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Fidelização e impacto de tecnologias sociais em saúde centradas no usuário: nova proposta de desenvolvimento

Reliability and impact of user-centered social technologies in health: a new development proposal

Fidelización e impacto de tecnologías sociales en salud centradas en el usuario: nueva propuesta de desarrollo

Resumo

Objetivo

Descrever metodologia para o desenvolvimento de tecnologias sociais em enfermagem/saúde centradas no usuário

Métodos

Estudo de desenvolvimento tecnológico que apresenta proposição metodológica para a expansão de tecnologias sociais, com foco na solução de problemas oriundos de demandas dos usuários de saúde.

Resultados

A metodologia de aplicação tecnológica foi concebida e sistematizada em cinco fases sequenciais, quais sejam: Diagnóstico situacional, Idealização e prototipagem, Validação, Implementação, Fidelização e impacto social da aplicação.

Conclusão

Pretende-se, com essa nova proposta de desenvolvimento tecnológico, contribuir para a fidelização e o impacto das tecnologias sociais centradas nas necessidades dos usuários de saúde, a partir de abordagens como o Design Thinking e o Design Centrado no Usuário.

Tecnologia biomédica; Invenções; Assistência centrada no paciente

Resumen

Objetivo

Describir metodología para el desarrollo de tecnologías sociales en enfermería/salud centradas en el usuario

Métodos

Estudio de desarrollo tecnológico que presenta una proposición metodológica para la expansión de tecnologías sociales, con enfoque en la solución de problemas originarios de demandas de los usuarios de salud.

Resultados

La metodología de aplicación tecnológica fue formulada y sistematizada en cinco etapas secuenciales, a saber: Diagnóstico situacional, Idealización y creación de prototipo, Validación, Implementación, Fidelización e impacto social de la aplicación.

Conclusión

Con esta nueva propuesta de desarrollo tecnológico se pretende contribuir para la fidelización y para el impacto de las tecnologías sociales centradas en las necesidades de los usuarios de salud, a partir de intervenciones como el Design Thinking y el Design Centrado en el Usuario.

Tecnología biomédica; Invenciones; Atención dirigida al paciente

Abstract

Objective

To describe the methodology for developing user-centered social technologies in nursing/health

Methods

A technological development study that presents a methodological proposal for the expansion of social technologies, with a focus on solving problems arising from the demands of healthcare users.

Results

The technological application methodology was conceived and systematized in five sequential steps, namely: Situational diagnosis, Ideation and prototyping, Validation, Implementation, Reliability, and social impact of the application.

Conclusion

With this new technological development proposal, we intend to contribute to the reliability and impact of social technologies centered on health users’ needs, based on approaches such as Design Thinking and User-Centered Design.

Biomedical technology; Inventions; Patient-centered care

Introdução

A inovação como ferramenta estratégica para o desenvolvimento social tem recebido, gradativamente, especial atenção nas mais diversas áreas do conhecimento. A mesma diz respeito à implementação de ideias que resultam na introdução de novos serviços, métodos, técnicas, sistemas de gestão e outros.(11. Grützmann A, Zambalde AL, Bermejo PH. Innovation, new product development and internet technologies: study in Brazilian companies. Gest Prod. 2019;26(1):e1451.

2. Pozo H, Akabane GK, Tachizava T, Ardito L. Innovation and technology processes in micro and small business. Cogent Business Management. 2019;6(1):1588088.
-33. Relvas C, Ramos A. New methodology for product development process using structured tools. Proc Inst Mech Eng, B J Eng Manuf. 2021;235(3):378–93.)Nesse sentido, a inovação é um determinante indispensável para o desenvolvimento socioeconômico de um país e, por isso, estimulada pelas agências de fomento nacionais e internacionais.

