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Incidência de lesão de córnea em terapia intensiva: um estudo de coorte

Incidencia de lesión en la córnea en terapia intensiva: un estudio de cohorte

Resumo

Objetivo

Identificar a incidência de lesão de córnea em pacientes internados na unidade de terapia intensiva e associar os principais fatores de risco com a ocorrência de lesão de córnea em pacientes internados na unidade de terapia intensiva.

Métodos

Estudo de coorte prospectivo, no qual foram incluídos 40 pacientes internados na unidade de terapia intensiva, no período de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020. A análise de dados ocorreu de forma descritiva e inferencial, por testes estatísticos e medidas de efeito.

Resultados

A amostra foi composta por 40 pacientes. A lesão de córnea se desenvolveu em 20% (n=8) dos participantes e está significativamente associada aos seguintes fatores: tempo de internação de dois a sete dias (70%; n=28), Glasgow < 13 (50%; n=7), uso de sedativo (33,3%; n=8),uso de broncodilatador (36,8%; n=7), uso de Traqueostomia (TQT) (50%; n=6) e Ventilação Mecânica Invasiva (VMI) (58,3%; n=7), o piscar menos de cinco vezes (61,5%; n=8), o fechamento parcial da pálpebra(38,9%;n=7), a hiperemia (34,8%; n=8), o edema palpebral(41,2%; n=7), o edema conjuntival (50%; n=7) e o ressecamento(50%; n=5).

Conclusão

O paciente internado em unidade de terapia intensiva está exposto a diversos fatores de risco para o desenvolvimento de lesão na córnea, com destaque para ventilação mecânica e Glasgow menor que 13 sendo necessária a implementação de medidas profiláticas para lesão de córnea, mediante o controle e mitigação dos fatores de risco e exposição do paciente.

Lesões na córnea; Fatores de risco; Síndromes do olho seco; Doenças da córnea; Unidades de terapia intensiva

Resumen

Objetivo

Identificar la incidencia de lesión en la córnea en pacientes internados en una unidad de cuidados intensivos y asociar los principales factores de riesgo con los episodios de lesión de córnea en pacientes internados en una unidad de cuidados intensivos.

Métodos

Estudio de cohorte prospectivo, en el que se incluyeron 40 pacientes internados en una unidad de cuidados intensivos, en el período de diciembre de 2019 a febrero de 2020. El análisis de los datos se realizó de forma descriptiva e inferencial, mediante pruebas estadísticas y medidas de efecto.

Resultados

La muestra estuvo compuesta por 40 pacientes. La lesión en la córnea se presentó en el 20 % (n=8) de los participantes y está significativamente asociada a los siguientes factores: tiempo de internación de dos a siete días (70 %; n=28), Glasgow < 13 (50 %; n=7), uso de sedante (33,3 %; n=8), uso de broncodilatador (36,8 %; n=7), uso de traqueotomía (TQT) (50 %; n=6) y ventilación mecánica invasiva (VMI) (58,3 %; n=7), parpadear menos de cinco veces (61,5 %; n=8), cierre parcial del párpado (38,9 %; n=7), hiperemia (34,8 %; n=8), edema palpebral (41,2 %; n=7), edema conjuntival (50 %; n=7) y resecamiento (50 %; n=5).

Conclusión

Los pacientes internados en una unidad de cuidados intensivos están expuestos a diversos factores de riesgo para contraer lesión en la córnea, con énfasis en la ventilación mecánica y Glasgow menor a 13, para lo cual es necesario implementar medidas profilácticas para lesión en la córnea mediante el control y mitigación de los factores de riesgo y exposición de los pacientes.

Lesiones de la córnea; Fatores de riesgo; Síndromes de ojo seco; Enfermedades de la córnea; Unidades de cuidados intensivos

Abstract

Objective

To identify the incidence of corneal injury in patients hospitalized in the Intensive Care Unit and associate the main risk factors with the occurrence of corneal injury in patients hospitalized in the Intensive Care Unit.

Methods

This is a prospective cohort study, in which 40 patients admitted to the Intensive Care Unit were included, from December 2019 to February 2020. Data analysis was descriptive and inferential, using statistical tests and effect measures.

Results

The sample consisted of 40 patients. Corneal injury developed in 20% (n=8) of participants and is significantly associated with the following factors: length of stay from two to seven days (70%; n=28), Glasgow < 13 (50%; n= 7), use of sedatives (33.3%; n=8), use of bronchodilators (36.8%; n=7), use of tracheostomy (TCT) (50%; n=6) and invasive mechanical ventilation (IMV) (58.3%; n=7), blinking less than five times (61.5%; n=8), partial eyelid closure (38.9%; n=7), hyperemia (34.8%; n=8), eyelid edema (41.2%; n=7), conjunctival edema (50%; n=7) and dryness (50%; n=5).

Conclusion

Patients admitted to the Intensive Care Unit are exposed to several risk factors for developing corneal injury, with emphasis on mechanical ventilation and Glasgow less than 13, requiring the implementation of prophylactic measures for corneal injury, through the control and mitigation of risk factors and patient exposure.

