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Efeito do biofeedback no coping da equipe de enfermagem: ensaio clínico randomizado

Efecto del biofeedback en el coping del equipo de enfermería: ensayo clínico aleatorizado

Resumo

Objetivo

Avaliar o efeito do Biofeedback cardiovascular sobre os níveis de coping dos profissionais da enfermagem de um hospital universitário, quando comparado com uma atividade informatizada sem automonitoramento.

Métodos

Ensaio clínico randomizado, com dois grupos, Biofeedback e placebo, realizado com 115 profissionais de enfermagem de um hospital universitário. Os grupos participaram de nove encontros por três semanas. O desfecho foi avaliado pelo Inventário de Respostas de Coping no Trabalho, versão brasileira, aplicado prévio a primeira sessão e imediatamente após a sessão final. A análise do desfecho foi feita pela ANCOVA , considerando α = 5%.

Resultados

A variação das Respostas de Enfrentamento apresentou efeito estatisticamente significativo, o grupo controle apresentou aumento de 0,17 pontos nesta variação quando comparado ao grupo intervenção ( h 2 = 0,07; p=0,004). A variação das Respostas de Evitação e do Nível Geral de Coping não evidenciou efeito estatisticamente significativo na interação grupo/tempo (respectivamente, p=0,471 e p=0,786).

Conclusão

A intervenção com Biofeedback cardiovascular demonstrou não ter efeito superior ao placebo na melhora dos níveis de coping .

Equipe de enfermagem; Biorretroalimentação psicológica; Adaptação psicológica; Saúde do trabalhador

Resumen

Objetivo

Evaluar el efecto del Biofeedback cardiovascular sobre los niveles de coping de los profesionales de enfermería de un hospital universitario, en comparación con una actividad informatizada sin automonitoreo.

Métodos

Ensayo clínico aleatorizado, con dos grupos, Biofeedback y placebo, realizado con 115 profesionales de enfermería de un hospital universitario. Los grupos participaron en nueve encuentros durante tres semanas. El desenlace fue evaluado por el Inventario de Respuestas de Coping en el Trabajo, versión brasileña, aplicado antes de la primera sesión e inmediatamente después de la sesión final. El análisis del desenlace se realizó por ANCOVA , considerando α = 5 %.

Resultados

La variación en las Respuestas de Afrontamiento presentó un efecto estadísticamente significativo. El grupo control presentó un aumento de 0,17 puntos en esta variación al compararlo con el grupo experimental ( h 2 = 0,07; p=0,004). La variación de las Respuestas de Evitación y del Nivel General de Coping no evidenció un efecto estadísticamente significativo en la interacción grupo/tiempo (respectivamente, p=0,471 y p=0,786).

Conclusión

La intervención con Biofeedback cardiovascular demostró que no tiene efecto superior al del placebo en la mejora en los niveles de coping .Registro do Clinical Trial: NCT04446689

Grupo de enfermeira; Biorretroalimentación psicológica; Adaptación psicológica; Salud laboral

Abstract

Objective

To assess the effect of cardiovascular biofeedback on coping levels of nursing professionals at a university hospital, when compared with a computerized activity without self-monitoring.

Methods

This is a randomized clinical trial, with two groups, biofeedback and placebo, carried out with 115 nursing professionals from a university hospital. The groups participated in nine meetings for three weeks. The outcome was assessed by Coping Responses Inventory, Brazilian version, applied prior to the first session and immediately after the final session. The outcome analysis was performed by ANCOVA, considering α = 5%.

Results

The Coping Responses variation had a statistically significant effect. The control group showed an increase of 0.17 points in this variation when compared to the intervention group (h 2 = 0.07; p=0.004). The Avoidance Responses variation and Overall Coping Level did not show a statistically significant effect on the group/time interaction (p=0.471 and p=0.786, respectively).