Requer-se, além da invenção, recursos e habilidades para produzir aplicáveis centrados nas necessidades dos usuários e que possam ser sustentados a longo prazo, no sentido de agregar valor individual e coletivo.(44. Osenieks J, Babauska S. The relevance of innovation management as prerequisite for durable existence of small and medium enterprises. Procedia Soc Behav Sci. 2014;110:82–92.,55. Granstrand O, Holgerssonb M. Innovation ecosystems: a conceptual review and a new definition. Technovation. 2019;90-91:102098.) Pesquisa demonstra, que embora a inovação tecnológica seja prioridade para o desenvolvimento econômico e social de um país, esta não pode reduzir-se à transferência de conhecimento e/ou ser encorajada para fins meramente utilitaristas.(66. Mormina M. Science, technology and innovation as social goods for development: rethinking research capacity building from sen’s capabilities approach. Sci Eng Ethics. 2019;25(3):671–92.)

Figuram, nesse percurso evolutivo, as tecnologias sociais desenvolvidas na interação com a comunidade. Essas caracterizam-se como ferramentas interativas e associativas desenvolvidas na interação com a comunidade e que representam efetivas soluções de transformação social. As tecnologias sociais retratam, sob esse enfoque, um tipo de solução inclusiva que, aliada ao Design Thinking, visam a geração de ideias compartilhadas e colegiadas, a partir de grupos multidisciplinares com foco na resolução de problemas.(77. Kahlau CA, Schneider H, Souza-lima JE. Tecnologia social como alternativa ao desenvolvimento: indagações sobre ciência, tecnologia e sociedade. Rev Tecnol Soc. 2019;15(36):190–213.,88. Barbalho T, Engler R. Design de serviços para a inovação social: um estudo de caso sobre design, serviços relacionais e desenvolvimento sustentável. Des & Tecnol. 2020;10(21):112–40.)

O desenvolvimento de uma tecnologia social envolve, portanto, um processo de construção singular e multidisciplinar que nasce da imersão na realidade e da sinergia com o usuário como alguém que desfruta deste bem social.(99. Farao J, Malila B, Conrad N, Mutsvangwa T, Rangaka MX, Douglas TS. A user-centred design framework for mHealth. PLoS One. 2020;15(8):e0237910.) Sob esse enfoque, a inovação envolve além de habilidades específicas um percurso metodológico de, no mínimo, quatro ou mais estágios sequenciais que vão da ideação, elaboração do projeto, teste de verificação e adequações ao feedback.(1010. Jugend D, Silva SL, Salgado MH, Miguel PA. Product portfolio management and performance: evidence from a survey of innovative Brazilian companies. J Bus Res. 2016;69(11):5095–100.

11. Crilly N. Fixation and creativity in concept development: the attitudes and practices of expert designers. Des Stud. 2015;38:54–91.
-1212. Zen AC, Machado BD, López AI, Borges MC. Menezes DC. Route of innovation: a methodology proposal for innovation management. Rev Adm Contemp. 2017;21(6):875-92.)

Na área da enfermagem/saúde, a inovação tem sido componente propulsor e estratégico para apoiar o desenvolvimento de novos produtos e processos e, consequentemente, qualificar o desempenho e os resultados de serviços.(1313. Dziallas M, Blind K. Innovation indicators throughout the innovation process: an extensive literature analysis. Technovation. 2019;80-81:3–29.)Com base nessa percepção, a centralidade deste estudo não está em apenas contribuir para o avanço técnico e tecnológico da enfermagem/saúde, mas em apresentar uma nova proposta de desenvolvimento com foco na fidelização e no impacto das tecnologias sociais em saúde alinhadas às necessidades dos usuários.

O usuário é, aqui, apreendido à luz de referenciais sistêmicos, como sujeito ativo e participativo na produção de saúde. E, a saúde, como sistema dinâmico, singular e auto-organizador, interligada aos diferentes sistemas sociais que buscam promover o viver saudável de indivíduos, famílias e comunidades.(1414. Backes DS, Zamberlan C, Colomé J, Souza MT, Marchiori MT, Lorenzini EA, et al. Systemic Interactivity between interdependent concepts of nursing care. Aquichan. 2016;16(1):24–31.)

