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Análise das percepções docentes sobre currículo da Escola Paulista de Enfermagem

Análisis de las percepciones docentes sobre el diseño curricular de la Escola Paulista de Enfermagem

Resumo

Objetivo

Identificar o processo de mudança do ensino de enfermagem da Escola Paulista de Enfermagem, expondo as experiências de ensino, gestão e práticas pedagógicas.

Métodos

Estudo qualitativo, sob a perspectiva histórico-social e utilizando o método da História Oral Temática. Participaram seis docentes do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola Paulista de Enfermagem (EPE).

Resultados

Os resultados demonstram as percepções das docentes, as quais são descritas nas categorias relacionadas ao currículo escolar utilizado no curso de graduação em Enfermagem capaz de contemplar a integração de saberes e práticas presentes na rotina de trabalho. O currículo não pode ser entendido como um documento simples para a descrição de disciplinas escolares isoladas e fragmentadas, desvinculadas da prática profissional de enfermagem. Foi realizada a análise de conteúdo temática, resultando em três categorias.

Conclusão

As percepções sobre a organização e estrutura curricular permitiram elucidar como as mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais do país foram capazes de influenciar o processo de ensino da Graduação em Enfermagem entre 1980 e 2010. A EPE assumiu um papel social com a formação em enfermagem, utilizando o currículo para disseminar o conhecimento e delimitar o perfil de formação na escola.

Ensino; Educação; Educação em enfermagem; Educação Superior; Currículo; Docentes

Resumen

Objetivo

Identificar el proceso de cambio en la enseñanza de enfermería de la Escola Paulista de Enfermagem y mostrar las experiencias educativas, de gestión y prácticas pedagógicas.

Métodos

Estudio cualitativo, bajo la perspectiva histórica-social y con utilización del método de la historia oral temática. Participaron seis docentes de la carrera de Enfermería de la Escola Paulista de Enfermagem (EPE).

Resultados

Los resultados demuestran las percepciones de las docentes, que se describen en las categorías relacionadas con el diseño curricular escolar utilizado en la carrera de Enfermería, capaz de contemplar la integración de saberes y prácticas presentes en la rutina de trabajo. El diseño curricular no puede ser entendido como un documento simple para describir materias escolares aisladas y fragmentadas, desvinculadas de la práctica profesional de enfermería. Se realizó un análisis de contenido temático, que dio como resultado tres categorías.

Conclusión

Las percepciones sobre la organización y estructura curricular permitieron dilucidar cómo los cambios políticos, sociales, económicos y culturales del país fueron capaces de influir en el proceso educativo de la carrera de Enfermería entre 1980 y 2010. La EPE asumió un rol social con la formación en enfermería y utilizó el diseño curricular para propagar el conocimiento y definir el perfil de formación de la escuela.

Enseñanza; Educación; Educación en enfermería; Educación superior; Curriculum; Docentes

Abstract

Objective

To identify the process of change in nursing education at Escola Paulista de Enfermagem , exposing teaching, management and pedagogical practices experiences.

Methods

This is a qualitative study, from the historical-social perspective, using the Thematic Oral History method. We assessed six undergraduate nursing professors at Escola Paulista de Enfermagem (EPE).

Results

The results demonstrate professors’ perceptions, which are described in categories related to the school curriculum used in the undergraduate nursing course capable of contemplating the integration of knowledge and practices present in the work routine. The curriculum cannot be understood as a simple document for describing isolated and fragmented school subjects, disconnected from professional nursing practice. Thematic content analysis was performed, resulting in three categories.

Conclusion

Perceptions about curriculum organization and structure allowed us to show how political, social, economic and cultural changes in the country were able to influence the teaching process of undergraduate nursing course between 1980 and 2010. EPE took over a social role with nursing education, using the curriculum to disseminate knowledge and delimit the school’s education profile.

Teaching; Education; Nursing education; Education, higher; Curriculum; Faculty

Introdução

As práticas de formação em enfermagem são transformadas pelo desenvolvimento social, político e econômico de um país, que devem ser construídas por meio de diálogos baseados em concepções atinentes à realidade.( 11. Frota MA, Wermelinger MC, Vieira LJ, Ximenes Neto FR, Queiroz RS, Amorim RF. Mapeando a formação do enfermeiro no Brasil: desafios para ações em cenários complexos e globalizados. Cien Saude Colet. 2020;25(1):25-35.