Conclusion

Intervention with cardiovascular biofeedback was shown to have no superior effect than placebo in improving coping levels.Clinical Trial Record: NCT04446689

Nursing, team; Biofeedback, psychology; Adaptation, psychological; Occupational health

Introdução

O contexto de trabalho da enfermagem, envolvendo peculiaridades organizacionais e demandas assistenciais, por vezes inesperadas e complexas, pode contribuir para o adoecimento psicoemocional. Este exerce impacto significativo na saúde física e psicológica do trabalhador, provocando respostas fisiológicas que refletem negativamente nas competências profissionais, nas relações e comportamentos sociais e no bem estar do indivíduo. ( 11. Vega EA , Antoniolli L , Macedo AB , Pinheiro JM , Dornelles TM , Souza SB . Risks of occupational illnesses among health workers providing care to patients with COVID-19: an integrative review . Rev Lat Am Enfermagem . 2021 ; 29 : e3455 . Review . , 22. Reis CD , Amestoy SC , Silva GT , Santos SD , Varanda PA , Santos IA , et al . Stressful situations and coping strategies adopted by leading nurses . Acta Paul Enferm . 2020 ; 33 : eAPE20190099 . )

A utilização de respostas de coping tem potencial para auxiliar o profissional a superar ou minimizar, de forma consciente, as diferentes situações negativas e conflituosas vivenciadas no labor. Neste sentido, o coping pode ser a solução pontual de uma situação de conflito, desgaste ou estresse, contribuindo para recuperação do bem estar individual e minimização do adoecimento psicoemocional. ( 33. Hasan AA , Tumah H . The correlation between occupational stress, coping strategies, and the levels of psychological distress among nurses working in mental health hospital in Jordan . Perspect Psychiatr Care . 2019 ; 55 ( 2 ): 153 - 60 . )

Estudo desenvolvido com enfermeiras no Egito apontou relação negativa e significativa entre níveis de coping e de estresse ocupacional dos participantes (r=-0.57, p<0,01). Ao educar os enfermeiros quanto aos impactos e sintomas do estresse e maneiras para desenvolver habilidades de coping para resolução de problemas, os profissionais tendem a implementar e aprimorar tais mecanismos em benefício próprio e daqueles ao seu redor. ( 33. Hasan AA , Tumah H . The correlation between occupational stress, coping strategies, and the levels of psychological distress among nurses working in mental health hospital in Jordan . Perspect Psychiatr Care . 2019 ; 55 ( 2 ): 153 - 60 . )

Ferramentas de Biofeedback, cujos processos de auto regulação ocorrem através da interface homem máquina, vêm sendo apontadas como eficazes para fortalecimento de habilidades de coping , ganhando visibilidade como ferramenta terapêutica não medicamentosa, isolada ou combinada a outras terapias. Comprovadamente, são eficazes no manejo do estresse, na melhora da saúde e no desempenho de diferentes populações, como atletas, estudantes de nível médio e superior, policiais, gerentes, entre outras. 44. Vidal DV , Corrêa A . Biofeedback: um recurso terapêutico para os transtornos de ansiedade . Disciplinarum Scientia . 2020 ; 21 ( 2 ): 217 - 28 .

Usualmente, indivíduos não treinados respiram de forma desordenada e sem coerência. Neste sentido, o treino de respiração guiada, conforme parâmetros padronizados e com uso de ferramentas como o Biofeedback cardiovascular visa instrumentalizar o individuo a modular a respiração em ritmo adequado e conscientemente, para aquisição de efeitos benéficos à saúde física e psicológica. ( 44. Vidal DV , Corrêa A . Biofeedback: um recurso terapêutico para os transtornos de ansiedade . Disciplinarum Scientia . 2020 ; 21 ( 2 ): 217 - 28 . )

