Construção e validação de tecnologia educacional para adolescentes sobre reanimação cardíaca

Elaboración y validación de tecnología educativa para adolescentes sobre reanimación cardíaca

Resumo

Objetivo

Construir e validar uma história em quadrinhos para adolescentes sobre reanimação cardíaca.

Métodos

Estudo metodológico de abordagem quantitativa realizado em três fases: 1) revisão integrativa, 2) identificação das necessidades de aprendizagem (mediante inquérito transversal com 84 adolescentes) e 3) construção e validação de storyboard feito sob considerações da Teoria da Aprendizagem Significativa. A história obedeceu aos seis passos do quadrinista Mccloud, e foi validada por 23 juízes que julgaram os quadrinhos pelo Instrumento de Validação de Conteúdo Educacional em Saúde. Utilizou-se o Índice de Validade de Conteúdo e o Teste Binomial para verificar se a proporção de concordância foi, estatisticamente, igual ou superior a 80%.

Resultados

A revisão integrativa justificou ser necessária a construção de tecnologias educacionais sobre Suporte Básico de Vida. Os 84 adolescentes apontaram necessidade de aprendizagem sobre os três primeiros elos de atendimento a uma parada cardíaca. A tecnologia trouxe, na narrativa da personagem Dara, instruções para aplicar Suporte Básico de Vida somente com as mãos em vítimas de Parada Cardíaca. Na validação, 17 (dezessete) dos 18 (dezoito) itens avaliados receberam nota máxima, a avaliação global da tecnologia obteve o valor 0,99.

Conclusão

Os juízes consideraram válida a tecnologia educacional do tipo história em quadrinhos para ensinar reanimação cardiopulmonar.

Reanimação cardiopulmonar; Parada cardíaca extra-hospitalar; Tecnologia educacional; Adolescente; Enfermagem em emergência

Resumen

Objetivo

Elaborar y validar una historieta para adolescentes sobre reanimación cardíaca.

Métodos

Estudio metodológico de enfoque cuantitativo realizado en tres fases: 1) revisión integradora, 2) identificación de las necesidades de aprendizaje (mediante investigación transversal con 84 adolescentes) y 3) elaboración y validación del storyboard realizado de acuerdo con reflexiones sobre la teoría del aprendizaje significativo. La historia siguió los seis pasos del autor de historietas Mccloud y fue validada por 23 jueces, que evaluaron la historieta mediante el Instrumento de Validación de Contenido Educativo en Salud. Se utilizó el Índice de Validez de Contenido y la prueba binominal para verificar si la proporción de concordancia era estadísticamente igual o superior a 80 %.

Resultados

La revisión integradora justificó la necesidad de elaborar tecnologías educativas sobre soporte vital básico. Los 84 adolescentes señalaron la necesidad de aprender sobre los tres primeros eslabones en la atención a un paro cardíaco. La tecnología proporciona, mediante la narrativa del personaje Dara, instrucciones para aplicar el soporte vital básico solo con las manos en víctimas de paro cardíaco. En la validación, 17 (diecisiete) de los 18 (dieciocho) ítems evaluados recibieron nota máxima, la evaluación global de la tecnología obtuvo el valor de 0,99.

Conclusión

Los jueces consideraron válida la tecnología educativa tipo historieta para enseñar reanimación cardiopulmonar.

Reanimación cardiopulmonar; Paro cardíaco extrahospitalario; Tecnología educacional; Adolescente; Enfermería de emergencia

Abstract

Objective

To construct and validate a comic book for adolescents about cardiac resuscitation.

Methods

This is a methodological study with a quantitative approach carried out in three phases: 1) integrative review; 2) identification of learning needs (through a cross-sectional survey with 84 adolescents); and 3) construction and validity of storyboard made under considerations of the Theory of Meaningful Learning. The story obeyed the six steps of comic artist Mccloud, and was validated by 23 judges who judged the comic book using the Educational Content Validation Instrument in Health. The Content Validity Index and the binomial test were used to verify whether the proportion of agreement was statistically equal to or greater than 80%.

Results

The integrative review justified the need to construct educational technologies on Basic Life Support. The 84 adolescents indicated the need to learn about the first three links of care in a cardiac arrest. The technology brought, in the narrative of character Dara, instructions to apply Basic Life Support only with the hands in victims of cardiac arrest. In validity, 17 (seventeen) of the 18 (eighteen) items assessed received the maximum score, and the overall assessment of the technology obtained a value of 0.99.

