, e a mulher pode apresentar humor deprimido, perda de interesse pelas atividades cotidianas, mudança de apetite, alteração do padrão de sono, cansaço excessivo, sentimento de culpa, dificuldade de concentração e até mesmo ideação suicida.(22. Santos FA, Brito RS, Mazzo MH. Puerpério e revisão pós-parto: significados atribuídos pela puérpera. Rev Min Enferm. 2013;17(4):859–63.)

A depressão pós-parto (DPP) afeta aproximadamente de 10 a 15% das mulheres no mundo,(33. Postpartum Depression: Action Towards Causes and Treatment (PACT) Consortium. Heterogeneity of postpartum depression: a latent class analysis. Lancet Psychiatry. 2015;2(1):59–67.) entretanto, observa-se maior prevalência em países em desenvolvimento, variando de 19 a 25%(44. Gelaye B, Rondon MB, Araya R, Williams MA. Epidemiology of maternal depression, risk factors, and child outcomes in low-income and middle-income countries. Lancet Psychiatry. 2016;3(10):973–82.). No Brasil, a prevalência de DPP varia de 10,8 até 42,8%.(55. Hahn-Holbrook J, Cornwell-Hinrichs T, Anaya I. Economic and health predictors of national postpartum depression prevalence: a systematic review, meta-analysis, and meta-regression of 291 studies from 56 countries. Front Psychiatry. 2018;8:248.)Os fatores de risco identificados foram: histórico familiar ou pessoal de depressão, pouco suporte social e financeiro, dificuldades no relacionamento conjugal, baixa autoestima, complicações obstétricas, relação conflituosa com a mãe e gravidez não desejada.(22. Santos FA, Brito RS, Mazzo MH. Puerpério e revisão pós-parto: significados atribuídos pela puérpera. Rev Min Enferm. 2013;17(4):859–63.)

No Reino Unido, estima-se o custo de 8,1 bilhões de euros anualmente destinados ao tratamento de casos de depressão perinatal, ansiedade e psicose materna.(66. Jones I. Post-partum depression-a glimpse of light in the darkness? Lancet. 2017;390(10093):434–5.) Entretanto, em países em desenvolvimento, em razão da escassez crônica e limitação de recursos financeiros e humanos, a DPP é usualmente subdiagnosticada e subtratada, possivelmente em virtude do direcionamento e prioridade das políticas públicas para prevenção da mortalidade materna relacionada às complicações obstétricas,(44. Gelaye B, Rondon MB, Araya R, Williams MA. Epidemiology of maternal depression, risk factors, and child outcomes in low-income and middle-income countries. Lancet Psychiatry. 2016;3(10):973–82.) além da dupla carga de doenças transmissíveis e não transmissíveis, que resultam na negligência da saúde mental.(77. Atif N, Lovell K, Rahman A. Maternal mental health: the missing “m” in the global maternal and child health agenda. Semin Perinatol. 2015;39(5):345–52.)

Além desses fatores, na atualidade as diferenças étnico-raciais e de gênero estão sendo consideradas no contexto da saúde e especificamente na saúde mental, pois podem aumentar os transtornos mentais e interferir no direito à saúde mental dos indivíduos, o que remete à reflexão sobre o racismo institucional, que ocorre quando uma organização, que deveria promover um serviço apropriado e profissional para qualquer pessoa, passa a distinguir essas pessoas por sua cor, cultura ou origem étnica.(88. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. 3rd ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [citado 2022 Jun 24]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf
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) Muitas vezes, essa distinção não ocorre de forma explícita, causando um desconforto maior, pois quem é acometido não encontra acesso a recursos adequados para identificar e se posicionar contra tal ato.(99. Kalckmann S, Santos CG, Batista LE, Cruz VM. Racismo institucional: um desafio para a equidade no SUS? Saude Soc. 2007;16(2):146–55.)

