Notificação da COVID-19 como acidente laboral por trabalhadores da saúde: scoping review

Notification of COVID-19 as an occupational injury by health workers: scoping review

Notificación de COVID-19 como accidente laboral por trabajadores de la salud: scoping review

Resumo

Objetivo

Identificar as publicações que discorreram sobre a COVID-19 como acidente laboral e sua notificação pelos trabalhadores da saúde.

Métodos

A busca para esta scoping review, explorou literatura nacional e internacional, no período de 2020 e 2021, em inglês, português e espanhol, nas bases de dados do Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde, na MEDLINE por meio do PubMed e no Portal de Periódicos da Capes empregou-se: Embase, Scopus, Web of Science, CINAHL. Os textos foram importados para o EndNote, suprimido os duplicados e exportados para o aplicativo Rayyan, sendo feita a inclusão dos artigos em planilha Excel com os rótulos/etiquetas: COVID-19 como acidentes de trabalho e Notificação de COVID-19.

Resultados

Foram identificados 5.665 estudos, excluindo 2.088 duplicações, resultando 3.577 publicações, selecionadas por título e resumo. Destas, 3.280 não atendiam aos critérios de inclusão, resultando 297 artigos. Destes, 10 foram selecionados para análise completa do texto por tratarem da COVID-19 como acidente de trabalho e/ou notificação deste agravo pelos trabalhadores da saúde. Dois artigos foram excluídos por se tratar de revisão de literatura, permanecendo 8 como corpus do estudo.

Conclusão

Apesar de determinados países já reconhecerem a COVID-19 como doença ocupacional, alguns trabalhadores ainda apresentam dificuldades em relacionar a infecção pelo SARS-CoV-2 com o trabalho na assistência à saúde, caracterizando como acidente laboral. Todos devem ser orientados e capacitados quanto ao reconhecimento da COVID-19 como acidente laboral e notificar sua ocorrência, uma vez que já existe a definição da infecção como doença de notificação compulsória.

Acidente de trabalho; Doença profissional; COVID-19; Pessoal da saúde; Notificação de doenças; Exposição ocupacional

Resumen

Objetivo

Identificar las publicaciones que abordaron el COVID-19 como accidente laboral y su notificación por parte de los trabajadores de la salud.

Métodos

La búsqueda para esta scoping review exploró la literatura nacional e internacional, durante el período de 2020 a 2021, en inglés, portugués y español, en las bases de datos del Portal Regional de la Biblioteca Virtual de Salud, en MEDLINE a través de PubMed, y en el Portal de Periódicos de Capes se utilizó Embase, Scopus, Web of Science, CINAHL. Los textos fueron importados a EndNote, se eliminaron los duplicados y se exportaron a la aplicación Rayyan, se incluyeron los artículos en una planilla de Excel con la clasificación/etiquetas: COVID-19 como accidente de trabajo y Notificación de COVID-19.

Resultados

Se identificaron 5.665 estudios, se excluyeron 2.088 duplicaciones, que dio como resultado 3.577 publicaciones, seleccionadas por título y resumen. De ellas, 3.280 no atendían los criterios de inclusión, por lo que se obtuvieron 297 artículos. De estos, 10 fueron seleccionados para análisis completo del texto porque trataban el COVID-19 como accidente de trabajo o notificación de este daño por parte de los trabajadores de la salud. Se excluyeron dos artículos porque se trataban de revisión de literatura, por lo cual permanecieron ocho como corpus de estudio.

Conclusión

Aunque determinados países ya reconocieron el COVID-19 como una enfermedad ocupacional, algunos trabajadores aún tienen dificultad de relacionar la infección por SARS-CoV-2 con el trabajo en la atención a la salud, caracterizándolo como un accidente laboral. Todos deben ser orientados y capacitados sobre el reconocimiento del COVID-19 como accidente laboral y notificar su ocurrencia, dado que ya existe la definición de la infección como enfermedad de notificación obligatoria.

Accidentes de trabajo; Salud Laboral; Covid-19; Personal de salud; notificación de enfermedades; Exposición profesional

Abstract

Objective

To identify the publications that discussed COVID-19 as an occupational injury and its notification by health workers.