Conclusion

The judges considered the comic book type educational technology valid for teaching cardiopulmonary resuscitation.

Cardiopulmonary resuscitation; Out-of-hospital cardiac arrest; Educational technology; Adolescent; Emergency nursing

Introdução

A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) realizada por pessoas leigas aumenta a sobrevida após parada cardíaca extra-hospitalar (PCREH). Entretanto, a prevalência global de treinamento e atitude de reanimação por expectadores é baixa.( ¹ , ² ) Para ampliar a oferta de RCP, diretrizes internacionais e nacionais recomendam que adolescentes a partir de 12 anos sejam treinados para realizar RCP de alta qualidade.( ³ , ⁴ )

A falta de conhecimento e habilidade sobre Suporte Básico de Vida (SBV) são entraves para realização de RCP.( ⁵ ) Entretanto, isso pode ser superado por meio da promoção da aprendizagem do SBV no ambiente escolar.( ⁶ ) Acontece que no Brasil, diferente de outros países, o ensino dessa temática não é obrigatório.( ⁷ ) A capacitação em noções básicas de primeiros socorros somente é compulsória para professores e funcionários de escolas públicas e privadas.( ⁸ )

O SBV inclui reconhecimento da parada cardíaca, acionamento do serviço de emergência, realização de RCP e utilização do Desfibrilador Externo Automático (DEA).( ³ ) Entre as tecnologias educacionais capazes de facilitar o ensino do SBV, cita-se, em maior número de publicações, o vídeo.( ⁹ ) No entanto, um Ensaio Controlado Randomizado (ECR) mostrou que estudantes do ensino básico que estudaram reanimação cardíaca utilizando imagens estáticas alcançaram porcentagens significativamente mais altas de compressões torácicas com o posicionamento correto das mãos do que aqueles que aprenderam com tecnologia educacional por vídeo.( ¹⁰ ) Ademais, ao considerar as diferentes necessidades e interesses dos públicos que demandam capacitação, a America Heart Association (AHA) sugere o incremento de tecnologias.( ¹ )

Desse modo, a História em Quadrinhos (HQ), por ser uma tecnologia educacional que usa em sua narrativa textos e imagens estáticas, e por ser objeto de interesse histórico dos adolescentes, poderia ajudá-los a aprenderem SBV. No Brasil e em outros países, os quadrinhos têm sido utilizados para a educação em saúde.( ¹¹ , ¹² ) Entretanto, até a escrita desta pesquisa, não foram identificados estudos validados com rigor metodológico capaz de aferir se a HQ é ou não válida como tecnologia educacional para ensinar ressuscitação.

Acredita-se que, por ter baixo custo, fácil reprodução e veiculação em massa, a HQ poderá despertar o interesse de adolescentes em relação ao SBV, aumentar a oferta de RCP e a sobrevida de vítimas da PCREH. Portanto, a criação dessa ferramenta tem por pretensão contribuir para a Prática Baseada em Evidências (PBE) e para o empoderamento da população leiga sobre emergências cardiovasculares. Desse modo, este estudo tem por objetivo construir e validar uma história em quadrinhos para adolescentes sobre reanimação cardíaca.

Métodos

O estudo metodológico de construção e validação de uma HQ foi realizado em três fases: no primeiro momento, realizou-se uma revisão integrativa da literatura; em seguida, identificaram-se as necessidades de aprendizagem; por fim, trabalhou-se na construção do storyboard , recorrendo a juízes com experiência em reanimação cardiopulmonar para fins de validação. O storyboard é um conjunto de desenhos sequenciais utilizado como guia para contar uma história.

A revisão integrativa foi realizada entre julho e outubro de 2019, e redigida conforme as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).( ¹³ ) A identificação das necessidades de aprendizagem, mediante inquérito transversal, foi feita entre novembro e dezembro de 2019. Já a construção do storyboard /validação da HQ ocorreu entre janeiro e maio de 2020.

Para estabelecimento da questão de pesquisa, utilizou-se o acrônimo PICo: P (população) – adolescentes, I (fenômeno de interesse) – tecnologias educacionais e Co (contexto) – reanimação cardiopulmonar. Desse modo, buscou-se responder à seguinte pergunta: quais são as evidências disponíveis na literatura sobre as tecnologias educacionais relacionadas à reanimação cardiopulmonar desenvolvidas para a educação de adolescentes?