Busca-se transcender referenciais tradicionais de desenvolvimento de tecnologias em saúde para apresentar uma visão prospectiva do saber técnico e tecnológico como um bem comum e à capacidade de produzi-lo com responsabilidade e compromisso social. Expandir essa possibilidade requer transcender abordagens unilaterais e reducionistas de produção tecnológica, a fim de potencializar e fortalecer as diferentes estruturas sociais, políticas e econômicas que compõem o sistema de inovação de uma área do conhecimento. Objetiva-se, para tanto, descrever metodologia para o desenvolvimento de tecnologias sociais em enfermagem/saúde centradas no usuário.

Métodos

Estudo de desenvolvimento tecnológico que descreve uma proposição metodológica para a expansão de tecnologias sociais, com foco na solução de problemas oriundos de demandas de usuários de saúde. O desenvolvimento dessa metodologia se deu no âmbito de um Programa Profissional de Enfermagem/Saúde do sul do Brasil. O estudo integra o projeto de investigação Universitária “Incubadora de Aprendizagem”.

O Projeto de investigação Universitária “Incubadora de Aprendizagem” foi institucionalizado em Hospital de Ensino Universitário, no ano de 2012, com o objetivo de agregar tecnologias ao processo de cuidado de Enfermagem e saúde. A Incubadora de Aprendizagem se configura, neste espaço concreto, como tecnologia de ensino e aprendizagem, capaz de potencializar talentos, promover o pensamento crítico-reflexivo e intuir ações propositivas no cotidiano dos profissional de saúde.(1515. Backes DS, Obem MK, Pereira SB, Gomes CA, Backes MT, Erdmann AL. Learning Incubator: an instrument to foster entrepreneurship in Nursing. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1103–8.)

A presente proposta de desenvolvimento tecnológico, concebida em cinco fases sequenciais, será detalhada no item resultados. A mesma visa dar prosseguimento à “tecnologia de gestão empreendedora para a Enfermagem/saúde” validada em sua dimensão teórico-conceitual, qualidades empreendedoras e percurso metodológico sistematizado em cinco fases.(1616. Backes DS, Toson MJ, Haeffner LS, Marchiori MT, Costenaro RG. Entrepreneurial management technology for nursing professionals. Rev Bras Enferm. 2021;74(74 Suppl 6):e20190527.)Intenta-se, com essa nova proposta de desenvolvimento tecnológico, centralizar a fidelização e o impacto das tecnologias sociais alinhadas às necessidades dos usuários de saúde. Considera-se, em todo o percurso, os critérios propostos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)(1717. Brasil. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Relatório de grupo de trabalho de produção técnica. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2019. 81 p.)quais sejam: replicabilidade, abrangência, complexidade, inovação, estágio/maturidade, potencial de transformação da realidade, bem como as boas práticas de encomenda tecnológicas, tais como: realizar visitas de aproximação; garantir a participação dos setores acadêmico e produtivo no desenvolvimento da proposta; documentar todos os passos e justificar as decisões adotadas ao longo do processo; divulgar as informações; realizar planejamento orçamentário, com a confirmação das fontes de financiamento do projeto; e, caso necessário, (re)definir medidas para lidar com atrasos nos repasses de recursos públicos.(1818. Rauen AT, Barbosa CM. Encomendas tecnológicas no Brasil: guia geral de boas práticas. Brasília (DF): Ipea; 2019.)

Considerou-se, paralelamente, a expertise dos pesquisadores propositores dessa nova proposta de desenvolvimento tecnológico, os quais estão lotados em diversas áreas do conhecimento e com experiência no desenvolvimento de produtos e processos técnicos e tecnológicos em um Programa Profissional da Enfermagem. Além das metodologias já existentes no campo científico e tecnológico, sentiu-se à necessidade de realizar nova proposta de desenvolvimento tecnológico em saúde, à luz das tecnologias sociais e do Design Thinking.(1919. Criscitelli T, Goodwin W. Applying human-centered design thinking to enhance safety in the OR. AORN J. 2017;105(4):408–12.)