Segundo o Ministério da Saúde, o racismo institucional é frequentemente observado nos serviços de saúde, podendo apresentar-se à população negra na forma de óbitos precoces, nas altas taxas de mortalidade materna e infantil, na maior incidência e prevalência de doenças crônicas e infecciosas e também nos altos índices de violência urbana, comparando-se com a população branca.(88. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. 3rd ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [citado 2022 Jun 24]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf
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) Com base nesses conceitos, a relação entre as características raciais e a prevalência aumentada de transtornos mentais pode ser explicada em virtude da exposição ao estresse gerado por posições socioeconômicas desfavoráveis e principalmente por experiências de discriminação racial.(1010. Turner RJ, Avison WR. Status variations in stress exposure: implications for the interpretation of research on race, socioeconomic status, and gender. J Health Soc Behav. 2003;44(4):488–505.)

Já no âmbito das questões de gênero, a literatura científica mostra que mulheres, em geral, possuem uma condição de saúde pior quando comparada à dos homens, apresentam maior prevalência de doenças crônicas e transtornos mentais,(1111. Cobo B, Cruz C, Dick PC. Gender and racial inequalities in the access to and the use of Brazilian health services. Cien Saude Colet. 2021;26(9):4021–32.) embora elas possuam uma taxa menor de mortalidade.(1212. World Health Organization (WHO). World Health Statistics Overview 2019. World health statistics 2019: monitoring health for the SDGs, sustainable development goals. Geneva: WHO; 2019 [cited 2022 Jun 9]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565707
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)Isto se deve principalmente a fatores relacionados à estrutura social e determinantes psicossociais que contribuem para o padrão de doenças nas mulheres, enquanto os determinantes comportamentais (como risco à saúde) contribuem mais para o padrão de doença nos homens.(1111. Cobo B, Cruz C, Dick PC. Gender and racial inequalities in the access to and the use of Brazilian health services. Cien Saude Colet. 2021;26(9):4021–32.)

Nesse sentido, a análise interseccional de diversas variáveis pode contribuir para maior compreensão dos aspectos da saúde. A proposta de interseccionar variáveis possibilita a compreensão sobre como cada aspecto da vida do indivíduo, analisado em conjunto, pode proporcionar diversas experiências sociais.(1313. Akotirene C. Interseccionalidade. 2ª edição. São Paulo. Sueli Carneiro; Pólen; 2019. 152 p.) Assim, a análise interseccional apresenta-se como a interação entre as estruturas sociais relacionadas aos marcadores indentitários de cada indivíduo.(1313. Akotirene C. Interseccionalidade. 2ª edição. São Paulo. Sueli Carneiro; Pólen; 2019. 152 p.) Por exemplo, mulheres negras que vivenciam o sexismo e o racismo cotidianamente não conseguem exercer plenamente o seu direito à saúde mental por estarem em situação desfavorável.(1414. Silva IP, Chai CG. As relações entre racismo e sexismo e o direito à saúde mental da mulher negra brasileira. Rev Polít Públicas. 2018;22:987–1006.)

Com base no exposto, a presente pesquisa visa ao aprofundamento da temática da depressão pós-parto, de maneira que sejam consideradas as diferenças étnico-raciais que podem levar à exclusão e desigualdades no sistema de saúde. O estudo justifica-se, pois a utilização do quesito raça/cor como categoria de análise pode gerar informações importantes que contribuirão para a qualificação dos serviços em saúde, visto que pesquisas que trazem os dados étnico-raciais possibilitam a elaboração, implantação e avaliação de políticas públicas que promovem a igualdade racial.(1515. Silva NG, Barros S, Azevedo FC, Batista LE, Policarpo VC. The race/color variable in studies of characterization of the users of Psychosocial Care Centers. Saude Soc. 2017;26(1):100–14.)

Dessa forma, este estudo tem como objetivos: identificar a raça/cor autorreferida por mulheres com 60 dias de pós-parto; identificar a prevalência do indicativo de transtorno depressivo nessas mulheres e verificar a associação entre o indicativo de transtorno depressivo e o quesito raça/cor autorreferida.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal(1616. Hochman B, Nahas FX, Oliveira Filho RS, Ferreira LM. Desenhos de pesquisa. Acta Cir Bras. 2005;20(Suppl 2):2–9.) desenvolvido em um município de grande porte do interior paulista.

