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Burnout e níveis de proteína c-reativa: revisão integrativa da literatura

Burnout y niveles de proteína C reactiva: revisión integradora de la literatura

Resumo

Objetivo

Identificar as evidências científicas disponíveis na literatura sobre a associação entre Síndrome de Burnout (SB) e níveis de proteína C-reativa.

Métodos

Revisão integrativa da literatura de artigos publicados em português, espanhol e inglês, sem limite de data, com diferentes desenhos de estudo, disponíveis eletronicamente nas bases de dados do Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed), Scopus, Latin American and Caribbean Center on Health Sciences Information (LILACS), Science Direct e Springer Link. Os artigos selecionados foram analisados de acordo com a Agency for Healthcare Research and Quality.

Resultados

Foram analisados 7 artigos. Na maior parte dos estudos, houve associação positiva entre Burnout e níveis elevados de proteína c-reativa, apesar dos resultados gerais serem contraditórios. A maioria dos artigos que atenderam aos critérios de seleção encontrava-se em língua inglesa e indexados na base de dados CINAHL. O continente europeu concentrou a maior parte de produção. Houve predominância de desenho de estudo transversal.

Conclusão

Apesar da associação positiva entre Burnout e níveis elevados de proteína c-reativa os resultados dessa revisão sugerem a realização de novos estudos mais robustos na tentativa de explicar a relação entre SB e PCR.

Esgotamento profissional; Proteína C-Reativa; Saúde do trabalhador; Epidemiologia

Resumen

Objetivo

Identificar las evidencias científicas disponibles en la literatura sobre la relación entre el síndrome de burnout (SB) y los niveles de proteína C reactiva.

Métodos

Revisión integradora de la literatura de artículos publicados en portugués, español e inglés, sin límite de fecha, con diferentes diseños de estudio, disponibles electrónicamente en las bases de datos del Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed), Scopus, Latin American and Caribbean Center on Health Sciences Information (LILACS), Science Direct y Springer Link. Los artículos seleccionados fueron analizados de acuerdo con la Agency for Healthcare Research and Quality.

Resultados

Se analizaron siete artículos. En la mayor parte de los estudios, hubo asociación positiva entre burnout y niveles elevados de proteína C reactiva, aunque los resultados generales eran contradictorios. La mayoría de los artículos que cumplieron los criterios de selección estaban en idioma inglés e indexados en la base de datos CINAHL. El continente europeo concentró la mayor parte de la producción. Hubo predominancia de diseño de estudio transversal.

Conclusión

A pesar de la asociación positiva entre burnout y niveles elevados de proteína C reactiva, los resultados de esta revisión sugieren la realización de nuevos estudios más sólidos para explicar la relación entre SB y PCR.

Agotamiento professional; Proteína C-Reactiva; Salud laboral; Epidemiología

Abstract

Objective

To identify the scientific evidence available in the literature on the association between Burnout Syndrome (BS) and C-reactive protein levels.

Methods

This is an integrative literature review of articles published in Portuguese, Spanish and English, with no date limit, with different study designs, available electronically in the Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), National Library of Medicine, National Institutes of Health (PubMed), Scopus, Latin American and Caribbean Center on Health Sciences Information (LILACS), Science Direct, and Springer Link databases. The selected articles were analyzed according to the Agency for Healthcare Research and Quality.

Results

Seven articles were analyzed. In most studies, there was a positive association between Burnout and high c-reactive protein levels, despite the general results being contradictory. Most articles that met the selection criteria were in English and indexed in the CINAHL database. The European continent concentrated most of studies. There was a predominance of cross-sectional study design.

Conclusion

Despite the positive association between Burnout and high c-reactive protein levels, the results of this review suggest that new, more robust studies be carried out in an attempt to explain the relationship between BS and CRP.

