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Gestão compartilhada em serviços de pronto atendimento: estudo de métodos mistos

Gestión compartida en servicios de emergencias: estudio de métodos mixtos

Resumo

Objetivo

Analisar o modelo de gestão adotado nos Prontos Atendimentos dos municípios que integram um Departamento Regional de Saúde.

Métodos

Estudo de métodos mistos, com desenho incorporado concomitante, realizado em 2017, com seis gestores e 223 trabalhadores de saúde (médicos, enfermeiros e técnicos/auxiliares de enfermagem) de dez Prontos Atendimentos de oito municípios do Departamento Regional de Saúde XIII, São Paulo. Foi entregue o instrumento de coleta de dados composto por seis questões fechadas e quatro questões abertas. Os dados quantitativos foram analisados por meio de estatística descritiva; os dados qualitativos, desenvolvidos por meio da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo, foram analisados com o apoio do software DSCSoft®.

Resultados

Predominaram profissionais do sexo feminino 173 (75,2%) e que ocupavam o cargo de auxiliar de enfermagem 78 (33,9%). Enquanto os gestores avaliaram o modelo de gestão da instituição como contemporâneo e participativo, possibilitando que os trabalhadores participassem da tomada de decisão e dando autonomia aos mesmos para decidirem sobre questões do dia a dia, os trabalhadores avaliaram como gestão tradicional, destacando-se por sua estrutura formal.

Conclusão

Foi possível observar que gestores e trabalhadores têm visão destoante sobre o modelo de gestão das instituições de saúde. Os pressupostos do modelo de gestão compartilhada englobam concepções valiosas, como comunicação dialógica, descentralização do poder e maior autonomia para a tomada de decisões. Contudo, ao analisar a opinião da maior parte dos trabalhadores que participaram deste estudo, observa-se que o modelo hierarquizado ainda é muito utilizado nas instituições.

Serviços médicos de emergência; Gestão em saúde; Organização e administração; Serviços de saúde; Administração de serviços de saúde

Resumen

Objetivo

Analizar el modelo de gestión adoptado en los servicios de emergencias de los municipios que integran un Departamento Regional de Salud.

Métodos

Estudio de métodos mixtos, con diseño incorporado simultáneo, realizado en 2017, con seis gerentes y 223 trabajadores de la salud (médicos, enfermeros y técnicos/auxiliares de enfermería) de diez servicios de emergencias de ocho municipios del Departamento Regional de Salud XIII, São Paulo. Se entregó el instrumento de recopilación de datos, compuesto por seis preguntas cerradas y cuatro preguntas abiertas. Los datos cuantitativos se analizaron mediante estadística descriptiva. Los datos cualitativos, elaborados mediante la técnica del discurso del sujeto colectivo, se analizaron con ayuda del software DSCSoft®.

Resultados

Predominaron profesionales de sexo femenino 173 (75,2 %), que ocupaban el cargo de auxiliar de enfermería 78 (33,9 %). Mientras los gerentes evaluaron el modelo de gestión de la institución como contemporáneo y participativo, que permite a los trabajadores participar de la toma de decisiones y les da autonomía para decidir sobre cuestiones del día a día, los trabajadores la evaluaron como una gestión tradicional, con énfasis en su estructura formal.

Conclusión

Se pudo observar que los gerentes y los trabajadores tienen visiones discordantes sobre el modelo de gestión de las instituciones de salud. Las premisas del modelo de gestión compartida engloban concepciones valiosas, como comunicación dialógica, descentralización del poder y mayor autonomía para la toma de decisiones. Sin embargo, al analizar la opinión de la mayoría de los trabajadores que participaron en este estudio, se observa que el modelo jerárquico aún es muy utilizado en las instituciones.

Servicios médicos de urgência; Gestión en salud; Organización y administración; Servicios de salud; Administración de los Servicios de salud

Abstract

Objective

To analyze the management model adopted in Emergency Services in municipalities that are part of a Regional Health Department.

Methods

Mixed methods study with a concomitantly incorporated design. It was conducted in 2017 with six managers and 223 health workers (physicians, nurses and nursing technicians/assistants) from ten Emergency Care Units in eight municipalities of the Regional Health Department XIII, São Paulo. The data collection instrument composed of six closed questions and four open questions was delivered to participants. Quantitative data were analyzed using descriptive statistics; qualitative data were developed using the Collective Subject Discourse technique and analyzed using the DSCSoft® software.