Methods

The search for this scoping review explored national and international literature, between 2020 and 2021, in English, Portuguese and Spanish, in the databases of the Regional Portal of the Virtual Health Library, in MEDLINE through PubMed and in Capes Journal Portal used: Embase, Scopus, Web of Science, CINAHL. The texts were imported into EndNote, duplicates were removed and exported to the Rayyan application, and the articles were included in an Excel spreadsheet with the labels: COVID-19 as injuries at work and Notification of COVID-19.

Results

A total of 5665 studies were identified, excluding 2088 duplicates, resulting in 3577 publications, selected by title and abstract. Of these, 3280 did not meet the inclusion criteria, resulting in 297 articles. Of these, 10 were selected for full text analysis because they dealt with COVID-19 as an injury at work and/or notification of this condition by health workers. Two articles were excluded because they were a literature review, remaining 8 as the study’s corpus.

Conclusion

Although certain countries already recognize COVID-19 as an occupational injury, some workers still have difficulties in relating the SARS-CoV-2 infection with work in health care, characterizing it as an occupational injured. Everyone should be guided and trained regarding the recognition of COVID-19 as an occupational injury and notify its occurrence, since the definition of the infection as a notifiable disease already exists.

Accidents, occupational; Occupational Health; Covid-19; Health personnel; Disease notification; Occupational exposition

Introdução

A COVID-19 é uma doença infectocontagiosa causada pelo vírus SARS-CoV-2 que tomou proporções pandêmicas. Os trabalhadores de saúde, devido a questões ocupacionais, foram amplamente expostos ao vírus, fato constatado pelo relatório divulgado em 11/02/2020 pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, que mostrou que dos 44.672 casos confirmados, 1.716 ocorreram em trabalhadores da saúde.(¹,²)

No Brasil, o Ministério da Saúde notificou o primeiro caso de COVID-19 diagnosticado em São Paulo em 26/02/2020, com disseminação rápida do vírus para todos os Estados. Os dados da Semana Epidemiológica 20 do e-SUS Notifica (23/05/2022) revelaram que dos 30.788.607 casos confirmados, 133.324 eram trabalhadores da saúde.(³)

Este elevado risco de infecção por coronavírus causou grande preocupação sanitária global para governantes, empregadores e classe trabalhadora, porque durante a pandemia, muitos funcionários precisaram permanecer em seus ofícios. O Decreto 10.282/2020 da Casa Civil Brasileira definia os “serviços públicos e as atividades essenciais para a sobrevivência, saúde e segurança da população que deveriam ser mantidos”. Neste, a primeira categoria citada era a dos trabalhadores da assistência à saúde, incluindo os serviços médicos e hospitalares.(⁴-⁶)

Os trabalhadores da saúde estiveram na “linha de frente” dos atendimentos aos pacientes infectados pelo vírus SARS-CoV-2 em ambientes de saúde, onde muitos foram contaminados; oportunizando-se fazer o nexo causal pela relação da COVID-19 com o trabalho, e, assim, qualificar a doença como acidente laboral, que no Brasil, é definido pela Lei 8.213/1991 da Previdência Social.(⁴)

Durante os anos de 2020 e 2021, pouco se sabia sobre a notificação desses casos de COVID-19 como acidente de trabalho ou doença ocupacional.(³,⁶) Somente em maio de 2022, foi implantada a Portaria GM/MS nº 1.102 que incluiu o SARS-CoV-2, na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados, garantindo a obrigatoriedade da notificação no Sistema de Informação de Agravos de Notificação Compulsória.(⁷)

Além da recente inclusão na lista de notificação compulsória, o presente estudo justifica-se também por se tratar da temática de uma patologia emergente, causada por um agente biológico de elevada transmissibilidade entre humanos, e ainda, pela necessidade de esclarecer como notificar a COVID-19 como acidente laboral.

O objetivo deste estudo foi identificar na literatura científica nacional e internacional as publicações que discorreram sobre a COVID-19 como acidente laboral e sua notificação pelos trabalhadores da saúde.