Além da dimensão teórico-sistêmica e das qualidades empreendedoras requeridas para o desenvolvimento de tecnologias sociais, de amplo alcance na enfermagem/saúde, considerou-se o referencial do Design Centrado no Usuário.(2020. Bazzano AN, Martin J, Hicks E, Faughnan M, Murphy L. Human-centred design in global health: A scoping review of applications and contexts. PLoS One. 2017;12(11):e0186744.) Compreende-se, que o Design abarca um processo de resolução de problemas centrado no usuário, orientado à inovação e definido pelos vieses estratégico, participativo e transdisciplinar. Abarca, da mesma forma, uma síntese criativa de valores tecnológicos, econômicos, estratégicos, éticos, sociais e ambientais no desenvolvimento, capazes de conciliar os interesses dos atores da inovação e o protagonismo dos usuários.(2020. Bazzano AN, Martin J, Hicks E, Faughnan M, Murphy L. Human-centred design in global health: A scoping review of applications and contexts. PLoS One. 2017;12(11):e0186744.)Intenta-se, com esse pensar e inovar, ampliar o pensamento criativo, crítico e sistêmico, além de fortalecer o protagonismo dos usuários na geração de soluções compartilhadas e colegiadas para problemas complexos em saúde. O foco dessa metodologia está, portanto, na resolução e não na identificação e exploração de problemas em saúde.

Resultados

A nova proposta de desenvolvimento tecnológico foi concebida e sistematizada em cinco fases sequenciais, as quais tiveram como base teórica aspectos do referencial sistêmico e do empreendedorismo social e, como base metodológica, o Design Centrado no Usuário e o Design Thinking. Essas abordagens visam colocar o usuário como protagonista em todo o processo de desenvolvimento de produtos e processos inovadores. As fases metodológicas da nova proposta são assim caracterizadas: Diagnóstico situacional, Idealização e prototipagem, Validação, Implementação, Fidelização e impacto social da aplicação, conforme percurso demostrado na figura 1. A nova proposta de desenvolvimento tecnológico envolve um processo circular, interativo e associativo, no qual o feedback contínuo dos usuários constitui-se mola propulsora para a efetivação da engrenagem estratégica. Nesse percurso, o objetivo do designer/pesquisador não se limita à superfície, isto é, à coleta e a exploração de informações de interesse investigativo, mas na capacidade de empoderar o usuário como protagonista para o alcance de soluções criativas e colegiadas em relação à problemas previamente identificados. Deseja-se, com esse pensar, contribuir para o empoderamento dos usuários de saúde, a fim de torná-los cada vez mais protagonistas de suas vidas e condições de saúde além de interdependentes das políticas públicas em geral.

Figura 1
Metodologia para o desenvolvimento de tecnologias sociais em enfermagem/saúde

A nova proposta de desenvolvimento tecnológico, com características de tecnologia social, consiste em situar o usuário de saúde no centro da tomada de decisões estratégicas para problemas previamente identificados e explorados. Assim, a primeira fase da metodologia diz respeito ao Diagnóstico situacional, o qual se caracteriza pela inserção do designer/pesquisador em campo. Sugere-se, a partir do grupo focal como técnica de coleta e análise de dados(2121. Backes DS, Colomé JS, Erdmann RH, Lunardi VL. Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas. Mundo Saude. 2011;35(4):438–42.)e/ou outra técnica, identificar as potencialidades, fragilidades, oportunidades e ameaças referentes ao objeto sob investigação, a fim de discutir e prospectar estratégias que satisfaçam às necessidades dos usuários. E, ao respeitar as necessidades dos usuários, busca-se considerar particularidades, hábitos e expectativas de um grupo específico de pessoas e, dessa forma, agregar valor em âmbito local, mas de alcance global.

Na Idealização e Prototipagem, segunda fase, o protótipo deve ser desenvolvido de forma interativa e colegiada, a partir de especificações iniciais de aparência e funcionalidade. Nessa etapa, há o envolvimento de recursos específicos e o fomento de um percurso associativo e interativo com os profissionais técnicos e os usuários da saúde. Destaca-se, nessa fase, a relevância da inserção do usuário enquanto agente propositor de novas ideias e soluções para as demandas previamente identificadas.

