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Avaliação normativa do atendimento obstétrico emergencial na prevenção da COVID-19

Evaluación normativa de la asistencia obstétrica de emergencia en la prevención de COVID-19

Resumo

Objetivo

Avaliar a estrutura e o fluxo assistencial do acolhimento - classificação de risco e emergência obstétrica em uma maternidade pública no contexto da COVID-19.

Métodos

Estudo do tipo avaliação normativa e observacional nos setores de Acolhimento (Classificação de Risco e Emergência Obstétrica) de uma maternidade pública no Rio de Janeiro. A coleta de dados foi realizada de junho a agosto de 2020 por 480 horas de observação direta não participante, com registros sistematizados em checklist contendo variáveis relacionadas à disponibilidade e conformidade dos recursos estruturais, e à conformidade do fluxo assistencial. Os dados foram organizados em planilhas (Microsoft Excel® 2010) e analisados usando a estatística descritiva.

Resultados

A avaliação da estrutura obteve 80,3% de disponibilidade, resultando em classificação de alta disponibilidade e 91,1% de conformidade, obtendo conformidade adequada. O fluxo assistencial mostrou 72,7% de conformidade total; 9,1% de conformidade parcial e 18,2% de não cumprimento, configurando-se como alta conformidade.

Conclusão

A avaliação normativa indicou altas disponibilidade e conformidade em estrutura e fluxo assistencial nos cenários estudados.

Avaliação em saúde; Avaliação de processos em cuidados de saúde; Gestantes; Acolhimento; Complicações infecciosas na gravidez; COVID-19; Prevenção de doenças

Resumen

Objetivo

Evaluar la estructura y el flujo de asistencia de recepción, clasificación de riesgo y emergencia obstétrica, en una maternidad pública en el contexto del COVID-19.

Métodos

Estudio tipo evaluación normativa y observacional en los sectores de Recepción (clasificación de riesgo y emergencia obstétrica) de una maternidad pública en Rio de Janeiro. La recopilación de datos se realizó de junio a agosto de 2020 durante 480 de observación directa no participante, con registros sistematizados en una checklist con variables relacionadas con la disponibilidad y conformidad de los recursos estructurales y con la conformidad del flujo de asistencia. Los datos se organizaron en planillas (Microsoft Excel® 2010) y se analizaron usando la estadística descriptiva.

Resultados

La evaluación de la estructura obtuvo un 80,3 % de disponibilidad, que tuvo como resultado una clasificación de alta disponibilidad, y un 91,1 % de conformidad, con una conformidad adecuada. El flujo de asistencia mostró un 72,7 % de conformidad total, un 9,1 % de conformidad parcial y un 18,2 % de no cumplimiento, lo que se configura como alta conformidad.

Conclusión

La evaluación normativa indicó alta disponibilidad y alta conformidad en estructura y flujo de asistencia en los escenarios estudiados.

Evaluación en salud; Evaluación de procesos, atención de salud; Mujeres embarazadas; Acogimiento; Complicaciones infecciosas del embarazo COViD-19; Prevención de enfermedades

Abstract

Objective

Evaluate the structure and care flow - risk classification and obstetric emergency in a public maternity hospital in the context of COVID-19.

Methods

Normative and observational evaluation study in the Care sectors (Risk Classification and Obstetric Emergency) of a public maternity hospital in Rio de Janeiro. Data collection was carried out from June to August 2020 for 480 hours of non-participant direct observation, with records systematized in a checklist containing variables related to the availability and compliance of structural resources, and the compliance of the care flow. Data were organized into spreadsheets (Microsoft Excel® 2010) and analyzed using descriptive statistics.

Results

The framework assessment scored 80.3% availability, resulting in a high availability rating, and 91.1% compliance, achieving adequate compliance. The care flow showed 72.7% of total compliance; 9.1% of partial compliance and 18.2% of non-compliance, configuring high compliance.

Conclusion

Normative evaluation indicated high availability and compliance in structure and care flow in the studied scenarios.

