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Fatores associados ao insucesso da cateterização intravenosa periférica em crianças com câncer

Factores asociados al fracaso del cateterismo intravenoso periférico en niños con cáncer

Resumo

Objetivo

Estimar a prevalência de insucesso na inserção de cateteres intravenosos periféricos em crianças com câncer e sua associação com características demográficas, clínicas, da cateterização e terapia intravenosa utilizada previamente.

Métodos

Estudo de corte transversal e exploratório realizado na unidade de clínica oncológica pediátrica de um hospital público. Foram utilizados dados provenientes da observação de 130 cateterizações intravenosas periféricas e prontuários das crianças. Analisadas as características demográficas, clínicas, da cateterização intravenosa periférica e terapia intravenosa utilizada e sua relação com o insucesso da cateterização. Utilizou-se regressão de Poisson com variância robusta para determinar os fatores associados ao desfecho estudado, considerando p<0,05.

Resultados

A prevalência do insucesso foi de 38,5% e esteve estatisticamente associada ao tempo de hospitalização (RP=1,6; IC95% 1,05-2,56), uso de terapia intravenosa prévia prolongada (RP=2,1; IC95% 1,32-3,20), antecedente de extravasamento (RP=1,99; IC95% 1,15-3,28) e agitação da criança (RP=1,41; IC95% 1,02-1,94).

Conclusão

Observou-se elevada prevalência de insucesso da cateterização intravenosa periférica em crianças com câncer, associada ao tempo de hospitalização maior ou igual a oito dias, uso de TIV prévia prolongada, antecedente de extravasamento e agitação da criança durante a inserção do cateter.

Enfermagem pediátrica; Criança hospitalizada; Hospitalização; Cateterismo; Cateterismo periférico; Infusões intravenosas; Neoplasias; Criança

Resumen

Objetivo

Estimar la prevalencia de fracaso en la inserción de catéteres intravenosos periféricos en niños con cáncer y su relación con características demográficas, clínicas, del cateterismo y de terapia intravenosa previamente utilizada.

Métodos

Estudio de corte transversal y exploratorio realizado en la unidad de clínica oncológica pediátrica de un hospital público. Se utilizaron datos provenientes de la observación de 130 cateterismos intravenosos periféricos y las historias clínicas de los niños. Se analizaron las características demográficas, clínicas, del cateterismo intravenoso periférico y terapia intravenosa utilizada y su relación con el fracaso del cateterismo. Se utilizó regresión de Poisson con varianza robusta para determinar los factores asociados al evento estudiado, considerando p<0,05.

Resultados

La prevalencia del fracaso fue del 38,5 % y estuvo estadísticamente relacionada con el tiempo de internación (RP=1,6; IC95% 1,05-2,56), el uso de terapia intravenosa previa prolongada (RP=2,1; IC95% 1,32-3,20), antecedentes de extravasación (RP=1,99; IC95% 1,15-3,28) y la agitación del niño (RP=1,41; IC95% 1,02-1,94).

Conclusión

Se observó una elevada prevalencia de fracaso del cateterismo intravenoso periférico en niños con cáncer, relacionada con el tiempo de internación mayor o igual a ocho días, el uso de TIV previa prolongada, antecedentes de extravasación y agitación del niño durante la inserción del catéter.

Enfermería pediátrica; Niño hospitalizado; Hospitalización; Cateterismo; Cateterismo periférico; Infusiones intravenosas; Neoplasias; Niño

Abstract

Objective

To estimate the prevalence of peripheral intravenous catheter insertion failure in children with cancer and its association with demographic, clinical, catheterization and previously used intravenous therapy characteristics.

Methods

This is a cross-sectional and exploratory study conducted at the pediatric oncology clinic of a public hospital. Data from the observation of 130 peripheral intravenous catheterizations and medical records of children were used. We analyzed the demographic and clinical characteristics of peripheral intravenous catheterization and intravenous therapy used and its relationship with catheterization failure. Poisson regression with robust variance was used to determine the factors associated with the outcome studied, considering p<0.05.

Results

The prevalence of failure was 38.5% and was statistically associated with length of stay (PR=1.6; 95%CI 1.05-2.56), previous prolonged intravenous therapy use (PR=2.1; 95%CI % 1.32-3.20), history of extravasation (PR=1.99; 95%CI 1.15-3.28) and child agitation (PR=1.41; 95%CI 1.02-1.94).

Conclusion

There was a high prevalence of peripheral intravenous catheterization failure in children with cancer, associated with length of hospitalization greater than or equal to eight days, previous prolonged IVT use, history of extravasation and child agitation during catheter insertion.

Pediatric nursing: Child, hospitalized; Hospitalization; Catheterization; Catheterization, peripheral; Infusions, intravenous; Neoplasms; Child

Introdução

No Brasil, o câncer infanto-juvenil representa a primeira causa de morte (8% do total) por doença em crianças e adolescentes de 1 a 19 anos, sendo a estimativa de casos novos para o ano de 2020 de 8.460, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA).(11. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Câncer Infanto-juvenil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020 [citado 20220 Abr 5]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-infantojuvenil
https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/...
) O tratamento sistêmico do câncer juntamente com a radioterapia e a cirurgia são passos importantes para a cura,(22. Kaliks RA, Matos TF, Silva VA, Barros LH. Differences in systemic cancer treatment in Brazil: my Public Health System is different from your Public Health System. Braz J Oncol. 2017;13(44):1-12.) destacando-se a administração de medicamentos quimioterápicos, em sua maioria por via intravenosa.(33. Gabriel GH, Nepomuceno LL, Pimenta VS. Araújo. Agentes antineoplásicos para o tratamento do osteossarcoma. Encicl Biosf. 2017;14(26):13.) Além da ocorrência de efeitos colaterais associados ao uso de quimioterápicos, como dor, náuseas, vômitos e neutropenia, crianças com câncer, necessitam da administração de medicamentos para reduzir os sintomas, repor eletrólitos, hemocomponentes(44. Matoso LM, Lopes SS, Matoso MB. As estratégias de cuidados para o alívio dos efeitos colaterais da quimioterapia em mulheres. Saúde (Santa Maria). 2015; 41(2):251-60.) e algumas vezes, antibióticos quando hospitalizados.