Results

There was a predominance of female professionals, 173 (75.2%), in the position of nursing assistants, 78 (33.9%). Managers evaluated the institution’s management model as contemporary and participatory, enabling workers to participate in decision making and giving them autonomy to decide on day-to-day issues, while workers evaluated it as traditional management, highlighting its formal structure.

Conclusion

It was observed that managers and workers have a different view of the management model of health institutions. The assumptions of the shared management model encompass valuable concepts, such as dialogic communication, decentralization of power and greater autonomy for decision making. However, when analyzing the opinion of most workers who participated in this study, the wide use of a hierarchical model in institutions is still observed.

Emergency medical services; Health management; Organization and administration; Health services; Health services administration

Introdução

Após a Segunda Guerra Mundial, surgem os modelos de gestão participativos, estabelecendo competências e habilidades de conduta com ênfase na satisfação do cliente e na excelência da instituição.(11. Callefi JS, Crubellate JM. O Sistema Toyota de Produção: institucionalismo comunicativo e a cultura organizacional. Rev Gestão Tecnol. 2020;20(1):258-77.) Diferentemente dos modelos tradicionais de gestão, nos modelos participativos, denominados de gestão compartilhada, todos tomam decisões e buscam soluções para os problemas.(22. Penedo RM, Gonçalo CS, Quelus DP. Gestão compartilhada: percepções de profissionais no contexto de Saúde da Família. Interface. 2019;23:1-15.)

O Brasil tem investido na adoção de modelos flexíveis, contudo, a mudança do modelo de gestão não é simples. O estabelecimento de um dos aspectos mais significativos da gestão compartilhada, a tomada de decisão, implica a mudança de processos estabelecidos.(22. Penedo RM, Gonçalo CS, Quelus DP. Gestão compartilhada: percepções de profissionais no contexto de Saúde da Família. Interface. 2019;23:1-15.)

Práticas que valorizam a participação da equipe nas decisões estão sendo implantadas como estratégia para atingir níveis maiores de qualidade, ampliando a eficiência, eficácia e efetividade das ações de saúde.(33. Almeida SL, Camargo C, Araújo KA, Alves AP, Barreto HC. Política de humanização (HumanizaSUS): uma política transversal na saúde. Rev Eletr Acervo Saúde. 2019;30:1-6.) Estudos realizados em âmbito nacional e internacional referem que a implementação da gestão compartilhada permite mais diálogo entre a equipe e incentiva a descentralização do poder, evidenciando a melhoria do compartilhamento da tomada de decisão.(22. Penedo RM, Gonçalo CS, Quelus DP. Gestão compartilhada: percepções de profissionais no contexto de Saúde da Família. Interface. 2019;23:1-15.,44. McKnight H, Moore SM. Nursing Shared Governance [Updated 2022 Sep 19]. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK549862/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK54...
)

Investigações sobre essa temática podem potencializar a adoção de modelos mais contemporâneos e inovadores, além de influenciar o desempenho das organizações de saúde e os resultados da assistência. Entretanto, ainda existem serviços que permanecem enraizados nos princípios da gestão tradicional, dentre eles, os Prontos Atendimentos (PA).(55. Gómez CL. Risk communication in health: theoretical and methodological aspects for the control of sanitary public emergencies. MediSan. 2017;21(12):3386-99.)

Os PA concentram uma demanda reprimida do restante do sistema, sendo um reflexo da gestão das Secretarias Municipais de Saúde. São unidades destinadas à assistência de urgência e emergência, que funcionam durante 24 horas, com uma equipe multiprofissional qualificada.(66. Rodrigues LG, Santos TV. Condições sensíveis à atenção primária na unidade de pronto atendimento de Manhuaçu/MG: impacto no serviço de saúde pública e fatores predisponentes. In: Seminário Científico do UNIFACIG – Sociedade, Ciência e Tecnologia, 7 a 8 de novembro de 2019. Munhuaçu. Anais... Munhuaçu: UNIFACIG, 2019.,77. Pereira JA, Ruas JP, Flausino VO, Barbosa AF, Ferreira TV, Correia TC, et al. Perfil epidemiológico da demanda em unidades de emergência hospitalar: uma revisão de literatura. Rev Eletr Acervo Saúde. 2019;32:e1178. Review.)

