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Disfunção vesical e intestinal na infância: abordagem multi-metodológica

Disfunción vésico-intestinal en la infancia: enfoque multimetodológico

Resumo

Objetivo

Descrever o perfil sociodemográfico, o acesso e interesse em receber informações on-line sobre a disfunção vesical e intestinal, bem como compreender a vivência da família de crianças e adolescentes acometidos por essa disfunção.

Métodos

Trata-se de estudo multi-metodológico realizado em um ambulatório de Prática Avançada de Enfermagem em Uropediatria de um hospital de ensino da região centro-oeste do país.

Resultados

A vivência da família da criança com disfunção vesical e intestinal aponta para um impacto negativo no cotidiano podendo estar relacionado às condições sociodemográficas, a falta de conhecimento das famílias sobre os sintomas e aos estigmas associados à sua manifestação. Para tanto, o acesso a informações on-line apresenta-se como potencial ferramenta de apoio para melhorar a experiência da família da criança com os sintomas.

Conclusão

Os resultados expressam a caracterização sociodemográfica da criança e sua família e o acesso e interesse em receber informações pela internet sobre a disfunção vesical e intestinal, que podem ser importantes para a adesão e percepção de melhora nos sintomas refletindo na vivência familiar. Portanto, o enfermeiro que atua no contexto de cuidado em uropediatria precisa inovar em sua abordagem e implementar novas modalidades de assistência ou intervenções em saúde, principalmente por meio da incorporação de tecnologias baseadas na internet, visando à melhora da qualidade de vida tanto da família quanto da criança com disfunção vesical e intestinal.

Transtornos urinários; Doenças da bexiga urinária; Bexiga urinária; Família; Criança; Adolescente; Prática avançada de enfermagem; Comunicação em saúde

Resumen

Objetivo

Describir el perfil sociodemográfico, el acceso y el interés en recibir información digital sobre la disfunción vésico-intestinal, así como comprender la vivencia de la familia de niños y adolescentes acometidos por esta disfunción.

Métodos

Se trata de un estudio multimetodológico realizado en consultorios externos de Práctica Avanzada de Enfermería en Urología Pediátrica de un hospital universitario de la región Centro-Oeste del país.

Resultados

La vivencia de la familia de niños con disfunción vésico-intestinal indica un impacto negativo en la cotidianidad, lo que puede estar relacionado con las condiciones sociodemográficas, la falta de conocimiento de las familias sobre los síntomas y los estigmas asociados a su manifestación. Para eso, el acceso a la información digital se presenta como una potencial herramienta de apoyo para mejorar la experiencia de la familia de niños con los síntomas.

Conclusión

Los resultados expresan la caracterización sociodemográfica de los niños y su familia y el acceso e interés en recibir información por internet sobre la disfunción vésico-intestinal, que puede ser importante para la adhesión y percepción de mejora de los síntomas y puede reflejarse en la vivencia familiar. Por lo tanto, los enfermeros que actúan en el contexto de cuidado en urología pediátrica necesitan innovar su enfoque e implementar nuevas modalidades de atención o intervenciones en salud, principalmente mediante la incorporación de tecnologías basadas en internet, con el objetivo de mejorar la calidad de vida tanto de la familia como de los niños con disfunción vésico-intestinal.

Trastornos urinarios; Enfermedades de la vejiga urinaria; Vejiga urinaria; familia; Niño; Adolescente; Enfermería pediátrica; Enfermería de práctica avanzada; Comunicación en salud

Abstract

Objective

To describe the sociodemographic profile, access and interest in receiving online information about bladder and bowel dysfunction as well as understand the experience of families of children and adolescents affected by this dysfunction.

Methods

This is a multi-methodological study carried out in an outpatient clinic of Advanced Nursing Practice in uropediatrics of a teaching hospital in midwestern Brazil.

Results

The experience of families of children with bladder and bowel dysfunction points to a negative impact on everyday life, which may be related to sociodemographic conditions, lack of knowledge of families about the symptoms and stigmas associated with its manifestation. To this end, access to online information is a potential support tool to improve the experience of children’s families with the symptoms.

Conclusion

The results express children’s sociodemographic characterization and their family and the access and interest in receiving information on the internet about bladder and bowel dysfunction, which may be important for compliance and perception of improvement in symptoms, reflecting on family experience. Therefore, nurses who work in the context of uropediatrics care need to innovate in their approach and implement new care modalities or health interventions, mainly through the incorporation of internet-based technologies, aimed at improving the quality of life of both the families and children with bladder and bowel dysfunction.

Urination disorders; Urinary bladder diseases; Urinary bladder; Family; Child; Adolescent; Pediatric nursing; Advanced practice nursing; Health communication

Introdução

É reconhecida a coexistência de sintomas urinários e intestinais na prática clínica de urologia pediátrica, sendo essa condição conhecida pelo termo Bladder and Bowel Dysfunction, cuja tradução para o português é a Disfunção Vesical e Intestinal (DVI). Essa nomenclatura atualizada abrange a disfunção do trato urinário interior (DTUI) em combinação com a disfunção intestinal. São exemplos desses sintomas: incontinências urinária e intestinal; alterações na frequência urinária; alterações no padrão miccional como urgência, nocturia, hesitação, esforço, jato fraco ou intermitente, disúria, manobras de contenção, sensação de esvaziamento incompleto e retenção urinária; associados a constipação intestinal funcional (CIF) e/ou encoprese.(11. Austin PF, Bauer SB, Bower W, Chase J, Franco I, Hoebeke P, et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: update report from the Standardization Committee of the International Children’s Continence Society. Neurourol. Neurourol Urodyn. 2016;35(4):471–81.)