Métodos

Trata-se de uma scoping review que seguiu uma abordagem sistemática, fundamentada no Instituto Joanna Briggs (JBI). A busca bibliográfica explorou a literatura nacional e internacional, de forma ordenada, possibilitando analisar e sintetizar estudos já publicados, gerando uma visão abrangente, legitimando novos conhecimentos. Para tal, foram constituídas fases, rigorosamente seguidas, de acordo com o preconizado pelo JBI.(⁸,⁹)

Selecionou-se um tema e, para a construção das questões de pesquisa, utilizou-se o mnemônico PICo - População (P), incluiu os trabalhadores da saúde; Fenômeno de interesse (I), COVID-19 reconhecida como acidentes de trabalho e a notificação da COVID-19 como acidente laboral; Contexto (Co), período pandêmico.(⁸,⁹) Com isso, as perguntas de revisão foram elaboradas: a) A infecção por SARS-CoV-2 é compreendida como acidente de trabalho por trabalhadores da saúde? b) A COVID-19 é notificada como acidente de trabalho por trabalhadores da saúde? Para responder esses questionamentos foram feitas pesquisas em bases de dados, utilizando literatura publicada em 2020 e 2021.

Ainda, a partir dos elementos do PICo foram identificados os termos de busca nos vocabulários controlados: Descritores em Ciências da Saúde (DECS) via Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde, Medical Subject Healding (MESH) por meio do PubMed, Emtree (Embase subject headings) da base de dados EMBASE (Elsevier).

As buscas nas bases de dados dos portais de informação foram realizadas em dezembro de 2021: Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) de responsabilidade da Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) nas suas principais bases de dados - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Bibliográfico Español em Ciencias (IBECS), Banco de Dados em Enfermagem (BDENF), Índice Regional do Centro Nacional de Informação de Ciências Médicas de Cuba (CUMED). Na MEDLINE por meio do PubMed da National Library of Medicine (NLM) e na Scientific Electronic Library Online (SciELO). No Portal de Periódicos da Capes foram empregadas às bases de dados: Elsevier: Embase e Scopus, Clarivate Analytics: Web of Science, EBSCO: Cummulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Academic Search Premier (ASP). Nas combinações eleitas para a seleção final dos artigos, foram feitas associação dos conjuntos de termos: trabalhadores da saúde; acidentes de trabalho e a notificação do acidente de trabalho; período pandêmico da COVID-19, utilizando-se operadores booleanos OR e AND (Quadro 1).

Quadro 1
Cruzamentos dos conjuntos de descritores nas bases de dados

(“Acidentes de Trabalho” OR “Riscos Ocupacionais” OR “Exposição Ocupacional” OR “Saúde do Trabalhador” OR “Saúde dos Trabalhadores” OR “Saúde Ocupacional”) AND (“Pessoal de Saúde” OR “Profissionais da Saúde” OR “Trabalhador de Saúde” OR “Trabalhadores da Saúde” OR medico* OR enfermagem OR enfermeir* OR enfermería* OR enfermer* OR “Equipe de Assistência ao Paciente” OR “Equipe Multiprofissional” OR “Equipe de Saúde” OR “Corpo Clínico” OR “Notificação de Acidentes de Trabalho” OR “Comunicação dos Acidentes de Trabalho” OR notificação OR “Notificação de Doenças” OR “Doença de Notificação” OR “Doenças Notificáveis” OR “Notificação Compulsória” OR “Notificação de Doença” OR “Sistema de Informação da Saúde” OR “Sistemas de Informação de Saúde” OR “Sistemas de Informação sobre Sangue” OR “Sistemas de Informações em Saúde”) AND (pandemias OR COVID-19 OR “Novo Coronavírus” OR “Coronavírus 2019-nCoV” OR “Coronavirus de Wuhan” OR “Epidemia por 2019-nCoV” OR “Coronavírus de Wuhan” OR “Infecções por Coronavírus” OR “Coronavírus de 2019-2020” OR “Doença por Coronavírus 2019”).

