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Violência contra trabalhadores de enfermagem na pandemia de COVID-19: revisão de escopo

Resumo

Objetivo

Mapear e sintetizar as evidências científicas disponíveis sobre violência contra trabalhadores de enfermagem durante a pandemia de COVID-19.

Métodos

Revisão de escopo elaborada de acordo com as recomendações do Instituto Joanna Briggs feita nas bases de dados National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Excerpa Medica DataBASE, PsycINFO – APA PsycNET e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde. Foram incluídos estudos que abordaram o tema violência relacionada ao trabalho contra trabalhadores de enfermagem durante a pandemia de COVID-19, publicados nos idiomas português, espanhol, ou inglês, a partir de 2020, disponíveis na íntegra. Excluíram-se relatórios parciais de pesquisa, editoriais, cartas resposta e resumos de anais. Foi realizada análise descritiva.

Resultados

De um total de 56 publicações, nove estudos responderam aos critérios de seleção, sendo sete com qualidade metodológica elevada e dois moderada. O fenômeno ocorreu em diferentes países do mundo, sendo as vítimas usuais trabalhadores de enfermagem que atuavam na linha de frente, com menor tempo de formação, perpetrada por diferentes atores. Prejuízos psicossociais aos trabalhadores foram encontrados, além de riscos aos pacientes.

Conclusão

Trabalhadores de enfermagem tiveram elevada incidência de violência durante a pandemia. As consequências desta violência foram danosas à saúde, levando ao desejo de abandonar a profissão ou afetando a saúde física ou mental das vítimas. Como medidas de prevenção e controle foram sugeridas implementação de políticas públicas e estratégias administrativas para redução da violência contra essa população em condições de pandemias.

Exposição a violência; Violência no trabalho; Profissionais de enfermagem; Saúde do trabalhador; COVID-19; Pandemias

Resumen

Objetivo

Mapear y sintetizar las evidencias científicas disponibles sobre violencia contra trabajadores de enfermería durante la pandemia de COVID-19.

Métodos

Revisión de alcance elaborada de acuerdo con las recomendaciones del Instituto Joanna Briggs realizada en las bases de datos National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Excerpa Medica DataBASE, PsycINFO – APA PsycNET y Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud. Se incluyeron estudios que abordaron el tema violencia relacionada con el trabajo contra trabajadores de enfermería durante la pandemia de COVID-19, publicados en idioma portugués, español o inglés, a partir de 2020, disponibles en su totalidad. Se excluyeron informes parciales de investigación, editoriales, cartas de respuesta y resúmenes de ponencias. Se realizó análisis descriptivo.

Resultados

De un total de 56 publicaciones, nueve estudios respondieron a los criterios de selección, de los cuales siete tenían calidad metodológica elevada y dos moderada. El fenómeno ocurrió en diferentes países del mundo, donde las víctimas habituales eran trabajadores de enfermería que actuaban en la línea de frente, con menor tiempo de graduación y perpetuada por diferentes actores. Se observaron daños psicosociales en los trabajadores, además de riesgos hacia los pacientes.

Conclusión

Los trabajadores de enfermería tuvieron una elevada incidencia de violencia durante la pandemia. Las consecuencias de esta violencia fueron perjudiciales para la salud, provocaron un deseo de dejar la profesión y afectaron la salud física o mental de las víctimas. Como medida de prevención y control, se sugirió la implementación de políticas públicas y estrategias administrativas para reducir la violencia contra esta población en condiciones de pandemias.

Exposición a la violencia; Violencia laboral; Enfermeras practicantes; Salud laboral; COVID-19; Pandemias

Abstract

Objective

To map and synthesize the available scientific evidence on violence against nursing workers during the COVID-19 pandemic.

Methods

Scoping review prepared in accordance with recommendations of the Joanna Briggs Institute, carried out in the following databases; National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Excerpa Medica DataBASE, PsycINFO – APA PsycNET and Latin-American and Caribbean Health Sciences Literature. Studies addressing the theme of work-related violence against nursing workers during the COVID-19 pandemic, published in Portuguese, Spanish, or English, from 2020 and available in full were included. Partial research reports, editorials, response letters and abstracts of annals were excluded. Descriptive analysis was performed.

Results

Nine out of a total of 56 publications met the selection criteria, seven with high methodological quality and two with moderate quality. The phenomenon occurred in different countries around the world, the usual victims were nursing workers working on the front line, with less training time, and it was perpetrated by different actors. Psychosocial damage to workers and risks to patients were found.

Conclusion

Nursing workers suffered a high incidence of violence during the pandemic. The consequences of this violence were harmful to health, leading to the desire to leave the profession or affecting the physical or mental health of victims. The implementation of public policies and administrative strategies to reduce violence against this population in pandemic conditions were suggested as prevention and control measures.

Exposure to violence; Workplace violence; Nurses practitioners; Occupational health; COVID-19; Pandemics

Introdução

A enfermagem está presente em todas as áreas da assistência em saúde, desde o acolhimento na atenção primária até o cuidado em níveis mais complexos da atenção. Compreender a presença e a responsabilidade da enfermagem na atenção à saúde é também supor sobre as situações de violência a que estes profissionais estão expostos e as repercussões biopsicossociais decorrentes das agressões.(11. Tsukamoto AS, Galdino MJ, Robazzi ML, Ribeiro RP, Soares MH, Haddad MC, et al. Occupational violence in the nursing team: prevalence and associated factors. Acta Paul Enferm. 2019;32(4):425-32.)