Health evaluation; Process assessment, health care; Pregnancy women; User embracement; Pregnancy complications, infectious; COViD-19; Disease prevention

Introdução

Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a Coronavírus Disease 2019 (COVID-19) como uma pandemia, desencadeando medidas protetoras tais como o isolamento social horizontal e o estabelecimento de barreiras sanitárias. A COVID-19 é causada pelo Coronavírus 2 (SARS-CoV-2) manifestando-se nos sistemas respiratório, cardiovascular, nervoso e digestório.(11. World Health Organization (WHO). Clinical management of severe acute respiratory infection (SARI) when COVID-19 disease is suspected. Geneva: WHO; 2020.

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-33. Oliveira AC, Lucas TC, Iquiapaza RA. What has the COVID-19 pandemic taught us about adopting preventive measures? Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20200106.)

Entre as populações com risco para manifestações graves e letais, destacam-se as gestantes e puérperas devido ao maior risco de tromboembolismo por infecção e da hipercoagulabilidade fisiológica associadas à sua reduzida mobilidade diante do isolamento.(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Coordenação-Geral de Ciclos da Vida. Coordenação da Saúde da Mulher. Nota técnica nº 12/2020 - COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS: Infecção COVID-19 e os riscos às mulheres no ciclo gravídico-puerperal. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.,55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde. Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 04/2020: orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Brasília (DF): ANVISA; 2021.)

Em 2020, os registros no Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr) indicaram taxa de letalidade de 12,7% em mulheres com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por COVID-19 durante o ciclo gravídico-puerperal, com associação entre os óbitos e a obesidade, a diabetes e as doenças cardiovasculares. Desde março de 2020 até novembro de 2022, 2.049 gestantes e puérperas morreram pela COVID-19. Desse total, foram notificados 462 óbitos maternos em 2020, 1.524 em 2021 e 63 em 2022.(66. Francisco RP, Lacerda L, Rodrigues AS. Observatório Obstétrico BRASIL - COVID-19: 1031 mortes maternas por COVID-19 e acesso desigual aos serviços de saúde. Clínicas (São Paulo). 2021;76:e3120.-77. Santos DS, Monezi NS, Castelaneli IK, Vilela MF. Social determinants and reflections for the Nursing practice in times of COVID-19. Rev Lat Am Enfermagem. 2021;29: e3443.)

Estudos mostraram o elevado risco de necessidade de ventilação mecânica, com complicações e internações em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Entretanto, a mortalidade predominou nos países em desenvolvimento devido às fragilidades no sistema de saúde aliadas aos determinantes sociais do processo saúde-doença.(77. Santos DS, Monezi NS, Castelaneli IK, Vilela MF. Social determinants and reflections for the Nursing practice in times of COVID-19. Rev Lat Am Enfermagem. 2021;29: e3443.,88. Souza AS, Amorim MM. Maternal mortality by COVID-19 in Brazil. Rev Bras Saude Mater Infant. 2021;21 (Suppl 1): 253-6.)

No Brasil, os óbitos maternos decorreram da fisiopatologia da infecção e das precariedades no sistema de saúde (tais como recursos insuficientes, baixa qualidade do atendimento pré-natal, dificuldade no acesso aos serviços, racismo e violência obstétrica).(88. Souza AS, Amorim MM. Maternal mortality by COVID-19 in Brazil. Rev Bras Saude Mater Infant. 2021;21 (Suppl 1): 253-6.,99. Silva FV, Souza KV. The unacceptable tragedy of maternal mortality associated with COVID-19: (re)politicization of women’s health and rights and the position of Brazilian nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e73.) Assim, o Ministério da Saúde (MS) publicou diretrizes aos serviços de saúde para controlar a alta mortalidade materna.(55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde. Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 04/2020: orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Brasília (DF): ANVISA; 2021.,1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Nota Informativa nº 13/2020 – SE/GAB/SE/MS. Manual de recomendações para a assistência à gestante e puérpera frente à pandemia de COVID-19 Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2020.)