2. Oliveira VA, Gazzinelli MF, Oliveira PP. Theoretical-practical articulation in a curriculum of a Nursing course a Articulação teórico-prática em um currículo de um curso de Enfermagem Articulación teórico-práctica en un currículo de un curso de Enfermería. Esc Anna Nery. 2020;24(3):e20190301.
- 33. Martini JG, Massaroli A, Lazzari DD, Luz JH. Currículos de cursos de graduação em enfermagem: revisão integrativa de literatura. Rev Pesqui Cuid Fundam Online. 2017;9(1):265-72. Review. )Esses aspectos são desafios educacionais a serem superados, cujas propostas pedagógicas estruturem novos processos de ensino qualificadores de professores e, ao mesmo tempo, proporcionem aprendizagem mais reflexiva e crítica aos estudantes.( 44. Jiménez-Gómez MA, Cárdenas-Becerril L, Velásquez-Oyola MB, Carrillo-Pineda M, Barón-Díaz LY. Reflective and critical thinking in nursing curriculum. Rev Lat Am Enfermagem. 2019;27:e3173. )

Para isso, é importante compreender o conceito de currículo escolar como sendo um instrumento facilitador da aprendizagem de conteúdos técnico-científicos específicos a serem adaptados às necessidades de ensino-aprendizagem. Ou seja, o currículo é um documento oficial, que descreve um programa abrangente capaz de responder às particularidades do percurso formativo, sempre acompanhando os avanços tecnológicos sem conflitar com os conhecimentos da formação em enfermagem.( 55. Bezerril MS, Chiavone FB, Lima JV, Vitor AF, Ferreira Júnior MA, Santos VE. Nursing education: a conceptual analysis of the evolutionary method of Rodgers. Esc Anna Nery 2018;22(4):e20180076. Review. )

O programa curricular da Escola Paulista de Enfermagem (EPE), a partir de 1962, foi pautado pelo Parecer nº 271 de 19 de outubro de 1962, que prescreveu o programa mínimo, estimulando os professores a repensar seu modelo de ensino.( 33. Martini JG, Massaroli A, Lazzari DD, Luz JH. Currículos de cursos de graduação em enfermagem: revisão integrativa de literatura. Rev Pesqui Cuid Fundam Online. 2017;9(1):265-72. Review. )

Em 1968, com a reforma universitária, a escola reorganizou o plano curricular. Posteriormente, em 1972, reformulou o currículo enfatizando os conteúdos disciplinares de Enfermagem em Saúde Pública. Seguiram-se, no decorrer dos anos seguintes, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996; e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), 2001, que orientaram a organização e estruturação do Plano Curricular e Projeto Político Pedagógico.( 66. Brasil. Presidência da República. Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no9.394, DE 20 de dezembro de 1996. Brasília (DF): Presidência da República; 1996 [citado 2020 Jul 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
)

Em 1977, devido ao processo de federalização da escola, a EPE foi incorporada à Escola Paulista de Medicina como um departamento, provocando a sua reorganização administrativa.( 77. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos de Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: UNIFESP; 2010. 280 p. )

Nesse sentido, procede compreender as especificidades dos programas curriculares e seus mecanismos transformadores do ensino de enfermagem, a fim de determinar as prioridades educacionais que foram direcionadas para a formação do enfermeiro nessa escola.

A escolha pelo objeto de pesquisa justifica-se por se reconhecer a sua importância como um espaço de referência para a formação de enfermeiros, desde 1939. O recorte temporal está entre 1980 e 2010, por se compreender que a escola sofreu transformações administrativas e educacionais devido às diferentes implementações de políticas públicas de saúde e educação.