Dado o exposto, considerando a necessidade de investimento na gestão compartilhada nesse cenário, pretendeu-se responder à seguinte questão: o modelo participativo de gestão está implantado nos Prontos Atendimentos dos municípios que integram o Departamento Regional de Saúde XIII?

A adoção de modelos de gestão mais participativos deve possibilitar o aumento da qualidade nos serviços de saúde, beneficiando profissionais, pacientes, família e comunidade. Ao considerar que várias instituições de saúde ainda adotam modelos tradicionais de gestão e que há a necessidade premente de mudança de paradigma, este estudo objetivou analisar o modelo de gestão adotado nos Prontos Atendimentos dos municípios que integram o Departamento Regional de Saúde em estudo.

Métodos

Estudo de métodos mistos, com desenho incorporado concomitante, realizado nos municípios que compõem o Departamento Regional de Saúde XIII (DRS XIII). Trata-se de uma pesquisa descritiva cujos dados quantitativos e qualitativos foram coletados concomitantemente, porém, atribuiu-se maior peso à abordagem quantitativa: QUAN (qual). O estudo qualitativo, desenvolvido por meio da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), teve papel complementar. A combinação dos dados foi realizada ao final por meio de incorporação, pois os dados qualitativos foram utilizados para complementar e aprofundar a análise quantitativa.(88. Creswell JW, Clark VL. Pesquisa de métodos mistos. 2 ed. Porto Alegre: Penso; 2013. 264 p.)

Adotou-se o modelo teórico, que tem como foco a gestão nas organizações, baseado em quatro classificações - estrutura, recursos humanos, política e símbolos.(99. Bolman LG, Deal TE. Reframing organizations: artistry, choice, and leadership. 6 ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2017. 512 p.)

Dos 26 municípios que compõem o DRS XIII e que possuem Prontos Atendimentos vinculados à Secretaria de Saúde do interior de um Estado do Sudeste do Brasil, oito foram selecionados para participar da pesquisa. Devido à heterogeneidade em relação à quantidade de funcionários dos PA, optou-se pela amostra probabilística por conglomerados, sendo utilizado o método da Probabilidade Proporcional ao Tamanho (PPT). O programa adotado para o cálculo amostral foi o R (R Core Team, 2017), versão 3.4.1. Assumiram-se o nível de significância de 5% (α=0.05), a precisão de 11,25% (d = 0.1125), o efeito de delineamento (deff) de 2.19, o número de Pronto Atendimento (m) = 25 e a perda esperada de 30%, chegando-se ao número de dez Prontos Atendimentos e oito municípios, cujo total de funcionários é de 347 pessoas.

Desses, 229 (67%) aceitaram participar da pesquisa. Participaram do estudo seis gestores municipais de diferentes profissões e 223 trabalhadores de saúde (médicos, enfermeiros e técnicos/auxiliares de enfermagem).

A pesquisa foi realizada entre agosto e novembro de 2017, sendo entregue um instrumento de coleta de dados, em envelope lacrado e numerado, para o qual foi dado o prazo de quatro semanas para retorno. Tal instrumento foi composto por questões relacionadas a dados sociodemográficos, seis questões fechadas e quatro questões abertas que tratavam da adoção do modelo de gestão pela instituição, do envolvimento na implantação deste modelo e do nível de satisfação, da possibilidade de participação e da autonomia na tomada de decisão, do uso da comunicação dialógica, bem como da identificação de potencialidades e dificuldades em relação ao modelo de gestão adotado pela instituição.

O questionário, elaborado por pesquisadores do Grupo de Pesquisa, foi submetido à validação aparente e de conteúdo com juízes da área de gerenciamento. Após a validação, realizou-se um teste-piloto de modo a permitir que fossem feitos ajustes prévios à coleta de dados definitiva.

Foram incluídos, na amostra, todos os profissionais contratados pela Secretaria de Saúde. Foram excluídos indivíduos admitidos nas instituições há menos de seis meses, considerando que não poderiam ter uma vivência suficiente do modelo de gestão adotado.

Em relação aos dados quantitativos, para proceder à avaliação diagnóstica do modelo de gestão, foram analisadas variáveis quantitativas e qualitativas, dentre elas: adoção do modelo participativo de gestão, envolvimento com a implantação do modelo, nível de satisfação, tomada de decisão, autonomia e comunicação. Para as variáveis qualitativas, foram calculadas as frequências absolutas e relativas. Para as variáveis quantitativas, foram calculados a média e o desvio-padrão (DP). Os dados foram inseridos em planilhas do Microsoft Excel® (dupla digitação) e analisados por meio de estatística descritiva, utilizando o software IBM SPSS Statistics, versão 25.