Corneal injuries; Risk factors; Dry eye syndromes; Corneal diseases; Intensive care units

Introdução

A dinâmica do ambiente da terapia intensiva pode levar a priorização de cuidados específicos, imediatos e complexos ao paciente crítico, em decorrência de outros cuidados básicos, porém essenciais.(11. Oliveira RS, Fernandes AP, Botarelli FR, Araújo JN, Barreto VP, Vitor AF. Fatores de risco para lesão na córnea em pacientes críticos em terapia intensiva: uma revisão integrativa. Rev Pesqui Cuidado Fundam. 2016;8(2):4423-34.)Quando a gravidade não gera risco iminente à vida, os cuidados podem ocorrer com menor frequência ou não serem evidenciados, podendo ser até suprimidos, como é o caso do cuidado com os olhos do paciente crítico.

A falta de terapêutica profilática ocular torna o paciente crítico suscetível a alterações importantes que levam à alta incidência de lesão na córnea em terapia intensiva.(22. Freitas LS, Ferreira MA, Almeida Filho AJ, Santos CC, Silva LB. Lesões corneanas em pacientes de terapia intensiva: contribuições para a sistematização da assistência de enfermagem e segurança do paciente. Texto Contexto Enferm. 2018;27(4):e4960017.) Em uma coorte brasileira, na qual foram incluídos 254 pacientes, 59,4% dos pacientes internados em uma unidade de terapia intensiva (UTI) apresentaram lesão de córnea.(33. Werli-Alvarenga A, Ercole FF, Botoni FA, Oliveira JA, Chianca TC. Lesões da córnea: problemas e fatores de risco na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(5):1088-95.)

Assim como a lesão de córnea, outras alterações oculares também possuem alta incidência em pacientes críticos. Um estudo revelou que mais de 70% dos 106 pacientes avaliados desenvolveram hiperemia ocular.(44. Pitombeira DO, Souza AM, Fernandes AP, Araújo JN, Silva AB, Vitor AF. Pacientes com olho seco suportados em unidade de terapia intensiva. Cogitare Enferm. 2018;23(2):e53081.) Outra pesquisa indicou o lagoftalmia como a principal alteração ocular na UTI.(33. Werli-Alvarenga A, Ercole FF, Botoni FA, Oliveira JA, Chianca TC. Lesões da córnea: problemas e fatores de risco na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(5):1088-95.) Em uma coorte, realizada na terapia intensiva, foi demonstrado que o piscar de olhos com frequência inferior a cinco vezes por minuto fez aumentar substancialmente as chances de desenvolver uma lesão na córnea.(44. Pitombeira DO, Souza AM, Fernandes AP, Araújo JN, Silva AB, Vitor AF. Pacientes com olho seco suportados em unidade de terapia intensiva. Cogitare Enferm. 2018;23(2):e53081.) Tais condições estão diretamente relacionadas aos mecanismos de lubrificação, manutenção e proteção do olho, que, por vezes, estão comprometidos nos pacientes críticos.(55. Soares RP, Fernandes AP, Botarelli FR, Araújo JN, Olímpio JA, Vitor AF. Indicadores clínicos do resultado de enfermagem da gravidade do olho seco em unidade de terapia intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2019;27:e3201.

6. Craig JP, Nichols KK, Akpek EK, Caffery B, Dua HS, Joo CK, et al. TFOS DEWS II Definition and Classification Report. Ocul Surf. 2017;15(3):276-83. Review.
-77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.)

Outros fatores de risco para a lesão de córnea, como o uso de tubo orotraqueal (TOT), traqueostomia (TQT); ventilação mecânica (VM), pressão expiratória final(PEEP) alta; uso de medicamentos do tipo: sedativos, bloqueadores musculares, anti-hipertensivos inibidores da enzima conversora de angiostensina (IECA), antibióticos, anestésicos, vasoconstritores, benzodiazepínicos, além de cirurgias, perda de volume, possuem uma forte associação com o aparecimento de alterações oculares.(44. Pitombeira DO, Souza AM, Fernandes AP, Araújo JN, Silva AB, Vitor AF. Pacientes com olho seco suportados em unidade de terapia intensiva. Cogitare Enferm. 2018;23(2):e53081.,55. Soares RP, Fernandes AP, Botarelli FR, Araújo JN, Olímpio JA, Vitor AF. Indicadores clínicos do resultado de enfermagem da gravidade do olho seco em unidade de terapia intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2019;27:e3201.,77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.)Nessa diretiva, o paciente crítico encontra-se constantemente vulnerável a danos oculares e eventos adversos oftálmicos.

São consideráveis as perdas geradas no âmbito físico, emocional e social do paciente, uma vez que, o comprometimento ocular pode prolongar o tempo de internação e causar complicações mais graves, como a perda da visão, postergando a alta hospitalar, e afetando diretamente em suas atividades diárias e laborais.(11. Oliveira RS, Fernandes AP, Botarelli FR, Araújo JN, Barreto VP, Vitor AF. Fatores de risco para lesão na córnea em pacientes críticos em terapia intensiva: uma revisão integrativa. Rev Pesqui Cuidado Fundam. 2016;8(2):4423-34.,55. Soares RP, Fernandes AP, Botarelli FR, Araújo JN, Olímpio JA, Vitor AF. Indicadores clínicos do resultado de enfermagem da gravidade do olho seco em unidade de terapia intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2019;27:e3201.)