Burnout; C-Reactive Protein; Occupational health; Epidemiology

Introdução

O estresse pode ser visualizado como um estado produzido por uma alteração no ambiente, percebido como desafiador ou ameaçador para o equilíbrio homeostático. A resposta fisiológica a um estressor, seja ele físico ou psicológico, é um mecanismo de proteção para manter o equilíbrio do organismo humano. Quando ocorre uma resposta ao estresse, o organismo deflagra uma série de processos neurológicos e hormonais. A duração e a intensidade do estresse podem provocar efeitos de curto ou de longo prazo, podendo comprometer a homeostasia até resultar em processo patológico.(11. Benevides-Pereira AM, Machado P, Porto-Martins P, Carrobles J, Siqueira J. Confirmatory Factor analysis of the ISB - Burnout Syndrome Inventory. Psychol Community Health. 2017;6(1):28–41.)

No contexto do trabalho, a subproletarização e a proliferação do desemprego estrutural expuseram os trabalhadores ao ritmo acentuado, longas jornadas, altas exigências, relações interpessoais conflitantes, perda de autonomia sobre o processo de trabalho, vínculos empregatícios fragilizados, insalubridade, baixa remuneração e reconhecimento profissional.(22. Pêgo FP, Pêgo DR. Burnout syndrome. Rev Bras Med Trab. 2016;14(2):171–6.,33. Ceolin GF. Capital crisis, work precariousness and impacts on Social Service. Serv Soc Soc. 2014;(118):239–64.)

Na exposição permanente a esses agentes estressores, se instaura a Síndrome de Burnout (SB), que é caracterizada como uma doença ocupacional reconhecida pela previdência social brasileira desde 1999 e, recentemente, incluída na 11ª Classificação Internacional de Doenças (CID-11), e definida como uma síndrome crônica ligada ao trabalho.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1339, de 18 de novembro de 1999. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1999 [citado 2021 Dez 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1999/prt1339_18_11_1999.html
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
,55. World Health Organization (WHO). CID-11 para estatísticas de mortalidade e morbidade. Geneva: WHO; 2020.)

O termo Burnout aparece na literatura científica em meados da década de 1970, principalmente após o artigo de Freudenberger em 1974, para explicar o processo de deterioração no cuidado e atenção das organizações com seus trabalhadores. Atualmente, através das psicólogas sociais Christina Maslach e Suzan Jackson, é reconhecida como um constructo multidimensional constituído por exaustão emocional e física, despersonalização e reduzida realização pessoal no trabalho.(66. Benevides-Pereira AM. Considerações sobre a síndrome de burnout e seu impacto no ensino. Bol Psicol. 2012;62(137):155–68.)

A exaustão física e emocional é definida como estado de esgotamento pela relação/execução do próprio trabalho; a despersonalização como comportamento indiferente, frio e distante em relação a usuários de um serviço; e a redução da realização pessoal como perda progressiva de idealismo, energia e desejo de alcançar metas.(55. World Health Organization (WHO). CID-11 para estatísticas de mortalidade e morbidade. Geneva: WHO; 2020.)

A SB é o resultado de constante sofrimento físico e psíquico ultrapassando, muitas vezes, o limite da capacidade de enfrentamento do indivíduo, podendo inclusive, levar a outros agravos, tais como: distúrbios metabólicos, alterações imunológicas, transtornos mentais e uso abusivo de álcool e psicotrópicos, comprometendo as relações familiares e sociais.(77. Ferreira G, Aragão A, Oliveira P. Síndrome de Burnout na Enfermagem Hospitalar/intensivista: o que dizem os estudos? SANARE-Revista de Políticas Públicas. 2017;16(1):100–8.

8. Merces MC, Carneiro e Cordeiro TM, Santana AI, Lua I, Silva DS, Alves MS, et al. Síndrome de burnout em trabalhadores de Enfermagem da atenção básica à saúde. Rev Baiana Enferm. 2016;30(3):1–9.

9. dos Santos SC, Viegas AI, Morgado CI, Ramos CS, Soares CN, Roxo HM, et al. Prevalência de burnout em médicos residentes de Medicina Geral e Familiar em Portugal. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2017;12(39):1–9.
-1010. Ribeiro RP, Marziale MH, Martins JT, Ribeiro PH, Robazzi ML, Dalmas JC. Prevalência da Síndrome Metabólica entre trabalhadores de Enfermagem e associação com estresse ocupacional, ansiedade e depressão. Rev Lat Am Enfermagem. 2015;23(3):435–40.)