A violência no ambiente de trabalho contra profissionais de enfermagem é uma realidade em diversos países do mundo, causando danos à saúde das vítimas que vão desde o comprometimento do seu bem-estar até o surgimento de transtornos físicos ou psíquicos.(11. Tsukamoto AS, Galdino MJ, Robazzi ML, Ribeiro RP, Soares MH, Haddad MC, et al. Occupational violence in the nursing team: prevalence and associated factors. Acta Paul Enferm. 2019;32(4):425-32.) Além disso, a qualidade de vida no trabalho também pode ser comprometida em virtude das experiências violentas e afetar diretamente o desempenho das funções de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, além de levar à desmotivação e redução do desempenho do trabalho.(22. Fabri NV, Martins JT, Galdino MJ, Ribeiro RP, Moreira AA. Workplace violence and professional quality of life among primary care nurses. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE0362345.,33. Aspera-Campos T, Hernández-Carranco RG, Gutiérrez-Barrera AD, Quintero-Valle LM. [Violence against health personnel before and during the health contingency COVID-19]. Rev Med Inst Mex Seguro Soc. 2020;58(Supl 2):S134-43. Spanish.)

As motivações de atos violentos são variadas e muitas vezes decorrem de fatores e situações alheios às vítimas, como aspectos organizacionais ou administrativos do sistema de saúde e demora no atendimento devido à superlotação dos serviços, com consequente insatisfação dos usuários ou acompanhantes. Todavia, os agressores também podem ser colegas de trabalho e membros da equipe multiprofissional de saúde que, sobrecarregados com suas demandas, acabam por depositar seus sentimentos negativos sobre a equipe de enfermagem.(22. Fabri NV, Martins JT, Galdino MJ, Ribeiro RP, Moreira AA. Workplace violence and professional quality of life among primary care nurses. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE0362345.,33. Aspera-Campos T, Hernández-Carranco RG, Gutiérrez-Barrera AD, Quintero-Valle LM. [Violence against health personnel before and during the health contingency COVID-19]. Rev Med Inst Mex Seguro Soc. 2020;58(Supl 2):S134-43. Spanish.)

Pesquisa realizada no Sul do Brasil sobre a violência laboral contra enfermeiros da atenção primária alguns meses antes do início da pandemia de COVID-19, evidenciou que 65,3% dos participantes sofreram agressões verbais, 29,7% reportaram assédio moral e 17,8% disseram ter sido vítimas de violência física, gerando como consequência a baixa satisfação por compaixão (54,5%), elevadas taxas de Burnout (58,4%) e de estresse pós-traumático (57,4%), afetando substancialmente a qualidade de vida no trabalho dos enfermeiros.(22. Fabri NV, Martins JT, Galdino MJ, Ribeiro RP, Moreira AA. Workplace violence and professional quality of life among primary care nurses. Acta Paul Enferm. 2022;35:eAPE0362345.) Se em condições cotidianas a violência contra trabalhadores de enfermagem já era um fenômeno preocupante, com a declaração de pandemia, essa ocorrência tornou-se ainda mais frequente. As diversas mutações e a rápida evolução da doença, a criação de hospitais de emergência e a reestruturação de serviços de saúde foram fatores causadores de estresse para a sociedade, levando a períodos de incertezas e desafios diários na gestão da maior crise sanitária do século XXI.(44. Al Anazi RB, AlQahtani SM, Mohamad AE, Hammad SM, Khleif H. Violence against Health-Care Workers in Governmental Health Facilities in Arar City, Saudi Arabia. ScientificWorldJournal. 2020;2020:6380281.)

Situações de agressões verbais, assédio moral, injúrias físicas, demonstrações de preconceito e discriminação, dentre outras formas de violência foram relatadas por enfermeiros perpetrados por familiares de pacientes infectados que foram impedidos de visitarem seus entes e até mesmo por pessoas saudáveis em transportes coletivos, que afirmavam que os profissionais de enfermagem eram os culpados pela transmissão da doença.(44. Al Anazi RB, AlQahtani SM, Mohamad AE, Hammad SM, Khleif H. Violence against Health-Care Workers in Governmental Health Facilities in Arar City, Saudi Arabia. ScientificWorldJournal. 2020;2020:6380281.,55. Nebesniak E. Violência psicológica contra profissionais de enfermagem: percepções antes e após a pandemia de COVID-19 [trabalho de conclusão de curso]. Guarapuava: Centro Universitário Guairacá; 2020.) Um estudo epidemiológico realizado com 562 trabalhadores de saúde no México identificou que 47,7% dos participantes sofreram agressões em ambiente de trabalho durante a pandemia, sendo 34,9% de casos de violência verbal e física associadas, seguida de 12,8% de agressões apenas verbais.(33. Aspera-Campos T, Hernández-Carranco RG, Gutiérrez-Barrera AD, Quintero-Valle LM. [Violence against health personnel before and during the health contingency COVID-19]. Rev Med Inst Mex Seguro Soc. 2020;58(Supl 2):S134-43. Spanish.) O estudo ainda cita que as mulheres foram as mais agredidas, especialmente as enfermeiras, que tiveram entre 2,5 e 3 vezes mais chances de serem vitimizadas durante seu ofício. Tais dados foram corroborados em um estudo transversal realizado na Arábia Saudita, que apresentou como agravante a dificuldade de monitorização adequada do agravo tendo em vista que apenas 16,4% dos trabalhadores de saúde notificaram a ocorrência às autoridades superiores e portando a sofriam repetidamente.(44. Al Anazi RB, AlQahtani SM, Mohamad AE, Hammad SM, Khleif H. Violence against Health-Care Workers in Governmental Health Facilities in Arar City, Saudi Arabia. ScientificWorldJournal. 2020;2020:6380281.)

Destaca-se que as medidas não farmacológicas, amplamente veiculadas nos meios de comunicação para toda a sociedade, colocaram em evidência os profissionais de saúde. Nessa perspectiva, a enfermagem passou a sofrer ataques violentos nos locais e transporte públicos, como se personificasse o próprio vírus causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave. Notícias por vezes falsas ou alarmantes, veiculadas em redes sociais e outras mídias, também podem ter contribuído para o aumento do desgaste de todos profissionais que atuavam diretamente no enfrentamento da COVID-19 e precipitado episódios violentos contra trabalhadores de enfermagem.(33. Aspera-Campos T, Hernández-Carranco RG, Gutiérrez-Barrera AD, Quintero-Valle LM. [Violence against health personnel before and during the health contingency COVID-19]. Rev Med Inst Mex Seguro Soc. 2020;58(Supl 2):S134-43. Spanish.,44. Al Anazi RB, AlQahtani SM, Mohamad AE, Hammad SM, Khleif H. Violence against Health-Care Workers in Governmental Health Facilities in Arar City, Saudi Arabia. ScientificWorldJournal. 2020;2020:6380281.)