Se o problema relacionado à lesão na córnea não for identificado precocemente, o evento, apesar de prevenível, continuará ocorrendo. Implementação de medidas de controle, através de estratégias simples e eficazes como avaliação dos fatores de risco, inspeção do olho, realização de higiene ocular e o uso de colírio lubrificante, pode controlar as taxas de incidência desse evento e promover uma assistência livre de danos oftálmicos. Tal situação se agrava, uma vez que a lesão na córnea pode permanecer de forma silenciosa em se tratando de um paciente crítico. Portanto, ressalta-se, assim, a urgência da rastreabilidade quanto à possibilidade para o desenvolvimento de uma lesão na córnea, por meio da identificação dos fatores de risco.

Ao produzir um escopo de conhecimento sobre os fatores de risco para lesão de córnea, este estudo pretende subsidiar a assistência de enfermagem; o planejamento e implementação de medidas de rastreio, controle e prevenção desse agravo. Tendo em vista que a equipe de enfermagem assiste o paciente diretamente 24 horas, torna-se estratégico que os profissionais possuam conhecimento capaz de controlar os fatores de risco e gerenciar os potenciais eventos adversos.

Considerando a lesão de córnea um problema prevalente, atual e relevante, que manifesta repercussões significativas para o paciente que ocupa um leito de UTI, esse estudo tem como objetivos: identificar a incidência de lesão de córnea em pacientes internados na unidade de terapia intensiva e associar os principais fatores de risco com a ocorrência de lesão de córnea em pacientes internados na unidade de terapia intensiva.

Métodos

A pesquisa foi guiada pela ferramenta STROBE Statement - Checklist of items that should be included in reports of cohort studies. Trata-se de estudo de coorte realizado em um hospital privado com selo de acreditação por excelência da Joint Commission International (JCI), situado na cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, a UTI, localizada no segundo andar do hospital, é composta por oito leitos ativo, em sua maioria representada por pacientes idosos, com algum comprometimento respiratório prévio, a exemplo da asma e DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), advindos da emergência. A unidade também recebe pacientes transferidos de outras instituições e de outros setores do hospital. O cálculo amostral foi de 40 pacientes, os quais geraram 454 observações com erro máximo de 5% e nível de confiança de 95%, baseando-se no tamanho da população dos últimos três meses que antecederam a pesquisa. Ressalta-se que as observações foram realizadas em dias subsequentes ao longo do período de internação. A coorte foi realizada de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020.

Os critérios de elegibilidade foram: pacientes maiores de 18 anos internados na UTI durante o período da coleta de dados e que não apresentassem lesão de córnea prévia, avaliada por meio do Teste com Fluoresceína Sódica1%,(88. Gomes RL, Marques JC, Albers MB, Endo RM, Dantas PE, Felberg S. Superfície ocular e hepatite C. Arq Bras Oftalmol. 2011;74(2):97-101.,99. Fernandes AP, Araújo JM, Botarelli FR, Pitombeira DO, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Olho Seco em Unidade de Terapia Intensiva: uma análise de conceito. Rev Bras Enferm. 2018;71(3):1162-9.)que permaneceram na unidade por mais de 48 horas, considerando este o tempo mínimo para o aparecimento da referida lesão. O Teste com Fluoresceína Sódica 1% foi realizado diariamente por um enfermeiro intensivista capacitado e um médico oftalmologista (padrão ouro), com duração aproximada de quatro a cinco minutos. O enfermeiro realizava o teste e na presença de qualquer alteração, o oftalmologista realizava um novo teste. Sob penumbra, uma gota de Fluoresceína sódica 1% era instilada em cada olho do participante, e após 1 minuto a córnea do paciente era avaliada com o auxílio de um oftalmoscópio a luz de cobalto. Os achados foram registrados no instrumento de coleta de dados.

A fim de detectar os fatores de risco: hiperemia, edema palpebral, quemose (observação de edema conjuntival), piscar de olhos menor que cinco vezes por minuto e o ressecamento ocular, foi realizado a beira leito o exame físico do olho com ênfase na inspeção e palpação em busca dos seguintes achados: presença de vasos dilatados, acúmulo anormal de líquido na região da pálpebra, observação de edema de conjuntiva, número de vezes que o paciente piscou no período de um minuto (com auxílio de um cronômetro), e rompimento do filme lacrimal (através do teste com Fluoresceína sódica 1%), respectivamente. Tais observações, realizadas diariamente, foram guiadas pelo instrumento de coleta de dados. O instrumento de coleta de dados foi pautado nas evidências científicas considerando os principais fatores de risco para lesão na córnea em UTI, sendo organizado didaticamente em três blocos: dados sociodemográficos, dados extraídos dos prontuários e a observação direta dos pacientes à beira leito.(11. Oliveira RS, Fernandes AP, Botarelli FR, Araújo JN, Barreto VP, Vitor AF. Fatores de risco para lesão na córnea em pacientes críticos em terapia intensiva: uma revisão integrativa. Rev Pesqui Cuidado Fundam. 2016;8(2):4423-34.,33. Werli-Alvarenga A, Ercole FF, Botoni FA, Oliveira JA, Chianca TC. Lesões da córnea: problemas e fatores de risco na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(5):1088-95.,77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.)Dessa forma, elaborou-se um banco de dados gerado através do programa Microsoft Excel® 2007, e posteriormente submetido à análise descritiva utilizando-se o programa SPSS (Statistical Package for the Social Science), versão 22.0.