No tocante as alterações imunológicas, o estresse laboral crônico ativa respostas inflamatórias de baixo grau através do efeito sinérgico dos eixos hipotálamo-hipófise-adrenal e simpático-medulo-adrenal. O estímulo persistente desses sistemas pode culminar em inflamação crônica com elevação dos níveis séricos de cortisol; alteração da função imunológica pela diminuição da atividade das células Natural Killer (NK), aumento das citocinas proinflamatórias como interleucina 1 (IL-1), interleucina 6 (IL-6), interleucina 17 (IL-17), TNFα e aumento dos níveis de proteína c-reativa (PCR).(1111. Jonsdottir IH, Sjörs Dahlman A. Mechanisms in endocrinology: Endocrine and immunological aspects of burnout: a narrative review. Eur J Endocrinol. 2019 ;180(3):R147–58.

12. Barron E, Lara J, White M, Mathers JC. Blood-borne biomarkers of mortality risk: systematic review of cohort studies. PLoS One. 2015;10(6):e0127550.

13. Dias FS, Angélico AP. Burnout syndrome in bank employees. A literature review. Trends Psychol. 2018;26(1):31–46.

14. Dixon JB, Hayden MJ, Lambert GW, Dawood T, Anderson ML, Dixon ME, O‘Brien PE. Raised CRP levels in obese patients: symptoms of depression have an independent positive association. Obesity (Silver Spring). 2008;16(9):2010-5.
-1515. Hänsel A, Hong S, Camara RJ, von Kanel R. Inflammation as a psychophysiological biomarker in chronic psychosocial stress. Neurosci Biobehav Rev. 2010.35(1):115–121.)

A PCR é apontada como um biomarcador confiável de inflamação com manutenção de meia-vida constante, garantindo uma correlação determinante exclusiva de produção com seus níveis sanguíneos, pois sua rápida produção é uma resposta à inflamação.(1414. Dixon JB, Hayden MJ, Lambert GW, Dawood T, Anderson ML, Dixon ME, O‘Brien PE. Raised CRP levels in obese patients: symptoms of depression have an independent positive association. Obesity (Silver Spring). 2008;16(9):2010-5.)Além disso, inflamações de baixo grau detectados pela PCR ultra-sensível tem se mostrado um preditor independente de mortalidade para doenças cardiovasculares e aumento do risco de mortalidade geral.(1212. Barron E, Lara J, White M, Mathers JC. Blood-borne biomarkers of mortality risk: systematic review of cohort studies. PLoS One. 2015;10(6):e0127550.,1414. Dixon JB, Hayden MJ, Lambert GW, Dawood T, Anderson ML, Dixon ME, O‘Brien PE. Raised CRP levels in obese patients: symptoms of depression have an independent positive association. Obesity (Silver Spring). 2008;16(9):2010-5.)

Frente ao contexto, sabe-se que o ato de trabalhar é reconhecido como atividade essencial para garantir subsistência, vínculos sociais e realização pessoal dos indivíduos. Porém as transformações no mundo do trabalho e suas formas de precarização expõe o trabalhador a situações de estresse permanente e consequente Burnout. Essa situação frente a incapacidade biológica para manutenção da homeostase do corpo associado a inflamação crônica pode desencadear elevação dos níveis de PCR e contribuir para o desenvolvimento de condições clínicas crônicas e degenerativas, como alterações imunológicas e metabólicas, dor musculoesquelética, transtornos psiquiátricos e Síndrome Metabólica, por exemplo. Dessa forma, é imprescindível a compreensão da relação entre o trabalho e os seus impactos na saúde para criação estratégias de enfrentamento dessa realidade laboral.(1616. Merces MC, Lopes RA, Silva DS. el al. Prevalência da síndrome de burnout em profissionais de enfermagem da atenção básica à saúde. Rev Fund Care Online. 2017;9(1):208–14.