Pesquisadores se debruçaram para compreender melhor o agravo e identificar medidas de enfrentamento, porém a maioria dos estudos não foi voltada para os trabalhadores de enfermagem especificamente, incluindo-os na categoria ampla de “saúde”, sem aprofundamentos sobre as particularidades da profissão.(44. Al Anazi RB, AlQahtani SM, Mohamad AE, Hammad SM, Khleif H. Violence against Health-Care Workers in Governmental Health Facilities in Arar City, Saudi Arabia. ScientificWorldJournal. 2020;2020:6380281.,55. Nebesniak E. Violência psicológica contra profissionais de enfermagem: percepções antes e após a pandemia de COVID-19 [trabalho de conclusão de curso]. Guarapuava: Centro Universitário Guairacá; 2020.) Ante o exposto, surgiu o seguinte questionamento: Quais evidências existem na literatura científica sobre a violência contra trabalhadores de enfermagem na pandemia de COVID-19? Espera-se que os resultados permitam ampliar o conhecimento sobre este fenômeno e auxiliar no planejamento e implementação de estratégias de prevenção, controle e atendimento às vítimas. Assim, o presente estudo teve como objetivo mapear e sintetizar as evidências científicas disponíveis sobre violência contra trabalhadores de enfermagem durante a pandemia de COVID-19.

Métodos

Trata-se de uma revisão de escopo, método que busca mapear evidências sobre um determinado fato e identificar as lacunas existentes.(66. Santos WM, Secoli SR, Püschel VA. The Joanna Briggs Institute approach for systematic reviews. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3074.) O uso de critérios de seleção pautados na relevância para o fenômeno permite que a revisão de escopo se distinga de outras formas de revisões. O protocolo de pesquisa foi registrado na Open Science Framework (https://osf.io/7tkgn).

Para garantir a ausência de estudos com a mesma temática publicados ou registrados, foi realizada uma busca aprofundada na plataforma supracitada e em bases de dados para a localização de protocolos ou revisões. Não se obtendo resultados, foi dado início ao estudo.

A coleta dos dados foi realizada de junho a julho de 2022. Foram realizadas buscas nas bases de dados: National Library of Medicine (PubMed), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Web of Science, Excerpa Medica DataBASE (Embase), PsycINFO – APA PsycNET (American Psychological Association) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Estudos adicionais foram inclusos a partir de referências citadas nos artigos extraídos das fontes primárias (busca manual).

Os critérios de inclusão foram estudos que abordaram o tema violência relacionada ao trabalho contra profissionais de enfermagem durante a pandemia de COVID-19, publicados nos idiomas português, espanhol, ou inglês, publicados a partir de 2020, disponíveis na íntegra por meio de acesso remoto. Excluíram-se relatórios parciais de pesquisa, editoriais, cartas resposta e resumos publicados em anais de eventos. O nível de evidência não foi considerado critério de exclusão, visto a temática ser recente. Para a elaboração do relatório de revisão foi utilizado o checklist Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR): Checklist and Explanation.(77. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D, et al. PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR): Checklist and Explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-73.)

Para elaboração da questão de revisão cumpriram-se as fases recomendadas pelo Institute Joanna Briggs (JBI)(88. Joanna Briggs Institute (JBI). Critical Appraisal Tools. Adelaide: JBI; 2022 [cited 2022 Feb 10]. Available from: https://jbi.global/critical-appraisal-tools/
https://jbi.global/critical-appraisal-to...
) com a identificação da questão e busca por estudos relevantes, seleção, extração dos dados, agrupamento, resumo e apresentação dos resultados. Utilizou-se a estratégia PCC [Population, Concept and Context] para formulação da pergunta da pesquisa, com as seguintes representações: P= profissionais de enfermagem, C= violência relacionada ao trabalho e C= pandemia de COVID-19. Desta forma, a questão de revisão foi “Quais são as principais evidências disponíveis sobre a violência relacionada ao trabalho contra profissionais de enfermagem durante a pandemia de COVID-19?”

Dois revisores realizaram as buscas independentes. Foram utilizados os descritores Medical Subject Headings (MeSH) “Workplace Violence”, “Nursing” e “COVID-19”, Descritores em Ciências da Saúde, “Violência no Trabalho”, “Enfermagem” e “COVID-19”, em ambos os casos, houve associação do termo “pandemia”. Optou-se pela utilização do termo “pandemia” para o mapeamento do maior número de referências potenciais sobre a temática e especificidade.

Para buscas nas outras bases de dados foram feitas modificações de acordo com suas especificidades. Os descritores foram combinados de formas variadas para ampliar as buscas, além do uso de variações terminológicas e sinônimos nos idiomas elencados. A combinação dos descritores foi feita com uso dos operadores booleanos AND (combinação restritiva) e OR (combinação aditiva). Entre as palavras-chave do mesmo acrônimo da estratégia PCC, foi usado o OR, já para a combinação entre acrônimos diferentes, o AND, conforme quadro 1.

Quadro 1
Estratégia de busca nas bases de dados

Para a coleta dos dados foram utilizados os critérios em instrumento validado para este fim, cujas variáveis incluíam título, autores, ano de publicação e periódico, idioma, objetivos, delineamento e principais resultados. A qualidade metodológica e o risco de viés dos estudos selecionados foi feita por dois pesquisadores, com uso da ferramentas JBI Appraisal Tools.(88. Joanna Briggs Institute (JBI). Critical Appraisal Tools. Adelaide: JBI; 2022 [cited 2022 Feb 10]. Available from: https://jbi.global/critical-appraisal-tools/
https://jbi.global/critical-appraisal-to...
) A análise dos resultados ocorreu de maneira descritiva com uma síntese de cada um dos estudos incluídos.