A técnica de Biofeedback cardiovascular é sensível as alterações do Sistema Nervoso Autônomo (SNA), possibilitando que o indivíduo aprenda a modular a resposta de seu próprio corpo por meio das informações vindas do batimento cardíaco, podendo ser considerado um mecanismo de coping . ( 88. Kennedy L , Parker SH . Biofeedback as a stress management tool: a systematic review . Cogn Technol Work . 2019 ; 21 ( 2 ): 161 - 90 . ) Ressalta-se que nenhum estudo clínico, até o presente momento, investigou os efeitos do Biofeedback cardiovascular sobre o coping de profissionais de enfermagem durante o exercício laboral. ( 99. Antoniolli L , Veja EA , Haack P , Duarte AG , Macedo AB , Souza SB . Intervenções para promoção de coping em profissionais da enfermagem: revisão integrativa de literatura . Saud Coletiv (Barueri) . 2022 ; 12 ( 75 ): 10166 - 75 . Review . )

Frente ao exposto, a hipótese investigada é de que profissionais que realizam treino de Biofeedback cardiovascular com respiração guiada apresentam melhora nos níveis de coping , quando comparados aos que realizam uma atividade sem automonitoramento. O presente estudo teve por objetivo avaliar o efeito do Biofeedback cardiovascular sobre os níveis de coping dos profissionais da enfermagem, de um hospital universitário, quando comparado com uma atividade informatizada sem automonitoramento.

Métodos

Ensaio Clínico Randomizado (ECR) paralelo, duplo cego, comparando dois grupos. Realizado no período de junho de 2020 a agosto de 2021, junto ao Grupo de Enfermagem do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), instituição considerada centro de referência para assistência em saúde e pesquisa no Rio Grande do Sul. Conduzido conforme recomendações do Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT).

A população alvo foi profissionais de enfermagem de ambos os sexos, ativos no cargo, admitidos há mais de 90 dias, atuantes em qualquer turno de trabalho previsto na instituição, alocados nos Serviços de Enfermagem Cirúrgica (SEC), Enfermagem Clínica (SEClIN) ou Enfermagem em Internação Clínica (SEIC), os quais possuem características semelhantes quanto à infraestrutura, organização, iluminação e tipo de paciente atendido, não sendo referência para internação de pacientes COVID19, e que apresentaram Nível Geral de Estresse maior que um (NGE>1).

O NGE foi determinado através da Escala de Sintomas de Estresse (ESE), aplicado, no máximo, até 30 dias antes da sessão inicial (t0). A ESE avalia sintomas físicos e psicológicos, ocasionados como respostas do organismo aos eventos considerados estressores. Através da média aritmética dos itens identifica-se o NGE, sendo que valores maiores que um indicam presença de estresse, oscilando entre 1,1 (menor estresse) e 2,95 (estresse máximo). ( 1010. Lima FV , Formiga NS , De Melo GF . Elaboração e validação da Escala de Sintomas de Estresse . Psicologia.pt . 2018 ; 1 - 13 . ) Indicando a presença da condição de interesse para participar da pesquisa.

Foram excluídos da amostra os profissionais em afastamento prolongado (benefício previdenciário e licença gestação ou lactação) e férias, ou que tivessem retornado há menos de 15 dias destes afastamentos, e, portadores de marca-passo ou patologias do ritmo cardíaco.

O cálculo para tamanho da amostra foi estimado pela condição de interesse: estresse. E, fundamentado em estudo de intervenção que evidenciou diferença nos níveis de estresse imediatamente após a intervenção (d de Cohen= -0,33), bem como seis semanas após a intervenção (d de Cohen= -0.68). ( 66. van der Zwan JE , de Vente W , Huizink AC , Bögels SM , de Bruin EI . Physical activity, mindfulness meditation, or heart rate variability biofeedback for stress reduction: a randomized controlled trial . Appl Psychophysiol Biofeedback . 2015 ; 40 ( 4 ): 257 - 68 . ) Considerando uma amostra uni caudal, nível de significância de 5%, poder de 90%, tamanho de efeito padronizado (d de Cohen) de no mínimo 0,4 entre as avaliações, e com estimativas de perda em 5% (sem previsão de acompanhamento dos participantes), obteve-se uma amostra mínima de 57 profissionais no grupo intervenção e 57 profissionais no controle, totalizando 114 participantes.