17. Vidotti V, Martins JT, Galdino MJQ, Ribeiro RP, Robazzi MLC. Burnout syndrome, occupational stress and quality of life among nursing workers Enfermería Global. 2019; 55):366-375.
-1818. Mazalo JV, Mori B, Paulo TR, Pinheiro QN, Boechat AL. Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho em enfermeiros de um hospital público em Manaus-AM. Rev Desafios. 2021;8(2):56–65.)

Nesse sentido, o presente estudo, baseado na revisão de literatura, teve por objetivo identificar as evidências científicas disponíveis na literatura sobre a associação entre Síndrome de Burnout e níveis de PCR.

Métodos

Foi realizada revisão integrativa da literatura com o objetivo de reunir, sintetizar e analisar achados oriundos de estudos primários, embasado em evidências científicas disponíveis sobre a associação entre SB e níveis séricos de proteína c reativa.(1919. Mendes KD, Silveira RC, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758–64.,2020. Ganong LH. Integrative reviews of nursing research. Res Nurs Health. 1987 Feb;10(1):1–11.) Para sistematização dessa revisão, foram seguidas seis etapas: elaboração da pergunta norteadora; busca ou amostragem na literatura; coleta de dados; análise crítica dos estudos incluídos; discussão dos resultados; apresentação da revisão integrativa.(1717. Vidotti V, Martins JT, Galdino MJQ, Ribeiro RP, Robazzi MLC. Burnout syndrome, occupational stress and quality of life among nursing workers Enfermería Global. 2019; 55):366-375.,1818. Mazalo JV, Mori B, Paulo TR, Pinheiro QN, Boechat AL. Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho em enfermeiros de um hospital público em Manaus-AM. Rev Desafios. 2021;8(2):56–65.) Tendo como base o checklist do Statement for Reporting Systematic Reviews and Meta-Analyses of Studie (PRISMA), e a estratégia PICO (acrônimo para P: população/pacientes; I: intervenção; C: comparação/controle; O: desfecho/outcome) foi utilizada para elaboração da pergunta norteadora.(2121. da Costa Santos CM, de Mattos Pimenta CA, Nobre MR. The PICO strategy for the research question construction and evidence search. Rev Lat Am Enfermagem. 2007 May-Jun;15(3):508–11.)

O P (população alvo) se referiu aos profissionais expostos ao desenvolvimento de Burnout e alteração nos níveis de Proteína C reativa, I (intervenção) ao lócus de trabalho estressante, C (comparação) comparações entre os níveis de evidências científicas e O (desfecho) para possível associação entre SB e alteração nos níveis de proteína C reativa.

Logo, obteve-se a questão norteadora: Há evidências científicas disponíveis na literatura sobre a associação entre Síndrome de Burnout e níveis de PCR em trabalhadores?

A busca das publicações foi realizada em dezembro de 2021, utilizando-se os descritores “Esgotamento profissional”, “Proteína C-Reativa”, “Saúde do trabalhador” e “Epidemiologia”, operador booleano AND e técnicas de truncamento, nas seguintes bases de dados: Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed), Scopus, Latin American and Caribbean Center on Health Sciences Information (LILACS), Science Direct e Springer Link.

Foram considerados os artigos publicados em português, espanhol e inglês, sem limite de data, com diferentes desenhos de estudo, disponíveis eletronicamente nas bases elencadas que tivessem como escopo a associação entre Síndrome de Burnout e níveis de Proteína C reativa. Os critérios de exclusão foram: artigos que não apresentavam relação com o objeto, monografias, dissertações, teses, resumos em anais de eventos, capítulos de livros. Artigos duplicados foram considerados uma única vez.

Logo em seguida um documento foi elaborado para auxiliar na coleta dos artigos, sendo: identificação; instituição sede do estudo; tipo de publicação; características metodológicas do estudo; e avaliação do rigor metodológico.