Identificar o processo de mudança do ensino de enfermagem da Escola Paulista de Enfermagem, expondo as experiências de ensino, gestão e práticas pedagógicas realizadas no período de 1980 a 2010.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, utilizando o método História Oral Temática. A história oral relata a experiência de uma pessoa em determinado período e fenômeno, com o intuito de reconstruir acontecimentos, por meio da compreensão de suas memórias.( 88. Meihy JC, Holanda F. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto; 2007. 176 p. , 99. Padilha MI, Bellaguarda ML, Nelson S, Maia AR, Costa R. The use of sources in historical research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e2760017. )

O contexto escolhido foi a EPE, por se reconhecer a importância e relevância da escola para a construção do conhecimento técnico-científico na formação do enfermeiro. Para tanto, foram convidadas as enfermeiras-docentes de Graduação em Enfermagem que estiveram na escola em qualquer período entre 1980 e 2010. Foram identificadas 6 diretoras, 10 vice-diretoras e 3 coordenadoras de curso, que estiveram nesse período, entretanto, apenas seis enfermeiras aceitaram participar das entrevistas, sendo uma diretora de departamento (aposentada), uma vice-diretora de departamento, duas coordenadoras de curso e duas docentes com vínculo ativo nesta escola.

Os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para identificar essas enfermeiras foram empregados por meio da organização de comunidade de destino, com a seleção das diretoras e vice-diretoras da escola relacionadas na Galeria de Diretores; as coordenadoras de curso compuseram a colônia e foram identificadas por meio da relação presente na Secretaria de Graduação e; e as professoras, por meio da indicação da rede constituída.( 1010. Caldas FL. A memória construída: comunidade de destino, colônia e rede. Rondônia: EDUFRO; 2003. )

As entrevistas individuais foram realizadas após consentimento das convidadas e obedecendo aos preceitos éticos preconizados pela Resolução CNS nº 466/12 e com autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP/UNIFESP), por meio do Parecer Consubstanciado nº 4.359.027. Em seguida, as entrevistas foram transcritas, textualizadas e transcriadas e, conforme o percurso metodológico da história oral, apresentadas conforme as funções ocupadas no período do estudo.( 88. Meihy JC, Holanda F. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto; 2007. 176 p. )

Vale destacar que os relatos orais foram orientados por meio de um roteiro de entrevista com questões semiestruturas, realizados e gravados por meio da plataforma Google Meet , com duração média de 1 hora e 30 minutos, entre novembro de 2020 e maio de 2021, devido à condição de isolamento social imposta pela pandemia da COVID-19. Esse procedimento está fundamentado pelas orientações do CEP/UNIFESP e pelo Ofício Circular nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS de 24 de fevereiro de 2021.

A interpretação e inferência de cada relato foram realizadas por meio da Análise de Conteúdo de Bardin, que consiste na organização de sentido e significado extraídos em cada entrevista, identificando o “tom vital” da mensagem.( 1111. Bardin L. Análise de conteúdo. Edições 70; 1977. 288 p. )

Definiram-se três categorias, que reúnem os contextos analisados e interpretados em cada relato de entrevista e suscitam a reflexão sobre como foi o processo de mudança curricular e implantação do currículo na EPE.

Resultados

As experiências serão apresentadas nas categorias a seguir.

Aprimoramento da formação em enfermagem de acordo com a estrutura curricular

Destaca-se, inicialmente, que os relatos permitiram a reflexão sobre como se deram o avanço do mundo do trabalho, as formas de escolaridade e quais mecanismos influenciaram a construção do currículo. O currículo foi concebido por meio de debates entre os docentes sobre quais necessidades apontavam para uma atuação de enfermagem qualificada e competente. O modelo curricular, implantado nos anos 1990, era diferenciado e reafirmava o compromisso social da EPE com a profissão e o campo de trabalho. A preocupação dos docentes era desenvolver processos educativos capazes de formar enfermeiros com pensamento crítico e reflexivo.

Eu acho que o curso se preocupava muito com o profissional formado. Acho que o curso enfatizava muito os aspectos teóricos e práticos. Então, posso afirmar que o nosso nível de exigência para o estudante era muito alto. (Professora 1)

O currículo ocupa um espaço significativo para a formação de enfermeiros nesta escola. Representa uma perspectiva diferenciada para a aquisição e construção de novos conhecimentos e, assim, a característica marcante no aspecto pedagógico é a integração do ensino teórico-prático enfatizando o desenvolvimento das habilidades assistenciais.