Os textos científicos identificados nas bases de dados foram importados para o EndNote e os registros duplicados foram suprimidos, resultando nos artigos selecionados, que foram exportados para o aplicativo Rayyan do Qatar Computing Research Institute para serem analisados e decidida a inclusão ou exclusão dos textos.(¹⁰)

A partir desta primeira etapa, o controle do processo de inclusão e exclusão da literatura dos textos completos foi realizada em planilha Excel gerada a partir do Rayyan com identificação de rótulos/etiquetas (labels). A saber: COVID-19 como acidentes de trabalho e Notificação de COVID-19. Houve eliminação pela leitura do título e resumo, ficando os registros avaliados para elegibilidade. Destes, excluiu-se os que não foram eleitos, resultando nos registros para análise de texto completo que, após avaliação criteriosa, ainda houve eliminação de artigos, ocasionando a inclusão final de 8 textos na scoping review.(⁸-¹²)

Os artigos excluídos não atendiam o objetivo proposto. Eram pesquisas sobre riscos ocupacionais, medidas preventivas e uso de EPI, adoecimento mental, afastamento e retorno ao trabalho, características gerais da COVID-19, avaliação dos contatos e transmissão do vírus SARS-Cov-2, revisão da literatura, relatos de casos, vacinas, síndrome pós-COVID-19, legislações e protocolos referentes a COVID-19, legislação sobre saúde do trabalhador, vulnerabilidade dos trabalhadores da saúde.

Na figura 1, o fluxograma PRISMA,(¹¹) adaptado de acordo com as instruções do Preferred Reporting Itens for Systematic Reviews and Meta-Analyses, demonstra a totalidade das buscas bibliográficas e o processo de seleção e inclusão final dos estudos.(⁸-¹⁰,¹²) Para o conjunto dos artigos utilizados, foi feita a leitura completa e as variáveis coletadas nos textos foram definidas e categorizadas em uma nova planilha do Excel. A resenha dos achados mais relevantes de cada texto foi apresentada em formato de quadro sinóptico.

Figura 1
Fluxograma PRISMA-ScR* de inclusão dos manuscritos

Resultados

Foram identificados 5.665 estudos, com exclusão de 2.088 duplicações, resultando em 3.577 publicações para serem selecionadas pela leitura do título e resumo. Destas, 3.280 artigos não atendiam aos critérios de inclusão, resultando em 297 artigos avaliados para elegibilidade. Do conjunto de 297, apenas 10 foram eleitos para análise completa do texto por tratarem especificamente da COVID-19 como acidente de trabalho e/ou notificação deste agravo pelos trabalhadores da saúde. Após análise sistemática por pares, 2 artigos foram excluídos por se tratar de revisão de literatura, permanecendo como corpus do estudo, 8 artigos. Dos artigos incluídos na síntese, 3 foram publicados em 2020 e 5 em 2021, tendo distribuição geográfica internacional e nacional: Turquia (n=1), Portugal (n=1) Alemanha e Malásia (n=1), Alemanha (n=1), Brasil (n=1), Índia (n=1) e Croácia (n=2). Dos textos selecionados foram extraídas as variáveis: país, base de dados, população, período de coleta de dados, local do estudo, objetivo e conclusão, cujos dados foram organizados e apresentados no quadro 2.