A tecnologia social centrada no protagonismo do usuário permite criar interfaces democráticas e corresponsáveis, nas quais são consideradas as singularidades e as multidimensionalidades de cada ser humano no individual e no coletivo. Para tanto, o designer/pesquisador deve, primeiramente, possuir habilidades humanas e sociais, capazes de agregar, conectar, valorizar e potencializar iniciativas e talentos. O designer/pesquisador deve ser capaz de explorar, com criatividade e flexibilidade, diferentes estratégias de resolução de problemas e escolher àquelas que melhor atendem aos requisitos da situação/realidade sob investigação. Destaca-se, ainda, que o designer/pesquisador deve ter a habilidade de não apenas sintetizar soluções que satisfaçam determinados requisitos, mas em investir o seu tempo e esforços para criar alternativas e prospectar estratégias propulsoras de inovação e transformação, capazes de solucionar problemas previamente explorados.

Ao centrar a tecnologia no usuário de saúde, o pesquisador enquanto designer passa a ser mediador do percurso de desenvolvimento das tecnologias sociais e, sob esse enfoque, a relevância e a utilidade desta tecnologia depende da utilidade que o usuário passa a enxergar ao buscar satisfazer uma dada necessidade ou problema. Ao considerar que os problemas de enfermagem/saúde são cada vez mais complexos, os ambientes/serviços precisam ser cada vez mais dinâmicos, interativos e as soluções mais ágeis e compartilhadas.

Para que a tecnologia social apresente relevância e aplicabilidade, torna-se necessária a Validação da tecnologia, terceira fase do método proposto. Essa fase caracteriza-se como interativa, na qual o usuário terá a possibilidade de alterar ou aprovar as características da interface e da funcionalidade da intervenção para a garantia da qualidade e usabilidade. Instrumentos de validação quali-quantitativos poderão ser utilizados pelo designer/pesquisador. Destaca-se, que a validação efetiva potencializa a relevância da tecnologia social, além de contribuir no processo de implementação.

A Implementação, quarta fase desse percurso, sugere a participação ativa dos usuários. Princípios como o diálogo, a flexibilidade, a interatividade e a abertura ao novo/diferente são essenciais nessa etapa e, seguramente, contribuirão no processo de replicabilidade, abrangência e impacto social. É importante que se considere, no percurso de implementação, abordagens horizontalizadas e colegiadas, nas quais todos os atores figuram como protagonistas de uma nova história. Alterações ainda poderão ser feitas nesse percurso de desenvolvimento.

A quinta e última fase, Fidelização e Impacto, caracteriza-se pelo acompanhamento e a avaliação sistemática do impacto, da replicabilidade, da satisfação e do potencial transformador da tecnologia social, a partir da construção de instrumentos inéditos. Essa fase de finalização metodológica para o desenvolvimento de tecnologias sociais centradas no usuário demonstrará o movimento prospectivo de transformação das práticas sociais, a partir do protagonismo dos diferentes atores envolvidos.

Face o avanço exponencial das novas tecnologias, agilidade e extensão do alcance de usuários, novos investimentos e interlocuções, a fidelização se tornou imprescindível. Não basta desenvolver novas tecnologias, mas é preciso que o usuário se sinta atraído, motivado e encantado a satisfazer aquilo que procura, a fim de fidelizá-lo no processo de transformação. É fundamental, para tanto, agregar valor ao que é oferecido, produzir movimentos colegiados e primar pela ética e a transparência nas relações. Questiona-se, como fidelizar o usuário do Sistema Único de Saúde em relação às estratégias de autocuidado e promoção da saúde?

A nova proposta de desenvolvimento tecnológico, em questão, não visa apontar soluções, mas apresentar um percurso capaz de descortinar novas formas de pensar e agir colegiadamente, isto é, com a participação de profissionais, técnicos de diferentes áreas do conhecimento e usuários de saúde. Nessa relação, não existe um caminho pronto, mas um percurso a ser trilhado por intermédio do diálogo, da empatia, da confiança e da liderança proativa e empreendedora. Os benefícios a serem alcançados, sob esse impulso, resultarão em inovação, satisfação, impacto, comprometimento social e, sobretudo, na melhoria da qualidade de vida dos usuários de saúde.