Considerando a alta mortalidade materna por COVID-19, destaca-se como problema dessa pesquisa a relevância de ações eficazes no acesso ao cuidado oportuno à porta de entrada das maternidades mediante a qualidade técnica das intervenções no Acolhimento - Classificação de Risco (ACR). Assim, proporcionando intervenções seguras baseadas nas diretrizes ministeriais, garantindo a disponibilidade de recursos, assim como a conformidade da estrutura e do processo assistencial. O termo estrutura se refere aos componentes físicos e materiais conforme o modelo Donabediano.(1111. Donabedian A. An introduction to quality assurance in health care. Oxford: Oxford University Press; 2003.) Em relação ao processo, será denominado fluxo assistencial, e corresponde às ações assistenciais dirigidas à clientela.(1212. Contandriopoulos AP, Champagne F, Denis JL, Pineault R. A avaliação na área da saúde: conceitos e métodos. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Dos Modelos Conceituais à Prática na análise de Implantação de Programas. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 1997.)

Compreendendo a necessidade da resposta rápida na condução da gestão para a proteção de mulheres e profissionais contra o Coronavírus frente ao cenário epidemiológico da COVID-19, o objetivo do presente estudo foi avaliar a estrutura e o fluxo assistencial nos setores de ACR e emergência obstétrica em uma maternidade pública.

Métodos

Estudo do tipo avaliação normativa, observacional e seccional sobre a estrutura e o fluxo assistencial nos setores de ACR e Emergência Obstétrica de uma maternidade, foi desenvolvido no período de julho a agosto de 2020. A sistematização da pesquisa foi guiada pela ferramenta STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology).

O cenário corresponde ao atendimento emergencial de uma maternidade pública de alto risco, localizada na região central do município do Rio de Janeiro. Esta maternidade assiste às residentes nesta região e aquelas mulheres referenciadas pela Central de Regulação Municipal.

A porta de entrada da unidade apresenta dois setores contíguos, com atendimentos complementares, denominados Acolhimento - Classificação de Risco e Emergência Obstétrica. Estes setores são compostos por sala de recepção, sala de espera, duas salas de atendimento e sala de “resposta rápida”. Durante o período estudado, enfermeiras obstétricas e auxiliares de enfermagem realizaram, uma média de 490 atendimentos mensais usando a metodologia da Classificação de Risco.(1313. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Departamento de Atenção Hospitalar e Urgência. Manual de acolhimento e classificação de risco em obstetrícia. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018.)

Foram realizadas 480 horas de observação direta não participante por um pesquisador único. Os registros foram sistematizados usando um checklist elaborado pelos autores com critérios organizados em “Grupo 1 (Estrutura)” e “Grupo 2 (Fluxo assistencial)”, apresentados nos Quadros 1 e no Quadro 2. A organização dos grupos e a análise dos resultados foram baseados nos princípios da estatística descritiva e na metodologia usada por Eduardo e Novaes.(1414. Eduardo MB, Novaes HM. Análise de conformidades às normas técnicas de proteção radiológica dos serviços de radioterapia no Estado de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20 (Suppl 2):S256–67.)

Quadro 1
Descrição das variáveis, escores brutos e percentuais alcançados nas dimensões disponibilidade e conformidade da estrutura de atendimento emergencial obstétrico em uma maternidade de alto risco
Quadro 2
Descrição das variáveis, escores brutos e percentuais alcançados segundo a dimensão conformidade do fluxo assistencial no atendimento emergencial obstétrico de uma maternidade de alto risco

Cada grupo foi composto por critérios que permitiram atribuir escores. No “Grupo I (Estrutura)”, foram avaliadas as dimensões disponibilidade e conformidade da qualidade em saúde. A disponibilidade correspondeu à oferta dos elementos estruturais (insumos e ambiente) conforme disposto nas normativas; foram avaliadas presença ou ausência deste recurso em quantidade adequada à prestação do cuidado; foram também estabelecidas pontuações que variavam de 0 a 2 e permitiram a classificação como sendo disponível (escore 2) ou não disponível (escore 0).