Os pesquisadores sortearam os participantes, respeitando os critérios de elegibilidade, a partir das escalas de trabalho de cada serviço de enfermagem, utilizando o aplicativo Sorteio de Nomes para Android ® . Os profissionais sorteados foram orientados sobre o estudo, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o protocolo da pesquisa, compostos de questionários e instrumentos para aferição das variáveis de interesse. Os profissionais considerados elegíveis foram randomizados em grupo intervenção ou grupo controle, e convidados a participar do ECR.

Optou-se pela randomização em bloco, realizada por meio do site randomization.com, garantindo que o número de participantes fosse igualmente distribuído nos grupos, tendo sido realizada por um dos pesquisadores que não atuou na condução das atividades com os participantes.

Após ciência e aceite por parte do sujeito de pesquisa, o pesquisador ou auxiliar de pesquisa agendou a primeira sessão, que ocorreu durante o turno de trabalho e em local privativo próximo a unidade de atuação do participante. Todos os procedimentos, independentemente do grupo de alocação, ocorreram individualmente e durante a jornada de trabalho do participante. A inclusão de sujeitos na pesquisa ocorreu gradualmente, durante o período de junho de 2020 a agosto de 2021, até atingir a amostra mínima de 57 profissionais por grupo.

O questionário sócio laboral e de informações sobre saúde foi elaborado com intuito da coleta de dados sócio biográficos, sócio-ocupacionais, condições de saúde e doenças prévias autorreferidas pelos participantes.

O desfecho primário, melhora nos níveis de coping, foi avaliado pelo Inventário de Respostas de Coping no Trabalho (IRC-T), mediante versão validada para o contexto laboral brasileiro, ( 1111. Ribeiro DP . Estratégias de “coping” em psicólogos de serviços básicos e ambulatoriais de saúde pública . Rev Psicol UNESP . 2002 ; 1 ( 1 ): 74 – 81 . ) a qual demonstrou boa consistência interna em estudo prévio µ= 0,96. ( 1212. Peçanha DL . Avaliação do coping numa equipe de enfermagem oncopediátrica . Bol Acad Paul Psicol . 2006 ; 36 ( 2 ): 69 - 88 . ) O IRC-T é composto por 48 itens que abordam as respostas de coping dos profissionais frente a situações desgastantes e estressoras em seu ambiente laboral. Divide-se em duas categorias e quatro subcategorias: Respostas de Enfrentamento (24 itens) - raciocínio lógico, reavaliação positiva, orientação/apoio, e tomada de decisão; e Respostas de Evitação (24 itens) - racionalização evasiva, aceitação resignada, alternativas compensatórias, e extravasamento emocional.

A pontuação do IRC-T é avaliada em escala Likert, que varia de 0 (nunca) a 3 (uso em grande quantidade) pontos. A média aritmética dos itens de uma mesma categoria permite identificar as respostas de coping prevalentes e a média aritmética dos 48 itens do IRC-T fornece o nível geral de coping (NGC). Podendo oscilar de 0 (nunca utiliza respostas de coping), 1 (utiliza raramente), 2 (uso ocasional) e 3 (usa coping frequentemente), ou seja, pontuação > 1 indica utilização de respostas de coping pelo participante. ( 1212. Peçanha DL . Avaliação do coping numa equipe de enfermagem oncopediátrica . Bol Acad Paul Psicol . 2006 ; 36 ( 2 ): 69 - 88 . )

O desfecho secundário, melhora nos parâmetros da VFC, embora avaliado, não será objeto desta publicação.

Os participantes de ambos os grupos responderam ao protocolo de pesquisa em dois momentos: pré-intervenção, prévio a sessão inicial ou basal (t0) e pós-intervenção, imediatamente após a última sessão (t8) da abordagem. Sem previsão de acompanhamento ( follow-up ), devido ao interesse de mensurar o efeito imediato da intervenção sobre o desfecho de interesse.