A DVI é uma condição prevalente na população pediátrica com impactos significativos na saúde da criança, de modo a interferir em sua qualidade de vida e no desenvolvimento emocional e psicossocial, sobretudo relacionado à autoestima e interação social, além dos impactos no funcionamento familiar.(22. Berry AK. Bladder-bowel dysfunction in children: consequences, risk factors and recommendations for primary care interventions. Curr Pediatr Rep. 2018;6:220.,33. Machado VQ, Fonseca EM. Disfunção vesical e intestinal em crianças e adolescentes. Rev Hospital Universitário Pedro Ernesto. 2016;5(2):146–54.)É significativa a necessidade de modificações das atividades da vida diária e limitação ao ambiente doméstico, com decréscimo da interação social, como resposta adaptativa aos sintomas apresentados pela criança.(44. Rodrigues NS, Martins G, Silveira AO. Experiência familiar de convivência com crianças e adolescentes com disfunção vesical e intestinal. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e20190805.)

Tem-se preconizado a utilização das práticas de uroterapia padrão (UP) como primeira linha de cuidado para a DVI.(55. Nieuwhof-Leppink AJ, Hussong J, Chase J, Larsson J, Renson C, Hoebeke P, et al. Definitions, indications and practice of urotherapy in children and adolescents: a standardization document of the International Children’s Continence Society (ICCS). J Pediatr Urol. 2021;17(2):172-81. Review.) Desta forma, o manejo terapêutico baseado em intervenções de UP se fundamenta em orientações sobre a desmistificação dos sintomas urinários e/ou intestinais por meio de estratégias educativas, associadas a um acompanhamento regular com abordagem às mudanças de comportamento e de hábitos de vida podendo ser combinado, em alguns casos, com o tratamento medicamentoso.(33. Machado VQ, Fonseca EM. Disfunção vesical e intestinal em crianças e adolescentes. Rev Hospital Universitário Pedro Ernesto. 2016;5(2):146–54.

4. Rodrigues NS, Martins G, Silveira AO. Experiência familiar de convivência com crianças e adolescentes com disfunção vesical e intestinal. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e20190805.
-55. Nieuwhof-Leppink AJ, Hussong J, Chase J, Larsson J, Renson C, Hoebeke P, et al. Definitions, indications and practice of urotherapy in children and adolescents: a standardization document of the International Children’s Continence Society (ICCS). J Pediatr Urol. 2021;17(2):172-81. Review.)Assim, para a resolução dos sintomas faz-se necessária a abordagem centrada no paciente e família, de forma que o entendimento sobre a DVI possa gerar influências positivas na adesão terapêutica e nas estratégias de enfrentamento, além da diminuição nos custos em saúde.(33. Machado VQ, Fonseca EM. Disfunção vesical e intestinal em crianças e adolescentes. Rev Hospital Universitário Pedro Ernesto. 2016;5(2):146–54.,66. Taylor DW, Cahill JJ. Do estigma ao centro das atenções: uma necessidade de cuidados de incontinência centrados no paciente. Fórum Gestão Saúde. 2018;31(6):261–4.)

Dado a necessidade de seguimento de longo prazo, para o manejo adequado dos sintomas de DVI, os pacientes e familiares enfrentam múltiplos desafios e dificuldades no enfrentamento dos sintomas, principalmente em termos de adesão às intervenções de UP, fato que impacta nos desfechos esperados pelo próprio paciente/família e profissional de saúde.(77. Kelly AM, Jordan F. Capacitando os pacientes para o autogerenciamento no contexto da incontinência. British J Nurs. 2015;24(14):726–30.)Nesse contexto, ressalta-se a importância do enfermeiro em serviços especializados de urologia pediátrica, visto que sua atuação é reconhecida por elevado índice de resolutividade, baixo custo e alta qualidade do atendimento prestado.(44. Rodrigues NS, Martins G, Silveira AO. Experiência familiar de convivência com crianças e adolescentes com disfunção vesical e intestinal. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e20190805.,88. Duelund-Jakobsen J, Haas S, Buntzen S, Lundby L, Bøje G, Laurberg S. Nurse-led clinics can manage faecal incontinence effectively: results from a tertiary referral centre. Colorectal Dis. 2015;17(8):710-5.

9. Franken MG, Corro Ramos I, Los J, Al MJ. The increasing importance of a continence nurse specialist to improve outcomes and save costs of urinary incontinence care: an analysis of future policy scenarios. BMC Fam Pract. 2018;19(1):31.
-1010. Hillery S. Developing a new one-stop urology diagnostics service. Br J Nurs. 2018;27(18):S22-5.)Um exemplo é o serviço de enfermagem existente em um hospital universitário do Distrito Federal que opera na área de uropediatria no modelo de Prática Avançada de Enfermagem (PAE).(1111. Souza BM, Salviano CF, Martins G. Prática Avançada de Enfermagem em Urologia Pediátrica: relato de experiência no Distrito Federal. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):223–7.) Esse serviço atua na promoção da saúde urológica infantil por meio do empoderamento e do processo de tomada de decisão informada e compartilhada entre o paciente e sua família.(1111. Souza BM, Salviano CF, Martins G. Prática Avançada de Enfermagem em Urologia Pediátrica: relato de experiência no Distrito Federal. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):223–7.)