Quadro 2
Síntese dos artigos incluídos na scoping review

Nº	País, Base de dados	População, Período de coleta de dados, Local do estudo	Objetivo	Conclusão
1	Turquia,(13) Embase.	326 trabalhadores da saúde (médicos, enfermeiros, outros profissionais de saúde). 01 a 10/05/2020. Yenikent State Hospital, província de Sakarya, na Turquia.	Determinar se a conscientização e as competências de segurança ou a percepção de fatalismo são mais eficazes nas aplicações de SSO dos trabalhadores da saúde.	Os trabalhadores de saúde geralmente estão conscientes da SSO durante o trabalho. Recomenda-se que os gestores tomem medidas para aumentar as práticas de SSO.
2	Portugal,(2) SciELO.	41 trabalhadores da saúde (assistentes operacionais, enfermeiros, médicos, técnicos superiores, técnicos de diagnóstico e terapêutica). Março a julho/2020. Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil. Portugal.	Avaliar e caracterizar os casos presumidos de doença profissional, entre os trabalhadores com COVID-19, considerando-se o nexo de causalidade, de forma individual.	As principais fontes de transmissão nosocomial com nexo causal são os doentes com COVID-19. Medidas de proteção individual e coletiva devem ser garantidas por empregadores e utilizadas pelos trabalhadores que devem ser instruídos sobre uso correto e controle de infecção.
3	Alemanha,(14) MEDLINE/ PubMed.	8.762 trabalhadores da Saúde da Alemanha (médicos, enfermeiros, fisioterapeuta). Maio/2020. BGW, Alemanha. 6.894 trabalhadores da saúde da Malásia (categorias não identificadas). Maio/2020. Malásia.	Relatar os casos de infecções por SARS-CoV-2 e COVID-19 em trabalhadores da saúde na Alemanha. Emitir relatório sobre a situação do COVID-19 para trabalhadores da saúde na Malásia	Na Alemanha, 8.762 casos foram notificados à seguradora de acidentes BGW. Contudo, somente 2.192 foram confirmados como doença ocupacional em trabalhadores da saúde e bem-estar. Porém, há subnotificação porque nem todos os pedidos tinham sido avaliados. A Malásia mostra o estresse e o estigma que os trabalhadores da saúde enfrentaram durante a pandemia de COVID-19.
4	Alemanha,(15) Embase.	67.781 trabalhadores da saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistente médico, fisioterapeuta). Maio/2020 a maio/2021. BGW, Alemanha.	Atualizar o número de reivindicações dos trabalhadores da saúde com COVID-19 como doença ocupacional.	Nesta atualização, 53.472 casos de COVID-19 foram confirmados como doença ocupacional pelo BGW, na Alemanha. Todavia, o número deve aumentar porque as reclamações estão sendo avaliadas e continuam sendo apresentadas.
5	Brasil,(4) BVS.	2.012 trabalhadores da saúde (técnico de enfermagem, enfermeiro, médico, Auxiliar administrativo, higienização, fisioterapeuta, técnico de laboratório, farmacêutico, auxiliar de farmácia, ACS, ACE, maqueiro, odontólogo, psicólogo, nutricionista,). Abril a agosto/2020. CEREST de Salvador, Brasil	Conhecer as condições de trabalho, as possibilidades de contaminação e a cronologia da doença, a fim de confirmar ou excluir sua relação com o trabalho	A investigação epidemiológica de casos de COVID-19 relacionados ao trabalho propiciou o diagnóstico situacional da COVID-19 entre trabalhadores de saúde no município, reafirmou a relevância de treinamentos, ações de educação permanente sobre a prevenção da COVID-19; organização e gestão do trabalho com planejamento de ações de vigilância em ambientes e processos de trabalho.
6	Índia,(16) Embase	69 trabalhadores da saúde (equipe médica, equipe paramédica, equipe de enfermagem e auxiliares de atendimento terciário). 18 a 27 de maio/2020. Centros terciários de saúde de Chandigarh (UT), Índia.	Descrever a SSO no ambiente de saúde. Delinear os pontos de vista dos profissionais de saúde sobre suas preocupações relacionadas com a pandemia de COVID-19.	A SSO deve promover um ambiente de trabalho seguro, no entanto, durante a COVID-19 os trabalhadores relataram os riscos enfrentados nos ambientes de trabalho.
7	Croácia,(17) MEDLINE/ PubMed.	59 profissionais de saúde (enfermeiros ou técnicos de laboratório, médicos), maio a novembro/2020. 08 Condados croatas. Croácia,	Descrever e analisar as características da COVID-19 relacionado ao trabalho em profissionais de saúde croatas.	Enfermeiros/técnicos de laboratório croatas tiveram uma forma leve da COVID-19 com tratamento não hospitalar. Comorbidades respiratórias sugerem risco de formas graves.
8	Croácia,(18) MEDLINE/ PubMed.	100 trabalhadores da saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório, faxineiros, outras profissões). Junho a dezembro/2020. Clinical Hospital Center (CHC)-Rijeka, Croácia.	Apresentar a incidência e os sintomas de COVID-19; Reconhecer e registrar a COVID-19 como doença ocupacional;	Assim que a infecção por SARS-CoV-2 em profissionais de saúde foi classificada como doença ocupacional, o Fundo de Seguro de Saúde da Croácia atribuiu benefícios completos, incluindo licença médica paga e apoio psicológico aos trabalhadores afetados.