A intervenção consistiu no treinamento da técnica de Biofeedback cardiovascular, utilizando-se a interface e jogos interativos do software EmWave Pro Plus ® . Que utiliza a tecnologia de fotopletismografia, método confiável, válido e preciso para captura e quantificação, em tempo real, de dados fisiológicos relacionados ao batimento cardíaco. Durante o jogo interativo, a partir do comportamento fisiológico aferido, o software gera informações contínuas e dinâmicas para que o participante possa, gradativamente, ao manter o ritmo e a concentração na respiração guiada e padronizada, melhorar seu ritmo respiratório e cardíaco. ( 1313. Lo JC , Sehic E , Meijer SA . Measuring Mental workload with low-cost and wearable sensors : insights into the accuracy , obtrusiveness , and research usability of three instruments . J Cogn Eng Decis Mak . 2017 ; 11 ( 4 ): 323 - 36 . )

Considerando as peculiaridades da rotina laboral dos profissionais de enfermagem, definiu-se a condução da intervenção em nove encontros, os quais ocorreram três vezes por semana, ao longo de três semanas. No primeiro encontro (t0) foi realizada aferição basal da variabilidade da frequência cardíaca (VFC) e orientações sobre a dinâmica dos próximos encontros.

Nos oito encontros subsequentes (t1 a t8) realizou-se treino de respiração profunda guiada, em uma frequência controlada e padronizada, com auxílio do software York Biofeedback Breath Pacer (padronizada em seis respirações/minuto, relação de inspiração 50/50, com pausa após inspiração de 32% e após expiração de 20%, prevalente em 95% da população), combinada com Biofeedback , por meio de jogos interativos fornecidos pelo software EmWave Pro Plus ® , com duração de dez minutos por sessão. Os participantes foram orientados quanto a realizar respiração profunda guiada, bem como, quanto às informações de Biofeedback , captadas através do sensor tipo fotopletismografo, instalado no lóbulo da orelha do participante, e visualizadas através da interface projetada na tela do computador, para auto modulação da respiração.

O controle consistiu na realização de atividade informatizada sem auto monitoramento, visando manter o cegamento entre os grupos. Para tal, definiu-se o aplicativo Jigsaw Puzzles online, que é constituído de quebra-cabeça em vários níveis de dificuldade e que foi realizado em um tablet .

Cada profissional participou do estudo desenvolvendo nove sessões, sendo que no primeiro encontro (t0) foi realizada a aferição basal da VFC e nos oito encontros subsequentes (t1 a t8) atividades informatizadas sem auto monitoramento, com duração de dez minutos por sessão. Igualmente, utilizou-se o EmWave Pro Plus ® , sendo o sensor instalado no lóbulo da orelha do participante, sem que este visualizasse a interface projetada na tela do computador.

A limpeza dos equipamentos foi realizada com pano umedecido em álcool isopropílico a 70%, imediatamente antes e após a atividade com cada participante.

O cegamento foi considerado para que o participante não tivesse conhecimento se estava participando do grupo intervenção ou do grupo controle. Os instrumentos para coleta de dados eram auto aplicáveis, sendo entregues ao participante em envelope pardo, recolhidos em data definida entre pesquisado e pesquisador e submetidos a dupla digitação dos dados em planilhas do Excel.

Devido a restrição de auxiliares de pesquisa, por conta da pandemia, e a peculiaridade das atividades nos grupos, não foi possível realizar o cegamento dos pesquisadores e auxiliares que as realizaram. Todos os membros da equipe de pesquisa foram devidamente treinados, visando manter a homogeneidade da abordagem, das orientações e da realização da intervenção proposta.

Foi considerado o cegamento na análise dos dados. Para tal, previamente a consultoria estatística, os bancos de dados dos grupos intervenção e controle foram unificados e codificados quanto a alocação dos participantes. Os dados foram analisados com auxílio do pacote estatístico SPSS, versão 20.0. A distribuição das variáveis contínuas foi avaliada quanto à normalidade através do teste de Shapiro-Wilks. As variáveis com distribuição normal foram comparadas por teste t de Student e, em caso de assimetria comparadas pelo teste de Mann-Whitney. Na comparação de proporções, o teste qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher foi aplicado.