Os estudos elegíveis passaram por classificação dos níveis de evidência científica da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), que abrange seis níveis: (I) evidências resultantes de metanálise e revisão sistemática; (II) evidências obtidas em ensaios clínicos com randomização; (III) evidências obtidas em ensaios clínicos sem randomização; (IV) evidências de estudos de coorte e de caso-controle; (V) evidências oriundas de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; (VI) evidências baseadas em estudo descritivo ou qualitativo. Por fim, ocorreu uma análise crítica dos artigos e elaborou-se um quadro sinóptico com as publicações selecionadas, contendo autor/ano/revista, país onde o estudo foi conduzido, considerações temáticas, tipo de estudo, síntese das conclusões e classificação da AHRQ.

Resultados

Foram encontrados 27 artigos nas bases de dados, a saber: 48% (13) CINAHL, 33% (9) PubMed, 7,4% (2) Scopus, 3,7% (1) Lilacs, 3,7% (1) Springer Link e Science Direct (1). Pautando-se nos critérios de elegibilidade e na análise detalhada das publicações, 20 artigos não atenderam aos critérios, equivalente a: 15% duplicados e 85% não apresentavam relação com o objeto de estudo. Frente ao exposto, nesta revisão, foram selecionados sete artigos, que estão sumarizados na figura 1.

Figura 1
Fluxograma da revisão integrativa sobre evidências científicas entre Burnout e níveis de proteína C reativa

Dos sete estudos elegíveis, 71% (5) encontravam-se em língua inglesa e 29% (2) em espanhol, indexados majoritariamente na base de dados CINAHL. Destaca-se que a maioria dos periódicos eram da área de Psicologia e Medicina. Quanto aos anos de publicação, incidiram entre 2005 e 2020. No tocante à formação dos autores principais de cada estudo, 86% eram médicos, destes 29% eram psiquiatras e 14% com formação em biotecnologia. Houve maior concentração de artigos no continente europeu – França, Espanha e Holanda (43%). Na Ásia, os países que conduziram estudos foram Jordânia e Israel representando 29% da amostra. Venezuela na América do Sul e África do Sul no continente africano ambos representaram 14% na amostra. Houve predominância de desenho de estudo transversal (72%), caso controle (14%) e revisão sistemática (14%). Não foi encontrado nenhum artigo com desenho de estudo de ensaio clínico randomizado. A população investigada nos estudos foi majoritariamente constituída de profissionais que desenvolviam atividades laborais na área da saúde. De acordo com as categorias do AHRQ, 72% dos artigos foram classificados como nível de evidência VI (transversal), 14% nível de evidência IV (coorte e caso-controle); 14%, nível de evidência V (revisão de literatura). Não houve artigos selecionados para o nível de evidência I (evidências resultantes de metanálise e revisão sistemática). Quantitativo significativo dos estudos que compuseram a revisão integrativa da literatura descreviam o Burnout como variável preditora para alteração da proteína C reativa. Em 57% (4) dos estudos, houve associação entre a síndrome e a alteração da PCR, em 29% (2) entre componentes do Burnout com PCR e em 14% (1) a associação entre Burnout e PCR não foi encontrada. Os artigos desta revisão estão sintetizados no quadro 1, ordenados de acordo com o ano de publicação.

Quadro 1
Caracterização das publicações incluídas na revisão integrativa

Discussão

Os artigos selecionados refletem o reconhecimento da magnitude, gravidade e vulnerabilidade do Burnout. Além disso, definem a síndrome com clareza e utilizam termos atualizados, como por exemplo, cinismo (alteração do termo despersonalização em 1996 por Maslach, Jackson e Leiter).(2626. Viljoen M, Claassen N. Cynicism as subscale of burnout. Work. 2017;56(4):499–503.)

Embora se saiba que o estresse afeta a homeostase do organismo, somente há duas décadas, estudos sobre Burnout e alterações de biomarcadores inflamatórios começaram a se expandir no mundo. Apesar da PCR ser comumente utilizada como sinalizador de inflamação geral, baixa dosagem detectada pela PCRus é um importante marcador de aumento do risco de mortalidade por todas as causas, mortalidade por doenças cardiovasculares e neoplasias e níveis ligeiramente a moderadamente aumentados estão associados a inflamação crônica de baixo grau e consequentemente ao estresse crônico, sendo importante biomarcador para avaliação dos efeitos deletérios do Burnout.(1111. Jonsdottir IH, Sjörs Dahlman A. Mechanisms in endocrinology: Endocrine and immunological aspects of burnout: a narrative review. Eur J Endocrinol. 2019 ;180(3):R147–58.,1212. Barron E, Lara J, White M, Mathers JC. Blood-borne biomarkers of mortality risk: systematic review of cohort studies. PLoS One. 2015;10(6):e0127550.)