• ACS - Agente Comunitário de Saúde; ACE - Agente Comunitário de Endemias; CEREST - Centro de Referência em Saúde do Trabalhador; SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação Compulsória; BGW - Instituto de Prevenção e Seguro Estatutário de Acidentes nos Serviços de Saúde e Bem-Estar (Associação profissional para serviço de saúde e bem-estar); SSO: Saúde e Segurança Ocupacional

Discussão

Os dados epidemiológicos dos textos incluídos nesta síntese revelaram que os trabalhadores da saúde tiveram seus diagnósticos de COVID-19 confirmados por detecção laboratorial, com a realização do RT-PCR (Reverse-Transcriptase Polymerase Chain Reaction),(²,¹⁴,¹⁵,¹⁸) conforme solicitação da Instituição de Saúde. Houve predomínio do sexo feminino,(²,⁴,¹³,¹⁴,¹⁶-¹⁸) idade variando de 20 a 43 anos(⁴,¹³,¹⁴,¹⁸) e, profissionais da enfermagem.(⁴,¹³-¹⁵,¹⁷)

Buscando a literatura geral, encontrou-se registro de trabalhadores da saúde que tiveram COVID-19 na Itália (20%), China (3.300 casos), Nigéria (134 casos), Espanha (19,9%), Estados Unidos (18%) e França (490 casos).(¹⁹,²⁰) E, em janeiro de 2021 tinham sido contabilizados, globalmente, pela Organização Mundial de Saúde,(²¹) cerca de 1,29 milhão de casos de COVID-19 em trabalhadores da saúde,(²¹) sendo mulheres (67,8%), idade média de 35,68 anos, enfermeiros (62,5%), seguidos médicos (15,8%),(²¹) resultados semelhantes ao deste estudo.

Estas caraterísticas podem estar relacionadas ao predomínio da faixa etária produtiva no ambiente de trabalho, assim como maior frequência de mulheres vinculadas “ao processo de cuidar” na busca de resolutividade dos problemas de pacientes, ancorados em conhecimento técnicos e científicos, característica da profissão da enfermagem.(²²)

Durante o período pandêmico, muitos trabalhadores da saúde viram e vivenciaram uma mudança pessoal e organizacional de seus ambientes e processos de trabalho, durante a assistência ao número excessivo de pacientes vitimados ou suspeitos de contaminação por SARS-CoV-2 que buscavam atendimento. O labor desenvolvido em ambientes fechados e superlotados, a escassez de EPI e as longas jornadas favoreciam o contato com o risco biológico e, consequentemente o adoecimento e afastamento, levando a redução das equipes de saúde que já estava exígua pela ausência dos trabalhadores do grupo de risco, seja por idade ou por comorbidades.(¹⁹,²³,²⁴)

A necessidade do contato próximo (inferior a 1 metro) durante o ato de cuidar, seja em exames clínicos e procedimentos necessários nos atendimentos a pacientes com quadros clínicos que variavam de leves a graves, podendo evoluir a óbito, geraram preocupação com a segurança pessoal e familiar, estresse, exaustão física e sofrimento psíquico em trabalhadores da saúde que tiveram carga horária de trabalho acrescida e permitida pela Medida Provisória nº 927/2020(²⁵) em seu Art. 26 “[...] é permitido aos estabelecimentos de saúde [...]: I.- prorrogar a jornada de trabalho [...]; II - adotar escala de horas suplementares [...], favorecendo o aumento do desgaste profissional, pela sobrecarga, ritmo, pressão pelo volume de trabalho, horas suplementares e redução de pausas para descanso.(¹⁹,²³-²⁵)

Posto isso, muitos trabalhadores, ainda que esgotados física e emocionalmente, mantiveram seus plantões, embora houvesse insegurança laboral e a sua condição pessoal, emocional, comportamental e produtiva estivesse menor, tipificando o presenteísmo que, por sua vez, pode estar associado a Síndrome de Burnout que se caracteriza pelo esgotamento profissional.(²⁶,²⁷)