Paralelamente, tem se destacado a ascensão do uso da internet e, mais especificamente, as redes sociais para o acesso de informações relativas à saúde no contexto de urologia pediátrica.(1212. Truong H, Salib A, Rowe CK. The Use of Social Media in Pediatric Urology-Forging New Paths or Crossing Boundaries? Curr Urol Rep. 2019;20(11):72. Review.)A literatura sinaliza que os pais ou familiares acessam à internet para obter informações sobre problemas de saúde de diferentes especialidades, inclusive a urologia.(1313. Kim H. understanding internet use among dementia caregivers: results of secondary data analysis using the us caregiver survey data. Interact J Med Res. 2015;4(1):e1.,1414. Chan KH, Panoch J, Carroll A, Wiehe S, Cain MP, Frankel R. Knowledge gaps and information seeking by parents about hypospadias. J Pediatr Urol. 2020;16(2):e1-166.e8.) Portanto, a internet pode ser considerada uma ferramenta com grande potencial para ser utilizada pelos enfermeiros com finalidade terapêutica no sentido de compartilhar informações e gerar resultados positivos na adesão e manejo dos sintomas de DVI.

Dessa forma, verifica-se a importância de uma compreensão ampliada do contexto e experiência familiar na convivência com a DVI infantil, bem como explorar o interesse e acesso à internet por essa população de modo a possibilitar o desenvolvimento e avaliação de intervenções inovadoras que sejam sensíveis às especificidades da criança e sua família. Portanto, o presente estudo teve como objetivos descrever o perfil sociodemográfico, o acesso e interesse em receber informações on-line sobre a disfunção vesical e intestinal, bem como compreender a vivência familiar de crianças e adolescentes com a DVI.

Métodos

Estudo multi-metodológico de abordagem transversal desenvolvido em duas etapas: quantitativa e qualitativa. Desta forma, realizou-se um estudo independente com abordagem quantitativa primeiramente e na sequência conduziu-se o estudo de abordagem qualitativa, para uma compreensão e análise mais ampliada de novas perspectivas sobre o fenômeno investigado, bem como para fundamentar o desenvolvimento e implementação de intervenções complexas em serviços de saúde.(1515. Hunter A, Cervejeiro J. Projetando Pesquisa multimétodo. In: Hesse-Biber S, Johnson RB, editors. O Oxford Handbook of Multimethod and Mixed Methods Research Inquiry. Londres: Oxford University Press; 2015. pp. 185–205.)

Para a etapa qualitativa utilizou-se a abordagem da fenomenologia a partir do referencial da Fenomenologia Interpretativa que tem por finalidade a compreensão dos mundos vividos pelos participantes nos diversos contextos que pertencem.(1616. Benner P. Interpretive phenomenology: embodiment, caring, and ethics in health and illness. Newbury Park (CA): Sage; 1994. 400 p.) Desta forma, o pesquisador pode acessar o que realmente importa ao participante a partir de suas vozes que expressam as preocupações e anseios dos seus contextos.(1616. Benner P. Interpretive phenomenology: embodiment, caring, and ethics in health and illness. Newbury Park (CA): Sage; 1994. 400 p.)

O estudo foi realizado no ambulatório de PAE em Uropediatria de um hospital de ensino da região centro-oeste, com amostra de conveniência composta por famílias de crianças e adolescentes com sintomas de DVI, do sexo feminino e masculino, na faixa etária de 5 a 18 anos de idade e que estavam em acompanhamento no serviço durante o período de coleta de dados. Foram excluídas crianças ou adolescentes que possuíam distúrbios neurológicos ou cognitivos, com malformações de trato geniturinário e/ou intestinal, pois tais comorbidades exigem diferentes terapêuticas para o manejo dos sintomas, diferindo do padrão de resposta ao tratamento exclusivo com intervenções de UP direcionadas aos sintomas de DVI.

Para fins deste estudo, considerou-se como família o “grupo de indivíduos unidos por fortes vínculos emocionais, com senso de pertencimento e inclinação para a participação nas vidas uns dos outros”. (1717. Wright LM, Watson WL, Bell JM. Beliefs: the heart of healing in families and illness (Families & Health). Nova Iorque. Basic Books; First Edition; 1996. 336 p.) Partindo desta concepção considerou-se para o convite a participação no estudo um ou mais membros da família.

A coleta de dados foi conduzida no período de outubro de 2018 a março de 2019, e teve início com o delineamento quantitativo através da aplicação de questionário (elaborado pelas pesquisadoras) composto por três eixos: caracterização sociodemográfica da criança/adolescente e da família, e dados sobre o uso de internet para acessar informações sobre o problema da criança/adolescente. Na sequência, realizou-se o delineamento qualitativo. Neste algumas das famílias foram convidadas a participar de uma entrevista aberta em profundidade, áudio-gravada, conduzida pela primeira autora deste artigo. As entrevistas tiveram uma duração média de 30 minutos, iniciada com a pergunta norteadora “Gostaria que você(s) me contasse(m) como é conviver com a condição da sua criança/adolescente com diagnóstico de DVI?” e inseridas perguntas intermediárias, conforme a necessidade de aprofundamento do entendimento. O número de famílias participantes desta etapa foi orientado pelo conceito de saturação teórica.(1818. Minayo MC. Amostragem e aprofundamento em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qual. 2017;5(7):1-12.) Nesse sentido, a amostra qualitativa reflete, em quantidade e intensidade, as múltiplas dimensões do fenômeno no alcance da compreensão do objeto de estudo.