Os cateteres intravenosos são considerados instrumentos essenciais no tratamento de pacientes com câncer. Existem diferentes tipos disponíveis no mercado, que podem ser de localização periférica ou central, e a escolha entre eles é determinada por diversos fatores que equacionam a relação de custo/benefício, tais como: características do protocolo de quimioterapia prescrito, integridade da rede venosa, duração do tratamento,(55. Custódio CS, Goulart CB, Reis PE, Silveira RC, Santos BN, Silva KR, et al. Acessos vasculares em oncologia. In: Santos M, Corrêa TS, Faria LB, Siqueira GS, Reis PE, Pinheiro RN. Diretrizes oncológicas 2ª ed. São Paulo: Doctor Press Ed. Cientifíca; 2019. p.641-50.) classificação do medicamento se irritante ou vesicante, potencial de hidrogênio,(66. Infusion Nurses Society Brasil (INS – Brasil). Diretrizes práticas para a terapia infusional. 3a ed. São Paulo (BR); 2018.) além das preferências do paciente.(55. Custódio CS, Goulart CB, Reis PE, Silveira RC, Santos BN, Silva KR, et al. Acessos vasculares em oncologia. In: Santos M, Corrêa TS, Faria LB, Siqueira GS, Reis PE, Pinheiro RN. Diretrizes oncológicas 2ª ed. São Paulo: Doctor Press Ed. Cientifíca; 2019. p.641-50.)

Sabendo-se que os tratamentos e as terapias de suporte à criança com câncer são complexos e diversos, com ciclos de infusões compatíveis com veias periféricas ou centrais,(77. Ullman AJ, Bernstein SJ, Brown E, Aiyagari R, Doellman D, Faustino EV, et al. The Michigan Appropriateness Guide for Intravenous Catheters in Pediatrics: miniMAGIC. Pediatrics. 2020;145 Suppl 3:S269–84.) preservar a rede venosa periférica e garantir a saúde vascular, torna-se primordial desde o início do tratamento, uma vez que possibilita acesso a esta estrutura corporal de maneira facilitada em caso de necessidades futuras.

No entanto, em crianças, a cateterização intravenosa é mais difícil(88. Girotto C, Arpone M, Frigo AC, Micheletto M, Mazza A, Da Dalt L, et al. External validation of the DIVA and DIVA3 clinical predictive rules to identify difficult intravenous access in paediatric patients. Emerg Med J. 2020;37(12):762–7.,99. Moreal C, Comoretto RI, Buchini S, Gregori D. Positioning of vascular access in pediatric patients: an observational study focusing on adherence to current guidelines. J Clin Med. 2021;10(12):2590.)devido à baixa cooperação e a disponibilidade reduzida de acesso vascular,(88. Girotto C, Arpone M, Frigo AC, Micheletto M, Mazza A, Da Dalt L, et al. External validation of the DIVA and DIVA3 clinical predictive rules to identify difficult intravenous access in paediatric patients. Emerg Med J. 2020;37(12):762–7.,99. Moreal C, Comoretto RI, Buchini S, Gregori D. Positioning of vascular access in pediatric patients: an observational study focusing on adherence to current guidelines. J Clin Med. 2021;10(12):2590.) principalmente durante o tratamento quimioterápico. Esta dificuldade também pode decorrer de acometimentos agudos que interferem na circulação sanguínea, como desidratação ou choque. Estas condições podem ocasionar o insucesso da cateterização intravenosa periférica (CIP), definido como a necessidade de mais de uma tentativa de cateterização.(1010. Heydinger G, Shafy SZ, O’Connor C, Nafiu O, Tobias JD, Beltran RJ. Characterization of the difficult peripheral iv in the perioperative setting: a prospective, observational study of intravenous access for pediatric patients undergoing anesthesia. Pediatric Health Med Ther. 2022;13:155–63.)

Essas múltiplas tentativas resultam em depleção da rede venosa, e tornam as veias periféricas progressivamente de difícil acesso,(1111. Reeves T, Morrison D, Altmiller G. A Nurse-Led Ultrasound-Enhanced Vascular Access Preservation Program. Am J Nurs. 2017;117(12):56–64.,1212. Schults J, Rickard C, Kleidon T, Paterson R, Macfarlane F, Ullman A. Difficult peripheral venous access in children: an international survey and critical appraisal of assessment tools and escalation pathways. J Nurs Scholarsh. 2019;51(5):537–46.) bem como, atrasam a terapia prescrita,(1212. Schults J, Rickard C, Kleidon T, Paterson R, Macfarlane F, Ullman A. Difficult peripheral venous access in children: an international survey and critical appraisal of assessment tools and escalation pathways. J Nurs Scholarsh. 2019;51(5):537–46.,1313. Shokoohi H, Loesche MA, Duggan NM, Liteplo AS, Huang C, Al Saud AA, et al. Difficult intravenous access as an independent predictor of delayed care and prolonged length of stay in the emergency department. J Am Coll Emerg Physicians Open. 2020;1(6):1660–8.) causam estresse, dor e sofrimento para a criança e seus familiares e em longo prazo, podem estar associados ao medo de procedimentos com agulhas,(1414. Pagnutti L, Bin A, Donato R, Di Lena G, Fabbro C, Fornasiero L, et al. Difficult intravenous access tool in patients receiving peripheral chemotherapy: A pilot-validation study. Eur J Oncol Nurs. 2016;20:58–63.) realidade vivenciada em crianças com câncer.