Por não se tratar de pesquisa com seres humanos ou animais não houve a necessidade de submissão e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo. Todavia, foi realizado preenchimento de declaração de responsabilidade e apreciação da chefia de departamento, conforme resolução n. 200 de 2021 do Conselho Universitário (CONSU) da Unifesp.

Resultados

Foram encontrados 56 estudos, destes, cinco estavam duplicados. Dos 51 restantes, 42 foram excluídos por não atenderem os critérios de elegibilidade. Assim, foram incluídos nesta revisão nove estudos. O fluxograma presente na figura 1 apresenta síntese do processo de seleção dos artigos.

Figura 1
Fluxograma segundo critérios do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA- ScR): Checklist and Explanation

Os estudos incluídos na revisão foram publicados nos idiomas inglês (oito) e português (um), sendo que quatro foram realizados no Brasil, um no Paquistão, um no Iraque, um nos Estados Unidos da América, um na China e um na Turquia. Quanto ao método e tipo de estudo, dois foram reflexões, quatro pesquisas transversais, uma análise documental, um estudo qualitativo e uma meta-análise. No quadro 2 são apresentadas as sínteses dos estudos selecionados.

Quadro 2
Características dos estudos incluídos na revisão, de acordo com autor, título, ano de publicação, país, objetivos, desfechos e qualidade metodológica (n=9)

O uso do instrumento para avaliação de qualidade metodológica JBI Appraisal Tools permitiu identificar baixos riscos de vieses nos estudos selecionados, sendo sete(55. Nebesniak E. Violência psicológica contra profissionais de enfermagem: percepções antes e após a pandemia de COVID-19 [trabalho de conclusão de curso]. Guarapuava: Centro Universitário Guairacá; 2020.,1010. Bhatti OA, Rauf H, Aziz N, Martins RS, Khan JA. Violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a review of incidents from a lower-middle-income country. Ann Glob Health. 2021;87(1):41.

11. Bitencourt MR, Alarcão AC, Silva LL, Dutra AC, Caruzzo NM, Roszkowski I, et al. Predictors of violence against health professionals during the COVID-19 pandemic in Brazil: a cross-sectional study. PLoS One. 2021;16(6):e0253398.

12. Ramzi ZS, Fatah PW, Dalvandi A. Prevalence of workplace violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2022;13:896156.

13. Byon HD, Sagherian K, Kim Y, Lipscomb J, Crandall M, Steege L. Nurses’ experience with type II workplace violence and underreporting during the COVID-19 pandemic. Workplace Health Saf. 2021:21650799211031233.

14. Özkan Şat S, Akbaş P, Yaman Sözbir Ş. Nurses’ exposure to violence and their professional commitment during the COVID-19 pandemic. J Clin Nurs. 2021;30(13-14):2036-47.
-1515. Yang Y, Wang P, Kelifa MO, Wang B, Liu M, Lu L, et al. How workplace violence correlates turnover intention among Chinese health care workers in COVID-19 context: the mediating role of perceived social support and mental health. J Nurs Manag. 2022;30(6):1407-14.) classificados com qualidade elevada e dois moderada.(99. Barreto FA, Oliveira JV, Freitas RJ, Queiroz AA. Repercussões da pandemia de COVID-19 na violência laboral institucional aos profissionais de enfermagem: COVID-19 e violência laboral vivida pela enfermagem. SciELO Preprints. 2020 [citado 2022 Fev 12]. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/934/1314
https://preprints.scielo.org/index.php/s...
,1616. Tobase L, Cardoso SH, Rodrigues RT, Peres HH. Empathic listening: welcoming strategy for nursing Professional in coping with with the coronavirus pandemic. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1):e20200721.) A somatória dos participantes dos estudos, com exclusão das reflexões e da análise documental, foi de 20.032.

Os estudos evidenciaram que a violência em ambientes de trabalho de saúde contra trabalhadores de enfermagem foi altamente prevalente, praticada por usuários, familiares e até mesmo outros profissionais da equipe de saúde.(1010. Bhatti OA, Rauf H, Aziz N, Martins RS, Khan JA. Violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a review of incidents from a lower-middle-income country. Ann Glob Health. 2021;87(1):41.,1212. Ramzi ZS, Fatah PW, Dalvandi A. Prevalence of workplace violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2022;13:896156.

13. Byon HD, Sagherian K, Kim Y, Lipscomb J, Crandall M, Steege L. Nurses’ experience with type II workplace violence and underreporting during the COVID-19 pandemic. Workplace Health Saf. 2021:21650799211031233.

14. Özkan Şat S, Akbaş P, Yaman Sözbir Ş. Nurses’ exposure to violence and their professional commitment during the COVID-19 pandemic. J Clin Nurs. 2021;30(13-14):2036-47.
-1515. Yang Y, Wang P, Kelifa MO, Wang B, Liu M, Lu L, et al. How workplace violence correlates turnover intention among Chinese health care workers in COVID-19 context: the mediating role of perceived social support and mental health. J Nurs Manag. 2022;30(6):1407-14.) Auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalhavam na linha de frente no cuidado de pacientes com COVID-19 foram habitualmente mais expostos às situações de agressões, além daqueles com longas jornadas de trabalho e menor tempo de atuação.(1111. Bitencourt MR, Alarcão AC, Silva LL, Dutra AC, Caruzzo NM, Roszkowski I, et al. Predictors of violence against health professionals during the COVID-19 pandemic in Brazil: a cross-sectional study. PLoS One. 2021;16(6):e0253398.)

Foi citada a violência psicológica, por meio de agressões verbais e assédio, como a mais usual.(1111. Bitencourt MR, Alarcão AC, Silva LL, Dutra AC, Caruzzo NM, Roszkowski I, et al. Predictors of violence against health professionals during the COVID-19 pandemic in Brazil: a cross-sectional study. PLoS One. 2021;16(6):e0253398.