O currículo era mais extenso e intenciona abordar todas as áreas da saúde e, com isso, o docente precisa também mudar. Ele não pode ser aquele que dá apenas o conteúdo e o estudante fica satisfeito com o que aprende. (Diretora de departamento)

As entrevistadas enfatizaram que os saberes da formação em enfermagem deveriam centrar-se nas etapas de evolução da carreira profissional e os conteúdos disciplinares precisariam acompanhar o grau de complexidade de cada período da formação.

O currículo tinha Enfermagem Obstétrica e Ginecológica, Enfermagem Clínica e Cirúrgica. Era um período em que o acadêmico tinha, num primeiro momento, toda a parte fundamental e depois entrava para parte específica. (Professora 2)

A EPE sempre valorizou a atuação e autonomia da enfermagem no mercado de trabalho e, por isso, o componente curricular Administração foi incluído no currículo. Ganhou maior espaço na formação escolar a partir da década de 90, devido à importância social do enfermeiro em realizar a liderança da assistência ao paciente e organização das instituições de saúde.

Para acompanhar as propostas curriculares e desenvolver processos educativos capazes de promover impactos profissionais de referência na área de enfermagem, a escola dedicou-se a oferecer ao estudante vasto campo de prática para aprimorar habilidades técnico-profissionais próximas à realidade assistencial, mesmo antes de inseri-lo no mundo do trabalho.

Uma outra percepção era que quem era formado pela escola tinha suas marcas. (Coordenadora de curso 1)

O funcionamento do curso de graduação em enfermagem da escola sempre teve um ritmo de aprendizado intenso, uma vez que a tendência curricular da formação era proporcionar a aquisição de conhecimentos de análise das questões sociais, políticas e econômicas presentes na sociedade. Esse tipo de currículo imprimiu um padrão específico para o desenvolvimento da aprendizagem e apropriação da identidade do enfermeiro.

A implantação do currículo na Escola Paulista de Enfermagem

Nesta categoria são apresentadas as percepções a respeito das atualizações curriculares do curso de graduação em enfermagem, que representaram momentos importantes para o avanço da escola. Os desdobramentos curriculares, advindos da implantação de um novo currículo, a partir da década de 90, imprimiram um novo contexto escolar e o modelo de ensino na escola se renovou. As entrevistadas mencionaram que, a cada nova atualização no currículo, a formação profissional reafirmava sua importância. Enfatizaram a flexibilidade das técnicas de aulas e os cenários de práticas como ferramentas motivadoras para promover um ensino mais significativo. As políticas públicas de saúde também foram responsáveis por influenciar e promover adaptação do processo pedagógico descrito em cada mudança curricular. A inclusão de novos programas de atenção à saúde da população fez com que a escola refletisse sobre a importância de atualizar seu currículo e ofertar um conteúdo disciplinar direcionado.

Ocorreu outra mudança curricular, com grandes discussões, e o meu departamento trabalhou bastante para tentar fazer um ajuste de esforço conjunto entre a Enfermagem Obstétrica, Enfermagem Pediátrica e a Enfermagem em Saúde Coletiva. Foi um momento interessante, porque tivemos que unir essas três grandes políticas na Atenção Básica. (Vice-diretora de departamento)

Por ter uma característica centrada no desenvolvimento de práticas assistenciais, a escola começou a perceber a importância de flexibilizar seus processos de ensino e, com cada mudança curricular, os planejamentos de aulas se tornavam mais inovadores, criativos e motivadores.

Observou-se que a interdisciplinaridade dos componentes curriculares era foco de atenção das docentes, pois, segundo as entrevistadas, a formação em enfermagem, a partir de 1996, passou a centrar esforços para o desenvolvimento da visão holística e baseada na realidade da saúde.

De acordo com as entrevistadas, 2004 foi um ano em que a escola consolidou suas mudanças curriculares e atualizou seus conteúdos disciplinares. A partir de então, as discussões foram concentradas para minimizar a presença dos conteúdos repetidos e sobrepostos, propondo integração entre as disciplinas. Já, em 2008, a escola incluiu ações pedagógicas para influenciar as discussões sobre um novo currículo. É o caso da participação do Curso de Graduação em Enfermagem no Programa Pró-Saúde.