Os dados qualitativos foram transcritos na íntegra para arquivos digitais do Microsoft Word® e analisados com o apoio do software DSCSoft®. Foi realizado o teste de associação entre as diferentes categorias e o modelo de gestão adotado. Para verificar a existência de associação, foi utilizado o teste exato de Fisher.

Para a análise dos dados qualitativos, foi usada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Foram identificadas as Expressões-Chave (ECH), que são trechos ou transcrições literais que constituem o essencial do conteúdo das representações. Essas expressões foram organizadas conforme as Ideias Centrais (IC), que são a expressão linguística que descreve, da maneira mais sintética e precisa possível, o sentido presente nas ECH. A partir dessa análise, foram formulados os DSC, que representam discursos-síntese, redigidos na primeira pessoa do singular e compostos das ECH que têm IC semelhantes, sendo que, algumas vezes, o DSC é composto por ECH de apenas uma resposta.(1010. Lefevre F, Lefevre AM. The Collective Subject that speaks. Interface. 2006;10(20):517-24.,1111. Lefevre F, Lefevre AM. Pesquisa de Representação Social: um enfoque qualiquantitativo. 2 ed. Brasília: Liber Livro; 2012. 128 p.)

Os gestores e os demais profissionais que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme estipulado na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Foram atribuídos códigos para a especificação dos gestores (G01, G03...) e trabalhadores (T11, T20...), assim como para a especificação de suas profissões (enfermeiro - E, médico - M, técnico de enfermagem - T e auxiliar de enfermagem – A), com vistas a garantir o anonimato deles; assim foi feito também para os municípios (M1, M3...), as Secretarias de Saúde (S11, S15...) e as Unidades de Pronto Atendimento (U01, U05...). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente (Ofício nº 064/2017, de 28/03/2017) (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética nº 65035517.0.0000.5393).

Resultados

Dos 229 profissionais que participaram da pesquisa, seis (2,6%) eram gestores e 223 (97,4%), trabalhadores de saúde, sendo 173 (75,2%) do sexo feminino e 56 (24,3%) do sexo masculino, com idade média de 42,3 anos (DP 10,2) e 97 (42,2%) trabalhavam no município seis. Em relação à profissão, a maior parte dos profissionais 76(33%) era composta por técnicos de enfermagem. Porém, 78 (33,9%) participantes ocupavam o cargo de auxiliar de enfermagem. Ao levar em consideração o turno de trabalho, predominaram profissionais (108=47%) que trabalhavam 12 horas/dia, tendo como maior nível educacional o Ensino Médio (108=47%).

As questões propostas, relacionadas ao modelo de gestão adotado na instituição, ao envolvimento com a implantação do modelo de gestão compartilhado, ao nível de satisfação com o modelo de gestão atual, a tomada de decisão, a autonomia e a comunicação, foram avaliadas.

Dos seis gestores que participaram da pesquisa, três (50%) relataram que a instituição adota o modelo participativo de gestão. Desses, todos relataram o total envolvimento com a implementação do modelo.

Em relação ao nível de satisfação com o modelo de gestão atual, a maioria dos gestores (quatro=66,7%) encontrou-se satisfeita com o modelo de gestão atual da instituição. De forma similar, os resultados qualitativos, conforme os DSC, mostram que o nível de satisfação com o modelo de gestão atual, apontado pelos gestores, possui ligação com a qualificação da equipe profissional.

DSC: Estou satisfeito com o modelo de gestão atual, os profissionais de saúde são qualificados e envolvidos com o trabalho, a equipe é ótima (GAD2/S12, GE7/S18, GE1/S11).

No tangente à tomada de decisão, a maior parte dos gestores (quatro=66,7%) relatou possibilitar, aos trabalhadores, a participação na tomada de decisão. Em relação à autonomia, também a maioria dos gestores (quatro=66,7%) indicou dar autonomia aos trabalhadores para decidirem sobre questões do dia a dia.

DSC: Participamos de reuniões em equipe para resolver os problemas. É importante a participação de todos para diminuir os erros na tomada de decisão (GE1/S11, GAD2/S12).

Sobre a comunicação, todos os gestores relataram que a comunicação ocorre por meio do diálogo.