Para avaliar o efeito da intervenção, considerando que a aferição ocorreu em dois momentos, utilizou-se a análise de covariâncias ANCOVA, com ajuste de Bonferroni (post-hoc), considerando a variação (delta) como desfecho (avaliação pós intervenção subtraída pela avaliação pré intervenção) e ajustadas pelas respectivas medidas basais. O tamanho do efeito foi verificado através do partial eta squared ( h 2 – razão de variância associada a um efeito).

A análise pela variação (delta) permitiu verificar o efeito da intervenção na variação individual (intra grupos) dos níveis de coping entre os dois momentos de aferição: t8-t0. A variação e comparação entre grupos, por fim, possibilitou verificar a interação grupo versus tempo.

Este estudo foi conduzido conforme os princípios éticos de pesquisas envolvendo seres humanos. Está vinculado a um projeto matricial, proposto pelo Grupo Interdisciplinar de Saúde Ocupacional (GISO UFRGS), tendo sido registrado no Clinical Trials, com denominação Biofeedback Efects on Stress, Anxiety, and Quality of Professional Life on Nursing Staff of an University Hospital, sob identificador número NCT04446689. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA, sob CAEE 23346619.0.0000.5327 e parecer n 0 3.796.246.

Resultados

Foram recrutados 168 profissionais da enfermagem que apresentavam sintomas de estresse. No entanto, 40 profissionais foram excluídos em decorrência da necessidade de realocações entre setores, afastamentos e desligamento da instituição. Foram randomizados 128 profissionais em Grupo Intervenção (GI) e Grupo Controle (GC), houve perda de seguimento de seis participantes do GI e sete participantes do GC. Logo, 115 profissionais da enfermagem foram efetivamente analisados. Cujos detalhes constam no fluxograma dos participantes envolvidos no estudo (Figura 1), construído conforme orientação CONSORT.

Figura 1
Fluxograma dos participantes envolvidos no estudo, conforme orientações CONSORT

A descrição dos participantes, segundo dados sociodemográficos, laborais e de saúde é apresentada na tabela 1. Ressalta-se inobservância de diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p>0,05), caracterizando homogeneidade na amostra.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica, laboral e de saúde dos participantes

Na tabela 2 apresenta-se a média do nível de coping pré-intervenção (t0) e pós-intervenção (t8) e a variação da interação tempo/grupo (t8-t0). Esta, a fim de apresentar o efeito da intervenção sobre os níveis de coping nos grupos (GI e GC).

Tabela 2
Descrição da média do nível de coping pré intervenção (t0), pós intervenção (t8) e variação da interação tempo/grupo (t8-t0), no grupo intervenção (GI) e grupo controle (GC)

Os resultados demonstraram que a variação das Respostas de Enfrentamento, na interação grupo/tempo, apresentou efeito estatisticamente significativo ( F (2, 112) = 8,73, p = 0,004) e tamanho de efeito pequeno ( h 2 = 0,07). Sendo que o GC apresentou aumento de 0,17 pontos nesta variação quando comparado ao GI (IC 95% 0,06 - 0,29; p=0,004). A variação das Respostas de Evitação, para interação grupo/tempo, não apresentou efeito estatisticamente significativo ( F (2, 112) = 0,52, p = 0,471; h 2 = 0,05). O GC apresentou aumento de 0,04 pontos nesta variação quando comparado ao GI (IC 95%: -0,07 – 0,15; p=0,471). Ainda, na interação grupo/tempo, os resultados da variação do Nível Geral de Coping não apresentaram efeito estatisticamente significativo ( F (2, 112) = 0,07, p = 0,786; h 2 = 0,001). O GC apresentou aumento de 0,01 pontos na variação do nível de coping quando comparado ao GI (IC 95%: -0,05 – 0,07; p=0,786).