Os 8 artigos analisados neste estudo, ou seja, a totalidade deles reconheceu a COVID-19 como acidente laboral ou doença profissional ou doença ocupacional. O acidente de trabalho, no Brasil, é definido pela Lei 8.213/1991 da Previdência Social: “É o que ocorre pelo exercício do trabalho, a serviço de empresa [...], provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte, perda ou redução, temporária ou permanente da capacidade para o trabalho.(²⁸)

Por determinação legal, equiparam-se ao acidente de trabalho a doença profissional (produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade [...]) e a doença do trabalho (adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente [...]).(²⁸)

A doença pode ser considerada ocupacional quando há nexo causal entre doença e trabalho,(²⁹) citando, dentre os vários critérios, a Classificação de Schilling (1984)(⁴) que aponta o Grupo II - trabalho como fator contributivo de doença de etiologia multicausal, neste caso, podendo definir o nexo causal de acometimento da COVID-19 nos trabalhadores da saúde participantes da pesquisa.

Ancorados na legislação turca,(¹⁴) alguns autores(¹⁴,³⁰) citam a Lei nº 6.331/2012 – “Occupational Health and Safety”, que define acidente de trabalho como “um evento ocorrido no local de trabalho quando o trabalhador for acometido no exercício de suas funções ou condições de trabalho, podendo causar morte ou deficiência no físico, corpo ou mente”.(¹³,³⁰) E a doença ocupacional, como doença resultante de exposição a riscos ocupacionais”.(¹³,³⁰)

Nos artigos analisados na Turquia,(¹³) Portugal(²) e Índia,(¹⁶) o acometimento de profissionais da saúde por COVID-19 foi tratado como acidente do trabalho, doença profissional e doença ocupacional, nessa ordem. A Direção Geral da Saúde de Portugal e a Administração Central do Sistema de Saúde reconheceram a COVID-19 como doença profissional.(²) Um dado interessante no artigo indiano,(¹⁶) foi que 25,3% dos participantes respondentes da Escala de Likert, “discordaram e discordaram fortemente que a COVID-19 era compreendida como uma doença ocupacional”, o que pode demonstrar desconhecimento dos participantes da pesquisa sobre a relação da infecção pelo SARS-CoV-2 e o trabalho na saúde.

Nos artigos da Alemanha(¹⁴,¹⁵) e da Malásia,(¹⁴) são solicitados que os casos de COVID-19 sejam confirmados como doença ocupacional, ressaltando-se que a legislação alemã faz distinção entre os trabalhadores da saúde de instituições de saúde (hospitais, ambulatórios e consultórios) e os que trabalham nas instalações de cuidados de idosos, deficientes, refugiados, alojamento de massas e prisões.

A doença ocupacional onde a COVID-19 se enquadra, se aplica somente aos trabalhadores da saúde, assistência social, laboratórios e atividades com alto risco de infecção. Casos suspeitos são registrados no Instituto de Prevenção e Seguro Estatutário de Acidentes nos Serviços de Saúde e Bem-Estar (BGW) e, posteriormente, analisados para ser definida se houve relação com o trabalho.(¹⁴,¹⁵)

O artigo de atualização alemã(¹⁵) e os da Croácia(¹⁷,¹⁸) buscaram reconhecer a COVID-19 como doença ocupacional. Na Croácia(¹⁷,¹⁸) a Sociedade de Saúde Ocupacional advertiu para o reconhecimento da COVID-19 como doença ocupacional.

Em Portugal(²) e no Brasil,(⁴) solicita-se comprovação da relação doença x trabalho, ou seja, que seja feito o nexo de causalidade, que é o vínculo fático que liga o efeito (agravo à saúde) à causa (atividade laboral) para posterior reconhecimento de doença laboral.(³¹)

No presente estudo, a notificação da COVID-19 foi citada em 6 dos 8 artigos.(²,⁴,¹⁴,¹⁵,¹⁷,¹⁸) Nestes, as notificações foram feitas nas seguradoras de acidentes e serviços de saúde pública. Algumas seguradoras, como verificado em Portugal,(²)exigiam confirmação dos casos de COVID-19 através de testes de laboratórios para eleger os benefícios, sendo os médicos obrigados a registrar todos os casos suspeitos de doença ocupacional, para posterior confirmação.(²)

Na Alemanha,(¹⁴,¹⁵) no intervalo de um ano, houve aumento significativo dos registros de casos de COVID-19 em profissionais da saúde e bem-estar com números que variavam de 2.192 casos em maio/2020 chegando a 53.472 casos em maio/2021 que foram confirmados como doença ocupacional.