Entretanto, a prevalência de insucesso da CIP é pouco explorada por meio de pesquisas com crianças com câncer. Pesquisas destacam que é necessário desenvolver mais investigações no campo da predição de fatores de risco para o insucesso da CIP em pacientes submetidos à quimioterapia administrada por via periférica.(1414. Pagnutti L, Bin A, Donato R, Di Lena G, Fabbro C, Fornasiero L, et al. Difficult intravenous access tool in patients receiving peripheral chemotherapy: A pilot-validation study. Eur J Oncol Nurs. 2016;20:58–63.)

Reconhecer tais fatores de risco no início do tratamento para o câncer poderá contribuir com a identificação do grupo de crianças vulneráveis a ocorrência do insucesso da CIP, oferecendo subsídios científicos para a inserção assistida por tecnologia para visualização do vaso ou para o uso de outro tipo de cateter de imediato, inovando o cuidado e melhorando a experiência da criança e seus familiares(1515. Bensghir M, Chkoura K, Mounir K, Drissi M, Elwali A, Ahtil R, et al. Accès veineux périphériques au bloc opératoire: caractéristiques et facteurs prédictifs de difficulté. Ann Fr Anesth Reanim. 2012;31(7-8):600–4.) e trauma vascular.

Portanto, justifica-se o estudo em crianças e adolescentes com câncer pelo caráter crônico da doença e da nociva característica físico-química da maioria dos medicamentos e soluções utilizados ao longo do processo terapêutico, pois cateterizar um vaso pode se tornar um procedimento desafiador devido a danos pregressos na camada íntima das veias dessas crianças, e por vezes, pode ocasionar diversas tentativas.

Isto posto, questiona-se: qual é a prevalência de insucesso da CIP na primeira tentativa de punção em crianças com câncer? Quais fatores estão associados a prevalência de insucesso da CIP na primeira tentativa? Sendo assim, a presente pesquisa objetivou estimar a prevalência de insucesso na primeira tentativa de inserção de cateteres intravenosos periféricos em crianças com câncer e sua associação com características demográficas, clínicas, da cateterização e terapia intravenosa (TIV) utilizada.

Métodos

Trata-se de pesquisa de transversal, analítica e exploratória. Realizada com crianças hospitalizadas na unidade de clínica oncológica de um hospital de referência para tratamento do câncer infantil, situado no Estado da Bahia.

A amostra foi estabelecida por conveniência, conduzindo a avaliação de 130 CIP, tendo em vista o período em que os pesquisadores permaneceram no campo de coleta. A impossibilidade de cálculo amostral decorreu da ausência de estudos sobre fatores predisponentes ao insucesso da CIP em crianças com câncer até o momento da organização deste manuscrito e da impossibilidade de desenvolvimento de estudo piloto, tendo em vista a ausência de financiamento da pesquisa.

Participaram da pesquisa crianças que demandaram CIP para a implementação da TIV como parte de seu tratamento, incluídas por meio dos seguintes critérios: estarem clinicamente estáveis, terem entre 29 dias de vida a 10 anos de idade e ter indicação eletiva de CIP com dispositivo sobre agulha. Não foram incluídas crianças com prescrição médica, apenas, de soro sem eletrólitos; crianças em situações de precaução de contato ou respiratório, devido a inviabilidade de acesso dos pesquisadores; e as CIP realizadas no turno da noite ou nos finais de semana, por não permitir a permanência dos pesquisadores nesses períodos.

Crianças e adolescentes que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos seus pais ou responsáveis.

Os dados foram coletados de abril de 2015 a dezembro de 2016. Uma equipe de cinco pesquisadores qualificados para a abordagem aos familiares e crianças realizaram a obtenção das informações necessárias por meio da aplicação do formulário para desenvolvimento da pesquisa.

O formulário desenvolvido para esta pesquisa foi elaborado mediante estudos sobre a temática(1212. Schults J, Rickard C, Kleidon T, Paterson R, Macfarlane F, Ullman A. Difficult peripheral venous access in children: an international survey and critical appraisal of assessment tools and escalation pathways. J Nurs Scholarsh. 2019;51(5):537–46.,1717. de Lima Jacinto AK, Avelar AF, Pedreira ML. Predisposing factors for infiltration in children submitted to peripheral venous catheterization. J Infus Nurs. 2011;34(6):391–8.,1818. Kuo CC, Feng IJ, Lee WJ. [The efficacy of near-infrared devices in facilitating peripheral intravenous access in children: a systematic review and subgroup meta-analysis]. Hu Li Za Zhi. 2017;64(5):69–80. Chinese.)que continha os seguintes dados primários: condições da rede venosa, como visibilidade (descrito como visível e não visível), palpabilidade (descrito como palpável e não palpável), trajeto (descrito como retilínea ou tortuosa), mobilidade (descrito como fixa e móvel) e profundidade (descrito como superficial e profunda), calibre do cateter (descrito como 22 Gauge e 20 Gauge), método para a inserção do cateter (descrito como direto e indireto), agitação da criança por movimentação intensa de membros (descrito como sim ou não) e número de tentativas de CIP (descrito como número de vezes que realizou a punção) obtidos pelos pesquisadores por meio da observação não participante da CIP em cada criança selecionada.