Para caracterização dos pacientes foi feita a análise descritiva dos resultados das variáveis por meio de distribuições de frequências com as proporções de interesse e cálculo de estatísticas apropriadas para variáveis quantitativas (tempo de internação hospitalar, tempo de internação na UTI, tempo para o aparecimento de lesão na córnea, idade, escala de agitação e sedação de Richmond (RASS), escala de coma de Glasgow (Glasgow), temperatura do ambiente), isto é, mínimo, máximo, média, mediana, desvio padrão e coeficiente de variação – CV. A variabilidade da distribuição de uma variável quantitativa foi considerada baixa se CV<0,20; moderada se 0,20≤CV<0,40 e alta se CV≥0,40. O paciente sedado possui o piscar de olho diminuto, e eventualmente latente em virtude da sedação farmacológica. Entretanto, tal condição não impede a observação da contagem do reflexo palpebral (ritmo do piscar dos olhos). O protocolo institucional preconiza a aplicação da escala de agitação e sedação de Richmond (RASS) juntamente com a escala de coma de Glasgow (Glasgow) para avaliação dos pacientes da UTI, devido ao perfil de rebaixamento neurológico destes pacientes.

A prevalência e incidência dos fatores de riscos, assim como a incidência de lesão na córnea, foram estimadas individualmente por meio de frequência absoluta e relativa. A hipótese de normalidade da distribuição foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. Em todas as variáveis quantitativas, a hipótese de normalidade foi rejeitada, e para variáveis ordinais, a comparação de dois grupos independentes foi feita pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney. Mais de dois grupos independentes foram comparados pela ANOVA (Análise de Variância), no caso de normalidade; ou pelo teste de Kruskall-Wallis, no caso de a variável não seguir distribuição normal em pelo menos um dos grupos. Para verificar a associação entre duas variáveis qualitativas (sexo, procedência, queixa principal, diagnóstico principal, doença pregressa, presença de infecção respiratória, terapêutica medicamentosa, falência de órgãos, hiperemia, edema palpebral, fechamento palpebral, piscar de olhos, área de exposição ocular, edema conjuntival, perda do tônus da musculatura palpebral, ventilação não invasiva, cateter nasal, macro nebulização, ventilação mecânica invasiva (VMI), tubo endotraqueal (TOT), traqueostomia (TQT) e fixação do TOT), incluindo a associação da lesão na córnea com fatores qualitativos, foi usado o Teste qui-quadrado ou Teste Exato de Fisher, em casos de qui-quadrado inconclusivo. A medida estatística usada para estimar o risco foi a razão de chances (OddsRatio - OR). Todas as discussões acerca dos testes de significância foram realizadas considerando nível de significância máximo de 5% (p<0,05).

A análise do tempo de sobrevivência até a lesão da córnea foi investigada pela Tábua de sobrevivência, média e mediana do tempo de sobrevivência estimadas pelo método de Kaplan Meier. Os participantes da pesquisa foram orientados quanto ao objetivo do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, caso apresentassem alguma incapacidade ou imputabilidade, o responsável legal assinava. O estudo atendeu aos critérios éticos em pesquisa envolvendo seres humanos, aprovado sob o número do parecer 3.523.713 de 21/08/2019 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 13942519.0.0000.5238).

Resultados

Dos 40 pacientes, 47,5% (n=19) pertenciam ao sexo feminino e 52,5% (n=21) ao masculino, com faixa etária predominante entre 70 e 90 anos (65,0%; n=26). Oriundos na maioria do setor de emergência (77,5%; n=31), permanecendo de dois a sete dias na UTI (70,0%; n=28), sob uma temperatura média maior que 20°C e menor que 23°C (70,0%; n=28), apresentaram como comorbidades principais a doença vascular (60,0%; n=24) ou cardíaca (52,5%; n=21), apresentando Glasgow maior que 13 (65%; n=26), possuindo RASS inicial de valor 0 (77,5%; n=31). Todas as queixas ou diagnósticos principais tiveram frequência menor que 50%; a maioria estava em uso de antimicrobiano (70,0%; n=28), anti-hipertensivo (70%; n=28), sedativo (60,0%; n=24) e diurético (52,5%; n=21); estavam em uso de suporte ventilatório (92,5%; n=37). Quanto aos fatores de risco observados durante o tempo de seguimento dos pacientes de UTI, de acordo com a tabela 1, foi típica a ocorrência de hiperemia ocular, que ocorreu em 57,5% (n=23) dos pacientes. Outras alterações também encontradas foram o fechamento palpebral parcial (45%; n=18), edema palpebral (42,5%; n=17), edema conjuntival (35%; n=14), piscar de olhos menor que cinco vezes por minuto (32,5%; n=13) e ressecamento local (25%; n=10). A lesão de córnea, desfecho principal deste estudo, acometeu 20% (n=8) dos pacientes.