A população de referência do estudo foi constituída por mulheres com 60 dias de pós-parto que acompanhavam seus filhos na consulta de puericultura de rotina, em uma Unidade Básica de Saúde, selecionada para o estudo por apresentar o maior número de nascidos vivos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no município, em 2018. O cálculo amostral foi realizado com informações do Relatório Anual de 2018 da referida unidade e de pesquisa anterior envolvendo a saúde mental (indicativos de transtorno depressivo).(1717. Fonseca-Machado MO, Alves LC, Monteiro JC, Stefanello J, Nakano AM, Haas VJ, et al. Depressive disorder in pregnant Latin women: does intimate partner violence matter? J Clin Nurs. 2015;24(9-10):1289–99.)As mulheres foram selecionadas para participar do estudo por amostragem aleatória simples. Com base no cálculo amostral realizado, considerando erro amostral de 5%, nível de confiança de 95% e perda prevista de 10%, foi calculada uma amostra mínima de 150 mulheres, a qual atingiu 186 participantes. Essas mulheres foram selecionadas seguindo os critérios de inclusão: maiores de 18 anos, com filhos que nasceram com idade gestacional a termo. Os critérios de exclusão foram: mulheres com filhos com patologias que necessitavam de cuidados especiais e acompanhamento que não fosse o de rotina, e mulheres com deficiência auditiva, visual ou cognitiva.

Assim, aquelas que preencheram os critérios de inclusão estabelecidos foram convidadas a participarem do estudo. Nessa ocasião, a pesquisa foi apresentada e foram realizados os esclarecimentos sobre a coleta de dados, considerando-se o momento anterior ou após a consulta do 2° mês de vida da criança como ideal para a abordagem dessas mulheres.

Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos. O primeiro instrumento foi construído e elaborado pelas pesquisadoras, fundamentado na literatura científica nacional e internacional e em pesquisas anteriores realizadas pelas mesmas. Contemplou dados de identificação e características sociodemográficas e obstétricas das mulheres participantes do estudo, contendo também informações sobre raça/cor autorreferida de acordo com o sistema classificatório brasileiro. Esse sistema classificatório é utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e emprega cinco categorias de raça/cor: branca, preta, parda, amarela e indígena, sendo que a população negra brasileira é constituída a partir da agregação dos sujeitos que se autodeclaram pretos e pardos.(1818. Petruccelli JL. Autoidentificação, identidade étnico-racial e heteroclassificação. In: Petruccelli JL, Saboia AL, editors. Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2013. p 31.)

O segundo instrumento foi a Escala de Depressão Pós-Natal de Edimburgo (Edinburgh Postnatal Depression Scale – EPDS): instrumento de domínio público e já validado no Brasil, de fácil utilização e interpretação, podendo ser aplicada por profissionais de saúde ou ainda utilizada de forma autoaplicável.(1919. Santos MF, Martins FC, Pasqual L. Escala de auto-avaliação de depressão pós-parto: estudo no Brasil. Arch Clin Psychiatry. 1999;26(2):90–5.)Na presente pesquisa, foi utilizada de forma autoaplicável, sem a interferência das pesquisadoras. É composto por uma escala de 10 itens que analisa a presença e intensidade de sintomas depressivos nos últimos sete dias. A somatória dos pontos de cada questão perfaz um escore mínimo de zero e máximo de 30. O ponto de corte maior ou igual a 13 pontos tem alto valor preditivo indicativo de transtorno depressivo.(2020. Hewitt C, Gilbody S, Brealey S, Paulden M, Palmer S, Mann R, et al. Methods to identify postnatal depression in primary care: an integrated evidence synthesis and value of information analysis. Health Technol Assess. 2009;13(36):1–145.)

Quando a mulher participante apresentou algum indicativo de transtorno depressivo, este fato foi devidamente comunicado à enfermeira e/ou médico da unidade de saúde, conforme acordo firmado anteriormente ao início da pesquisa com a gerente da unidade, como parte do protocolo do estudo. Esse acordo foi assumido para que essas mulheres fossem acompanhadas conforme a avaliação da instituição (atendimento pelo psicólogo da unidade, encaminhamento ao serviço específico da rede municipal de saúde, ou ainda atendimento imediato por algum profissional da unidade).

Antes da coleta de dados, foi realizado um estudo piloto, com a finalidade de operacionalizar o trabalho, sendo que os dados coletados no estudo piloto não foram excluídos, pois não houve alteração que comprometesse a validação dos dados coletados.