Nos prontuários foram coletadas as seguintes variáveis: diagnóstico, idade (cálculo da diferença entre a data de nascimento e data da coleta de dados), estado nutricional (descrito como desnutrida ou eutrófica, sendo avaliado pela nutricionista da unidade com Índice de Massa Corporal - IMC e prega cutânea), tempo de hospitalização (diferença entre a data de internação e data da coleta de dados), TIV utilizada previamente (descrito como sim ou não) e antecedentes das complicações (descrito como sim ou não), se sim, investigado antecedentes de obstrução (descrito como sim ou não), antecedentes de infiltração (descrito como sim ou não), antecedentes de flebite (descrito como sim ou não) e antecedentes de extravasamento (descrito como sim ou não). As demais informações: sexo (descrito como feminino e masculino), raça/cor (descrito como brancas ou pretas ou pardas), história de prematuridade (descrito como sim ou não), tipo de cateter utilizado previamente (descrito como cateter intravenoso periférico e cateter intravenoso central), histórico de dificuldade para a CIP (descrito como sim ou não, sendo considerada rede venosa difícil quando mais de uma tentativa para obtenção), foram questionadas ao acompanhante e a própria criança, de acordo com seu nível de desenvolvimento cognitivo.

As variáveis de exposição foram os dados demográficos, clínicos, características da CIP, uso TIV prolongada (consideramos aquelas utilizadas previamente por mais de sete dias), ocorrência de complicações (descrito como sim ou não) e a variável desfecho foi o insucesso da punção, determinado pela não obtenção do acesso intravenoso na primeira tentativa, resistência a progressão do cateter, confirmado pela ausência de visualização de retorno sanguíneo ao longo da cânula do cateter ou da livre infusão de 2ml de Cloreto de sódio a 0,9%,(99. Moreal C, Comoretto RI, Buchini S, Gregori D. Positioning of vascular access in pediatric patients: an observational study focusing on adherence to current guidelines. J Clin Med. 2021;10(12):2590.) sem alteração na inspeção e palpação do sítio de inserção.

As CIP foram realizadas pelos profissionais de nível médio, técnicos em enfermagem, utilizando o Procedimento Operacional Padrão da unidade pesquisada. Utilizaram-se os seguintes materiais: cateter sobre agulha, com sistema de segurança e cânula confeccionada a base de Poliuretano; extensor dupla via comum preenchido com Cloreto de sódio a 0,9%, seringa de 10ml contendo esta mesma solução e cobertura estéril de Rayon e Poliéster para a estabilização do hub e cobertura do cateter.

Os dados coletados foram duplamente digitados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 22.0. Para descrever as variáveis foram utilizadas frequências absolutas e relativas, sendo as numéricas apresentadas por meio de suas medidas de tendência central (mediana) e dispersão (intervalo interquatil), pois não foi verificada distribuição normal destas variáveis com a aplicação do teste de Shapiro Wilk.

A variável idade foi avaliada numericamente na análise descritiva por caracterizar-se como ordinal, no entanto, para verificar o efeito estatístico e por se tratar de um estudo comparativo realizou-se a categorização: menores de 6 anos (fase pré-escolar) entre 7 e 10 anos (fase escolar), o que corrobora para a realização da análise múltipla com as demais variáveis qualitativas. Quanto a raça cor, justifica-se o agrupamento entre pretas e pardas por considerar pele de cor escura, o que se configura um fator de difícil acesso venoso, conforme o DIVA score,(88. Girotto C, Arpone M, Frigo AC, Micheletto M, Mazza A, Da Dalt L, et al. External validation of the DIVA and DIVA3 clinical predictive rules to identify difficult intravenous access in paediatric patients. Emerg Med J. 2020;37(12):762–7.) também, contribuindo para a realização da análise múltipla de natureza dicotômica.

A avaliação das associações independentes, entre as variáveis de exposição e desfecho, foi realizada por meio do cálculo da razão de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% e nível de significância de 5%, empregando-se os testes de Qui-Quadrado de Pearson (X2). Nesta etapa da análise, foram selecionadas variáveis com valor de p≤0,20 para a testagem no modelo múltiplo, haja vista que, esse valor estatístico aproxima-se da significância sendo considerada a possibilidade de interferência de outros fatores, que quando analisada de forma isolada não é verificado. Na análise múltipla foi feita a regressão de Poisson com variância robusta e a modelagem foi alcançada quando as variáveis apresentaram nível de significância de 5%.

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa sob o Parecer de número 841.612 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 34172014.7.0000.0053).

Resultados

Foram incluídas na pesquisa 130 CIP, realizadas em 51 crianças, não foram excluídas e não incluídas nenhuma participante conforme os critérios descritos. Em relação às características demográficas, as crianças apresentaram mediana de idade 56 meses e intervalo interquatil de 50 meses, quanto ao tempo de hospitalização, a mediana foi de dois dias e o intervalo interquartil de 5 dias. A maioria era do sexo feminino (54,9%), raça/cor identificada pelos pais como sendo preta ou parda (66,7%), eutróficas (90,2%) e (±11,2) e 11,8% possuíam histórico de prematuridade.

Os tipos de neoplasias mais ocorrentes foram: grupos I (Leucemias, doenças mieloproliferativas e doenças mielodisplásicas), II (Linfomas e neoplasias reticuloendoteliais), III (Sistema Nervoso Central e miscelânia de neoplasias intracranianas e intraespinhais), VI (Tumores renais), IX (Tecidos moles e outros sarcomas extra ósseos, sarcomas de partes moles) e XII (Outras neoplasias malignas e não especificadas) foram identificados nas crianças estudadas. Os diagnósticos mais prevalentes foram os do Grupo I (47%) seguidos pelos grupos XII (19,6%) e III (17,6%).