Diferentemente do relato dos gestores, a maioria dos trabalhadores, em todas as Unidades de Pronto Atendimento, ou seja, 165 (74,0%), relatou que a instituição não adota o modelo participativo de gestão. Dos 41 (18,4%) trabalhadores que relataram a adoção do modelo compartilhado de gestão pela instituição, apenas nove (4,0%) estão totalmente envolvidos com a execução do modelo de gestão participativo.

Em relação ao nível de satisfação, grande parte dos trabalhadores (102=45,7%) relatou insatisfação com o modelo de gestão atual da instituição devido à falta de participação nas decisões.

DSC: As decisões ocorrem de forma verticalizada. São tomadas pela chefia de alto escalão, pelos cargos superiores, sendo-nos comunicado sempre após as decisões tomadas por eles (TE332/U2, TA327/U2, TA305/U2).

O discurso deixa clara a adoção de um modelo de gestão tradicional na medida em que não há o envolvimento dos trabalhadores na tomada de decisão.

Quanto à participação na tomada de decisão, a maioria dos trabalhadores (131=58,7%) confirmou não participar da tomada de decisão no trabalho. Referente à autonomia, a maior parte dos trabalhadores (114=51,1%) relatou não ter autonomia para decidir sobre questões do dia a dia.

DSC: Não, autonomia para decidir, não, nenhuma, quem decide é a chefia, sempre é encontrada uma desculpa para aceitar a opinião (TA327/U2, TE428/U3, TT187/U7).

Mais uma vez, o DSC remete ao modelo tradicional de gestão em que somente o gestor tem autonomia para tomar decisões e impõe as regras a serem seguidas.

Em relação à comunicação, a maior parte dos trabalhadores (90=40,4%) relatou que a comunicação na instituição ocorria por meio do diálogo.

A tabela 1 ilustra que somente não foi encontrada associação significativa entre a categoria ocupacional e o nível de satisfação com o modelo de gestão da instituição, corroborando os discursos analisados.

Tabela 1
Associação da categoria ocupacional com as variáveis sobre o modelo de gestão de oito municípios pertencentes ao Departamento Regional de Saúde XIII

Discussão

Os resultados desta pesquisa mostraram que a maioria dos gestores refere a adoção do modelo de gestão compartilhada pela instituição, sendo que todos relataram o envolvimento com o referido modelo. Na implementação da gestão compartilhada, são necessárias mudanças tanto estruturais quanto políticas. Assim, para que ocorra a mudança de uma estrutura tradicional e mais formal para uma estrutura mais contemporânea e participativa, as relações de poder precisam ser revistas de modo que a participação e o envolvimento são estratégias essenciais para que a mudança do modelo de gestão realmente aconteça.(99. Bolman LG, Deal TE. Reframing organizations: artistry, choice, and leadership. 6 ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2017. 512 p.)

O compartilhamento das informações por meio da comunicação e do diálogo torna-se imprescindível. É desse modo que os profissionais de saúde compartilham opiniões, intensificando a atuação e o envolvimento no processo de trabalho em equipe, o que permite igualar a importância de todos os profissionais de forma a valorizá-los, aumentando o nível de satisfação com o trabalho.(22. Penedo RM, Gonçalo CS, Quelus DP. Gestão compartilhada: percepções de profissionais no contexto de Saúde da Família. Interface. 2019;23:1-15.,99. Bolman LG, Deal TE. Reframing organizations: artistry, choice, and leadership. 6 ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2017. 512 p.)

O nível de satisfação dos gestores com o modelo de gestão adotado pela instituição está relacionado à qualificação da equipe profissional. A qualificação profissional é responsável pela satisfação no trabalho na medida em que contribui para a aquisição de competências e habilidades necessárias ao melhor desempenho das funções. É uma forma de compensar as lacunas deixadas pela academia na formação dos profissionais para a atuação no sistema de saúde.(1212. Moreira KS, Lima CA, Vieira MA, Costa SM. Educação permanente e qualificação profissional para atenção básica. Rev Saúde Pesq. 2017;10(1):101-9.,1313. Santos MC, Frauches MB, Rodrigues SM, Fernandes ET. Processo de Trabalho do Núcleo de apoio à Saúde da Família (NASF): Importância da Qualificação Profissional. Saúde & Transformação Social. 2017;8(2):60-9.)