Para tanto, utilizaram-se as bases de dados Medical Literature and Retrieval System onLine (MEDLINE/PubMed®) via National Library of Medicine , Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) via BVS , Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature (CINAHL), Web of Science via Coleção Principal ( Clarivate Analytics) e SCOPUS (Elsevier). Para a busca, foram selecionados vocábulos presentes nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e seus equivalentes em inglês no Medical Subject Headings (MeSH) e Títulos CINAHL ( Quadro 1 ).

Quadro 1
Descritores controlados e não controlados empregados na estratégia de busca

Acrônimo	Descritores Controlados/ DeCS/MeSH Terms		Descritores não controlados/Entry Terms
P	Adolescent	OR	Adolescence OR Adolescents OR “Adolescents, Female” OR “Adolescents, Male” OR Teenagers OR Teens OR Youth
AND
I	Technology OR “Educational Technology”	OR	“Technology, Educational” OR “Educational Technologies” OR “Technologies, Educational” OR “Instructional Technology” OR “Technology, Instructional” OR “Instructional Technologies” OR “Technologies, Instructional”.
AND
Co	Resuscitation OR “Cardiopulmonary Resuscitation” OR “Advanced Cardiac Life Support”	OR	“Resuscitation, Cardiopulmonary” OR CPR OR “Cardio-Pulmonary Resuscitation” OR “CardioPulmonary Resuscitation” OR “Resuscitation, Cardio-Pulmonary”; “Code Blue” OR “Mouth-to-Mouth Resuscitation” OR “Mouth to Mouth Resuscitation” OR “Mouth-to-Mouth Resuscitations” OR “Resuscitation, Mouth-to-Mouth” OR “Resuscitations, Mouth-to-Mouth” OR “Basic Cardiac Life Support” OR “Life Support, Basic Cardiac”

• DeCS - Descritores em Ciências da Saúde; MeSH - Medical Subject Headings

Para identificar as necessidades de aprendizagem do público-alvo, realizou-se diagnóstico situacional com os alunos de uma escola técnica federal da região Nordeste do Brasil. A instituição foi escolhida por ser referência no ensino técnico e profissionalizante gratuito, além de reunir estudantes de mais de 25 municípios. No período da coleta de dados, havia 228 adolescentes regularmente matriculados. Após aplicação dos critérios de inclusão (ser adolescente com idade entre 10 e 19 anos) e exclusão (ter formação profissional na área da saúde e/ou ter previsão de evadir ou trancar o curso durante a fase de coleta de dados), foram selecionados 84 participantes.

Os alunos incluídos preencheram um formulário que se subdividia em 02 partes. A primeira tinha sete questões sobre o perfil sociodemográfico. A segunda continha 23 perguntas sobre os 03 primeiros elos da cadeia de sobrevivência de PCREH.( ¹⁴ ) Nos itens do 1º elo de atendimento, os estudantes mencionaram a necessidade de aprendizagem sobre reconhecimento e acionamento do serviço médico de emergência. No 2º, apontaram o que precisavam saber sobre RCP imediata de alta qualidade. No 3º elo, assinalaram as lacunas de aprendizagem sobre rápida desfibrilação. Para cada indagação, havia uma escala tipo Likert de quatro pontos: não importante, razoavelmente importante, muito importante e extremamente importante. Os participantes deveriam escolher um e assinalar. A aplicação do formulário ocorreu no auditório da escola, e o tempo de resposta variou entre 15 a 20 minutos.

Na terceira fase, procederam-se à construção e validação do storyboard . A HQ foi constituída por pesquisadores com experiência em SBV e Tecnologias Educacionais em Saúde. Além disso, a equipe contou com o auxílio de uma empresa privada de designer na elaboração da arte gráfica. O storyboard foi criado considerando as necessidades de aprendizagem apontadas pelos adolescentes. Para cada demanda identificada, foram traçados objetivos educacionais redigidos com apoio na Taxonomia de Bloom. O conteúdo educacional sobre RCP, por sua vez, foi embasado nas recomendações extraídas da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da AHA.( ³ , ⁴ ) A figura 1 apresenta o processo de criação da História em Quadrinho.