Discussão

O efeito da intervenção com Biofeedback cardiovascular na melhora dos níveis de coping dos profissionais de enfermagem, atuantes em setores hospitalares, não pôde ser sustentado por meio do IRC-T. Evidenciou-se que, na interação grupo/tempo, a variação das Respostas de Enfrentamento apresentou aumento de 0,17 pontos no Grupo Controle (placebo), contudo, com pequeno tamanho de efeito ( h 2 = 0,07; p=0,004). E, a variação das Respostas de Evitação e do Nível Geral de Coping não demonstraram efeito estatisticamente significativo na interação grupo/tempo, bem como, pequenos tamanhos de efeito (respectivamente, h 2 = 0,05; p=0,471 e h 2 = 0,001; p=0,786).

Tais resultados vão de encontro a estudo quase experimental, realizado com 32 graduandos em enfermagem, submetidos a quatro semanas de treinos de Biofeedback cardiovascular. Sendo evidenciado, na interação grupo/tempo, que o grupo intervenção aumentou significativamente a capacidade de coping percebido (F=12,78, p<0,001) em comparação com os participantes do grupo controle. ( 77. Harmelink AJ . Pilot study of the effects of heart rate variability biofeedback on perceived stress, perceived coping ability, and resilience in accelerated baccalaureate nursing students [ theses ]. Brookings, SD (EUA) : South Dakota State University ; 2016 . ) É importante destacar que, para além das peculiaridades das populações e instrumentos utilizados, os graduandos em enfermagem do grupo controle não foram submetidos a qualquer atividade placebo.

O efeito placebo, atribuído à expectativa de cura, deve ser considerado. Uma vez que, mesmo desconhecendo o grupo de alocação, ao participar de um estudo de intervenção, que pela sua natureza tem a intenção de tratar, o participante sente-se reconhecido e cuidado. O que, consequentemente, provoca alteração no estado emocional. Fato que pode contribuir para a melhora ou não do desfecho em avaliação. ( 1414. Albuquerque LM , Turrini RN . Efeitos das essências florais nos sintomas de estresse de estudantes de enfermagem: ensaio clínico randomizado . Rev Esc Enferm USP . 2022 ; 56 : e20210307 . )

O que foi corroborado neste estudo. O grupo controle, submetido a atividade placebo, apresentou melhora estatisticamente significativa no nível de coping para Respostas de Enfrentamento, embora com pequeno tamanho de efeito.

Considera-se que oportunizar atividades de recreação que envolvam entretenimento e uso de habilidades manuais podem ter potencializado o efeito de relaxamento nos profissionais. Desencadeando respostas de coping de reavaliação positiva frente à situação ou evento laboral estressor. A reavaliação positiva, subcategoria das Respostas de Enfrentamento, do IRC-T, tem sido apontada como uma das principais estratégias de coping focado na emoção, utilizada por profissionais de enfermagem. ( 1515. Antoniolli L , Vega EA , Haack P , Duarte AG , Macedo AB , Souza SB . Coping dos profissionais da enfermagem: revisão integrativa de literatura . In: Open Science Research . Guarujá, São Paulo : Científica Digital ; 2022 . p. 745 – 69 . )

Embora não esteja voltada diretamente para a solução do problema, a reavaliação positiva é dirigida para uma fonte interna de estresse, possibilitando ressignificar a situação de forma positiva ou criar estratégias emocionais que amenizem a vivência da situação estressora. O que é evidenciando na literatura científica como importante estratégia para recuperação do equilíbrio e fortalecimento emocional, passo anterior ao raciocínio lógico e tomada de decisão. ( 1616. Oliveira EB , Martins BR , Pacheco ST , Progianti JM , Santos RS , Ferreira AR . Estratégias de coping de trabalhadores de enfermagem frente à morte em unidade de terapia intensiva neonatal . Rev M . 2021 ; 6 ( 12 ): 442 - 54 . , 1717. Menegatti MS , Rossaneis MA , Schneider P , Silva LG , Costa RG , Haddad MC . Estresse e estratégias de coping utilizadas por residentes de enfermagem . Rev Min Enferm . 2020 ; 24 : e1329 . )