A prevalência de insucesso na amostra estudada foi de 38,5%. Na análise bivariada das características clínicas e da TIV previamente utilizadas pelas crianças, o insucesso da CIP foi estatisticamente associado ao tempo de hospitalização (p=0,005), histórico de dificuldade para a realização da CIP (p=0,035), uso de TIV prévia prolongada (p=0,005) e antecedente de extravasamento durante o período de internação (p=0,008). As características demográficas e as demais de natureza clínica e da TIV utilizada previamente não estiveram associadas ao desfecho pesquisado (Tabela 1).

Tabela 1
Análise bivariada das características demográficas, clínicas e da TIV prévia associadas ao insucesso da CIP em crianças com câncer

Dentre as características da CIP realizada, na análise bivariada observou-se que houve associação da agitação da criança durante este procedimento com o insucesso (p=0,005). As demais variáveis relativas à cateterização realizada na criança não foram diferentes entre os grupos estudados (Tabela 2).

Tabela 2
Associações entre características relacionadas a CIP atual com o insucesso da CIP em crianças da clínica oncológica de um hospital pediátrico

Nota-se que, ao recrutar as variáveis com p-valor <0,20 na análise bivariada (idade, tempo de hospitalização, histórico de dificuldade para a inserção da CIP, uso de TIV prévia prolongada, antecedentes de extravasamento, trajetória da veia, mobilidade da veia, calibre do cateter e agitação da criança), permaneceram explicando o insucesso da CIP na análise múltipla (Tabela 3), o tempo de hospitalização, uso de TIV prévia prolongada, antecedente de extravasamento e agitação da criança.

Tabela 3
Regressão de Poisson das variáveis associadas a ocorrência de insucesso da CIP em crianças da clínica oncológica de um hospital pediátrico

Discussão

Pesquisas apontam que o insucesso na primeira tentativa na CIP em crianças varia entre 10,4 a 91%,(1010. Heydinger G, Shafy SZ, O’Connor C, Nafiu O, Tobias JD, Beltran RJ. Characterization of the difficult peripheral iv in the perioperative setting: a prospective, observational study of intravenous access for pediatric patients undergoing anesthesia. Pediatric Health Med Ther. 2022;13:155–63.,1414. Pagnutti L, Bin A, Donato R, Di Lena G, Fabbro C, Fornasiero L, et al. Difficult intravenous access tool in patients receiving peripheral chemotherapy: A pilot-validation study. Eur J Oncol Nurs. 2016;20:58–63.,1616. Negri DC, Avelar AF, Andreoni S. Fatores predisponentes para insucesso da punção intravenosa periférica em crianças. Rev Lat Am Enfermagem. 2012. 20(6):1-8.,1818. Kuo CC, Feng IJ, Lee WJ. [The efficacy of near-infrared devices in facilitating peripheral intravenous access in children: a systematic review and subgroup meta-analysis]. Hu Li Za Zhi. 2017;64(5):69–80. Chinese.

19. de Freitas Floriano CM, Machado Avelar AF, Sorgini Peterlini MA. Difficulties Related to Peripheral Intravenous Access in Children in an Emergency Room. J Infus Nurs. 2018;41(1):66–72.

20. Hartman JH, Baker J, Bena JF, Morrison SL, Albert NM. Pediatric vascular access peripheral IV algorithm success rate. J Pediatr Nurs. 2018;39:1–6.

21. Choden J, Carr PJ, Brock AR, Esterman A. Nurse performed peripheral intravenous catheter first time insertion success in pediatric patients in Bhutan: an observational study. J Vasc Access. 2019;20(2):184–9.

22. Suchitra E, Srinivasan R. Effectiveness of dry heat application on ease of venepuncture in children with difficult intravenous access: A randomized controlled trial. J Spec Pediatr Nurs. 2020;25(1):e12273.

23. Hartman JH, Bena JF, Morrison SL, Albert NM. Effect of adding a pediatric vascular access team component to a pediatric peripheral vascular access algorithm. J Pediatr Health Care. 2020;34(1):4–9.
-2424. Shaukat H, Neway B, Breslin K, Watson A, Poe K, Boniface K, et al. Utility of the DIVA score for experienced emergency department technicians. Br J Nurs. 2020;29(2):S35–40.) corroborando com os achados desta investigação.

A prevalência de insucesso foi quase duas vezes maior nas crianças com tempo de hospitalização superior a oito dias em comparação com aquelas com tempo menor. Entretanto, esta associação não foi observada em pesquisa realizada em Marrocos.(1414. Pagnutti L, Bin A, Donato R, Di Lena G, Fabbro C, Fornasiero L, et al. Difficult intravenous access tool in patients receiving peripheral chemotherapy: A pilot-validation study. Eur J Oncol Nurs. 2016;20:58–63.)