12. Ramzi ZS, Fatah PW, Dalvandi A. Prevalence of workplace violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2022;13:896156.

13. Byon HD, Sagherian K, Kim Y, Lipscomb J, Crandall M, Steege L. Nurses’ experience with type II workplace violence and underreporting during the COVID-19 pandemic. Workplace Health Saf. 2021:21650799211031233.
-1414. Özkan Şat S, Akbaş P, Yaman Sözbir Ş. Nurses’ exposure to violence and their professional commitment during the COVID-19 pandemic. J Clin Nurs. 2021;30(13-14):2036-47.) Todavia, a violência física também foi relatada pelos trabalhadores de enfermagem durante o atendimento de pacientes.(1313. Byon HD, Sagherian K, Kim Y, Lipscomb J, Crandall M, Steege L. Nurses’ experience with type II workplace violence and underreporting during the COVID-19 pandemic. Workplace Health Saf. 2021:21650799211031233.

14. Özkan Şat S, Akbaş P, Yaman Sözbir Ş. Nurses’ exposure to violence and their professional commitment during the COVID-19 pandemic. J Clin Nurs. 2021;30(13-14):2036-47.
-1515. Yang Y, Wang P, Kelifa MO, Wang B, Liu M, Lu L, et al. How workplace violence correlates turnover intention among Chinese health care workers in COVID-19 context: the mediating role of perceived social support and mental health. J Nurs Manag. 2022;30(6):1407-14.) Em contradição, os trabalhadores afirmaram mais dificuldade em registrar ou documentar tais incidentes no período, devido às elevadas demandas assistenciais requeridas pelos pacientes com COVID-19, podendo levar à subnotificação dos casos de violência.(1313. Byon HD, Sagherian K, Kim Y, Lipscomb J, Crandall M, Steege L. Nurses’ experience with type II workplace violence and underreporting during the COVID-19 pandemic. Workplace Health Saf. 2021:21650799211031233.)

A análise dos estudos permitiu identificar que as consequências da violência podem ser agrupadas em duas categorias: Reflexos sobre os pacientes/usuários e 2) Repercussões sobre o trabalhador de saúde. Em relação aos pacientes, estudos citaram que houve prejuízos ao cuidado desejado, aumentando as chances de erros, reduzindo a segurança no atendimento e aumentando os riscos à vida daqueles que recebiam cuidados.(1212. Ramzi ZS, Fatah PW, Dalvandi A. Prevalence of workplace violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2022;13:896156.,1414. Özkan Şat S, Akbaş P, Yaman Sözbir Ş. Nurses’ exposure to violence and their professional commitment during the COVID-19 pandemic. J Clin Nurs. 2021;30(13-14):2036-47.-1515. Yang Y, Wang P, Kelifa MO, Wang B, Liu M, Lu L, et al. How workplace violence correlates turnover intention among Chinese health care workers in COVID-19 context: the mediating role of perceived social support and mental health. J Nurs Manag. 2022;30(6):1407-14.) Quanto aos efeitos sobre os trabalhadores são apontados aumento do estresse, surgimento de transtornos mentais potencialmente graves, diminuição dos níveis de comprometimento profissional e da qualidade de vida dos expostos.(55. Nebesniak E. Violência psicológica contra profissionais de enfermagem: percepções antes e após a pandemia de COVID-19 [trabalho de conclusão de curso]. Guarapuava: Centro Universitário Guairacá; 2020.,1010. Bhatti OA, Rauf H, Aziz N, Martins RS, Khan JA. Violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a review of incidents from a lower-middle-income country. Ann Glob Health. 2021;87(1):41.,1414. Özkan Şat S, Akbaş P, Yaman Sözbir Ş. Nurses’ exposure to violence and their professional commitment during the COVID-19 pandemic. J Clin Nurs. 2021;30(13-14):2036-47.) O desejo de abandonar a profissão ou deixar o emprego atual em decorrência dos incidentes também foi alto.(55. Nebesniak E. Violência psicológica contra profissionais de enfermagem: percepções antes e após a pandemia de COVID-19 [trabalho de conclusão de curso]. Guarapuava: Centro Universitário Guairacá; 2020.,1414. Özkan Şat S, Akbaş P, Yaman Sözbir Ş. Nurses’ exposure to violence and their professional commitment during the COVID-19 pandemic. J Clin Nurs. 2021;30(13-14):2036-47.,1515. Yang Y, Wang P, Kelifa MO, Wang B, Liu M, Lu L, et al. How workplace violence correlates turnover intention among Chinese health care workers in COVID-19 context: the mediating role of perceived social support and mental health. J Nurs Manag. 2022;30(6):1407-14.)

Como formas de enfrentamento do fenômeno, os estudos sugerem, tanto para a pandemia em curso como para condições similares no futuro, medidas que incluem a conscientização pública sobre a importância do trabalho de enfermagem, com valorização e respeito às suas práticas, treinamento de segurança dos serviços de saúde para identificação e rápida ação em situação de agressões, valorização do registro das ocorrências para monitoramento e implementação de medidas mais assertivas, treinamento para uso de tecnologias leves para a cultura de paz, como a comunicação não violenta e a escuta empática e, por fim, destaca-se o papel e órgãos de proteção ao trabalhador, como Ministério Público e sindicatos, para que as instituições garantam condições mínimas para o desempenho seguro das atividades laborais e com menor risco possível de violência no ambiente de trabalho em saúde.(99. Barreto FA, Oliveira JV, Freitas RJ, Queiroz AA. Repercussões da pandemia de COVID-19 na violência laboral institucional aos profissionais de enfermagem: COVID-19 e violência laboral vivida pela enfermagem. SciELO Preprints. 2020 [citado 2022 Fev 12]. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/934/1314
https://preprints.scielo.org/index.php/s...
,1010. Bhatti OA, Rauf H, Aziz N, Martins RS, Khan JA. Violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a review of incidents from a lower-middle-income country. Ann Glob Health. 2021;87(1):41.,1515. Yang Y, Wang P, Kelifa MO, Wang B, Liu M, Lu L, et al. How workplace violence correlates turnover intention among Chinese health care workers in COVID-19 context: the mediating role of perceived social support and mental health. J Nurs Manag. 2022;30(6):1407-14.,1616. Tobase L, Cardoso SH, Rodrigues RT, Peres HH. Empathic listening: welcoming strategy for nursing Professional in coping with with the coronavirus pandemic. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1):e20200721.)