Há de se grifar que Respostas de Enfrentamento apresentaram maiores médias do que as Respostas de Evitação. Corroborando estudos realizados com equipes de enfermagem de terapia intensiva e urgência e emergência, evidenciaram que quando o trabalho exige altas demandas psicológicas o uso de respostas de enfrentamento, especialmente reavaliação positiva e orientação/apoio, proporcionam melhor adaptação ao contexto laboral e rápida recuperação da satisfação e bem estar, minimizando risco de adoecimento aos profissionais de enfermagem. ( 1717. Menegatti MS , Rossaneis MA , Schneider P , Silva LG , Costa RG , Haddad MC . Estresse e estratégias de coping utilizadas por residentes de enfermagem . Rev Min Enferm . 2020 ; 24 : e1329 . , 1818. Colossi EG , Calesso-Moreira M , Pizzinato A . Estratégias de enfrentamento utilizadas pela equipe de enfermagem de um CTI adulto perante situações de estresse . Rev Cien Saude . 2011 ; 4 ( 1 ): 14 – 21 . )

Ressalta-se que intervenções de atenção plena, meditação e modulação respiratória, como o Biofeedback cardiovascular, requerem o desenvolvimento de auto consciência e auto controle para aquisição de habilidades de coping . E, progressivamente, melhora das respostas fisiológicas, cujos benefícios tendem a serem mais efetivos e duradouros na manutenção da homeostase e saúde psicoemocional do trabalho. ( 1919. Ravalier JM , Wegrzynek P , Lawton S . Systematic review: complementary therapies and employee well-being . Occup Med (Lond) . 2016 ; 66 ( 6 ): 428 - 36 . Review . )

Autores reportaram, em estudo de caso sobre um atleta profissional que apresentava problemas de alta emocionalidade, que após ser submetido a protocolo específico de terapia com Biofeedback , o atleta apresentou melhora significativa em relação ao coping para controle das funções corporais. Desencadeando diminuição da ansiedade, controle emocional e melhora na percepção de bem-estar geral. Resultando em melhor desempenho nos treinamentos e competições. ( 2020. Kloudova G . Coping with stress reactions using biofeedback therapy in elite athletes: case report . Cogn Remediat J . 2021 ; 10 ( 2 ): 1 - 8 . )

Desta forma, ressalta-se o caráter subjetivo e multidimensional do coping . Sendo influenciado por características de personalidade, fatores familiares e sociais, bem como ambiente e relações laborais, os quais são de difícil aferição e controle em estudos populacionais. Há de se considerar que, mesmo sem significância estatística, a redução dos níveis de coping , especialmente na subcategoria Respostas de Enfrentamento no GI, pode estar vinculada ao momento peculiar em que a pesquisa foi realizada, a qual foi conduzida durante o turno de trabalho dos profissionais de enfermagem que, embora não estivessem atuando na assistência direta a pacientes com COVID-19, estavam vivenciando as incertezas, a interferência e o impacto da pandemia emocionalmente e na rotina institucional.

Neste sentido, algumas limitações foram identificadas: inviabilidade de se individualizar a frequência controlada e/ou frequência ressonante para o treino de respiração profunda guiada, tendo em vista a condução do estudo em conformidade aos pressupostos metodológicos, que preconizam padronização das atividades realizadas para minimizar vieses na pesquisa. Bem como, recurso de aferição de coping limitado e logística das sessões que não ocorreram sucessivamente.

Conclusão

A intervenção com Biofeedback cardiovascular não demonstrou ter efeito superior ao placebo na melhora dos níveis de coping , avaliados através das categorias do IRC-T. Embora com pequeno tamanho de efeito, o grupo controle apresentou aumento estatisticamente significativo nos níveis de coping na categoria Resposta de Enfrentamento quando comparado ao grupo intervenção. A variação das Respostas de Evitação e do Nível Geral de Coping não evidenciaram efeito estatisticamente significativo na interação grupo/tempo.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; bolsa de doutorado para Liliana Antoniolli) e ao Programa de Alianças para a Educação e a Capacitação (PAEC - OEA/GCUB; bolsa de doutorado para Edwing Alberto Urrea Vega).

Referências

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli (https://orcid.org/0000-0003-3757-1061) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2022
  • Aceito
    27 Set 2022
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