Em geral, crianças hospitalizadas por longos período de tempo, dependendo do diagnóstico médico, recebem por meio de cateteres intravenosos, eletrólitos em alta concentração,(2525. Jeong IS, Jeon GR, Lee MS, Shin BJ, Kim YJ, Park SM, et al. Intravenous infiltration risk by catheter dwell time among hospitalized children. J Pediatr Nurs. 2017;32:47–51.) antibióticos,(2525. Jeong IS, Jeon GR, Lee MS, Shin BJ, Kim YJ, Park SM, et al. Intravenous infiltration risk by catheter dwell time among hospitalized children. J Pediatr Nurs. 2017;32:47–51.,2626. Park SM, Jeong IS, Kim KL, Park KJ, Jung MJ, Jun SS. The effect of intravenous infiltration management program for hospitalized children. J Pediatr Nurs. 2016;31(2):172–8.) anticonvulsivantes(2525. Jeong IS, Jeon GR, Lee MS, Shin BJ, Kim YJ, Park SM, et al. Intravenous infiltration risk by catheter dwell time among hospitalized children. J Pediatr Nurs. 2017;32:47–51.) e além destes, naquelas em tratamento contra o câncer destacam-se os quimioterápicos, muitos dos quais classificados como hipertônicos, com potencial lesivo devido as suas propriedades irritantes ou vesicantes.

Muitos dos medicamentos supramencionados são classificados como de alto risco para a ocorrência de complicações, quando administrados através de veias periféricas(2727. Santos LM, Silva CS, Machado ES, Almeida AH, Silva CA, Silva BS, et al. Risk factors for site complications of intravenous therapy in children and adolescents with cancer. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20190471.

28. Mewahegn AA, Tadesse B, GebreEyesus FA, Tarekegn TT, Amlak BT, Emeria MS, et al. Lifespan and associated factors of peripheral intravenous cannula among hospitalized children in public hospitals of the Gurage Zone, Ethiopia, 2021. Pediatric Health Med Ther. 2022;13:81–93.
-2929. Larsen EN, Marsh N, Mihala G, King M, Zunk M, Ullman AJ, et al. Intravenous antimicrobial administration through peripheral venous catheters - establishing risk profiles from an analysis of 5252 devices. Int J Antimicrob Agents. 2022;59(4):106552.)devido ao potencial de hidrogênio (pH) menor do que 5 ou maior do que 9 não, assim como osmolaridade superior a 600mmOsm/L.(3030. Manrique-Rodríguez S, Heras-Hidalgo I, Pernia-López MS, Herranz-Alonso A, Del Río Pisabarro MC, Suárez-Mier MB, et al. Standardization and chemical characterization of intravenous therapy in adult patients: a step further in medication safety. Drugs R D. 2021;21(1):39–64.) Tais características irritam o endotélio vascular da criança, predispondo-a à ocorrência de complicações locais associadas a TIV, infiltração, extravasamentos e depleção da rede venosa ao longo do período de hospitalização da criança,(2727. Santos LM, Silva CS, Machado ES, Almeida AH, Silva CA, Silva BS, et al. Risk factors for site complications of intravenous therapy in children and adolescents with cancer. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20190471.

28. Mewahegn AA, Tadesse B, GebreEyesus FA, Tarekegn TT, Amlak BT, Emeria MS, et al. Lifespan and associated factors of peripheral intravenous cannula among hospitalized children in public hospitals of the Gurage Zone, Ethiopia, 2021. Pediatric Health Med Ther. 2022;13:81–93.

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Considera-se que, em geral, a maioria destas tentativas são realizadas às cegas, sem auxílio de tecnologias para visualização da rede venosa, até que o fluxo sanguíneo seja satisfatório e todos os sítios de inserção possíveis tenham sido esgotados,(3232. Fiorini J, Venturini G, Conti F, Funaro E, Caruso R, Kangasniemi M, et al. Vessel health and preservation: an integrative review. J Clin Nurs. 2019;28(7-8):1039–49.) o que provocará depleção da rede venosa periférica, sendo que nesta condição a criança será denominada com rede venosa de difícil acesso.

As veias se tornarão não visíveis e impalpáveis, sendo condições associadas, na maioria das vezes, ao insucesso da CIP.(1919. de Freitas Floriano CM, Machado Avelar AF, Sorgini Peterlini MA. Difficulties Related to Peripheral Intravenous Access in Children in an Emergency Room. J Infus Nurs. 2018;41(1):66–72.,2121. Choden J, Carr PJ, Brock AR, Esterman A. Nurse performed peripheral intravenous catheter first time insertion success in pediatric patients in Bhutan: an observational study. J Vasc Access. 2019;20(2):184–9.) Assim, ao longo do tratamento, a criança fica exposta aos efeitos deletérios do esgotamento de sua rede venosa decorrente da dificuldade de obtenção de uma via periférica para a continuidade de sua terapia, repercutindo na saúde vascular no que se refere a preservação da veia periférica.(1414. Pagnutti L, Bin A, Donato R, Di Lena G, Fabbro C, Fornasiero L, et al. Difficult intravenous access tool in patients receiving peripheral chemotherapy: A pilot-validation study. Eur J Oncol Nurs. 2016;20:58–63.)

O histórico de dificuldade para a cateterização, mesmo não sendo confirmado como variável preditora para o insucesso nesta pesquisa, merece destaque na prática clínica diária das enfermeiras pediatras, pois estudo internacional o identificou como fator relacionado à necessidade de múltiplas tentativas.(1010. Heydinger G, Shafy SZ, O’Connor C, Nafiu O, Tobias JD, Beltran RJ. Characterization of the difficult peripheral iv in the perioperative setting: a prospective, observational study of intravenous access for pediatric patients undergoing anesthesia. Pediatric Health Med Ther. 2022;13:155–63.) Sua presença sugere exposição repetida a que múltiplas tentativas de CIP, as quais acarretam fragilidade venosa,(1313. Shokoohi H, Loesche MA, Duggan NM, Liteplo AS, Huang C, Al Saud AA, et al. Difficult intravenous access as an independent predictor of delayed care and prolonged length of stay in the emergency department. J Am Coll Emerg Physicians Open. 2020;1(6):1660–8.) hematomas, esclerose e esgotamento venoso, o que torna mais difícil o sucesso da CIP.(1414. Pagnutti L, Bin A, Donato R, Di Lena G, Fabbro C, Fornasiero L, et al. Difficult intravenous access tool in patients receiving peripheral chemotherapy: A pilot-validation study. Eur J Oncol Nurs. 2016;20:58–63.)