Apesar da maior parte dos estudos apresentar níveis mais elevados de PCR em pessoas com SB, não conseguiram sustentar uma associação com plausibilidade biológica, devido as diversas variáveis que podem alterar esse marcador, mesmo muitos deles sendo utilizados como critérios de exclusão desses estudos como, por exemplo, doenças inflamatórias, DCV, transtornos mentais e uso de antibióticos, imunossupressores, amiodarona, heparina de baixo peso molecular.(2222. Toker S, Shirom A, Shapira I, Berliner S, Melamed S. The association between burnout, depression, anxiety, and inflammation biomarkers: c-reactive protein and fibrinogen in men and women. J Occup Health Psychol. 2005 Oct;10(4):344–62.,2424. Domínguez Fernández JM, Herrera Clavero F, Villaverde Gutiérrez MC, Padilla Segura I, Martínez Bagur ML, Domínguez Fernández J. Síndrome de desgaste profesional en trabajadores de atención a la salud en el área sanitaria de Ceuta. Aten Primaria. 2012;44(1):30–5.,2626. Viljoen M, Claassen N. Cynicism as subscale of burnout. Work. 2017;56(4):499–503.,2727. Metlaine A, Sauvet F, Gomez-Merino D, Boucher T, Elbaz M, Delafosse JY, et al. Sleep and biological parameters in professional burnout: A psychophysiological characterization. PLoS One. 2018;13(1):e0190607.) Além disso, observou-se o aumento de PCR somente em mulheres com Burnout, no artigo com maior amostra de análise.(2121. da Costa Santos CM, de Mattos Pimenta CA, Nobre MR. The PICO strategy for the research question construction and evidence search. Rev Lat Am Enfermagem. 2007 May-Jun;15(3):508–11.)

As principais limitações foram que os participantes não podem ser representativos da população em geral, devido ao tamanho da amostra e a influência de fatores ambientais e emocionais específicos de cada lugar e indivíduo.(2525. Almadi T, Cathers I, Chow CM. Associations among work-related stress, cortisol, inflammation, and metabolic syndrome. Psychophysiology. 2013;50(9):821–30.

26. Viljoen M, Claassen N. Cynicism as subscale of burnout. Work. 2017;56(4):499–503.
-2727. Metlaine A, Sauvet F, Gomez-Merino D, Boucher T, Elbaz M, Delafosse JY, et al. Sleep and biological parameters in professional burnout: A psychophysiological characterization. PLoS One. 2018;13(1):e0190607.) Os estudos transversais trouxeram a barreira desse tipo de pesquisa, o qual não é possível realizar associação de causa-efeito.(2222. Toker S, Shirom A, Shapira I, Berliner S, Melamed S. The association between burnout, depression, anxiety, and inflammation biomarkers: c-reactive protein and fibrinogen in men and women. J Occup Health Psychol. 2005 Oct;10(4):344–62.,2424. Domínguez Fernández JM, Herrera Clavero F, Villaverde Gutiérrez MC, Padilla Segura I, Martínez Bagur ML, Domínguez Fernández J. Síndrome de desgaste profesional en trabajadores de atención a la salud en el área sanitaria de Ceuta. Aten Primaria. 2012;44(1):30–5.

25. Almadi T, Cathers I, Chow CM. Associations among work-related stress, cortisol, inflammation, and metabolic syndrome. Psychophysiology. 2013;50(9):821–30.