Tabela 1
Fatores de risco para lesão de córnea identificados em pacientes internados em uma unidade de terapia intensiva

Quanto aos fatores de risco, os dados da tabela 2 mostraram os seguintes fatores significativamente associados à lesão na córnea: piscar menos de cinco vezes, fechamento parcial da pálpebra, hiperemia, edema palpebral, edema conjuntival, ressecamento, Glasgow < 13, uso de sedativo, uso de broncodilatador, uso de dispositivo TQT e uso de ventilação mecânica invasiva (VMI).

Tabela 2
Apresentação dos testes de associação entre as variáveis de interesse e a lesão de córnea

Observa-se que os pacientes com lesão na córnea apresentaram Glasglow significativamente menor que os pacientes sem lesão na córnea e que o fator tempo de internação esteve associado com o aparecimento de lesão na córnea como evidenciado na tabela 3. Para investigação de fatores associados à lesão da córnea foram considerados apenas os fatores relevantes com frequências maiores que 20%, na amostra global. A lesão na córnea esteve significativamente associada aos seguintes fatores: lesão moderada ou grave segundo a Glasgow menor que 13, uso de sedativo, broncodilatador, dispositivo TQT e de ventilação mecânica invasiva (VMI), piscar menos que cinco vezes por minuto, fechamento parcial da pálpebra, hiperemia, edema palpebral, edema conjuntival e ressecamento.

Tabela 3
Razão de chance (OR) dos fatores de risco associados à lesão de córnea

O tempo de internação apresentou associação com a lesão de córnea. Pode-se observar que com dois dias após a admissão, 100% dos pacientes não possuíam lesões na córnea. Com cinco dias, estimou-se que 94,1% dos pacientes não apresentassem esse tipo de lesão. Com 44 dias na UTI estimou-se que 53,0% dos pacientes de UTI sobrevivem sem lesão na córnea, e assim por diante; ao ponto de com 65 dias de UTI, somente 13,2% dos pacientes sobrevivem sem lesão de córnea. Tal achado pode ser identificado, no quadro 1, pela tábua de Kaplan Meier de sobrevivência até o desenvolvimento da lesão da córnea.

Quadro 1
Tábua de sobrevivência de Kaplan Meier até a lesão na córnea

Discussão

O presente estudo possibilitou identificar fatores associados à lesão de córnea em 20% dos pacientes internados na unidade de terapia intensiva. As condições clínicas e terapêuticas dos pacientes se apresentaram como fatores de risco para o aparecimento da lesão, especialmente: Glasgow <13, uso de sedativo, uso de broncodilatador, uso de dispositivo TQT e uso de VMI o que também foi encontrado em estudos de outros autores.(33. Werli-Alvarenga A, Ercole FF, Botoni FA, Oliveira JA, Chianca TC. Lesões da córnea: problemas e fatores de risco na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(5):1088-95.,44. Pitombeira DO, Souza AM, Fernandes AP, Araújo JN, Silva AB, Vitor AF. Pacientes com olho seco suportados em unidade de terapia intensiva. Cogitare Enferm. 2018;23(2):e53081.,77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.,1010. Mercieca F, Suresh P, Morton A, Tullo A. Ocular surface disease in intensive care unit patients. Eye (Lond). 1999;13(Pt 2):231-6.)

A incidência de lesão na córnea foi significativamente maior no subgrupo que usou broncodilatador (p-valor=0,017). No grupo que não usou broncodilatador, a incidência foi de 4,8%. No grupo que usou broncodilatador, a lesão na córnea ocorreu com frequência significativamente maior, em 36,8% dos casos. Estima-se que a chance de um paciente que usa broncodilatador ter lesão na córnea seja 11,7 vezes maior de que um paciente que não usa tal medicamento. Em uma coorte brasileira, realizada com 254 pacientes, o uso de broncodilatador se configurou como uma forte associação para este tipo de lesão.(33. Werli-Alvarenga A, Ercole FF, Botoni FA, Oliveira JA, Chianca TC. Lesões da córnea: problemas e fatores de risco na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(5):1088-95.)

A incidência de lesão na córnea também apresentou associação com o uso do dispositivo TQT (p-valor=0,005), apresentando incidência de 7,1% em pacientes que fizeram uso deste dispositivo. A chance de se desenvolver lesão de córnea aumentou substancialmente quando em uso de TQT, sendo 13,0 vezes maior quando comparada ao paciente que não usa dispositivo. Corroborando com os achados identificados na literatura.(77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.,1111. Santos QF, Paes GO, Góes FG. Alterações oculares em unidade de terapia intensiva: scoping review. Rev Recien. 2021;11(34):168–80. Review.)