Os dados foram armazenados em uma planilha eletrônica estruturada no Microsoft Excel, por meio de dupla digitação, e analisados por meio do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences, SPSS, versão 17.0. A caracterização das participantes foi baseada na estatística descritiva, com a apresentação das frequências absolutas e relativas e, para as variáveis quantitativas, foram calculadas as médias e medianas, desvios-padrão, mínimo e máximo, indicando a variabilidade dos dados. Para a análise de associação entre as variáveis de interesse, foi utilizado o Teste Exato de Fisher. Para todas as análises, foi considerado um nível de significância de 5%.

O estudo foi autorizado pela Secretaria de Saúde do município estudado e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa vinculado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde, com protocolo CAAE: nº 9 2340718.0.0000.5393, no dia 03 de julho de 2019.

Resultados

Fizeram parte deste estudo 186 mulheres, sendo que a média de idade foi de 26,26 anos (desvio-padrão de 6,25), com idade mínima de 18 anos e idade máxima de 47 anos. A tabela 1 apresenta a distribuição das participantes segundo as características sociodemográficas. Para a variável renda, dentre as participantes, apenas 157 optaram por responder a essa questão. Identificou-se que a maioria referiu ser de cor parda (60,8%), que compõe a raça negra. A tabela 2 apresenta a distribuição das mulheres segundo as características obstétricas. Observa-se que a maior porcentagem de mulheres teve apenas uma gestação (35,5 %), um parto (41,4%), nenhum aborto (82,3%), um filho vivo (41,9%) e não tinha planejado a gestação atual (51,6%). A maioria das mulheres teve parto normal (62,9%).

Tabela 1
Distribuição das mulheres participantes do estudo segundo raça/cor autorreferida, escolaridade, religião, ocupação, estado marital, auxílio com cuidados do bebê e renda familiar em reais

Tabela 2
Distribuição das mulheres participantes do estudo segundo número de gestações, número de partos, número de abortos, número de filhos vivos, planejamento da gestação atual e tipo de parto

Quanto à prevalência do transtorno depressivo nas participantes, verificou-se que 45 delas (24,2%) apresentaram indicativo deste tipo de transtorno. A associação entre o indicativo de transtorno depressivo e as características sociodemográficas e obstétricas, incluindo o quesito raça/cor autorreferido pelas mulheres, está apresentada na tabela 3.

Tabela 3
Associação entre o indicativo de transtorno depressivo e as variáveis sociodemográficas e obstétricas selecionadas

Dentre as 45 participantes que apresentaram o indicativo de transtorno depressivo, 81,7% eram da raça negra, ou seja, pretas ou pardas. Não houve resultado estatisticamente significativo para a associação entre essas variáveis, embora a maioria com indicativo de transtorno depressivo seja da raça negra. Além disso, a tabela 3 mostra também a associação do indicativo de transtorno depressivo e outras variáveis sociodemográficas e obstétricas. O indicativo de transtorno depressivo apresentou associação estatisticamente significativa com as variáveis: número de filhos, gestação planejada e tipo de parto. Ou seja, as mulheres com três filhos ou mais (p = 0,006), que não planejaram a gestação (p=0,04) e que tiveram cesárea (p< 0,001) foram mais propensas a apresentarem indicativo de transtorno depressivo do que as mulheres com um ou dois filhos, que planejaram a gestação e que tiveram parto normal. As demais variáveis sociodemográficas e obstétricas não apresentaram resultados estatisticamente significativos quando associadas com o indicativo de transtorno depressivo.

Discussão

Fizeram parte deste estudo 186 mulheres, dentre elas, 138 pertencentes à raça negra, ou seja, pretas e pardas, corroborando dados nacionais que evidenciam que a maioria das mulheres brasileiras é negra (51,8 %) assim como a maioria da população brasileira que corresponde a 54% de pessoas negras.(2121. Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [citado 2022 Jun 24]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf
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,2222. Theme Filha MM, Ayers S, da Gama SG, Leal MC. Factors associated with postpartum depressive symptomatology in Brazil: the Birth in Brazil National Research Study, 2011/2012. J Affect Disord. 2016;194:159–67.)