Os dados quantitativos foram armazenados num banco de dados e realizada a análise descritiva. Os dados qualitativos foram analisados pelo método de análise temática, com base no referencial teórico da fenomenologia interpretativa.(1616. Benner P. Interpretive phenomenology: embodiment, caring, and ethics in health and illness. Newbury Park (CA): Sage; 1994. 400 p.) Para a apresentação dos resultados, optou-se por padronizar o termo “criança” para as crianças e adolescentes do estudo, visto que a maioria dos entrevistados (69%) possuíam idade inferior a doze anos.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e aprovada sob os pareceres nº 2.839.520, 3.033.085 e 3.224.020 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 90434518.5.0000.0030). Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e tiveram o sigilo assegurado, de forma que a identificação no estudo foi realizada pela letra F, seguida do número representando a ordem de realização da entrevista.

Resultados

O estudo teve a participação total de 23 famílias. Destas 11 participaram também do estudo qualitativo. Na pesquisa de abordagem quantitativa, as informações coletadas correspondentes à caracterização das crianças e das famílias estão dispostas nas tabelas 1 e 2, respectivamente.

Tabela 1
Distribuição percentual das crianças segundo características sociodemográficas
Tabela 2
Distribuição percentual das famílias segundo características sociodemográficas

Quanto às informações sobre a utilização de internet pelas famílias, verifica-se que 87% delas possuem acesso, 55% acessam apenas pelo celular e 35% utilizam as redes sociais Facebook e WhatsApp (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição percentual das famílias segundo utilização de internet

Destaca-se que apesar de 43% das famílias possuírem renda mensal de 1-2 salários-mínimos e 39% referirem nível de escolaridade de ensino médio incompleto, 87% possuem acesso à internet, 61% utilizam a internet para acessar informações sobre a DVI de seu(sua) filho(a), e a maioria, 96%, afirma que gostaria de ter acesso às informações sobre a DVI de seu(sua) filho(a) pela internet. Na pesquisa qualitativa, buscou-se uma compreensão mais aprofundada do contexto familiar de modo a explorar as implicações que as características sociodemográficas e o acesso, uso e interesse de informações fornecidas pela internet poderiam ter nas experiências familiares com a DVI. A partir da análise, duas grandes categorias emergiram das narrativas: A compreensão familiar sobre a DVI; e A convivência com a DVI da criança.

A compreensão familiar sobre a DVI

Inicialmente, observou-se que algumas famílias possuíam um conhecimento prévio advindo da experiência com o filho mais velho.

Como o mais velho já tem esse problema de bexiga nervosa né, que fala, então o dele foi mais fácil que aí já tinha acompanhamento eu tive orientação, então assim foi tudo mais fácil. (F2)

No entanto, muitas famílias apresentavam ainda dúvidas ou lacunas de informações sobre a DVI, sobretudo relacionada ao tratamento e prognóstico esperado. Além do comportamento de não associar a DVI a um problema ou doença, mas atribuindo a sua ocorrência a aspectos emocionais ou comportamentais.

[...] saber qual que vai ser mesmo o resultado. Pra saber o que que tá acontecendo? Porque que aconteceu isso. A gente fica também curiosa para saber por que, porque que acontece. (F4)

[...] disfunção vesical e intestinal, isso como é, tem tratamento? [...] perguntei se tinha cura, se tem tratamento, como é que funciona. (F11)

[...] Do trato assim psicológico, não é nem assim nem a doença física ou doença mesmo. [...] quando ele conseguir controlar os anseios dele, ele consegue levar normal. (F2)

É eu não vejo como uma doença não, eu vejo que a gente tem só que policiar mais nessa área né. (F3)

Isso pra mim não chega a ser uma doença, pra mim é meio que um problema [...] eu não acho porque pra mim doença é outras coisas, é coisas mais sérias. (F5)

Não vejo assim como doença não. (F6)

Nesse sentido, destaca-se a importância do acesso à informação para a compreensão dos sintomas e manejo adequado da DVI. Nas narrativas, as famílias apontaram para o acesso à informação por meio da atuação do profissional enfermeiro especialista durante a consulta realizada se configurando como apoio social para o enfrentamento, manejo ou melhor convívio com os sintomas de DVI da criança.

Tem muita coisa que eu aprendi na última consulta, três meses atrás, que a gente já colocou em prática e melhorou. (F1)

Antes a gente não tinha preocupação nenhuma, mas agora a gente tá tendo, tá sabendo, tá se informando mais. (F8)

Depois que eu tive o conhecimento né, da uropediatria né achei melhor, esse tratamento que ela tá fazendo agora melhorou bastante né. (F6)

A convivência familiar com a DVI da criança

Para algumas famílias, a descoberta da DVI da criança é marcada por emoções como tristeza, desânimo, medo e a própria frustação em distintos momentos da vivência com a DVI.