Neste sentido, o tempo prolongado de hospitalização e a infusão dos diversos medicamentos e soluções já citados, potencializam a ocorrência do histórico de dificuldade para a cateterização, que, juntamente com a presença de fatores predisponentes para o insucesso deste procedimento acarretam infiltração.(1717. de Lima Jacinto AK, Avelar AF, Pedreira ML. Predisposing factors for infiltration in children submitted to peripheral venous catheterization. J Infus Nurs. 2011;34(6):391–8.,2525. Jeong IS, Jeon GR, Lee MS, Shin BJ, Kim YJ, Park SM, et al. Intravenous infiltration risk by catheter dwell time among hospitalized children. J Pediatr Nurs. 2017;32:47–51.,2626. Park SM, Jeong IS, Kim KL, Park KJ, Jung MJ, Jun SS. The effect of intravenous infiltration management program for hospitalized children. J Pediatr Nurs. 2016;31(2):172–8.)

Infiltrações também podem ocorrer, quando medicamentos ou soluções irritantes são utilizados por tempo superior a 96 horas,(1717. de Lima Jacinto AK, Avelar AF, Pedreira ML. Predisposing factors for infiltration in children submitted to peripheral venous catheterization. J Infus Nurs. 2011;34(6):391–8.,2525. Jeong IS, Jeon GR, Lee MS, Shin BJ, Kim YJ, Park SM, et al. Intravenous infiltration risk by catheter dwell time among hospitalized children. J Pediatr Nurs. 2017;32:47–51.) sendo primordial adequada seleção da veia, correta estabilização do hub do cateter como medidas essenciais para a prevenção desta complicação e retirada do cateter quando indicado clinicamente.(3333. Webster J, Osborne S, Rickard CM, Marsh N. Clinically-indicated replacement versus routine replacement of peripheral venous catheters. Cochrane Database Syst Rev. 2019;1(1 CD007798):CD007798.)

Após exaustivas tentativas de CIP e impossibilidade de obtenção de um acesso por via periférica, os profissionais envolvidos na realização deste procedimento solicitam, na maioria das vezes, avaliação médica quanto à possibilidade de inserção de cateter central. De acordo com pesquisa nacional o uso prévio deste tipo de cateter e nas condições mencionadas, ou seja, indicado de modo tardio, constitui fator predisponente para o insucesso da CIP.(1616. Negri DC, Avelar AF, Andreoni S. Fatores predisponentes para insucesso da punção intravenosa periférica em crianças. Rev Lat Am Enfermagem. 2012. 20(6):1-8.)

A prevalência de insucesso foi duas vezes maior nas crianças que utilizaram TIV por tempo prolongado, o que não foi observado em investigação realizada em São Paulo.(1616. Negri DC, Avelar AF, Andreoni S. Fatores predisponentes para insucesso da punção intravenosa periférica em crianças. Rev Lat Am Enfermagem. 2012. 20(6):1-8.) Outra pesquisa nacional observou que o tempo prolongado de uso da TIV esteve associado a ocorrência de complicações em crianças,(3131. Santos LM, Nunes KJ, Silva CS, Kusahara DM, Rodrigues ED, Avelar AF. Elaboration and validation of an algorithm for treating peripheral intravenous infiltration and extravasation in children. Rev Lat Am Enfermagem. 2021;29:e3435.) como a infiltração, o que possibilita a depleção da rede venosa periférica.

A utilização prévia de TIV por via periférica também está associada com o tempo de uso de medicamentos considerados vesicantes e/ou irritantes como os quimioterápicos,(1414. Pagnutti L, Bin A, Donato R, Di Lena G, Fabbro C, Fornasiero L, et al. Difficult intravenous access tool in patients receiving peripheral chemotherapy: A pilot-validation study. Eur J Oncol Nurs. 2016;20:58–63.) que ocasionam danos ao endotélio vascular, decorrentes de complicações a exemplo da flebite e repetidas tentativas de CIP.

Contudo, conforme resultado de metanálise não há clareza quanto a diferença na taxa de infecção da corrente sanguínea relacionada a cateter, tromboflebite e dor em pacientes cujos cateteres foram retirados por indicação clínica ou a substituição de rotina, mas maior probabilidade de infiltração.(3333. Webster J, Osborne S, Rickard CM, Marsh N. Clinically-indicated replacement versus routine replacement of peripheral venous catheters. Cochrane Database Syst Rev. 2019;1(1 CD007798):CD007798.)

Ter antecedente de extravasamento aumentou duas vezes a prevalência de insucesso da CIP, assim como o histórico de infiltração(1717. de Lima Jacinto AK, Avelar AF, Pedreira ML. Predisposing factors for infiltration in children submitted to peripheral venous catheterization. J Infus Nurs. 2011;34(6):391–8.) ou de complicações locais.(77. Ullman AJ, Bernstein SJ, Brown E, Aiyagari R, Doellman D, Faustino EV, et al. The Michigan Appropriateness Guide for Intravenous Catheters in Pediatrics: miniMAGIC. Pediatrics. 2020;145 Suppl 3:S269–84.) Destaca-se que as duas últimas pesquisas citadas não informaram quais seriam as complicações prévias.