Discussão

A violência relacionada ao trabalho pode ser física, verbal ou psicológica e pode ser provocada por pacientes, seus familiares, colegas de trabalho, supervisores ou gestores contra o trabalhador de enfermagem. Durante a pandemia de COVID-19, os trabalhadores de enfermagem enfrentaram níveis elevados de violência e assédio em virtude do ambiente de estresse e incerteza, o que exacerbou as tensões já existentes no ambiente de trabalho em saúde. Quaisquer que sejam as formas, a violência no trabalho pode afetar negativamente a saúde física e mental dos profissionais de enfermagem, além de comprometer a qualidade do atendimento aos pacientes.(1717. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Beck CL, Ribeiro OM. Types of workplace violence in nursing in the Family Health Strategy. Esc Anna Nery. 2021;25(4):e20200427.

18. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Brancalione D, Calderam MM, Bauermann KB. Facing violence in nursing work hospital contexto and primary health care. Enfermería Global. 2021;62:229-41.
-1919. Alves JS, Gonçalves AM, Bittencourt MN, Alves VM, Mendes DT, Nóbrega MD. Psychopathological symptoms and work status of Southeastern Brazilian nursing in the context of COVID-19. Rev Lat Am Enfermagem. 2022;30:e3518. Erratum in: Rev Lat Am Enfermagem. 2022;30:e3645.)

O mapeamento e a síntese das produções científicas disponíveis sobre a violência contra trabalhadores de enfermagem durante a pandemia de COVID-19 permitiram identificar que o fenômeno foi global, sendo citado por estudos de diferentes nacionalidades e com culturas distintas, perpetrado por diferentes atores, especialmente contra aqueles que atuavam na linha de frente, com menor tempo de formação e com consequências importantes para sua saúde e daqueles que recebiam cuidados.

Apesar disso, o número de publicações com monitorização epidemiológica foi baixo, podendo ser justificado pelos relatos de subnotificação das ocorrências e sinalizando a importância de valorização da temática e registro das informações relacionadas a quaisquer formas de injúrias contra trabalhadores desta categoria.(1313. Byon HD, Sagherian K, Kim Y, Lipscomb J, Crandall M, Steege L. Nurses’ experience with type II workplace violence and underreporting during the COVID-19 pandemic. Workplace Health Saf. 2021:21650799211031233.,1717. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Beck CL, Ribeiro OM. Types of workplace violence in nursing in the Family Health Strategy. Esc Anna Nery. 2021;25(4):e20200427.)

Durante a pandemia de COVID-19, a justificativa para não notificar os casos de violência sofrida pelo trabalho foi relacionado à alta demanda de cuidados dos pacientes.(1313. Byon HD, Sagherian K, Kim Y, Lipscomb J, Crandall M, Steege L. Nurses’ experience with type II workplace violence and underreporting during the COVID-19 pandemic. Workplace Health Saf. 2021:21650799211031233.) Entretanto, tal afirmação diverge de um estudo feito na região Sul do Brasil,(1717. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Beck CL, Ribeiro OM. Types of workplace violence in nursing in the Family Health Strategy. Esc Anna Nery. 2021;25(4):e20200427.) em que foi evidenciado que a subnotificação e a falta de registro dos casos de agressões contra trabalhadores de enfermagem esteve relacionada à falta de apoio dos gestores, ausência de medidas de proteção aos trabalhadores, desconhecimento dos tipos de violência por parte dos profissionais atingidos, o medo de represálias sociais e trabalhistas e o constrangimento que os profissionais sentiam após sofrerem algum tipo de abuso.

Outro estudo(1818. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Brancalione D, Calderam MM, Bauermann KB. Facing violence in nursing work hospital contexto and primary health care. Enfermería Global. 2021;62:229-41.) traz relatos de funcionários que foram desencorajados pelos seus gestores e supervisores a denunciarem ou registrarem os episódios de violência no prontuário do paciente ou através de meios legais e jurídicos.

Os tipos de violência apresentados em alguns estudos também convergem com os encontrados nesta pesquisa, apontando a violência psicológica, por meio de agressões verbais e assédio, e a violência física como as mais comuns entre profissionais que trabalham com o atendimento direto aos pacientes.(1616. Tobase L, Cardoso SH, Rodrigues RT, Peres HH. Empathic listening: welcoming strategy for nursing Professional in coping with with the coronavirus pandemic. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1):e20200721.

17. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Beck CL, Ribeiro OM. Types of workplace violence in nursing in the Family Health Strategy. Esc Anna Nery. 2021;25(4):e20200427.
-1818. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Brancalione D, Calderam MM, Bauermann KB. Facing violence in nursing work hospital contexto and primary health care. Enfermería Global. 2021;62:229-41.)Em alguns casos a violência mais sentida pelos profissionais foi o abuso verbal, sobretudo praticado pelos próprios colegas de equipe, chefes e supervisores.

Destaca-se que relatos de abuso verbal, sexual e físico também foram encontrados em equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF), na atenção primária do Sistema Único de Saúde.(1717. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Beck CL, Ribeiro OM. Types of workplace violence in nursing in the Family Health Strategy. Esc Anna Nery. 2021;25(4):e20200427.) Todavia, os episódios de violência neste contexto foram geralmente perpetrados pelos usuários, o que diferiu do contexto hospitalar, onde os agressores foram usualmente familiares de pacientes e colegas de trabalho. Talvez isso se deva pela gravidade dos usuários com COVID-19 internados, especialmente no início da pandemia. As demandas elevadas de trabalho também podem justificar as agressões feitas pelos próprios colegas e demais profissionais de saúde.