Discussão

O almejado sucesso no mercado tecnológico e globalmente competitivo exige, das diferentes áreas do conhecimento, um conjunto diferenciado de habilidades, competências e boas práticas de encomendas tecnológicas.(1818. Rauen AT, Barbosa CM. Encomendas tecnológicas no Brasil: guia geral de boas práticas. Brasília (DF): Ipea; 2019.)Estudo demonstra(2222. Nakano TC, Wechsler SM. Creativity and innovation: skills for the 21st Century. Estud Psicol (Campinas). 2018;35(3):237–46.) que dentre a principais habilidades requeridas está o Design Thinking e dentre as principais competências demandadas para o Século XXI está a competência para à convivência em comunidade, embora não menos importantes sejam as competências transversais, críticas, digitais, éticas e ambientais.

Fala-se, a partir dessa lógica, de tecnologias como bem social. Logo, o seu resultado deve necessariamente reverter-se em bem comum para a melhoria das condições econômicas, sociais e de saúde.(2323. Parker M, Kingori P. Good and bad research collaborations: Researchers’ views on science and ethics in global health research. PLoS One. 2016;11(10):e0163579.)Desse modo, a capacidade de gerar conhecimento e traduzi-lo em novos produtos ou processos é um instrumento chave para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social.(66. Mormina M. Science, technology and innovation as social goods for development: rethinking research capacity building from sen’s capabilities approach. Sci Eng Ethics. 2019;25(3):671–92.)É preciso, no entanto, esforços concretos para instrumentalizar investigadores a desenvolverem a sua capacidade de produzir ao invés de apenas consumir saberes e aplicáveis dissociados das necessidades dos usuários.(2424. Floridi L. The logic of design as a conceptual logic of information. Minds Mach. 2017;27(3):495–519.)

A CAPES estimula, nessa direção, o desenvolvimento de tecnologias sociais(1717. Brasil. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Relatório de grupo de trabalho de produção técnica. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2019. 81 p.) centradas no usuário. Estas constituem-se num conjunto de atividades desenvolvidas mediante processos coletivos de organização, desenvolvimento e aplicação, que podem aliar saber popular, organização social e conhecimento técnico-científico. Dentre as suas finalidades, as tecnologias sociais intentam fomentar a inclusão social, o protagonismo do usuário e a melhoria da qualidade de vida, por meio de planejamento, pesquisa, desenvolvimento e disseminação do conhecimento, na prática.

Paralelamente ao desenvolvimento de tecnologias sociais, encontram-se as técnicas de design centradas no usuário, no sentido de vincular conhecimento, bens e serviços às necessidades prementes dos usuários. Essas estratégias serão fundamentais para produzir um sistema inteligente de interlocução que possa satisfazer necessidades e gerar maior satisfação, usabilidade, produtividade da equipe e valor econômico e social agregado.

O conhecimento técnico-científico não pode, sob esse impulso prospectivo, ser desenvolvido para fins meramente consumistas e utilitaristas, isto é, para satisfazer os interesses do mercado, mas para promover o bem comum e a qualidade de vida individual e comunitária.(2525. Floridi L. On human dignity as a foundation for the right to privacy. Philos Technol. 2016;29(4):307–12.) Se o conhecimento técnico-científico é um bem social, a ciência deve ser aproveitada e estimulada para promover o progresso social e econômico; e a inovação tecnológica deve ser vista como parte integrante das estratégias de desenvolvimento em um nível macro e não apenas em um nível micro, individual.(2626. Floridi L, Cowls J, King TC, Taddeo M. How to design AI for social good: seven essential factors. Sci Eng Ethics. 2020;26(3):1771–96.)Adotar tal abordagem sistêmica exige, no entanto, algumas questões reflexivas: As habilidades e competências científicas e tecnológicas que fomentamos e desenvolvemos nos Programas Profissionais estão contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas? A quem interessam as tecnologias que são desenvolvidas nos Programas Profissionais da área da Saúde?