Figura 1
Processo de construção da História em Quadrinho sobre Reanimação Cardíaca

A validação de conteúdo do storyboard ocorreu remotamente, via e-mail/google docs. Para estabelecer o número de juízes, foi realizado cálculo amostral com base na fórmula para população finita n=(Z₁-α/₂.S)² / e . Nela, Z₁-α/₂ (nível de confiança) foi estipulado em 95%, (S) de 0,17 para desvio padrão, e um ( e ) erro amostral de 0,07, totalizando 23 juízes.( ¹⁵ ) Os juízes foram recrutados por meio de uma plataforma de currículos de pesquisadores do Brasil (https://lattes.cnpq.br/), utilizando o termo de assunto “Suporte Básico de Vida”. Identificaram-se 73 (setenta e três) juízes em SBV. Foram incluídos os primeiros 23 que possuíam título de doutor em enfermagem, com experiência acadêmica, clínica e que participassem de grupo de pesquisa que envolvesse RCP. Foram excluídos aqueles que responderam ao instrumento de coleta de dados de forma incompleta e/ou não o devolveram no tempo estipulado de 30 dias. Os juízes tiveram os níveis de expertise classificados de acordo com os critérios estipulados por Benner, Tanner e Chesla, a saber: novice (1,0 ponto), advanced beginner (2,0 pontos), competence (3,0 pontos), proficient (4,0 pontos) e expert (5,0 pontos),( ¹⁵ , ¹⁶ ) conforme pode se perceber na tabela 1 .

Tabela 1
Classificação do nível de expertise dos juízes

Pontuação	Experiência prática	Participação em grupo de pesquisa	Experiência Acadêmica
	Tempo de prática* (X)	Tempo Grupo de Pesquisa* (Y)	Conhecimento Científico (Z)
			Titulação (Z1)	Trabalho de titulação (Z2)	Produção científica em Suporte Básico de Vida (Z3)
0	-	-	Graduado	Não	Não
1	1-4	1-4	Especialista	Sim	Sim
2	5-9	5-9	Mestre	-	-
3	10-14	10-14	Doutor	-	-
4	15-19	15-19	-	-	-
5	20-24	20-24	-	-	-

• * - em anos; Nível de Expertise = Somatório das pontuações obtidas nas colunas X, Y e Z dividido por 3 Fonte: Adaptada de Leite SS, Áfio AC, Carvalho LV, Silva JM, Almeida PC, Pagliuca LM. Construction and validation of an Educational Content Validation Instrument in Health. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 4):1635–41.¹⁷

Para validar a HQ, os juízes receberam por e-mail orientações sobre como realizar a validação do storyboard da HQ, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, formulário de caracterização sociodemográfica e profissional e o Instrumento de Validação de Conteúdo Educacional em Saúde (IVCES).( ¹⁷ ) Este último possui 18 itens e 3 domínios (objetivo, estrutura/apresentação e relevância) que avaliam, respectivamente, propósitos, metas ou finalidades; organização, estrutura, estratégia, coerência e suficiência; significância, impacto, motivação e interesse. Ressalta-se que, para cada domínio, havia disponível um espaço para que os avaliadores registrassem as sugestões, retificações/ratificações ou qualquer outra informação que julgasse necessária. O IVCES utiliza uma escala tipo Likert com pontuação que varia de zero a dois (0 – discordo, 1 - concordo parcialmente e 2 - concordo totalmente).( ¹⁷ ) Registra-se que os formulários dos juízes com considerações e notas sobre a HQ estarão disponíveis aos leitores sob demanda. Os dados sociodemográficos e profissionais foram codificados em planilhas do Microsoft Office Excel 365. Os dados foram duplamente digitados e inspecionados para correção de erros, além de exportados e analisados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 20.0. Realizou-se análise descritiva dos dados com verificação da frequência absoluta, relativa, mediana e intervalo interquartílico (em função da não adesão dos dados à normalidade). Para tanto, recorreu-se ao software R versão 3.1.1.