Neste sentido, aponta-se que auxiliares e técnicos de enfermagem necessitam de atenção especial no contexto de crise sanitária, como ocorrida na pandemia de COVID-19, por serem aqueles que habitualmente estão em contato mais frequente com os pacientes e familiares e, consequentemente, os que recebem as maiores tensões e descargas emocionais que acabam por gerar pulsões violentas com potenciais danos a sua saúde e mesmo no cuidado prestado. Vale lembrar que para além da divisão técnica do trabalho em enfermagem a categorização do trabalho nesta profissão gera distinção social e potencializa a vulnerabilidade daqueles que inevitavelmente precisam ter maior contato com os doentes e familiares. Assim, a supervisão constante de enfermeiros pode ajudar a reduzir tais tensões ou mesmo servir como mediador em casos nos quais os conflitos ainda são latentes, mas que podem ser mediados com orientações e acolhimento das demandas das partes envolvidas, usuários e profissionais de enfermagem.(1818. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Brancalione D, Calderam MM, Bauermann KB. Facing violence in nursing work hospital contexto and primary health care. Enfermería Global. 2021;62:229-41.

19. Alves JS, Gonçalves AM, Bittencourt MN, Alves VM, Mendes DT, Nóbrega MD. Psychopathological symptoms and work status of Southeastern Brazilian nursing in the context of COVID-19. Rev Lat Am Enfermagem. 2022;30:e3518. Erratum in: Rev Lat Am Enfermagem. 2022;30:e3645.

20. Bordignon M, Trindade LL, Cezar-Vaz MR, Monteiro MI. Workplace violence: legislation, public policies and possibility of advances for health workers. Rev Bras Enferm. 2021;74(1):e20200335.
-2121. Kakemam E, Chegini Z, Rouhi A, Ahmadi F, Majidi S. Burnout and its relationship to self-reported quality of patient care and adverse events during COVID-19: A cross-sectional online survey among nurses. J Nurs Manag. 2021;29(7):1974-82.)

Um estudo realizado com profissionais da Atenção Primária e da Atenção Hospitalar(1818. Busnello GF, Trindade LL, Dal Pai D, Brancalione D, Calderam MM, Bauermann KB. Facing violence in nursing work hospital contexto and primary health care. Enfermería Global. 2021;62:229-41.) mostrou que os dados similares aos encontrados nesta pesquisa, contrastando, todavia, que técnicos e auxiliares de enfermagem sofreram mais situações de violência no contexto da atenção primária enquanto os enfermeiros foram as principais vítimas na atenção hospitalar. Além disso, a saúde mental dos trabalhadores de enfermagem é algo a ser discutida e adequadamente atendida em situações adversas. Pesquisa realizada na região Sudeste do Brasil(1919. Alves JS, Gonçalves AM, Bittencourt MN, Alves VM, Mendes DT, Nóbrega MD. Psychopathological symptoms and work status of Southeastern Brazilian nursing in the context of COVID-19. Rev Lat Am Enfermagem. 2022;30:e3518. Erratum in: Rev Lat Am Enfermagem. 2022;30:e3645.) apontou que o sofrimento mental destes trabalhadores durante a pandemia de COVID-19 foi intenso, com somatização de sintomas psicológicos e desenvolvimento de transtornos mentais. Porém, estes sintomas estavam associados ao nível de apoio/suporte emocional organizacional que estes trabalhadores receberam durante o período.

Outro estudo feito no Irã em 2021(2121. Kakemam E, Chegini Z, Rouhi A, Ahmadi F, Majidi S. Burnout and its relationship to self-reported quality of patient care and adverse events during COVID-19: A cross-sectional online survey among nurses. J Nurs Manag. 2021;29(7):1974-82.) mostrou resultados concordantes com os estudos encontrados durante a presente revisão,(55. Nebesniak E. Violência psicológica contra profissionais de enfermagem: percepções antes e após a pandemia de COVID-19 [trabalho de conclusão de curso]. Guarapuava: Centro Universitário Guairacá; 2020.,1212. Ramzi ZS, Fatah PW, Dalvandi A. Prevalence of workplace violence against healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2022;13:896156.,1414. Özkan Şat S, Akbaş P, Yaman Sözbir Ş. Nurses’ exposure to violence and their professional commitment during the COVID-19 pandemic. J Clin Nurs. 2021;30(13-14):2036-47.,1515. Yang Y, Wang P, Kelifa MO, Wang B, Liu M, Lu L, et al. How workplace violence correlates turnover intention among Chinese health care workers in COVID-19 context: the mediating role of perceived social support and mental health. J Nurs Manag. 2022;30(6):1407-14.) demonstrando que a Síndrome de Burnout foi frequente em profissionais de enfermagem durante a pandemia, e que isto refletiu na qualidade do cuidado prestado aos pacientes durante este período. Neste mesmo estudo os enfermeiros participantes relataram terem cometido erros que trouxeram por vezes consequências negativas aos pacientes decorrentes do sofrimento mental que tais profissionais vivenciavam. Contudo, a partir dos dados analisados, não foi possível estabelecer uma relação direta entre o sofrimento mental decorrente da violência sofrida pelos trabalhadores de enfermagem durante a pandemia da COVID-19, pois outros aspectos também estiveram associados como a alta carga de trabalho, o baixo apoio institucional e inaptidões pessoais para o enfrentamento de crises graves e extensas como a enfrentada.

A segurança do paciente também deve ser discutida, pois os efeitos negativos do sofrimento mental de trabalhadores de enfermagem estão diretamente ligados à ocorrência de eventos adversos durante o atendimento, assim como a ocorrência do descontentamento profissional e atitudes negativas dos profissionais durante o atendimento aos pacientes.(2121. Kakemam E, Chegini Z, Rouhi A, Ahmadi F, Majidi S. Burnout and its relationship to self-reported quality of patient care and adverse events during COVID-19: A cross-sectional online survey among nurses. J Nurs Manag. 2021;29(7):1974-82.)