Na Croácia,(¹⁷,¹⁸) cerca de 100 trabalhadores da saúde solicitaram aos médicos do trabalho que fosse feita a notificação da infecção por SARS-CoV-2 como doença ocupacional, pois assim o Fundo de Seguro de Saúde da Croácia poderia ressarcir os trabalhadores da saúde com benefícios financeiros, tratamentos e apoio psicológico.

No Brasil, no início da pandemia em 2020, as notificações de trabalhadores da saúde acometidos por COVID-19 eram ínfimas,(³²) pois não eram identificados os grupos ocupacionais, favorecendo a subnotificação de trabalhadores da saúde adoecidos.(⁴,³²) Posteriormente, foi orientado que os casos confirmados de COVID-19 relacionados ao trabalho deveriam ser notificados nas Fichas de Notificação de Acidente de Trabalho do SINAN e, para trabalhadores segurados da Previdência Social, a empresa deveria emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT).(³²-³⁴)

Conclusão

Na literatura pesquisada houve predomínio de mulheres, profissionais de enfermagem de 20 a 43 anos, faixa etária economicamente ativa e de gênero predominante entre os servidores da área de saúde, relacionadas ao cuidado. O aumento do número de atendimentos, a escassez de EPIs, assim como a permanência em ambientes fechados por longas horas criaram ambiente propício à infecção e propagação viral entre os trabalhadores de saúde. Muitos profissionais necessitaram manter elevada carga de trabalho ou adotar escalas de horas suplementares, para atuar no combate à pandemia, devido a ausência de outros por fatores relacionados a comorbidades ou a própria infecção. Este cenário favoreceu o desgaste físico, mental e profissional dos trabalhadores atuantes. Apenas 8 artigos do total de avaliados para este estudo, reconheceram a COVID-19 como acidente laboral ou doença profissional ou doença ocupacional. Assim como no Brasil, a legislação de diferentes países define acidente de trabalho como um acidente típico que ocorre no local de trabalho ou a serviço da empresa, podendo causar lesões corporais com afastamento temporário ou permanente, e ainda culminar em incapacidade ou morte. As doenças ocupacionais resultariam de fatores de riscos existentes no ambiente de trabalho, podendo ser químicos, físicos, biológicos, ergonômicos ou de acidentes, dentre outros. Apesar de alguns países já reconhecerem a COVID-19 como doença ocupacional, alguns trabalhadores ainda apresentam dificuldades em relacionar a infecção pelo SARS-CoV-2 com o trabalho na assistência à saúde, caracterizando como acidente laboral. É importante referir que alguns países solicitam a confirmação dos casos de COVID-19 através de testes de laboratórios para eleger os benefícios, sendo que os médicos devem registrar todos os casos suspeitos de doença ocupacional, para posterior confirmação. No Brasil, devido a não identificação dos grupos ocupacionais no início da pandemia, as notificações para esse grupo de trabalhadores eram ínfimas, levando a um panorama desconhecido, vinculado à subnotificação do adoecimento dos trabalhadores que atuam na saúde, nos sistemas oficiais. Portanto, a fim de garantir os direitos dos trabalhadores da saúde, todos devem ser orientados e capacitados quanto ao reconhecimento da COVID-19 como acidente laboral e sempre notificar sua ocorrência, uma vez que há definição da infecção como doença de notificação compulsória.

Referências

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  Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial: doença pelo novo coronavírus – COVID-19. Semana Epidemiológica 20 – 22/5 a 28/5/2022. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2022 [citado 2022 Jun 15]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/covid-19/2022/boletim-epidemiologico-no-115-boletim-coe-coronavirus
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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli (https://orcid.org/0000-0003-3757-1061) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  23 Jul 2022
• Aceito
  19 Dez 2022