Uma coisa interessante que aconteceu foi o projeto Pró-Saúde, que era um projeto do Ministério da Saúde para tentar fazer integração entre as escolas e o serviço. (Coordenadora de curso 2)

A gente conseguiu o PROMED, a Enfermagem e a Fonoaudiologia. [...] Foi muito bom, porque as categorias profissionais trabalhavam atividades de interdisciplinaridade. (Professora 2)

As mudanças curriculares permitiram maior apropriação por parte dos docentes sobre seus processos de ensino e conferiu maior liberdade para desenvolver estratégias de aprendizagem inovadoras e diferenciadas.

O planejamento do ensino de enfermagem de acordo com o currículo

Esta terceira categoria apresenta as percepções sobre como as práticas de ensino foram influenciadas a partir da mudança curricular implantada no curso de graduação em enfermagem. Remete à descrição das estratégias planejadas para aplicar os princípios educacionais na formação do enfermeiro.

As entrevistadas afirmaram que foi preciso ofertar oficinas de aprimoramento docente com vistas à atualização da prática de ensino em sala de aula, a fim de promover um processo educacional mais qualificado. Isso porque o curso de graduação em enfermagem da escola sempre buscou adequar seu processo educativo às necessidades sociais e determinações das políticas públicas em saúde e educação.

Para que nos inseríssemos dentro dessa parte de Atenção Primária, nós fizemos capacitação e retomamos o aprendizado da área. [...] todo o departamento se disponibilizou a rever exame físico, consulta de enfermagem na atenção primária. Foi preciso, porque a gente estava 100% na área hospitalar e atenção primária é diferente. (Professora 2)

Os conteúdos disciplinares descritos no currículo escolar permitiram integrar os conceitos teórico-práticos do campo de trabalho, inserindo a escola numa posição característica de formação assistencial.

A enfermagem passou a ficar bem-posicionada quando implantou a atenção básica, definindo quais eram as ações da enfermagem, e delimitou os fundamentos e estratégias de ensino. Por exemplo, além de ensinar toda a fundamentação da enfermagem, nós buscávamos toda uma estratégia para passar esses conhecimentos para nossos estudantes com maior possibilidade de trabalhar com a população e sendo facilitador para o aprendizado do estudante. O estudante não via só conhecimento do hospital, da UTI, ele conhecia o indivíduo no seu contexto familiar. (Diretora de departamento)

O Plano de Trabalho Docente foi considerado pelos professores como um processo de planejamento das ações didáticas em sala de aula e, por isso, as entrevistadas enfatizaram que o currículo escolar mereceu muitos debates para direcionar o trabalho pedagógico. O estágio supervisionado é uma prática que está fortemente inserida no currículo e, por isso, é importante desenvolvê-lo em todo o percurso formativo do estudante. Os campos de práticas propiciavam aos estudantes o desenvolvimento de habilidades técnico-profissionais de maneira significativa.

Eu acredito que o estágio curricular deva ofertar uma forma de se aperfeiçoar, colocando o estudante mais próximo possível do momento de trabalho. (Professora 1)

Os relatos permitiram reconhecer o percurso realizado pela escola para implantar as novas estruturas educacionais. Assim, compreende-se como ocorreu o ensino do Curso de Graduação em Enfermagem da EPE.

Discussão

Ao analisar os relatos, pôde-se perceber que as mudanças nos programas de formação da graduação em enfermagem acompanharam os impactos sociais, políticos e econômicos do país. As experiências a respeito da mudança na formação do enfermeiro na EPE, entre 1980 e 2010, convidam à reflexão sobre a implementação de desenvolvimentos curriculares em sala de aula.

Pode-se dizer que o currículo da escola ressalta a importância da formação generalista adequada aos contextos sociais e tecnológicos, com desenvolvimento de práticas integradas e articuladas aos saberes técnico-científicos da rotina de enfermagem capazes de impulsionar o raciocínio crítico-reflexivo do estudante para desenvolver uma prática de trabalho responsável.( 1212. Padilha MI, Barbieri M, Neves VR. Paulista school of nursing celebrates 80 years: a history of triumph. Acta Paul Enferm. 2020;33:1-7.