As estratégias de enfrentamento da violência contra os trabalhadores de enfermagem no contexto de pandemia estiveram aquém das necessidades reais dos trabalhadores, tanto por parte do setor público como também do privado, sendo realizadas de modo subjetivo pelos gestores de acordo com a gravidade das ocorrências, sem análise das repercussões tardias para as vítimas, testemunhas ou para a categoria em si. Por se tratar de uma ação voluntária de uma pessoa ou grupo contra um trabalhador, podendo causar danos físicos, psicológicos e de outras naturezas, ela pode ser quase sempre prevenida a medida que instituições (hospitais e outros serviços de saúde, órgãos de proteção ao trabalhador e entidades de classe), reconheçam sua magnitude e efeitos deletérios à vítima, testemunha, usuário e mesmo a sociedade.(2222. Fernandes H, Sala DC, Horta AL. Violence in health care settings: rethinking actions. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2599-601.,2323. Somani R, Muntaner C, Hillan E, Velonis AJ, Smith P. A systematic review: effectiveness of interventions to de-escalate workplace violence against nurses in healthcare settings. Saf Health Work. 2021;12(3):289-95. Review.)

Da atenção primária à terciária à saúde pesquisadores sugerem que devem ser implementadas medidas de prevenção micro e macro administrativas, que vão desde treinamento dos profissionais de enfermagem para reconhecimento de riscos potenciais à sua segurança e rápida intervenção até conscientização coletiva para a sociedade comum sobre o trabalho de enfermagem, a fim de estimular a valorização e respeito dos usuários aos trabalhadores desta categoria, reduzindo o comportamento violento, mesmo em situações extremas.(2222. Fernandes H, Sala DC, Horta AL. Violence in health care settings: rethinking actions. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2599-601.) Além disso, o enfrentamento também deve incluir a atenção àqueles que, apesar das medidas preventivas, acabaram se tornando vítimas de agressões físicas e psicológicas no ambiente de trabalho em saúde visto que o acolhimento e a escuta empática podem ajudar aliviar as tensões sofridas, além de servir como momento de avaliação das respostas humanas de cada vítima e sua necessidade de apoio ou não para resolução de problemas futuros que venham a geram transtornos mentais e/ou psicossomáticos.

A violência contra os trabalhadores de enfermagem durante a pandemia de COVID-19 foi amplamente reconhecida como um problema grave, e muitos países ainda estão trabalhando para abordar essa questão. É fundamental que as instituições de saúde implementem medidas de segurança e proteção para os trabalhadores de enfermagem e forneçam treinamento e recursos necessários para ajudá-los a lidar com a violência e o estresse relacionados à pandemia.(2121. Kakemam E, Chegini Z, Rouhi A, Ahmadi F, Majidi S. Burnout and its relationship to self-reported quality of patient care and adverse events during COVID-19: A cross-sectional online survey among nurses. J Nurs Manag. 2021;29(7):1974-82.

22. Fernandes H, Sala DC, Horta AL. Violence in health care settings: rethinking actions. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2599-601.
-2323. Somani R, Muntaner C, Hillan E, Velonis AJ, Smith P. A systematic review: effectiveness of interventions to de-escalate workplace violence against nurses in healthcare settings. Saf Health Work. 2021;12(3):289-95. Review.)

O estudo apresenta como limitação as bases de dados selecionadas para a busca, podendo haver estudos significantes sobre o tema em outras bases não consultadas. Outro aspecto se dá ainda pela incipiência da temática de violência contra o trabalhador de saúde em contexto de pandemia. Todavia, tais limitações não inviabilizam o estudo, tendo em vista a emergência do tema e sua magnitude para o trabalho em enfermagem.

O estudo contribui para a Enfermagem à medida que apresenta as principais características da violência contra trabalhadores de enfermagem, como o perfil das vítimas mais frequentes, os tipos de agressões e seus perpetradores. Além disso, aponta os principais danos às vítimas e as possíveis medidas de enfrentamento aplicáveis para redução do agravo em condições similares de futuras pandemias.

Conclusão

Apesar da existência de pesquisas na área da violência contra profissionais de enfermagem, é possível concluir que as evidências de tais episódios durante a pandemia de COVID-19 são escassas, apesar de as publicações serem de países diferentes. A enfermagem é maioria numeral quando se trata de trabalhadores de saúde, mas ainda não recebem a devida valorização como principais responsáveis pelo cuidado dos pacientes. Outro ponto relevante, é que as intervenções disponíveis que podem ser utilizadas para diminuir os episódios de violência não foram exploradas com profundidade, sendo citadas em poucas pesquisas, a maioria internacionais. A saúde mental dos trabalhadores da enfermagem é algo quase invisibilizado por gestores de serviços de saúde, portanto, os dados sobre tal assunto ainda são incertos pela subnotificação relatada pelos estudos encontrados. A presente pesquisa adiciona na enfermagem a necessidade de reflexões sobre a magnitude da violência contra trabalhadores desta profissão em situações sanitárias altamente atípicas, como a enfrentada na pandemia de COVID-19, podendo subsidiar o planejamento de estratégias de ensino na graduação ou prática cotidiana por meio da educação permanente, preparando enfermeiros no reconhecimento de potenciais riscos e implementação de ações rápidas de proteção e segurança. Também pode disparar pesquisas futuras, tendo em vista os poucos estudos encontrados na revisão, gerando novas descobertas sobre o agravo. É importante salientar também que políticas públicas de saúde precisam ser elaboradas para a proteção à saúde do trabalhador de enfermagem em contextos de crises sanitárias, como a vivenciada pela pandemia de COVID-19.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli (https://orcid.org/0000-0003-3757-1061) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    6 Out 2022
  • Aceito
    16 Maio 2023
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