Nesse contexto, a Educação Permanente é necessária como prática de ensino-aprendizagem e política de educação na saúde visando ao cotidiano de trabalho. A educação permanente, a valorização do trabalho em equipe, a tomada de decisão e a comunicação são fundamentais ao sucesso do modelo de gestão compartilhada.(1313. Santos MC, Frauches MB, Rodrigues SM, Fernandes ET. Processo de Trabalho do Núcleo de apoio à Saúde da Família (NASF): Importância da Qualificação Profissional. Saúde & Transformação Social. 2017;8(2):60-9.,1414. Bezerra MM, Medeiros KR. Limites do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB): em foco, a gestão do trabalho e a educação na saúde. Saúde Debate. 2018;42(2):188-202.)

Os resultados apresentados revelaram que o discurso dos gestores se mostra em consonância com o modelo de gestão compartilhado cuja comunicação é aberta e os espaços de reuniões oferecem oportunidades de diálogo e de tomada de decisão. Os gestores ainda mantêm sua autoridade e tomam decisões-chave, mas o poder é distribuído entre todos os membros da equipe.(99. Bolman LG, Deal TE. Reframing organizations: artistry, choice, and leadership. 6 ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2017. 512 p.)

Segundo o referencial teórico, dar autonomia aos trabalhadores é uma estratégia básica relacionada ao quadro de recursos humanos, ao passo que a autonomia para tomar decisões é considerada uma motivação para a realização de um trabalho com qualidade.(99. Bolman LG, Deal TE. Reframing organizations: artistry, choice, and leadership. 6 ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2017. 512 p.)

Em relação à comunicação, como citado anteriormente, todos os gestores relataram que, na instituição onde atuavam, a comunicação ocorre por meio do diálogo. A comunicação efetiva dá-se por meio de um acordo entre os sujeitos, sendo assim, a comunicação para uma mobilização deve ser dialógica na medida em que defende uma causa de interesse mútuo.(1515. Moreira FT, Callou RC, Albuquerque GA, Oliveira RM. Effective communication strategies for managing disruptive behaviors and promoting patient safety. Rev Gaucha Enferm. 2019;40(spe):e20180308.)

Contraditoriamente, as respostas dos trabalhadores relacionadas ao modelo de gestão adotado na instituição diferem da percepção dos gestores. Quando há implantação do modelo de gestão compartilhado na organização, é necessário o reconhecimento desse novo modelo de gestão por todos os profissionais envolvidos com a instituição,(1616. van Veenendaal H, van der Weijden T, Ubbink DT, Stiggelbout AM, van Mierlo LA, Hilders CG. Accelerating implementation of shared decision-making in the Netherlands: An exploratory investigation. Patient Educ Couns. 2018;101(12):2097-104.) fato que não acontecia nas instituições de saúde que participaram desta pesquisa, uma vez que é notória a diferente visão dos gestores e dos trabalhadores em relação ao modelo de gestão adotado.

Neste estudo, os trabalhadores enfatizaram a insatisfação com o modelo de gestão atual da instituição devido à falta de participação nas decisões. Os indivíduos que atuam em uma organização têm seus próprios valores e preferências, que são caracterizados como símbolos.(99. Bolman LG, Deal TE. Reframing organizations: artistry, choice, and leadership. 6 ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2017. 512 p.)

Os valores, as preferências e as experiências são levados em consideração quando se tem uma tomada de decisão. Portanto, quando a tomada de decisão é realizada apenas pelas pessoas que detêm maior poder dentro de uma instituição, os subordinados acabam considerando os valores e as preferências de quem exerce a autoridade, o que torna as escolhas desiguais e limitadas.(1717. Silva IS, Arantes CI. Power relations in the family health team: focus on nursing. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):580-7.)

Nos resultados deste estudo, observou-se, por meio do discurso dos trabalhadores, a falta de autonomia para decidirem sobre questões do dia a dia. Esse fato remete ao modelo tradicional de gestão no qual somente o gestor tem autonomia para tomar decisões e impõe as regras a serem seguidas.

Conforme o referencial teórico adotado, a falta de autonomia está relacionada tanto ao quadro político quanto ao quadro simbólico, uma vez que os membros da organização ocupam diferentes posições hierárquicas e, historicamente, existe a crença de que as decisões devem ser tomadas por pessoas que estão no topo dessa escala hierárquica.(99. Bolman LG, Deal TE. Reframing organizations: artistry, choice, and leadership. 6 ed. San Francisco: Jossey-Bass; 2017. 512 p.)