O presente estudo identificou que 24,2% das participantes apresentaram indicativo de transtorno depressivo, sendo que a maioria delas são mulheres da raça negra. Em uma revisão sistemática da literatura que incluiu pesquisas de 40 países, foi possível observar que as taxas de prevalência de transtorno depressivo possuem uma grande variedade no mundo, podendo ser de 0% a 60%.(2323. Halbreich U, Karkun S. Cross-cultural and social diversity of prevalence of postpartum depression and depressive symptoms. J Affect Disord. 2006;91(2-3):97–111.) Foi possível observar que, em países como Dinamarca, Cingapura e Malta, há uma quantidade menos expressiva de relatos ou sintomas de depressão pós-parto, comparado com países como Brasil, África do Sul, Itália e Chile. Essa diferença está relacionada às diversas metodologias dos estudos, às características sociais, culturais e econômicas de cada região. Cabe ressaltar que os estudos mais citados na referida revisão foram realizados em países ocidentais economicamente desenvolvidos.(2323. Halbreich U, Karkun S. Cross-cultural and social diversity of prevalence of postpartum depression and depressive symptoms. J Affect Disord. 2006;91(2-3):97–111.)Logo, o desenvolvimento de transtorno depressivo no puerpério está relacionado a diversos fatores ambientais, sociais e emocionais ligados ao indivíduo e sua coletividade, o que demonstra a importância do presente estudo que considera a realidade de mulheres atendidas localmente no município estudado.

A associação entre o quesito raça/cor autorreferida e o indicativo de transtorno depressivo não mostrou resultado estatisticamente significativo, embora seja evidente que a maioria das mulheres que apresenta esse indicativo é pertencente à população negra. Diferentemente do presente estudo, trabalho anterior mostrou que há forte associação estatística entre o indicativo de transtorno depressivo e raça/cor no Brasil, apontando que 28,4% das mulheres pardas apresentam risco significativo para o transtorno depressivo no período puerperal.(2222. Theme Filha MM, Ayers S, da Gama SG, Leal MC. Factors associated with postpartum depressive symptomatology in Brazil: the Birth in Brazil National Research Study, 2011/2012. J Affect Disord. 2016;194:159–67.) Além do estudo anterior, pesquisa realizada em Salvador, BA, aponta a associação do indicativo de transtorno depressivo em puérperas negras do estado, onde 19,8% foram identificadas com o indicativo de transtorno depressivo, e a maioria delas (90%) era preta e parda; contudo, a relação significativa foi verificada apenas entre aquelas mulheres que eram pretas (46,7%).(2424. Araújo IS, Aquino KS, Fagundes LK, Santos VC. Postpartum depression: epidemiological clinical profile of patients attended in a reference public maternity in Salvador-BA. Rev Bras Ginecol Obstet. 2019;41(3):155–63.)

Considera-se que países com maior desigualdade na distribuição de riqueza apresentam maiores índices de DPP, uma vez que a renda per capita é inversamente associada com a prevalência de DPP; também a jornada de trabalho superior a 40 horas semanais de mulheres jovens representa um preditor econômico de DPP.(55. Hahn-Holbrook J, Cornwell-Hinrichs T, Anaya I. Economic and health predictors of national postpartum depression prevalence: a systematic review, meta-analysis, and meta-regression of 291 studies from 56 countries. Front Psychiatry. 2018;8:248.) Adicionalmente, países com elevadas taxas de mortalidade materno-infantil e maiores taxas de fecundidade apresentam maiores índices de DPP.(55. Hahn-Holbrook J, Cornwell-Hinrichs T, Anaya I. Economic and health predictors of national postpartum depression prevalence: a systematic review, meta-analysis, and meta-regression of 291 studies from 56 countries. Front Psychiatry. 2018;8:248.)