A conformidade, era referente ao grau em que os recursos atendiam as diretrizes ministeriais. Foram atribuídos escores variando de 0 a 2 aos itens, indicando não cumprimento (0), cumprimento parcial (1) e cumprimento total (2). Foi considerado cumprimento parcial de conformidade quando a estrutura ou a ação não atendiam plenamente às normativas (p.ex.: equipamentos de proteção individual (EPI) que não atendiam integralmente às especificações técnicas; sinalização da etiqueta respiratória com orientações desatualizadas etc.).(1414. Eduardo MB, Novaes HM. Análise de conformidades às normas técnicas de proteção radiológica dos serviços de radioterapia no Estado de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20 (Suppl 2):S256–67.)

No “Grupo II (Fluxo Assistencial)”, foi avaliado o grau de conformidade das ações assistenciais no atendimento às normativas ministeriais,(33. Oliveira AC, Lucas TC, Iquiapaza RA. What has the COVID-19 pandemic taught us about adopting preventive measures? Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20200106.,1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Nota Informativa nº 13/2020 – SE/GAB/SE/MS. Manual de recomendações para a assistência à gestante e puérpera frente à pandemia de COVID-19 Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2020.)sendo atribuídos escores variando de 0 a 2, para não cumprimento (0), cumprimento parcial (1) e cumprimento total (2). Os graus de conformidade foram obtidos somando os escores dos critérios, convertendo-os em percentual (em relação ao número máximo de pontos brutos possíveis) com posterior cálculo da média aritmética. As médias foram distribuídas em tercis, classificando assim “Estrutura” e “Fluxo assistencial” em conformidades adequada (médias distribuídas no terceiro tercil), conformidade limítrofe (médias distribuídas no segundo tercil) e conformidade insuficiente (médias distribuídas no primeiro tercil).(1414. Eduardo MB, Novaes HM. Análise de conformidades às normas técnicas de proteção radiológica dos serviços de radioterapia no Estado de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20 (Suppl 2):S256–67.)

Os graus de disponibilidade dos recursos tiveram suas médias calculadas e distribuídas em tercis, sendo então classificadas em disponibilidades baixa (primeiro tercil), média (segundo tercil) e alta (terceiro tercil).(1414. Eduardo MB, Novaes HM. Análise de conformidades às normas técnicas de proteção radiológica dos serviços de radioterapia no Estado de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20 (Suppl 2):S256–67.)

O estudo emergiu frente às mudanças nesse cenário durante a pandemia da COVID-19, como parte de uma pesquisa mais abrangente registrada na Plataforma Brasil (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 26615719.7.3001.5279), com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da (Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; parecer 4.052.529; em 27/05/2020).

Resultados

Os registros foram iniciados pela avaliação da estrutura em evento único. A coleta dos dados sobre o fluxo assistencial ocorreu em diferentes turnos e equipes retratando a variedade de situações no cenário. Os resultados são apresentados nos quadros 1 e 2, que mostram as variáveis, os escores alcançados e os valores obtidos nas dimensões estudadas (conformidade e disponibilidade). A avaliação atingiu 80,3% de disponibilidade, indicando alta disponibilidade. Este valor resultou da média dos percentuais de recursos estruturais obtidos nos diferentes cenários. Os insumos indisponíveis estavam relacionados com aspectos da planta física: entradas distintas para casos suspeitos ou confirmados, lavatório para higienização das mãos, e ausência de espaço para paramentação e desparamentação. Foi observada a indisponibilidade de equipes exclusivas para o cuidado dos casos suspeitos ou confirmados (Quadro 1). A média dos percentuais de conformidade estrutural alcançou 70,5%, indicando conformidade adequada. Apresentaram fragilidades as variáveis relacionadas aos equipamentos de proteção individual inadequados às normativas; eventual ausência de material para a higiene das mãos, bem como lixeira inadequada e ventilação inadequadas (Quadro 1).

Na avaliação do fluxo assistencial, a média dos percentuais foi 71,8%, resultando em conformidade adequada. As fragilidades identificadas estavam relacionadas a: ausência de assistência por equipes exclusivas, eventual não disponibilização de EPI adequado às mulheres e profissionais e inadequações na paramentação/desparamentação (Quadro 2).