Foi ruim, foi ruim saber né, gostei não. [...] Gostaria que ela parasse de fazer xixi na cama, que é chato. (F4)

Foi um susto né, porque a gente não esperaria isso. (F5)

Eu pensava que era uma malformação do intestino, para a vesícula dele, da bexiga. (F8)

Eu fiquei surpresa, fiquei surpresa com isso e fiquei com medo também [...] eu pensei que tinha sido um problema, que ela tava com bexiga baixa, aí eu já fiquei apavorada e ela também [...] de ser uma coisa mais grave [...] a gente descobriu que não era o que a gente tava pensando. (F9)

Ah pensei que ela podia ter um problema mais sério também né porque eu acho que esse negócio de ficar prendendo urina né, tipo podia trazer alguma coisa assim, mais grave. (F10)

A gente fica triste né por ver ele ter essas dificuldades de fazer ou de prender o xixi. E ter dificuldade de ir ao banheiro, a gente fica preocupado, sabe que não faz bem [...] a gente fica frustrado né, quer ajudar e muitas vezes não consegue, não vê o resultado. (F11)

Desvela-se com as falas de algumas famílias a negação do impacto da DVI no cotidiano e, por outro lado, outras famílias destacaram as repercussões na vida da criança. Mostrando assim, um cenário distinto para a identificação dos impactos causados pela DVI, desconsiderando até mesmo os impactos emocionais citados previamente.

Afetar só a saúde dele mesmo assim para a gente não casou nada. (F2)

Não teve nenhum impacto pra ele. (F5)

Não teve impacto na vida dela, é mais tranquilo. (F8)

Não afeta a rotina [...]. (F9)

Não, acho que na vida da família não afetou nada não. Isso, afetou mais a vida dele [...] Na saúde e no emocional [...] Porque se ele não faz, ele fica ansioso. (F11)

Porém, ao se detalhar o cotidiano familiar foi observado que as famílias tiveram que fazer adaptações em seu estilo de parentalidade ou em sua rotina devido a presença da DVI na criança, observando nesses aspectos os impactos que os sintomas ocasionam.

Eu sempre tive essa preocupação de procurar alguma fruta, alguma coisa pra soltar o intestino dela. [...] Eu procuro sair, voltar rápido porque ela não consegue fazer cocô né... sem ser em casa, né então eu sempre me programo pra sair num dia e voltar no máximo no outro dia. (F1)

Se ia pra algum lugar tinha que ficar parando, parar no meio da rua pra eles fazerem, que não consegue segurar. (F2)

Costumo ficar mais em casa, não gosto de ir pra casa dos outros pra ficar muito tempo com ela lá. (F3)

[...] ela mudou alguns hábitos, agora ela tem mais costume de beber água, tem a garrafinha dela separada pra ela beber água. (F6)

E entra com a alimentação pra ver se melhora isso [...] meu marido passou a comprar mais frutas [...] ele passou a ingerir mais frutas, e sucos e água. (F7)

É esses cuidados com a alimentação [...]. (F11)

Discussão

Os dados desse estudo de abordagem multi-metodológica demostram que as maiores diferenças observadas nos resultados quantitativos foram nas características sociodemográficas das crianças com 5 a 10 anos. Característica que se assemelha ao estudo conduzido com crianças com DVI apresentando a idade média de 8 anos.(1919. Martins G, Minuk J, Varghese A, Dave S, Williams K, Farhat WA. Non-biological determinants of paediatric bladder bowel dysfunction: a pilot study. J Pediatr Urol. 2016;12(2):109.e1-6.)Notou-se, no que se refere ao gênero, amostra discretamente maior de crianças do gênero masculino, fato em discordância com alguns estudos que reportam a prevalência de sintomas de DVI em meninas.(2020. Araújo FR, Vasconcelos MM, Kummer AM, Oliveira EA, Lima EM. Prevalência de sintomas do trato urinário inferior em crianças e adolescentes com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Rev Med Minas Gerais. 2016;26(Suppl 6):S7–14.,2121. Mota DM, Victora CG, Hallal PC. Investigação de disfunção miccional em uma amostra populacional de crianças de 3 a 9 anos. J Pediatr (Rio J). 2005;81(3):225–32.) No entanto, observa-se na literatura maior prevalência de sintomas isolados em meninos, como por exemplo a enurese.(2121. Mota DM, Victora CG, Hallal PC. Investigação de disfunção miccional em uma amostra populacional de crianças de 3 a 9 anos. J Pediatr (Rio J). 2005;81(3):225–32.) Em virtude de a técnica de amostragem ser de conveniência e baseada na ocorrência de DVI não foi possível realizar a estratificação por sintomas.

Com relação ao temperamento das crianças, a maioria dos pais reportaram como “tranquilo”, no entanto, destaca-se que 35% referiram como “hiperativo”. Este fato se assemelha ao estudo conduzido na mesma temática em que se relata grande prevalência de sintomas urinários e, em menor escala, sintomas intestinais, em crianças e adolescentes diagnosticados com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).(2020. Araújo FR, Vasconcelos MM, Kummer AM, Oliveira EA, Lima EM. Prevalência de sintomas do trato urinário inferior em crianças e adolescentes com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Rev Med Minas Gerais. 2016;26(Suppl 6):S7–14.) Porém, ressalta-se que no presente estudo a avaliação do temperamento das crianças foi estritamente baseada no relato da família, sem utilização de testes diagnósticos clínicos.