Em países em desenvolvimento, a DPP resulta da interação com baixas condições socioeconômicas, problemas interpessoais e eventos adversos da vida.(77. Atif N, Lovell K, Rahman A. Maternal mental health: the missing “m” in the global maternal and child health agenda. Semin Perinatol. 2015;39(5):345–52.) Ademais, nota-se uma prevalência maior da doença em mulheres do que em homens, 5,5% e 3,2%, respectivamente. Esse fato é relacionado, na literatura, com as mudanças que ocorrem nas questões fisiológicas das mulheres, no período da menarca e após ela, já que a prevalência da doença antes desse período é similar à dos homens; além disso, as iniquidades de gênero existentes nas sociedades também influenciam a saúde mental das mulheres.(2525. Albert PR. Why is depression more prevalent in women? J Psychiatry Neurosci. 2015;40(4):219–21.) Entre os fatores de risco para DPP, destacam-se: abuso durante a infância, violência doméstica, baixo nível educacional materno, baixas condições socioeconômicas durante a gestação, carência de suporte social, histórico de transtornos mentais,(44. Gelaye B, Rondon MB, Araya R, Williams MA. Epidemiology of maternal depression, risk factors, and child outcomes in low-income and middle-income countries. Lancet Psychiatry. 2016;3(10):973–82.)desemprego, baixo empoderamento feminino, instabilidade marital e baixo suporte do parceiro, divórcio, gestação não planejada, história de perdas fetais e luto.(77. Atif N, Lovell K, Rahman A. Maternal mental health: the missing “m” in the global maternal and child health agenda. Semin Perinatol. 2015;39(5):345–52.) Entre outros fatores, destacam-se ansiedade e altos níveis de estresse percebido durante a gestação, idade jovem, uso de tabaco, complicações obstétricas, baixo peso ao nascimento, recém-nascidos com sintomas de doenças no período de 4 a 6 semanas pós-parto e uso de fórmulas artificiais.(2626. Guimarães FJ, Santos FJ, Leite AF, Holanda VR, Sousa GS, Perrelli JG. Enfermedad mental en mujeres embarazadas. Enferm Glob. 2019;18(53):499–534.)

Somam-se a esses fatores as questões de raça, já que, como mencionado anteriormente, considera-se aqui o teor social desse conceito, remetendo ao racismo estrutural.(88. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. 3rd ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [citado 2022 Jun 24]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf
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) Dessa forma, no que se refere à saúde mental de pessoas negras, o racismo é responsável, em grande parte, pelas altas prevalências de Transtornos Mentais Comuns em pessoas negras, pois é um fator de impacto reconhecido para o adoecimento psíquico.(2626. Guimarães FJ, Santos FJ, Leite AF, Holanda VR, Sousa GS, Perrelli JG. Enfermedad mental en mujeres embarazadas. Enferm Glob. 2019;18(53):499–534.)Em revisão sistemática sobre transtornos mentais e raça/cor, foi identificado que sintomas de depressão acometeram mais mulheres negras (52,8%) do que mulheres brancas (42,3%).(2727. Smolen JR, Araújo EM. Race/skin color and mental health disorders in Brazil: a systematic review of the literature. Cien Saude Colet. 2017;22(12):4021–30.)Por esse motivo, é importante ressaltar a necessidade de agregar às pesquisas científicas sobre saúde mental as dimensões étnico-raciais e de gênero, uma vez que a literatura tem mostrado essa relação, porém a dimensão étnico-racial tem sido pouco considerada em grupos específicos, como é o caso de mulheres no período pós-parto.(2828. Martins TV, Lima TJ, Santos WS. Effects of gendered racial microaggressions on the mental health of black women. Cien Saude Colet. 2020;25(7):2793–802.) Nesse sentido é que a análise interseccional deve ser valorizada, visto que a análise de gênero não pode ser considerada isoladamente, sem abarcar raça, classe, sexualidade, nacionalidade e outros marcadores identitários, pois essas relações e entrelaçamentos precisam ser reconhecidos e estabelecidos para a compreensão da complexidade das pessoas e suas condições de vida,(2929. Davis A. A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo; 2018. 144 p.,3030. Davis A. Gênero, raça e classe. São Paulo: Boitempo; 2016. 248 p.) o que aponta para a necessidade de aprofundamento da temática do presente estudo.

Ainda nessa lógica, salienta-se, neste estudo, a associação estatisticamente significativa entre o indicativo de transtorno depressivo e as variáveis obstétricas, número de filhos, planejamento da gestação e tipo de parto.