O cálculo do Índice de Validade de Conteúdo (IVC) ocorreu mediante aplicação do Item-level Contente Validity Index (I-CVI). O I-CVI foi calculado para cada um dos 18 itens, e tratou da proporção de juízes que manifestaram concordância acerca de determinado item. Para avaliação global da HQ, calculou-se o Scale-level Contente Validity Index, Averange Calculation Method (S-CVI/AVE), que representou o valor médio dos (I-CVI).( ¹⁸ )A HQ e seus respectivos itens avaliativos foram considerados válidos quando a proporção de concordância dos especialistas foi igual ou maior que 80% no Teste Binomial, com nível de significância de 5%.( ¹⁸ )

Neste estudo, utilizou-se dois referenciais teórico-metodológicos. O primeiro, da Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel, identificou a estrutura cognitiva do aprendiz, e tornou a tecnologia educacional significativa para os leitores. Ao preencher o formulário adaptado sobre RCP, os alunos deram informações sobre a necessidade de aprendizagem em SBV. Assim, observados os dados do formulário, desenvolve-se material instrucional potencialmente significativo, estruturado e não arbitrário ao interesse do aprendiz.( ¹⁹ ) O segundo teórico consultado foi o quadrinista Mccloud, que aponta os seis passos para a produção do storyboard: 1º definição do objetivo e conteúdo educacional, 2º apontamento do formato, 3º escolha do idioma, 4º estrutura, 5º habilidade e 6º superfície da HQ.( ²⁰ )

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), e seguiu os princípios da Resolução 466/12 do Conselho Nacional em Saúde, com o parecer de número 3.697.960 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 24422419.6.0000.5214).

Resultados

Identificou-se, durante a revisão da literatura, quatro modalidades de tecnologias desenvolvidas para o ensino da RCP ao público adolescente: cursos web/on-line, aplicativos, realidade virtual e o vídeo, como a tecnologia mais utilizada. Entre as lacunas evidenciadas, citam-se o uso de tecnologias não validadas, o frágil embasamento teórico, o baixo quantitativo de pesquisas no continente latino-americano e as poucas publicações de áreas não médicas. No inquérito transversal, dos 84 (100,0%) adolescentes que participaram do diagnóstico situacional, 56 (66,7%) eram do sexo feminino, e tinham idade média de 16,3 (±1,07), mínima de 14 e máxima de 19 anos. Quanto às necessidades de aprendizagem sobre o 1º elo de atendimento a uma PCREH, 79 (93,9%) necessitavam saber sobre “checagem de responsividade” de pacientes vítimas de PCREH, 76 (90,3%) “quando chamar por ajuda” e 72 (85,6%) “como pedir ajuda”. Sobre as necessidades de aprendizagem referentes ao 2º elo de atendimento a uma PCREH (RCP imediata e de qualidade), 67 (79,7%) dos adolescentes precisavam saber sobre “qual força deveria ser aplicada para fazer massagem cardíaca”, e 64 (76,1%) careciam de informações sobre “quantas compressões devem ser feitas por minuto”. Por sua vez, sobre o 3º elo, 81 (96,4%) dos adolescentes necessitavam saber “o que fazer logo após dar o choque na vítima”.

A HQ foi intitulada “Um dia eletrizante na escola”, possui 20 páginas, 64 quadrinhos e 10 personagens. A protagonista é Dara, uma adolescente negra, paraplégica e filha de um enfermeiro do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU-192). Apesar de ter conhecimento aprofundado em SBV, adquirido em conversas com seu pai, não imaginava como conseguiria ajudar alguém, em virtude de suas limitações físicas. Nesse sentido, a HQ se desenrola quando Dara presencia o porteiro da escola João apresentando sinais e sintomas de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) seguido de PCREH. Ela orienta seus amigos e professores a prestarem SBV somente com as mãos, utilizando Habilidades Não Técnicas (HNT) e seu profundo conhecimento teórico. As falas, quadrinhos e trama deram foco às ações que devem ser desenvolvidas por leigos nos três primeiros elos da cadeia de atendimento. A figura 2 apresenta alguns recortes da HQ.