13. Dyer S, Lowery-Kappes H, Hurd F. Moving critical management education to praxis: integrating professional services within the critical classroom. J Work Manag. 2021;13(1):19-35.
- 1414. Padovani O, Corrêa AK. Currículo e formação do enfermeiro: desafios das universidades na atualidade. Saúde Transform Soc. 2017;8(2):112–9. )Assim, é possível afirmar que a EPE criou mecanismos para transformar a formação e o currículo do enfermeiro. Essas ações proporcionaram o alcance de subsídios para ampliar a infraestrutura da escola.

É possível afirmar, também, que os percursos formativos apresentados nos planos curriculares, do período entre 1980 e 2010 estiveram voltados aos interesses da sociedade e do trabalho, gerando integração do saber à realidade. Construíram uma formação em enfermagem diferenciada, em sintonia aos avanços políticos da educação e saúde. Isso significa aprimorar o pensamento técnico-científico para além da reprodução dos costumes sociais, valorizando as propostas pedagógicas, mitigando o conhecimento profissional passivo e inferindo uma ação crítica e orientada para a construção de novos saberes complexos.( 1515. Torres MN, Barbosa ES, Nóbrega-Therrien SM. Refletindo sobre a formação do enfermeiro: análise curricular a partir das disciplinas obrigatórias. In: XV Congresso Nacional de Educação, 2017. Curitiba (PR): Editora Universitária Champagnat; 2017. pp. 6940–53 [citado 2020 Jul 6]. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/25495_12585.pdf
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2...
)

Os conhecimentos específicos de enfermagem desenvolvidos com essa proposta pedagógica demonstram materialidade dos processos de ensino e aprendizagem. Sob esta ótica, constrói-se um conceito sobre o ensino diferenciado e fortalecido, representando uma organização administrativa própria.( 1616. Bezerril MS, Chiavone FB, Lima JV, Vitor AF, Ferreira Júnior MA, Santos VE. Nursing education: a conceptual analysis of the evolutionary method of Rodgers. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20180076. ) Em outras palavras, as mudanças de currículo e dos métodos de ensino criaram um perfil específico para a formação do enfermeiro.

A incorporação do ensino interdisciplinar desenvolve a compreensão de conhecimentos diversificados, articula as trocas de experiências entre os diferentes saberes profissionais e, de forma colaborativa e com resgate da convivência ética, centra-se na liderança das ações assistenciais de enfermagem.( 1717. Souza NV, Pires AS, Gonçalves FG, Tavares KF, Baptista AT, Bastos TM. Formação em enfermagem e o mundo do trabalho: percepções de egressos de enfermagem. Aquichan. 2017;17(2):204-16. )

Essa dinâmica remete aos princípios do Marco para a Ação em Educação Interprofissional e Prática Colaborativa, que convoca as instituições formadoras em saúde a repensar seus processos de transmissão dos conhecimentos específicos e alerta para integrar os saberes profissionais de forma interdisciplinar.( 1818. Khalili H, Thistlethwaite J, El-Awaisi A, Pfeifle A, Gilbert J, Lising D, et al. Orientação sobre pesquisa global em educação interprofissional e prática colaborativa: documento de trabalho. Reino Unido: Interprofessional Global; 2019 [citado 2021 Jul 11]. Disponível em: https://interprofessional.global/wp-content/uploads/2019/10/Orienta%C3%A7%C3%A3o-sobre-pesquisa-global-em-educa%C3%A7%C3%A3o-interprofissional-e-pr%C3%A1tica-colaborativa-Documento-de-trabalho_FINAL-WEB.pdf
https://interprofessional.global/wp-cont...
)

Para realizar as mudanças curriculares, a EPE criou a Comissão de Estudos do Currículo de Enfermagem, de modo a atender às demandas de ensino e, em 1991, passou a funcionar com o objetivo de orientar as tomadas de decisão para a construção e implantação de um novo currículo.