Assim, entre as participantes do estudo, aquelas que tinham três filhos ou mais se apresentaram mais propensas para o indicativo de transtorno depressivo positivo do que as mulheres com um ou dois filhos. Esses achados são diferentes de um estudo desenvolvido no Quênia que aponta que há maior prevalência do indicativo de transtorno depressivo em mulheres que possuem dois filhos em comparação àquelas que com três filhos ou mais.(3131. Ongeri L, Wanga V, Otieno P, Mbui J, Juma E, Stoep AV, et al. Demographic, psychosocial and clinical factors associated with postpartum depression in Kenyan women. BMC Psychiatry. 2018;18(1):318.)No Brasil, um estudo identificou risco aumentado para transtorno depressivo em puérperas que tinham mais filhos quando comparadas com as primíparas, sendo que puérperas com até dois filhos tiveram 1,58 vezes mais chance de desenvolverem o transtorno, e puérperas com três ou mais filhos tinham essas chances aumentadas para 1,95.(2222. Theme Filha MM, Ayers S, da Gama SG, Leal MC. Factors associated with postpartum depressive symptomatology in Brazil: the Birth in Brazil National Research Study, 2011/2012. J Affect Disord. 2016;194:159–67.)As multíparas podem ter maior preocupação em termos do impacto da gravidez na estrutura familiar, quanto à relação com o parceiro, com os filhos mais velhos e quanto à questões financeiras.(3232. Simas FB, Souza LV, Scorsolini-Comin F. Significados da gravidez e da maternidade: discursos de primíparas e multíparas. Psicol Teor Prat. 2013;15(1):19–34.)Contudo, é importante destacar que os diferentes contextos das mulheres no pós-parto, sejam elas multíparas ou primíparas, fazem com que elas necessitem de uma nova reorganização de suas vidas quando têm filhos, de forma que nem sempre essa transição para a maternidade seja saudável.(3333. Demarchi RF, Nascimento VF, Borges AP, Terças AC, Grein TA, Baggio E. Perception of pregnant women and primiparous puérperas on maternity. J Nurs UFPE On Line. 2017;11(7):2663-73.)Dessa forma, é relevante entender a experiência de ser mãe, pois a maternidade pode estar carregada de insegurança, conflitos e inexperiência, principalmente com relação aos cuidados com o bebê,(3232. Simas FB, Souza LV, Scorsolini-Comin F. Significados da gravidez e da maternidade: discursos de primíparas e multíparas. Psicol Teor Prat. 2013;15(1):19–34.) o que pode gerar conflitos emocionais.

No presente estudo, as mulheres que não planejaram a gestação (64,4%) apresentaram indicativo de transtorno depressivo. Não planejar a gestação pode acarretar má aceitação da gravidez, aumento nas taxas de morbimortalidade materno-infantil, além de representar um risco aumentado para transtornos mentais.(3434. Gipson JD, Koenig MA, Hindin MJ. The effects of unintended pregnancy on infant, child, and parental health: a review of the literature. Stud Fam Plann. 2008;39(1):18–38.) No Rio Grande do Sul, estudo mostrou que o planejamento da gestação pode reduzir em 30% o risco de se desenvolver o transtorno depressivo durante o puerpério, sendo o planejamento gestacional um fator de proteção contra esse transtorno.(3535. Hartmann JM, Mendoza-Sassi RA, Cesar JA. Depressão entre puérperas: prevalência e fatores associados. Cad Saude Publica. 2017;33(9):e00094016.) Uma pesquisa nacional identificou que 80% (n=151) das mulheres que apresentaram o indicativo para transtorno depressivo no pós-parto não haviam planejado sua gestação,(2323. Halbreich U, Karkun S. Cross-cultural and social diversity of prevalence of postpartum depression and depressive symptoms. J Affect Disord. 2006;91(2-3):97–111.) corroborando os resultados do presente estudo.