Figura 2
Imagens da História em Quadrinho com etapas do atendimento a uma PCREH somente com as mãos

Vinte e três (100,0%) juízes validaram o conteúdo da HQ. A média da idade foi de 41,5 (±8,02) anos e a média do tempo de exercício profissional relacionado ao SBV foi de 11,57 anos. Havia pelo menos um juiz de cada região do Brasil, com prevalência para o Sudeste 9 (39,1%) e Nordeste 7 (30,4%). Todos eram doutores, e 8 (34,8%) desenvolveram tese relacionada ao SBV. A média de publicações envolvendo essa temática nos últimos 5 anos foi de 2 (±2,86) artigos. Quinze juízes (65,2%) eram advanced beginner , 4 (17,4%) novice e 4 (17,4%) competence . Os itens foram validados em concordância superior a 95% entre os juízes. O que recebeu menor aprovação referia-se à adequação do material ao processo de ensino-aprendizagem. Ainda assim, esse item obteve I-CVI de 0,95. Todos os demais foram avaliados com pontuação máxima para concordância I-CVI = 1. O SCVI/AVE (para avaliação global da tecnologia) obteve o valor de 0,99 ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Concordância dos juízes acerca do Instrumento de Avaliação de Conteúdo Educacional em Saúde (n = 23)

Variáveis	Adequado n(%)	Parcialmente Adequado n(%)	I-CVI*	p-value**
OBJETIVOS: propósitos, metas ou finalidades
1. Contempla tema proposto.	17(73,9)	6(26,1)	1	1
2. Adequado ao processo de ensino-aprendizagem.	22(95,7)	1(4,3)	0,95	0,994
3. Esclarece dúvidas sobre o tema abordado.	17(73,9)	6(26,1)	1	1
4. Proporciona reflexão sobre o tema.	23(100)		1	1
5. Incentiva mudança de comportamento.	18(78,3)	5(21,7)	1	1
ESTRUTURA E APRESENTAÇÃO: organização, estrutura, estratégia, coerência e suficiência
6. Linguagem adequada ao público-alvo.	18(78,3)	5(21,7)	1	1
7. Linguagem apropriada ao material educativo.	17(73,9)	6(26,1)	1	1
8. Linguagem interativa, permitindo envolvimento ativo no processo educativo.	2 (91,3)	2(8,7)	1	1
9. Informações corretas	17(73,9)	6(26,1)	1	1
10. Informações objetivas	20(87)	3(13)	1	1
11. Informações esclarecedoras	19(82,6)	4(17,4)	1	1
12. Informações necessárias	16(69,6)	7(30,4)	1	1
13. Sequência lógica das ideias	20(87)	3(13)	1	1
14. Tema atual	22(95,7)	1(4,3)	1	1
15. Tamanho do texto adequado	21(91,3)	2(8,7)	1	1
RELEVÂNCIA: significância, impacto, motivação e interesse
16. Estimula o aprendizado	23(100)		1	1
17. Contribui para o conhecimento na área	23(100)		1	1
18. Desperta interesse pelo tema	23(100)		1	1

• I-CVI* - Item-level Content Validity Index; p-value** - Teste binomial

Discussão

A história em quadrinhos apresentou orientações sobre como prestar SBV para adultos em PCREH. Para atingir esse objetivo, a estratégia foi inserir como personagem principal (Dara) uma Pessoa Com Deficiência (PcD) que atuasse como reguladora. Desse modo, por meio de Habilidades Não Técnicas (HNT), como consciência situacional, liderança, tomada de decisão e comunicação, ela orientava quais medidas de SBV deveriam ser tomadas. Estudos corroboram que a demonstração de HNT em cenários de PCREH, apesar de essencial, nem sempre é abordada.( ²¹ , ²² )

Durante toda a trama, a HQ contemplou os três primeiros elos da cadeia de sobrevivência a uma PCREH da AHA, que ensinam leigos a realizar RCP somente com as mãos. Estudo aponta que a aplicação de protocolos simplificados, que dispensam checagem de pulso e ventilação de resgate, torna leigos mais propensos a ajudar as vítimas de PCR.( ²¹ ) Ainda nesse sentido, as autoras apontam que as intervenções em cadeias impactam positivamente na sobrevivência das vítimas. ( ²³ , ²⁴ )

O conteúdo educacional do 1º elo trouxe instruções sobre como manter um cenário seguro para realizar RCP. Publicações da Sociedade Brasileira de Cardiologia, AHA e Sociedade Europeia de Ressuscitação reforçam a necessidade de segurança da cena.( ⁴ , ²³ , ²⁴ ) Porém, ao considerar que situações de PCREH são acompanhadas por intensa emoção, e que experiência, valores e habilidade da equipe (características incomuns em adolescentes) podem interferir na tomada de decisão. Nesse sentido, é possível que a segurança possa ser esquecida, e, o agir por impulso, a desatenção na cena pode transformar o socorrista em uma segunda vítima.( ²⁵ )