Outro fator que requer atenção é o fato de 43% das famílias reportarem a ocorrência de problemas escolares. Nesse sentido, ressalta-se a importância de uma avaliação multidisciplinar nas crianças e adolescentes com sintomas urinários e/ou intestinais, visto que é reportado na literatura a presença de problemas de rendimento escolar e interações sociais prejudicadas nessa população.(1919. Martins G, Minuk J, Varghese A, Dave S, Williams K, Farhat WA. Non-biological determinants of paediatric bladder bowel dysfunction: a pilot study. J Pediatr Urol. 2016;12(2):109.e1-6.,2222. de Jesus LE, Tomé A, Cobe D, Camelier P. Psychosocial and respiratory disease related to severe bladder dysfunction and non-monosymptomatic enuresis. J Pediatr Urol. 2016;12(2):126.e1-6.,2323. Salviano CF, Gomes PL, Martins G. Experiências vividas por famílias e crianças com sintomas urinários e intestinais: revisão sistemática de métodos mistos. Esc Anna Nery. 2020;24(3):e20190137.)

Ainda com relação ao ambiente escolar, o tipo de escola que a maioria das crianças frequentam no presente estudo foi a escola pública, semelhante ao encontrado na literatura em estudo conduzido com uma amostra de crianças escolares com DVI.(1919. Martins G, Minuk J, Varghese A, Dave S, Williams K, Farhat WA. Non-biological determinants of paediatric bladder bowel dysfunction: a pilot study. J Pediatr Urol. 2016;12(2):109.e1-6.) Destaca-se que na educação básica brasileira, sobretudo escolas de pequeno porte que correspondem ao equivalente de 46% das escolas para essa faixa etária, é referido um padrão de infraestrutura precária.(2424. Soares Neto JJ, Karino CA, Jesus GR, Andrade DF. A infraestrutura das escolas públicas brasileiras de pequeno porte. Rev Serviço Público. 2014;64(3):377–91.)Ademais, a escola tem sido vista como uma variável contextual relevante destacando-se a relação da estrutura física dos banheiros, do modelo organizacional e do baixo conhecimento dos professores sobre a condição, com o desenvolvimento da DVI nos alunos.(22. Berry AK. Bladder-bowel dysfunction in children: consequences, risk factors and recommendations for primary care interventions. Curr Pediatr Rep. 2018;6:220.)

Com relação à idade paterna e materna, houve predomínio de idade igual ou inferior a 40 anos e possuíam, em sua maioria, dois filhos. Sendo este último fator semelhante ao estudo conduzido com 53 crianças diagnosticadas com DVI e seus cuidadores.(1919. Martins G, Minuk J, Varghese A, Dave S, Williams K, Farhat WA. Non-biological determinants of paediatric bladder bowel dysfunction: a pilot study. J Pediatr Urol. 2016;12(2):109.e1-6.) A maioria das famílias referiram renda familiar de 1 a 2 salários-mínimos. Apesar de não ter sido realizada estratificação dos sintomas pela renda familiar, é possível observar na literatura a ocorrência de sintomas urinários e/ou intestinais relacionado ao nível socioeconômico mais baixo.(2121. Mota DM, Victora CG, Hallal PC. Investigação de disfunção miccional em uma amostra populacional de crianças de 3 a 9 anos. J Pediatr (Rio J). 2005;81(3):225–32.,2222. de Jesus LE, Tomé A, Cobe D, Camelier P. Psychosocial and respiratory disease related to severe bladder dysfunction and non-monosymptomatic enuresis. J Pediatr Urol. 2016;12(2):126.e1-6.)

Quanto ao uso da internet, a maioria das famílias possuem acesso (87%), muitos (67%) já haviam utilizado essa ferramenta para acessar informações a respeito da DVI e quase todos os entrevistados (96%) referiram interesse em ter acesso a informações sobre a DVI pela internet. Na literatura, observa-se que o uso da internet por pais e cuidadores para acessar informações sobre os problemas de saúde de seus filhos têm contribuído para superar desafios e escassez de conhecimento, sendo reportado como a principal fonte para esclarecimento de dúvidas.(1313. Kim H. understanding internet use among dementia caregivers: results of secondary data analysis using the us caregiver survey data. Interact J Med Res. 2015;4(1):e1.,1414. Chan KH, Panoch J, Carroll A, Wiehe S, Cain MP, Frankel R. Knowledge gaps and information seeking by parents about hypospadias. J Pediatr Urol. 2020;16(2):e1-166.e8.,2525. Castro AR, Chougui K, Bilodeau C, Tsimicalis A. Exploring the views of osteogenesis imperfecta caregivers on internet-based technologies: qualitative descriptive study. J Med Internet Res. 2019;21(12):e15924.) A internet é referida ainda como ferramenta utilizada para fornecer conteúdos relativos ao contexto de cuidado em urologia pediátrica, podendo ser vinculado como meio de divulgação de informações de elevada qualidade.(1212. Truong H, Salib A, Rowe CK. The Use of Social Media in Pediatric Urology-Forging New Paths or Crossing Boundaries? Curr Urol Rep. 2019;20(11):72. Review.)