Considerando o tipo de parto, nossos resultados revelaram que 100% das mulheres que tiveram o indicativo de transtorno depressivo foram submetidas à cesariana. Uma metanálise desenvolvida com 28 estudos de diferentes lugares do mundo confirmou que há relação entre o procedimento cesariana e o transtorno depressivo em puérperas, mesmo considerando os diferentes delineamentos e os diferentes ajustes dos estudos relacionados às complicações durante a gravidez.(3636. Xu H, Ding Y, Ma Y, Xin X, Zhang D. Cesarean section and risk of postpartum depression: A meta-analysis. J Psychosom Res. 2017;97:118–26.) Estudo realizado em Botucatu, SP, também evidenciou a relação de mulheres que foram submetidas ao procedimento de cesariana com o indicativo de transtorno depressivo no puerpério, sendo que essas mulheres têm duas vezes mais chance de desenvolverem esse transtorno.(3737. Poles MM, Carvalheira AP, Carvalhaes MA, Parada CM. Maternal depressive symptoms during immediate postpartum: associated factors. Acta Paul Enferm. 2018;31(4):351–8.) Além disso, os riscos pós-cirúrgicos, como infecção, hemorragia pós-parto, lesão no ureter e bexiga, ruptura uterina, dor pélvica crônica e disfunção gastrointestinal, podem elevar o estresse da puérpera, causando danos psicológicos e, assim, aumentando o risco para o transtorno depressivo.(3737. Poles MM, Carvalheira AP, Carvalhaes MA, Parada CM. Maternal depressive symptoms during immediate postpartum: associated factors. Acta Paul Enferm. 2018;31(4):351–8.)Essas evidências são condizentes com os resultados do presente estudo e chamam a atenção para que essas mulheres que tiveram cesarianas recebam uma assistência adequada para passarem pelo período pós-parto, minimizando os riscos para o transtorno depressivo.

Ampliar a temática desse estudo para a sociedade implica em reconhecer as intersecções dos marcadores identitários, como estes se cruzam, se conectam e se sobrepõem, o que é um aprendizado e requer desconstrução e construção constantes dos nossos valores e de como entendemos a sociedade.(2929. Davis A. A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo; 2018. 144 p.)Assim, refletindo sobre a saúde física e mental de mulheres que passam pelo período pós-parto, destacamos a importância do acesso dessa população ao sistema de saúde, já que as dificuldades em acessar principalmente os serviços preventivos impactam negativamente a qualidade de vida das pessoas. Considerando as especificidades da população negra e principalmente das mulheres negras, que sofrem com inúmeras situações de iniquidade em saúde e em outros setores, evidências apontam que as potencialidades e fragilidades no acesso à saúde sinalizam para a relevância da educação dos profissionais que irão atender essa população e o fortalecimento de políticas públicas voltadas para a discriminação positiva, de forma a favorecer o atendimento digno a essa população.(3838. Silva NN, Favacho VB, Boska GA, Andrade ED, Merces NP, Oliveira MA. Access of the black population to health services: integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180834.) Nessa perspectiva, é importante ressaltar que o fortalecimento de estratégias como a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e outras políticas de promoção da igualdade racial são imprescindíveis para garantir a promoção à saúde integral da população negra e reduzir as desigualdades étnico-raciais e o racismo nas instituições e serviços do SUS.

Considera-se como limitação da presente pesquisa a indisponibilidade para o acompanhamento dos desfechos e encaminhamentos de saúde das participantes que foram identificadas com o indicativo de transtorno depressivo. Além disso, a coleta de dados realizada em uma única unidade de saúde, mesmo que justificada pelo maior número de nascidos vivos do município, impossibilita a generalização dos dados, o que foi também considerado como uma limitação.

Conclusão

O estudo mostrou que a maioria das participantes era da raça negra e 24,2% do total apresentou indicativo de transtorno depressivo, sendo que, dentre elas, a maioria era negra (pretas ou pardas). Apesar dessa constatação, o indicativo de transtorno depressivo não apresentou associação estatisticamente significativa com a variável quesito raça/cor. Esse indicativo esteve associado com as variáveis: número de filhos, planejamento da gestação e tipo de parto. Os resultados deste estudo contribuem para maior visibilidade da temática de saúde mental das mulheres, em geral, e especificamente das mulheres negras, permitindo a reflexão e discussão sobre a maior presença de mulheres negras como usuárias dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e também sobre a maior porcentagem de mulheres negras que apresentam o indicativo de transtorno depressivo no período pós-parto. Além disso, os resultados têm implicações importantes para a prática em saúde mental das mulheres, na medida em que fornece subsídios para maior atenção àquelas com maior número de filhos, sem planejamento da gestação e que tiveram cesárea, apontando para a necessidade de se criarem ações programáticas específicas e focadas na saúde mental das mulheres com essas condições, para que vivenciem a maternidade de forma mais saudável, minimizando possíveis riscos de transtorno mental.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Thiago da Silva Domingos. (https://orcid.org/0000-0002-1421-7468). Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2021
  • Aceito
    14 Jul 2022
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