A forma correta de identificar uma PCR, quando acionar e o que pedir ao SME também foram ensinados na HQ. É válido ressaltar que o modo de identificar e tratar uma PCREH varia em função do nível de instrução do socorrista, da idade e dos equipamentos disponíveis para atendimento. Para leigos, estudos convergem que não é necessário conferir pulso central: a responsividade deve ser checada tocando o ombro da vítima, chamando-o em voz alta. Na hipótese de mais de um socorrista na cena, deve-se delegar a outra pessoa que peça o DEA e acione o SME.( ⁴ , ²³ , ²⁴ )

A HQ contemplou a forma correta de realizar reanimação e como solicitar o DEA (2º e 3º elo de atendimento à (PCREH). Pesquisadoras da Hungria identificaram que adolescentes não expostos a processos educativos têm baixo conhecimento sobre acionamento do Serviço Médico de Emergência (SME), RCP imediata e uso do DEA.( ²⁶ ) Nessa perspectiva, cientistas de Gana e do Brasil também identificaram que nem todos os entrevistados acionam o SME em casos de PCREH, e que 64,7% não sabem a quantidade de compressões que deve ser feita.( ²⁵ , ²⁷ )

Na validação de conteúdo Educacional, 17 dos 18 itens avaliados obtiveram I-CVI máximo. Quanto aos objetivos, propósitos, metas ou finalidades, houve concordância que a HQ contemplava o tema proposto (I-CVI = 1), era adequada ao processo de ensino-aprendizagem (I-CVI = 0,95), esclarecia dúvidas, proporcionava reflexão sobre o tema e incentivava a mudança de comportamento (I-CVI = 1). Esses dados são ligeiramente superiores aos encontrados em estudo que construiu e validou um vídeo educativo sobre RCP, fato que sugere que a HQ é um potencial instrumento de educação para RCP. Porém, ao contrário do vídeo, ela ainda não obteve sua efetividade avaliada.( ⁹ )

Os aspectos relacionados à linguagem adequada, apropriada e interativa, bem como os fatores relacionados à pertinência de informações e tema, sequência lógica das ideias e tamanho do texto, foram validados pelos 23 juízes com nota máxima. Estudo realizado no Canadá apontou que as barreiras linguísticas nos cuidados de saúde levam à falta de comunicação entre profissionais e público leigo, reduzindo a qualidade da prestação de cuidados de saúde e a segurança do paciente.( ²⁸ )

Os juízes consideraram a HQ relevante, significativa e motivadora. Houve concordância máxima de que a narrativa estimula o aprendizado, contribui para o conhecimento na área e desperta o interesse pelo tema. Essas conclusões reforçam a hipótese do Conselho Europeu e Americano de Ressuscitação de que estudos não verticalizados, que consideram a opinião do público-alvo e que adotam teorias educacionais para embasamento e construção da tecnologia, podem otimizar o interesse e a motivação para realizar RCP.( ³ , ²³ )

Entre as limitações deste estudo, cita-se a não avaliação da efetividade da HQ e o fato de o inquérito transversal ter sido feito com alunos de apenas uma escola. Mesmo tendo o conteúdo educacional validado por juízes com expertises em SBV, fazem-se necessários novos estudos para identificar quais os reais impactos no conhecimento teórico, prático e motivacional por parte dos leitores da HQ.

Conclusão

A HQ foi considerada válida, segundo juízes em reanimação cardiopulmonar, quanto ao conteúdo educacional sobre SBV.

Agradecimentos

Agradecemos aos docentes e discentes do Colégio Técnico de Bom Jesus e da Escola Aracy Lustosa, em Bom Jesus, PI. Agradecemos também, in memoriam , a professora Dra. Benevina Maria Vilar Teixeira Nunes, pelas significativas contribuições nesta pesquisa. Saudade eterna.

Referências

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  Tony AC, Carbogim FC, Motta DS, Santos KB, Dias AA, Paiva AC. Teaching Basic Life Support to schoolchildren: quasi-experimental study. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3340.
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• ⁸
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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Rafaela Gessner Lourenço ( https://orcid.org/0000-0002-3855-0003 ) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  18 Ago 2022
• Aceito
  20 Mar 2023