Assim como as múltiplas tentativas de cateterizações, a ocorrência do extravasamento e o histórico de qualquer uma das complicações locais associadas ao uso de TIV ocasionam danos ao endotélio vascular, gerando depleção da rede venosa da criança e a dificuldade de futuras tentativas de CIP.

Nesta pesquisa, a prevalência de insucesso em crianças agitadas durante a CIP foi quase duas vezes maior a daquelas que permaneceram mais tranquilas. Sabe-se que as diversas tentativas de CIP ocasionam medo e ansiedade na criança,(3434. Moutinho C, Rocha A. A dor na criança submetida a punção venosa periférica. prevenção com eutectic mixture of local anesthetics. Millenium. 2016;50(1):253–65) o que associadas ao difícil acesso intravenoso periférico já identificado, afetam o sucesso da cateterização,(1313. Shokoohi H, Loesche MA, Duggan NM, Liteplo AS, Huang C, Al Saud AA, et al. Difficult intravenous access as an independent predictor of delayed care and prolonged length of stay in the emergency department. J Am Coll Emerg Physicians Open. 2020;1(6):1660–8.) expondo-a a uma experiência dolorosa.

Por isso, crianças com rede venosa difícil tendem a reagir com estresse e intenso sofrimento durante este procedimento, permanecendo mais agitadas como forma de protesto. No entanto, a agitação não foi associada ao insucesso em investigação paulista.(2020. Hartman JH, Baker J, Bena JF, Morrison SL, Albert NM. Pediatric vascular access peripheral IV algorithm success rate. J Pediatr Nurs. 2018;39:1–6.)

Os dados da presente pesquisa apontam para a necessidade de inovações na prática clínica dos profissionais de enfermagem no que se refere ao uso de ferramentas clínicas que possam ser utilizadas na predição do risco de insucesso da CIP, a exemplo do DIVA-Escore(88. Girotto C, Arpone M, Frigo AC, Micheletto M, Mazza A, Da Dalt L, et al. External validation of the DIVA and DIVA3 clinical predictive rules to identify difficult intravenous access in paediatric patients. Emerg Med J. 2020;37(12):762–7.) utilizada em crianças, independentemente do motivo de sua hospitalização.

O uso do instrumento DIVA escore como ferramenta clínica na identificação das crianças pode trazer benefícios, objetivando maximizar a eficácia e o tratamento. Essa tecnologia leve avalia a idade, cor da pele, histórico de prematuridade, visibilidade e palpabilidade da veia. Neste escore, crianças com pontuações maiores ou iguais a 4 são classificadas como de rede venosa difícil e tem a possibilidade de insucesso na primeira tentativa de cateterização,(88. Girotto C, Arpone M, Frigo AC, Micheletto M, Mazza A, Da Dalt L, et al. External validation of the DIVA and DIVA3 clinical predictive rules to identify difficult intravenous access in paediatric patients. Emerg Med J. 2020;37(12):762–7.) demandando o auxílio de alguma tecnologia para visualização da rede venosa.

Dentre estas, tem-se a aplicação de calor seco antes da CIP, indicado como recurso clínico que pode proporcionar o sucesso deste procedimento e reduzir a dor percebida pela criança.(3030. Manrique-Rodríguez S, Heras-Hidalgo I, Pernia-López MS, Herranz-Alonso A, Del Río Pisabarro MC, Suárez-Mier MB, et al. Standardization and chemical characterization of intravenous therapy in adult patients: a step further in medication safety. Drugs R D. 2021;21(1):39–64.) Outra possibilidade seria os equipamentos como ultrassom, ou aqueles que emitem luz próxima à infravermelha, infravermelha ou a transiluminação como o Venoscópio®, que contribuem para melhorar a visibilidade da rede venosa.

Na unidade pesquisada nenhum dos métodos supramencionados está disponível, sendo recomendada a incorporação de acordo com a realidade local, contribuindo para a qualidade, excelência e segurança do cuidado à criança com rede venosa difícil.

Esta pesquisa demanda interpretação à luz de algumas limitações: tratou-se de uma pesquisa transversal unicêntrica na qual não foi possível realizar cálculo amostral, e a dificuldade de compreender se a criança com câncer tem características diferentes daquelas com outros problemas de saúde para o insucesso da CIP por falta de publicações prévias. A variável agitação da criança foi baseada apenas na percepção do observador em relação às movimentações dos membros superiores e inferiores. Não se levou em consideração a habilidade ou experiência dos profissionais que realizaram os procedimentos.

A lacuna da literatura sobre a prevalência do insucesso em crianças com câncer dificultou a discussão dos dados, o que demandou a comparação com resultados de pesquisa realizadas com crianças com outras condições de saúde.

Contudo, os achados da presente pesquisa poderão contribuir com a formação de evidência científica para a transformação da prática clínica dos profissionais envolvidos na realização da TIV em crianças oncológicas, no que se refere o uso de tecnologias que possam facilitar a avaliação da rede venosa e a CIP daquelas classificadas como de difícil cateterização.

Ademais, por tratar de dados exploratórios do contexto pesquisado, futuras investigações poderão utilizar a prevalência de insucesso da CIP em crianças com câncer estimada nesta investigação, utilizando este parâmetro na tomada de decisão no que se refere ao tamanho amostral.

Conclusão

Os achados desta pesquisa alertam para a alta prevalência de insucesso da CIP em crianças com câncer em hospital de uma cidade do Estado da Bahia, associada ao tempo de hospitalização maior ou igual a oito dias, uso de TIV prévia prolongada, antecedente de extravasamento e agitação da criança durante a inserção do cateter.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Denise Myuki Kusahara (https://orcid.org/0000-0002-9498-0868) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    7 Abr 2021
  • Aceito
    6 Set 2022
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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