Para o grupo que esteve sob ventilação mecânica invasiva, a incidência de lesão na córnea foi significativamente maior (p-valor<0,001). No grupo que não usou VMI, a incidência de lesão na córnea foi de apenas 3,6%. No grupo que usou VMI em algum momento, a lesão na córnea ocorreu com frequência significativamente maior, em 58,3% dos casos. Pacientes em uso de VMI, concorre com 37,8 vezes mais chances para o desenvolvimento deste tipo de lesão. Tal achado corrobora com a literatura que identifica a ventilação mecânica como um dos fatores de maior de risco para o desenvolvimento de lesão ocular na UTI. Pacientes ventilados mecanicamente têm alta propensão a desenvolverem lesão de córnea. Para todo paciente em uso de ventilação mecânica ou sedado, deve ser adotada medidas de prevenção para lesão de córnea.(1212. Grixti A, Sadri M, Edgar J, Datta AV. Common ocular surface disorders in patients in intensive care units. Ocul Surf. 2012 Jan;10(1):26-42. Review.

13. Wolffsohn JS, Arita R, Chalmers R, Djalilian A, Dogru M, Dumbleton K, et al. TFOS DEWS II Diagnostic Methodology report. Ocul Surf. 2017;15(3):539-74. Review.
-1414. Kousha O, Kousha Z, Paddle J. Incidence, risk factors and impact of protocolised care on exposure keratopathy in critically ill adults: a two-phase prospective cohort study. Crit Care. 2018;22(1):5.)

Pacientes traqueostomizados e em uso de VMI, estão em uso de sedação, na maior parte das vezes, o que reduz a lubrificação ocular. A própria pressão expiratória final (PEEP) acima dos valores fisiológicos pode elevar a pressão ocular danificando a córnea. Outro fator que contribui para dano ocular é a fixação do tubo demasiadamente apertada, pois dificulta o retorno venoso e leva a edema de palpebral/conjuntival. Além disso, são pacientes que necessitam ser aspirados, por vezes, em sistema aberto, o que promove a translocação bacteriana, onde microrganismos por meio do conteúdo aspirado, podem ser transportados da mucosa do trato respiratório para outra mucosa, levando a deposição na mucosa ocular quando não protegida, acarretando em um processo inflamatório/infeccioso.(77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.,1111. Santos QF, Paes GO, Góes FG. Alterações oculares em unidade de terapia intensiva: scoping review. Rev Recien. 2021;11(34):168–80. Review.,1212. Grixti A, Sadri M, Edgar J, Datta AV. Common ocular surface disorders in patients in intensive care units. Ocul Surf. 2012 Jan;10(1):26-42. Review.)

Salienta-se que pacientes da terapia intensiva, por vezes, encontram-se com o reflexo de córneo palpebral comprometido, concorrendo expressivamente para o acometimento com alterações oculares. O edema palpebral pode levar à deficiência de fechamento nas pálpebras, e, consequentemente, exposição do olho, o que o torna mais vulnerável a danos oculares. Em uma coorte com 254 pacientes de UTI, os pacientes apresentaram 1,86 vezes mais chances de desenvolverem lesão de córnea do tipo puntacta quando comparados a pacientes sem edemas.(1111. Santos QF, Paes GO, Góes FG. Alterações oculares em unidade de terapia intensiva: scoping review. Rev Recien. 2021;11(34):168–80. Review.) A quemose, além de impedir o fechamento palpebral completo, também dificulta a lubrificação, contribuindo para ocorrência de danos oculares. Sua incidência varia de 9 a 80% dos pacientes de UTI.(1212. Grixti A, Sadri M, Edgar J, Datta AV. Common ocular surface disorders in patients in intensive care units. Ocul Surf. 2012 Jan;10(1):26-42. Review.)

No presente estudo, o edema palpebral e de conjuntiva (quemose) aumentaram respectivamente 15,4 e 25 vezes a chance de um paciente apresentar lesão na córnea. Essas alterações oculares se configuram como fortes fatores de risco para lesão de córnea. Acredita-se que a ausência de um bundle para prevenção de alterações oculares possa ter contribuído para esse achado. Medidas de prevenção para lesão de córnea devem ser adotadas visto que a própria terapêutica implementada, como por exemplo, o uso de fixador endotraqueal e a pronação, favorece o aparecimento do edema palpebral e a quemose.(22. Freitas LS, Ferreira MA, Almeida Filho AJ, Santos CC, Silva LB. Lesões corneanas em pacientes de terapia intensiva: contribuições para a sistematização da assistência de enfermagem e segurança do paciente. Texto Contexto Enferm. 2018;27(4):e4960017.,1111. Santos QF, Paes GO, Góes FG. Alterações oculares em unidade de terapia intensiva: scoping review. Rev Recien. 2021;11(34):168–80. Review.)

O lagoftalmia é uma alteração que também interfere nos mecanismos de proteção e lubrificação ocular deixando-o mais suscetível a doenças oftálmicas. A exposição ocular leva a um aceleramento no processo de evaporação do filme lacrimal que é uma das causas do ressecamento ocular.(22. Freitas LS, Ferreira MA, Almeida Filho AJ, Santos CC, Silva LB. Lesões corneanas em pacientes de terapia intensiva: contribuições para a sistematização da assistência de enfermagem e segurança do paciente. Texto Contexto Enferm. 2018;27(4):e4960017.) Estudo com 230 pacientes identificou incidência de lagoftalmia de 49,2%, 53% com ressecamento ocular, e 54,3% evoluíram com lesão de córnea. O lagoftalmia foi o principal contribuinte para alterações da superfície ocular, e o ressecamento se apresentou como fator importante para o aparecimento de alteração corneana.(11. Oliveira RS, Fernandes AP, Botarelli FR, Araújo JN, Barreto VP, Vitor AF. Fatores de risco para lesão na córnea em pacientes críticos em terapia intensiva: uma revisão integrativa. Rev Pesqui Cuidado Fundam. 2016;8(2):4423-34.)