Discussão

Foi identificada alta disponibilidade de insumos e conformidade estrutural adequada. As características físicas do edifício (concebido na década de 1950) contribuíram para as vulnerabilidades (tais como a ausência de instalação hidráulica para lavatório próximo à entrada e cômodos com apenas uma porta etc.), determinando adequações (tais como a alocação de frascos de álcool gel 70% na entrada do prédio e o encaminhamento das mulheres que aguardavam por atendimento nas salas do ambulatório próximas ao setor de acolhimento).

De acordo com Donabedian,(1111. Donabedian A. An introduction to quality assurance in health care. Oxford: Oxford University Press; 2003.) partimos do pressuposto de que uma infraestrutura adequada propicia um processo de trabalho favorável aos resultados propostos. Frente a pandemias, os investimentos em reorganização nas unidades de saúde nacionais priorizavam ampliar leitos adequados à assistência em situações críticas.(1515. Sestelo JA, Vasco MD, Santos TB, Lisboa ES, Souza LE. Hospitais no contexto de pandemia de COVID-19: problemas e estratégias de enfrentamento. In: Barreto ML, editor. Pinto Jr EP, Aragão E, BarralNetto M, organizadores. Construção de conhecimento no curso da pandemia de COVID-19: aspectos biomédicos, clínico-assistenciais, epidemiológicos e sociais. Salvador: EDUFBA; 2020.) O cenário estudado passou por reorganizações em estrutura e fluxo assistencial relacionadas às medidas de controle da COVID-19. Considerando o potencial para complicações para a clientela, foi instituída a Sala de Resposta Rápida (SRR) para disponibilizar os cuidados de alta complexidade possíveis até a transferência para a UTI conforme as diretrizes sanitárias. Assim, as ações para reestruturar o cenário podem ser consideradas como potenciais contribuições para a conformidade estrutural adequada alcançada na avaliação.

A maioria dos países afetados pela pandemia experimentaram um rápido crescimento na demanda de suprimentos de saúde. O Brasil foi incapaz de evitar o desabastecimento inicial, apesar de ter registrado os primeiros casos em fevereiro de 2020, gozando assim de uma relativa margem de tempo para aumentar a produção ou aquisição de materiais. Em abril de 2020, falta de EPIs foi denunciada nos 26 estados e no Distrito Federal. Durante o período pandêmico, a dificuldade no acesso de profissionais aos dispositivos adequados estava relacionada à dependência de importação e à falta de coordenação logística.(1515. Sestelo JA, Vasco MD, Santos TB, Lisboa ES, Souza LE. Hospitais no contexto de pandemia de COVID-19: problemas e estratégias de enfrentamento. In: Barreto ML, editor. Pinto Jr EP, Aragão E, BarralNetto M, organizadores. Construção de conhecimento no curso da pandemia de COVID-19: aspectos biomédicos, clínico-assistenciais, epidemiológicos e sociais. Salvador: EDUFBA; 2020.

16. Herculano MM, Torres MA, de Moura MC, Silva AP, Pitombeira MG, Silva RM. Vivência dos profissionais de enfermagem em emergência obstétrica de alto risco frente à pandemia da COVID-19. Esc Anna Nery. 2022:26(spec): e20210496
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A disponibilidade de equipamentos de proteção favorecia a redução no absenteísmo dos profissionais de saúde causado por infecção, um fator de fragilização no processo assistencial. Destacamos que foi preciso considerar a exposição frequente e prolongada de mulheres possivelmente infectadas, bem como a intensificação na jornada de trabalho e maior complexidade no cuidado prestado (além do uso dos equipamentos de proteção adequados), para uma assistência segura e eficaz. Tal realidade poderia afetar o nível de alerta e atenção em caso de redução das pausas no processo de trabalho, comprometendo os cuidados com a própria proteção e favorecendo eventos adversos.(1717. Antunes CM, Luciano CC, Bahia JC, Bastos RM. Relato de experiência dos atendimentos de enfermagem em triagem para o diagnóstico da COVID-19 em profissionais da saúde. Nursing (São Paulo). 2020;24(277):5785–92.,1818. Borges EM, Queirós CM, Vieira MR, Teixeira AA. Percepções e vivências de enfermeiros sobre o seu desempenho na pandemia da COVID-19. Rev Rene. 2021;22:e60790.)