Nas narrativas das famílias desvelaram-se a falta de conhecimento sobre os sintomas, além da desvalorização deles, expondo, assim, os fenômenos a partir do ponto de vista dos sujeitos estudados. (1616. Benner P. Interpretive phenomenology: embodiment, caring, and ethics in health and illness. Newbury Park (CA): Sage; 1994. 400 p.) Nesse sentido, é atribuído a não detecção de muitos casos de sintomas intestinais devido ao pouco conhecimento das famílias, além do constrangimento e do medo de receber uma resposta negativa na abordagem com um profissional de saúde.(2424. Soares Neto JJ, Karino CA, Jesus GR, Andrade DF. A infraestrutura das escolas públicas brasileiras de pequeno porte. Rev Serviço Público. 2014;64(3):377–91.) Adicionalmente, pesquisas abordando sintomas urinários e/ou intestinais isolados apontam para a falta de conhecimento das famílias sobre os sintomas e tratamento, além da dificuldade de acessar essas informações.(33. Machado VQ, Fonseca EM. Disfunção vesical e intestinal em crianças e adolescentes. Rev Hospital Universitário Pedro Ernesto. 2016;5(2):146–54.,2828. Cederblad M, Nevéus T, Åhman A, Österlund Efraimsson E, Sarkadi A. “Nobody asked us if we needed help”: Swedish parents experiences of enuresis. J Pediatr Urol. 2014;10(1):74-9.)

Por outro lado, algumas famílias expressaram os impactos ocasionados pela DVI no âmbito emocional e no cotidiano da vida tanto da criança quanto da família. Os impactos dos sintomas para a vida das crianças podem ser observados em termos de dificuldade das crianças em lidar com sintomas urinários e/ou intestinais e enxergá-lo como um problema para o convívio social, levando ao isolamento social.(2727. Pinheiro JG, Rodrigues NS, Silveira AO, Martins G. Mother and nursing student: experience with constipation. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13(5):1519-20.,2929. Butler R, Heron J. Uma exploração das opiniões das crianças sobre fazer xixi na cama aos 9 anos. Dev Saúde Infantil. 2008;34(1):65–70.) Os sintomas de incontinência são revestidos de estigmas e a enurese por vezes é vista pela família como um sintoma que a criança é culpada pela sua ocorrência.(66. Taylor DW, Cahill JJ. Do estigma ao centro das atenções: uma necessidade de cuidados de incontinência centrados no paciente. Fórum Gestão Saúde. 2018;31(6):261–4.,3030. Soares AH, Moreira MC, Monteiro LM, Fonseca EM. Enurese infantil e significados parentais: uma perspectiva qualitativa para profissionais de saúde. Rev Bras Saúde Matern Infantil. 2005;5(3):301–11.)

Além disso, aponta-se a relevância das intervenções de UP baseadas na desmistificação e redução de estigmas associados aos sintomas, bem como a adoção de mudanças comportamentais relativas a idas regulares ao banheiro e de hábitos saudáveis de vida, inclusive no que tange a ingestão adequada de líquidos ao longo do dia.(33. Machado VQ, Fonseca EM. Disfunção vesical e intestinal em crianças e adolescentes. Rev Hospital Universitário Pedro Ernesto. 2016;5(2):146–54.

4. Rodrigues NS, Martins G, Silveira AO. Experiência familiar de convivência com crianças e adolescentes com disfunção vesical e intestinal. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e20190805.
-55. Nieuwhof-Leppink AJ, Hussong J, Chase J, Larsson J, Renson C, Hoebeke P, et al. Definitions, indications and practice of urotherapy in children and adolescents: a standardization document of the International Children’s Continence Society (ICCS). J Pediatr Urol. 2021;17(2):172-81. Review.) Esse achado também foi observado nas narrativas das famílias relacionado com as intervenções de UP.

Ademais, no presente estudo, algumas famílias reportaram a aquisição de informações através dos enfermeiros especialistas e que as informações recebidas refletiram positivamente no entendimento, aceitação ou manejo adequado dos sintomas de DVI. Torna-se evidente o papel do enfermeiro especialista na abordagem e manejo dos sintomas urinários e/ou intestinais, visto que esses sintomas, por vezes, não são abordados e diagnosticados por profissionais não-especialistas, além da posição privilegiada destes profissionais na detecção precoce de disfunções e na realização de uma abordagem voltada para a compreensão da convivência familiar e suas experiências com os sintomas.(2626. Schuster Bruce J, Schuster Bruce C, Short H, Paul SP. Childhood constipation: recognition, management and the role of the nurse. Br J Nurs. 2016;25(22):1231-42.,2727. Pinheiro JG, Rodrigues NS, Silveira AO, Martins G. Mother and nursing student: experience with constipation. Rev Enferm UFPE On Line. 2019;13(5):1519-20.,3131. Wagg A. Improving continence care around the world. Nurs Times. 2015;111(22):22-24.,3232. Oliveira IA, Salviano C, Martins G. Crianças com incontinência urinária: impacto na convivência dos familiares. Rev Enferm UFPE On Line. 2018;12(7):2061-73.)

Por fim, algumas narrativas refletiram a importância do fornecimento de informações adequadas para a aquisição de conhecimento sobre DVI pela família, fator que possibilitou a compreensão e adesão ao tratamento proposto. Sabe-se que a identificação e tratamento precoce da DVI são fatores essenciais para evitar repercussões sociais e clínicas com impactos negativos.(22. Berry AK. Bladder-bowel dysfunction in children: consequences, risk factors and recommendations for primary care interventions. Curr Pediatr Rep. 2018;6:220.)Portanto, reforça-se, a necessidade de difundir o conhecimento das evidências existentes na área do cuidado em urologia pediátrica, bem como sanar a carência de informações com uma linguagem que seja acessível ao receptor, seja por meio da capacitação de profissionais da saúde ou mesmo na disponibilização de informações para as famílias utilizando-se da internet.(66. Taylor DW, Cahill JJ. Do estigma ao centro das atenções: uma necessidade de cuidados de incontinência centrados no paciente. Fórum Gestão Saúde. 2018;31(6):261–4.,2828. Cederblad M, Nevéus T, Åhman A, Österlund Efraimsson E, Sarkadi A. “Nobody asked us if we needed help”: Swedish parents experiences of enuresis. J Pediatr Urol. 2014;10(1):74-9.,3333. O’Kelly F, Nason GJ, Manecksha RP, Cascio S, Quinn FJ, Leonard M, et al. The effect of social media (#SoMe) on journal impact factor and parental awareness in paediatric urology. J Pediatr Urol. 2017;13(5):513.e1-7. Review.)