O uso de sedações, bloqueadores neuromusculares e medicamentos de uso rotineiro na terapia intensiva, também podem levar a lagoftamia. Neste estudo o logoftalmia apresentou relação com o desenvolvimento de lesão de córnea, possuindo 13,4 vezes mais chances de desenvolver a lesão quando comparado a pacientes com fechamento palpebral completo. Dessa forma, realizar a avaliação ocular e lançar mão de oclusores que fazem o fechamento palpebral passivo são medidas simples que apresentam desfechos positivos e a redução da incidência de lesão de córnea. Outra alteração ocular que se configura como um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de lesão da superfície ocular é o ressecamento. No ambiente da terapia intensiva, por vezes, há uma desordem nos mecanismos responsáveis pela lubrificação e proteção ocular, comprometendo o filme lacrimal, e, consequentemente, viabilizando o aparecimento de uma lesão na córnea.(11. Oliveira RS, Fernandes AP, Botarelli FR, Araújo JN, Barreto VP, Vitor AF. Fatores de risco para lesão na córnea em pacientes críticos em terapia intensiva: uma revisão integrativa. Rev Pesqui Cuidado Fundam. 2016;8(2):4423-34.

2. Freitas LS, Ferreira MA, Almeida Filho AJ, Santos CC, Silva LB. Lesões corneanas em pacientes de terapia intensiva: contribuições para a sistematização da assistência de enfermagem e segurança do paciente. Texto Contexto Enferm. 2018;27(4):e4960017.
-33. Werli-Alvarenga A, Ercole FF, Botoni FA, Oliveira JA, Chianca TC. Lesões da córnea: problemas e fatores de risco na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(5):1088-95.)

Nos pacientes que não apresentaram ressecamento, a incidência de lesão na córnea foi de 10,0%. Já nos casos que apresentaram ressecamento, 25% da população estudada, a lesão ocorreu com frequência significativamente maior em 50,0% dos casos. Estima-se, que a chance de um paciente com ressecamento ter lesão na córnea é 9,0 vezes maior se comparado aos sem ressecamento. Em uma coorte realizada com 206 pacientes de terapia intensiva, 78,6% apresentaram diminuição do filme lacrimal, 52,4% foram diagnosticados com ressecamento ocular e 47,6% tiveram o diagnóstico de enfermagem risco para olho seco.(77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.) Os pacientes desse estudo tinham como prescrição, o uso de colírio lubrificante quatro vezes ao dia, o que pode ter contribuído para uma menor incidência do ressecamento ocular quando comparado a outros estudos. Ao que pode-se inferir que o uso de lubrificante ocular é uma medida eficaz no combate à lesão de córnea. A lesão de córnea também apresentou associação com o piscar de olhos menor com frequência que cinco vezes, confluindo com estudo realizado em uma UTI no Brasil, que identificou um aumento em 45,46 vezes as chances de lesão de córnea em pacientes que piscaram os olhos menos que cinco vezes por minuto.(33. Werli-Alvarenga A, Ercole FF, Botoni FA, Oliveira JA, Chianca TC. Lesões da córnea: problemas e fatores de risco na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(5):1088-95.)A ausência ou deficiência no piscar dos olhos torna o olho suscetível às agressões do ambiente devido não só à exposição, mas ao déficit nos mecanismos de lubrificação ocular. Na carência de medidas protetivas, como o uso de lubrificante ocular, higiene ocular, aplicação de oclusores que permitam o fechamento completo da pálpebra, a córnea estará propensa à lesão. Os pacientes que evoluíram com hiperemia apresentaram incidência de lesão na córnea significativamente maior (34,8%). A hiperemia, dilatação dos vasos sanguíneos que gera a vermelhidão da conjuntiva, varia desde a superficial até a profunda de acordo com a sua extensão, número de vasos dilatados e área hiperemiada.(66. Craig JP, Nichols KK, Akpek EK, Caffery B, Dua HS, Joo CK, et al. TFOS DEWS II Definition and Classification Report. Ocul Surf. 2017;15(3):276-83. Review.) Essa alteração ocular é consequência de falhas na manutenção dos mecanismos que lubrificam os olhos.(66. Craig JP, Nichols KK, Akpek EK, Caffery B, Dua HS, Joo CK, et al. TFOS DEWS II Definition and Classification Report. Ocul Surf. 2017;15(3):276-83. Review.,1313. Wolffsohn JS, Arita R, Chalmers R, Djalilian A, Dogru M, Dumbleton K, et al. TFOS DEWS II Diagnostic Methodology report. Ocul Surf. 2017;15(3):539-74. Review.) Em um estudo transversal na UTI, a hiperemia esteve presente em mais de 70% dos pacientes observados.(66. Craig JP, Nichols KK, Akpek EK, Caffery B, Dua HS, Joo CK, et al. TFOS DEWS II Definition and Classification Report. Ocul Surf. 2017;15(3):276-83. Review.) Na presença de hiperemia as chances de ressecamento ocular aumentaram em 2,94 vezes para o olho direito e 3,2 vezes para o olho esquerdo em uma coorte com 206 pacientes, onde mais de 50% dos participantes tiveram olho hiperemiado.(77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.)