Em relação à comunicação, os trabalhadores relataram que a comunicação na instituição ocorre por meio do diálogo, o que contrapõe as respostas anteriores. A maioria dos profissionais mencionou não ter autonomia para decidir sobre questões do dia a dia, não participar da tomada de decisão no trabalho e estar insatisfeita com o modelo de gestão atual da instituição.

A comunicação interfere no desempenho das organizações e é fundamental para o desenvolvimento do trabalho.(55. Gómez CL. Risk communication in health: theoretical and methodological aspects for the control of sanitary public emergencies. MediSan. 2017;21(12):3386-99.) No modelo de gestão compartilhada, a comunicação facilita o relacionamento das pessoas dentro da organização. Para que ocorra um ambiente de trabalho com a colaboração de todos, é fundamental que a comunicação seja efetiva, aberta e sem ruídos.(1818. Tartaglia A, Silva MG, Portela SD, Santos RM, Mendes AC, Andrade EC. Communication, destructive behaviors and patient safety. Rev Sobecc. 2018;23(4):226-30. Review.,1919. Pérez MA, Milian AJ, Puig PL, Cabrera PL, Victoria IP. Comunicación organizacional como dimensión necesaria para medir el clima en las organizaciones en salud pública. Horizonte Sanitário. 2017;16(1):28-37.)

A comunicação dialógica torna-se agente facilitador para a tomada de decisão, de autonomia e, consequentemente, contribui com a satisfação do trabalhador em seu ambiente de trabalho. Paradoxalmente, no modelo de gestão verticalizado, em que a comunicação é verticalizada e informativa, torna-se restrita a participação dos trabalhadores junto às ações de saúde, fato que ocorre nos Prontos Atendimentos, cenários deste estudo.

A compreensão da equipe sobre comunicação relaciona-se, frequentemente, à transmissão de informações. Esse é um entendimento equivocado, pois a ação de comunicar-se é complexa e demanda estrutura, processos, fluxos e cuidados.(2020. Nardi AC, Soares RA, Mendonça AV, Sousa MF. Health communication: a study of the profile and structure of municipal communication advisory services in 2014-2015. Epidemiol Serv Saude. 2018;27(2):e2017409.) Vale ressaltar que, apesar de relatarem que a comunicação ocorre por meio do diálogo na instituição, há pouca escuta do gestor, evidenciada pela falta de autonomia e participação dos profissionais nas ações de saúde, reforçando aspectos importantes do modelo tradicional de gestão nos municípios investigados e demonstrando a fragilidade do modelo de gestão adotado. Assim, estudos futuros sobre comunicação nos serviços de saúde podem emanar a partir desses achados. Nesse sentido, os resultados desta pesquisa têm potencial para fomentar mudanças na prática da equipe interdisciplinar a partir da percepção do dissenso entre a percepção e a ação do gestor e, mais importante, a realização de ações em prol da modificação dessa realidade.

A limitação deste estudo está relacionada ao número de participantes de cada categoria ocupacional. O número de gestores é consideravelmente menor em relação ao número de trabalhadores, visto que há somente um secretário da saúde em cada município.

Conclusão

Os gestores e os trabalhadores têm visão destoante sobre o modelo de gestão adotado nas instituições de saúde. Enquanto os gestores afirmam que modelos de gestão mais participativos estão sendo implantados, os trabalhadores não reconhecem, nas suas atividades diárias, essa implantação. Assim, é possível considerar que o modelo de gestão ainda é ordenado pelos princípios de uma administração tradicional, impactando, diretamente, o trabalho dos profissionais. A mudança para um modelo de gestão mais participativo está relacionada às crenças e aos valores que representam as organizações, o que dificulta essa transposição. A implantação de um modelo de gestão compartilhada leva tempo, exige esforço e empenho coletivo, sendo de suma importância o papel dos centros formadores no preparo de profissionais sobre modelos de gestão compartilhados. No cenário atual, muito trabalho e muitas tentativas devem ser realizados para que os profissionais possam superar as dificuldades enfrentadas e, de fato, acolher a demanda do Sistema Único de Saúde em relação à adoção de um modelo que gestão que seja mais participativo.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – São Paulo – Brasil, pelo apoio financeiro. Processo número: 2016/15007-9.

Referências

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Ana Lúcia de Moraes Horta (https://orcid.org/0000-0001-5643-3321) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2022
  • Aceito
    16 Maio 2023
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