Neste sentido, observa-se que apesar de 50% das famílias apresentarem baixo poder econômico com até dois salários-mínimos, a maioria possui acesso à internet (87%) e gostaria de ter acesso a informações sobre a DVI (96%) por este meio. Refletindo a importância da utilização desta ferramenta com a finalidade terapêutica para se conseguir acessar o paciente e sua família em diferentes contextos.(2525. Castro AR, Chougui K, Bilodeau C, Tsimicalis A. Exploring the views of osteogenesis imperfecta caregivers on internet-based technologies: qualitative descriptive study. J Med Internet Res. 2019;21(12):e15924.)

Ao contrastar com as narrativas, esses dados trazem uma realidade de dúvidas e lacunas de conhecimento apresentado pelas famílias, bem como o impacto da ocorrência dos sintomas no cotidiano delas. Indaga-se se estas famílias tivessem acesso a informações sobre a DVI por meio da internet, por ser do interesse delas e o acesso ser mais conveniente, a experiência com sintomas de DVI das crianças seriam diferentes. Visto que o uso de informações on-line possui o potencial de desempenhar o papel de apoio social para as famílias de crianças que vivem condições crônicas, contribuindo sobremaneira para a manutenção da saúde, manejo e melhor convívio com a doença.(3434. Mazza VA, Lima VF, Carvalho AK, Weissheimer G, Soares LG. Online information as support to the families of children and adolescents with chronic disease. Rev Gaucha Enferm. 2017;38(1):e63475.)

Desse modo, a utilização de redes sociais como fonte de informações clínicas em urologia pediátrica para as famílias apresenta-se como uma intervenção em saúde promissora, visto que a literatura já sinaliza o uso de redes sociais como o Facebook para proposição de intervenções educativas em condições crônicas nesta população.(3333. O’Kelly F, Nason GJ, Manecksha RP, Cascio S, Quinn FJ, Leonard M, et al. The effect of social media (#SoMe) on journal impact factor and parental awareness in paediatric urology. J Pediatr Urol. 2017;13(5):513.e1-7. Review.,3535. Nass EM, Marcon SS, Teston EF, Reis P, Peruzzo HE, Monteschio LV, et al. Perspective of young people with diabetes on educational intervention on Facebook®. Acta Paul Enferm. 2019;32(4):390–7.)Adicionalmente, ressalta-se que as famílias reportaram a importância da atuação do enfermeiro especialista durante a consulta para melhor compreensão dos sintomas e manejo terapêutico. Portanto, sugere-se para prática clínica dos enfermeiros o uso terapêutico de grupos na internet como uma extensão do seu processo de trabalho, de modo a apoiar as famílias de crianças com DVI.

A limitação do presente estudo relaciona-se ao pequeno tamanho amostral que inviabilizou a realização de análises estatísticas inferenciais. Sugere-se a realização de estudos futuros com uma amostra mais representativa, bem como estudos que vinculem a internet como ferramenta para alcançar as famílias de crianças com DVI com o fornecimento de informações adequadas, identificando fatores determinantes para uma melhor compreensão da DVI e a vivência com os sintomas.

Ainda nesse âmbito de pesquisas futuras, questiona-se se as características próprias da criança tais como gênero, idade e temperamento poderiam ser fatores moduladores da experiência das famílias. Sugere-se também investigar os efeitos terapêuticos do acompanhamento através das redes sociais como sistema de apoio e troca de experiências entre as famílias, bem como plataforma de divulgação de informações por parte do enfermeiro uropediatra, visando a melhora da qualidade de vida tanto da família quanto da criança com DVI.

Conclusão

A convivência da família da criança com a DVI apresenta-se de formas distintas com impacto negativo no cotidiano, podendo estar relacionado às condições sociodemográficas. Destaca-se a falta de conhecimento das famílias sobre os sintomas e os estigmas associados à sua manifestação. Para tanto, o acesso às informações on-line torna-se um potencial aliado para apoiar a família da criança com a DVI. Além disso, pondera-se que apesar das famílias participantes do nosso estudo terem perfil sóciodemográfico que as coloca numa posição de vulnerabilidade social é possível identificar uma potencialidade em termos de acesso à internet e do comportamento de busca de informações sobre saúde na internet, inclusive o interesse de receber informações a respeito da condição de DVI. Portanto, o enfermeiro especialista que atua no contexto de cuidado em uropediatria precisa avançar em sua prática profissional e inovar em sua abordagem ao implementar novas modalidades de assistência em saúde, principalmente por meio da incorporação de tecnologias baseadas na internet.

Agradecimentos

As autoras agradecem a contribuição da Enfermeira Kézia Ferreira do Espirito Santo Maciel pelo auxílio no processo de coleta de dados.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Denise Myuki Kusahara (https://orcid.org/0000-0002-9498-0868) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2021
  • Aceito
    30 Nov 2022
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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