De acordo com os achados deste estudo, estima-se que com 65 dias de UTI, somente 13,2% dos pacientes sobrevivem sem lesão de córnea, isto é, o tempo de internação é um fator determinante para a lesão. Corrobora com esse achado estudo de coorte que evidenciou estreita relação entre o tempo de internação e o aparecimento de alteração ocular, sendo justificado pelo maior tempo de exposição a fatores de risco e ao cuidado ocular negligenciado.(77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.) O principal fator de risco para lesão na córnea em pacientes da terapia intensiva é a deficiência ou ausência de lubrificação do olho.(77. Araújo JN, Botarelli FR, Fernandes AP, Oliveira-Kumakura AR, Ferreira Júnior MA, Vitor AF. Fatores clínicos preditivos de segurança ocular em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03493.,88. Gomes RL, Marques JC, Albers MB, Endo RM, Dantas PE, Felberg S. Superfície ocular e hepatite C. Arq Bras Oftalmol. 2011;74(2):97-101.) Prevenir o olho seco é mitigar o risco de lesão da córnea. Todos os fatores que apresentaram associação com a lesão de córnea no presente estudo se configuram como alterações que comprometem os mecanismos de lubrificação, manutenção e proteção ocular. Neste sentido, a implementação regular de estratégias voltadas para os cuidados com o olho, incluindo educação permanente dos profissionais de saúde voltada para os fatores de risco modificáveis para lesão de córnea, o uso de fita hipoalérgica para o fechamento palpebral, a aplicação de lágrimas artificiais, o uso de gel/pomada lubrificante e o uso de câmara úmida, são fundamentais no ambiente da terapia intensiva.(1414. Kousha O, Kousha Z, Paddle J. Incidence, risk factors and impact of protocolised care on exposure keratopathy in critically ill adults: a two-phase prospective cohort study. Crit Care. 2018;22(1):5.

15. Araújo DD, Ribeiro NS, Chianca TC. Eficácia do filme prevenção do olho seco na de: revisão. Enferm Foco. 2017;8(1):77-81.
-1616. Alansari MA, Hijazi MH, Maghrabi KA. Making a difference in eye care of the critically ill patients. J Intensive Care Med. 2015;30(6):311-7.)

A partir de cuidados simples a lesão de córnea pode ser prevenida, nesse sentido, deve-se considerar o protagonismo da equipe de enfermagem na assistência à beira leito, tornando-se estratégico que o mapeamento dos riscos para lesão de córnea, a implementação de protocolos que preconizem avaliações contínuas e a aplicação de medidas de prevenção e controle façam parte do processo de enfermagem. Como todo estudo de coorte, uma das limitações da pesquisa foi o custo financeiro e a perda de pacientes que compunham a amostra, seja por óbito ou alta hospitalar.

Conclusão

A lesão de córnea, apesar de ser um evento prevenível, apresentou incidência de 20%. A hiperemia, o lagoftalmia, o edema conjuntival, o edema palpebral, o piscar de olhos menor que cinco vezes por minuto, e o ressecamento ocular apresentaram-se como fatores de risco para esse tipo de lesão. Além disso, a própria terapêutica concorre como fator de risco para lesão de córnea, a considerar: Glasgow <13, uso de sedativos e broncodilatadores; uso de TQT e de VMI. A implementação de medidas para a estabilização favorece o desenvolvimento de alterações oculares, uma vez que, de formas diferentes, alteram os mecanismos fisiológicos de manutenção e proteção ocular. É necessária a intervenção da equipe de enfermagem e demais profissionais na detecção dos fatores de risco, assim como na identificação precoce das principais alterações oculares que precedem a lesão de córnea. Os dados tornam evidente que o paciente internado em unidade de tratamento intensivo está suscetível ao aparecimento de alterações oculares e que este comprometimento se deve a múltiplas variáveis. Alterações oculares detectadas em estágios iniciais cursam com um prognóstico mais favorável, dessa forma, sugere-se além da adoção de medidas preventivas, a atuação de uma equipe interdisciplinar no acompanhamento desse paciente com implantação de cuidados baseados nos fatores de risco e controle do ambiente da terapia intensiva. Diante disso, a atuação da enfermagem pode prever a implementação de práticas assistências direcionadas à redução de riscos relacionados ao aparecimento indesejado das lesões de córnea, e assim, conter e mitigar a ocorrência de eventos adversos e incidentes preveníveis nos cenários de terapia intensiva.

Agradecimentos

À Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ) e a United Healt Group pelo apoio a esta pesquisa.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Juliana de Lima Lopes (https://orcid.org/0000-0001-6915-6781) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    8 Jun 2021
  • Aceito
    28 Nov 2022
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