26. Viljoen M, Claassen N. Cynicism as subscale of burnout. Work. 2017;56(4):499–503.

27. Metlaine A, Sauvet F, Gomez-Merino D, Boucher T, Elbaz M, Delafosse JY, et al. Sleep and biological parameters in professional burnout: A psychophysiological characterization. PLoS One. 2018;13(1):e0190607.
-2828. González-Moret YA, Guzmán-Cuárez NE. Relación entre niveles de proteína c-reactiva y Síndrome de Burnout en médicos de postgrado. MEDUNAB. 2021;23(3):423–33.) Além disso, um dos estudos questiona a influência dos resultados dos questionários autorrelatados, principalmente para pessoas com Burnout, visto que sujeitos esgotados podem responder mais negativamente devido ao sentimento negativo quando preencheram o questionário.(2626. Viljoen M, Claassen N. Cynicism as subscale of burnout. Work. 2017;56(4):499–503.)

Não foram encontrados estudos brasileiros que investiguem as evidências científicas entre associação da Síndrome de Burnout e níveis de PCR, tornando este o primeiro estudo no Brasil que investigue essa associação em caráter de revisão integrativa. Essa informação traduz o preocupante desconhecimento de importantes variáveis da saúde do trabalhador brasileiro e fatores de risco para agravos cardiovasculares, e síndrome metabólica, por exemplo, evidenciando a urgência de estudos observacionais e longitudinais sobre o objeto, além de pesquisas de intervenções na atual conjuntura laboral, com foco no Burnout e suas consequências.(2222. Toker S, Shirom A, Shapira I, Berliner S, Melamed S. The association between burnout, depression, anxiety, and inflammation biomarkers: c-reactive protein and fibrinogen in men and women. J Occup Health Psychol. 2005 Oct;10(4):344–62.,2525. Almadi T, Cathers I, Chow CM. Associations among work-related stress, cortisol, inflammation, and metabolic syndrome. Psychophysiology. 2013;50(9):821–30.)

O maior número de artigos concentrou-se no continente europeu (43%), certamente pela preocupação que a União Europeia (UE) tem demonstrado na diminuição dos efeitos deletérios do trabalho sobre a saúde dos trabalhadores e na criação de políticas públicas sobre o tema. Dos estudos identificados nesta revisão, segundo as categorias do AHRQ, 72% foram classificadas como nível de evidência VI (estudo transversal), o que resulta em nível de evidência mediano.

As limitações encontradas foram a escassez de estudos que abordassem o objeto de pesquisa dessa revisão, dificultando uma maior discussão sobre o tema; a utilização de escalas diferentes para medição da SB (MBI e SMBM), que embora sejam validadas, a MBI avalia ansiedade, depressão, distúrbios do sono, sintomas somáticos e saúde prejudicada, em contraste do SMBM que concentra-se no esgotamento crônico de recursos energéticos e se assemelha à síndrome da fadiga crônica e à “exaustão vital”, dificultando a comparação dos estudos que utilizam escalas distintas; as diferenças entre os critérios de exclusão e a possível interferência nos resultados dos artigos quanto ao nível de PCR e consequentemente nessa revisão.

Devido as diferenças entre os resultados encontrados e a predominância de desenhos de estudo de nível mediano, acredita-se que a condução de estudos epidemiológicos com análises robustas e metodologia bem estruturada e ensaios clínicos randomizados contribuirão de forma mais efetiva com o conhecimento necessário para comparar e avaliar os efeitos da Síndrome de Burnout nos níveis da PCR.

Conclusão

Conclui-se que apesar da maior parte dos estudos apresentarem associação positiva do Burnout com níveis elevados de PCR, os resultados ainda são contraditórios, demonstrando que as evidências científicas disponíveis na literatura ainda são insuficientes para afirmar a associação entre Burnout e níveis de PCR. Isso mostra a urgência para realização de novos estudos mais robustos, principalmente nacionais, na tentativa de frear a SB e seus possíveis impactos deletérios como a PCR e sua relação com o risco de mortalidade. Além disso, o incentivo e difusão do conhecimento sobre essa temática para outras categorias profissionais devido à complexidade multifatorial do Burnout e suas repercussões.

Agradecimentos

Agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; bolsa de mestrado).

Referências

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Thiago da Silva Domingos (https://orcid.org/0000-0002-1421-7468) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    8 Fev 2022
  • Aceito
    26 Out 2022
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