Nesse sentido, percebe-se que a escola, na década de 1990, concentrou esforços para a criação de um itinerário formativo próprio, inserindo ferramentas norteadoras para o desenvolvimento pedagógico da formação do enfermeiro, muito antes da implantação das DCNs.( 1919. Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (COREN). Teste de Progresso: conheça a avaliação que permite ao estudante avaliar a evolução do aprendizado. São Pauo: COREN; 2019 [citado 2021 Jul 11]. Disponível em: https://portal.coren-sp.gov.br/noticias/teste-de-progresso-conheca-a-avaliacao-que-permite-ao-estudante-avaliar-a-evolucao-do-aprendizado/
https://portal.coren-sp.gov.br/noticias/...
)

Todas as influências foram ancoradas na organização das políticas públicas do país e impulsionadas pela reorientação profissional, assistencial e educacional. Essas ações repercutiram na forma de cuidar e, consequentemente, na forma de ensinar em enfermagem.( 2020. Peres CR, Marin MJ, Soriano EC, Ferreira ML. Um olhar dialético para as mudanças curriculares na formação do enfermeiro. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03397. ) Isso imprimiu um grau de flexibilidade aos desdobramentos curriculares, impactando o seu processo de ensino com a inclusão de novos conteúdos disciplinares.( 2121. Nunes JA. O discurso da (in)flexibilidade curricular em análise dialógica. Ling Discurso. 2019;19(1):87-105. )

Salienta-se que o currículo da Escola da década de 2000 superou o desafio para integrar os saberes e práticas presentes da rotina de trabalho. Houve a tentativa de proporcionar a compreensão da atuação do enfermeiro, minimizando a fragmentação das disciplinas escolares e, com isso, o currículo teve uma força influenciadora para a cultura escolar. Foi um momento de construção, que reuniu caraterísticas e aspectos essenciais para delinear o desenvolvimento da formação em enfermagem, almejando reconhecimento na formação profissional.( 2222. Rodrigues J, Kempfer SS, Lenz JR, Oliveira SN. Influence of curricular reforms in mental health nursing education between 1969 and 2014. Rev Gaúcha Enferm. 2018;38(3):e67850. , 2323. Ferreira SL, Souza FE. Políticas públicas para saúde e educação: conceito de humanização na formação de enfermeiros. Rev Amb Educ. 2019;12(3):154. )

Destacam-se as discussões sobre o aprimoramento do docente, sob a perspectiva da capacitação do profissional, para que possam promover o exercício de competências capazes de referenciar os conhecimentos, habilidades e atitudes do enfermeiro.( 2424. Santos MZ, Otani MA, Tonhom SF, Marin MJ. Degree in Nursing: education through problem-based learning. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):1071-7. )

Conclusão

Este estudo buscou identificar o processo de mudança do ensino na EPE e, com o percurso metodológico empregado, observaram-se as percepções sobre as particularidades do currículo e seus mecanismos para o ensino em enfermagem, avanço do mundo do trabalho e influências na formação do enfermeiro. As mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais do país contribuíram com as tomadas de decisão acerca do processo de ensino da Graduação em Enfermagem entre 1980 e 2010. Transformaram o perfil de formação do enfermeiro nessa escola e imprimiram uma característica própria para o seu reconhecimento como centro de referência no ensino. As alterações e atualizações curriculares assumiram um espaço importante na formação do enfermeiro, logo, a escola responsabilizou-se socialmente com a comunidade, envolvendo-se no compromisso para o debate, reflexão e orientação da enfermagem assistencial. O estudo teve como limitações o total de entrevistas realizadas, que se concentrou na coleta dos relatos das docentes atuantes na escola a partir da década de 80. Não foi possível reunir os relatos de docentes atuantes na década de 70. Além disso, o fato de realizar as entrevistas online limitou o acesso a algumas possíveis entrevistadas. Contudo, os relatos propiciaram identificar o processo de atualização dos conteúdos disciplinares do currículo escolar da Graduação em Enfermagem. Permitiram afirmar que os mecanismos de atualização curricular impuseram à escola e docentes as prioridades acerca dos conhecimentos e saberes responsáveis pela formação do enfermeiro, com base nas mudanças de políticas públicas de saúde, educação e transformações tecnológicas presentes no mercado de trabalho. Esses processos ofereceram aos docentes o aprimoramento de suas técnicas de aulas e implantação de novos modelos de ensino, que serviram como mecanismos de disseminação do conhecimento para delimitar o perfil de formação na EPE. Faz-se necessário realizar novas pesquisas, a fim de reunir informações para delinear uma trajetória histórica completa e compreender como se desenvolveu o Curso de Graduação em Enfermagem.

Referências

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Edvane Birelo Lopes De Domenico. ( https://orcid.org/0000-0001-7455-1727 ). Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2021
  • Aceito
    13 Jun 2022
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