Os esforços para responder às questões propostas têm sido escassos. Estudo demostra(2727. Cooke J, Gardois P, Booth A. Uncovering the mechanisms of research capacity development in health and social care: a realist synthesis. Health Res Policy Syst. 2018;21;16(1):93-9.) que numerosas estruturas e modelos foram propostos para o desenvolvimento de tecnologias sociais, mas há poucas evidências do que, para quem e em que circunstâncias estas são efetivas, ou seja, não se obteve a fidelização e o impacto desejado. Há necessidade de identificar mecanismos que contribuam para o alcance dos resultados esperados e para a satisfação das reais necessidades dos usuários, a fim de agregar valor e gerar amplo impacto social.

A concepção de uma proposta de desenvolvimento tecnológico que estabeleça sistematicamente um percurso metodológico centrado no usuário figura como estratégia promissora para o desenvolvimento social, não só por definir uma abordagem crítica e orientar o seu processo, tarefas e os seus resultados, mas por facilitar a comunicação interprofissional e ampliar as perspectivas de resolução de problemas previamente demandados. A proposta de desenvolvimento tecnológico, em questão, pode fornecer registros e outros documentos gráficos que permitem à equipe de desenvolvimento acessá-los para futuros desdobramentos.

Se, tradicionalmente, o usuário necessitava adaptar-se para conseguir utilizar as produções desenvolvidas em âmbito acadêmico, hoje o sentido dessa força se inverteu. As políticas públicas e as agências de fomento tendem a valorizar e apoiar, crescentemente, o desenvolvimento tecnológico cujo percurso valoriza e insere o usuário como sujeito ativo e protagonista na resolução de seus problemas.(2828. Nugent R, Bertram MY, Jan S, Niessen LW, Sassi F, Jamison DT, et al. Investing in non-communicable disease prevention and management to advance the Sustainable Development Goals. Lancet. 2018;391(10134):2029–35.,2929. Hendricks S, Conrad N, Douglas TS, Mutsvangwa T. A modified stakeholder participation assessment framework for design thinking in health innovation. Healthc (Amst). 2018;6(3):191–6.) Esse novo olhar para o desenvolvimento das tecnologias tende a beneficiar não apenas os usuários, mas também os serviços e os próprios designers/pesquisadores, de modo a facilitar o acesso e garantir a usabilidade e a sustentabilidade das produções a longo prazo.

A principal contribuição deste estudo para a ciência de enfermagem/saúde está relacionada à proposição de uma nova proposta de desenvolvimento tecnológico em âmbito dos Programas Profissionais da Enfermagem/Saúde. Trata-se de um percurso concebido e delineado em cinco fases sequenciais, mas que apresenta como inédita a 5ª Fase: Fidelização e impacto. Nessa fase, em especial, caracterizada pelo acompanhamento e avaliação sistemática do impacto, da replicabilidade, da satisfação e do potencial de transformação, intenta-se agregar valor e gerar impacto e sustentabilidade tecnológica a longo prazo. Intenta-se demonstrar, também, que a enfermagem é capaz de articular saberes e áreas, bem como descortinar novas possibilidades teórico-metodológicas capazes de fomentar a inovação tecnológica interprofissional.

As limitações deste estudo estão associadas à pouca expertise dos pesquisadores da área de enfermagem/saúde na fidelização de tecnologias sociais em saúde, embora este processo tenha sido estimulado, crescentemente, pela CAPES e sistema de saúde brasileiro.

Conclusão

Pretende-se, com essa nova proposta de desenvolvimento tecnológico, contribuir para a fidelização e o impacto das tecnologias sociais centradas nas necessidades dos usuários de saúde, a partir de abordagens como o Design Thinking e o Design Centrado no Usuário. Produzir ferramentas para o desenvolvimento de tecnologias sociais envolve, portanto, percursos metodológicos circulares e dinâmicos. Envolve mudança de foco, de percepção e de olhar por parte do designer/pesquisador e do usuário. Envolve recursos, habilidades e atitudes centradas na resolução de problemas. Requer, enfim, construções colaborativas e prospectivas centradas no usuário como protagonista de sua propria história.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Acordo CAPES/COFEN; Edital Nº 28/2019. Processo: 23038.018180/2019-72.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Edvane Birelo Lopes De Domenico (https://orcid.org/0000-0001-7455-1727) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2022
  • Aceito
    19 Dez 2022
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