Apesar das repercussões das fragilidades estruturais, foi alcançada conformidade adequada quanto ao fluxo assistencial. Com a inclusão de gestantes e puérperas no grupo de risco para COVID-19 (seguindo as determinações dos órgãos sanitários locais, nacionais e internacionais), foram modificados os fluxos assistenciais nas maternidades. A emergência obstétrica é a porta de entrada de clientes onde a rotina é norteada pelas boas práticas de cuidado mediante acolhimento (classificação do risco obstétrico e posterior atendimento médico) com conduta expectante ou resolutiva.(1919. Ramiro NC, Pereira MS, Souza RS, Aver LA. Repercussões fetais e possíveis complicações da COVID-19 durante a gestação. Saúde Colet (Barueri). 2020;10(54):2679–90.,2020. Rasmussen SA, Smulian JC, Lednicky JA, Wen TS, Jamieson DJ. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) and pregnancy: what obstetricians need to know. Am J Obstet Gynecol. 2020;222(5):415–26.)

Os profissionais de enfermagem, como componentes da equipe multiprofissional nos setores de urgência e emergência, atuam com base no conhecimento técnico-científico visando o cuidado integral e humanizado às mulheres que vivenciam situações de alto risco obstétrico. O dimensionamento de enfermagem no cenário estudado foi revisto (adicionando uma enfermeira obstétrica por equipe do ACR) para dinamizar o atendimento, evitando assim aglomeração na sala de espera e melhor organização da equipe em situações de absenteísmo e clientes em cuidado crítico.(2121. Al-Zahrani A, Alanazi L, Thabet H, Alenezi F. Maternal Outcomes Among Pregnant Women Diagnosed With COVID-19. Cureus. 2023;15(1):e33887.)

Os profissionais conviveram com a necessidade de manter a atitude acolhedora e sensível apesar do medo da contaminação e do rigor nas medidas preventivas. Nas unidades obstétricas, o fluxo de atendimento foi sistematizado para cuidar dos casos confirmados ou suspeitos de COVID-19, com monitoramento adequado dos sinais precoces de complicações, valorizando o cuidado humanizado.(1616. Herculano MM, Torres MA, de Moura MC, Silva AP, Pitombeira MG, Silva RM. Vivência dos profissionais de enfermagem em emergência obstétrica de alto risco frente à pandemia da COVID-19. Esc Anna Nery. 2022:26(spec): e20210496,2222. Dulfe PA, Alves VH, Pereira AV, Vieira BD, Rodrigues DP, Marchiori GR, et al. Nurse-midwives reconfiguring care in the scope of labor and births in COVID-19 times. Rev Bras Enferm. 2021;74(74 Suppl 1):e20200863.)

Dadas as limitações das medidas de proteção, o processo assistencial foi avaliado e adequado pelas enfermeiras para assegurar o cuidado individualizado, evitando que mulheres em precauções de respiração e contato vivenciassem o isolamento civil e uma possível negligência no atendimento.(1919. Ramiro NC, Pereira MS, Souza RS, Aver LA. Repercussões fetais e possíveis complicações da COVID-19 durante a gestação. Saúde Colet (Barueri). 2020;10(54):2679–90.,2020. Rasmussen SA, Smulian JC, Lednicky JA, Wen TS, Jamieson DJ. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) and pregnancy: what obstetricians need to know. Am J Obstet Gynecol. 2020;222(5):415–26.)

Como limitação do estudo, apontamos que não foram contempladas as possíveis fragilidades no dimensionamento do pessoal e suas repercussões no fluxo assistencial. Além disso, não foram exploradas as eventuais fragilidades do cuidado relacionadas ao sofrimento psíquico destes profissionais.

Conclusão

Os componentes necessários ao cuidado foram disponibilizados com recursos de conformidade adequada apesar das fragilidades relacionadas à planta física e às dificuldades de acesso aos equipamentos de proteção, atendendo assim às normas técnicas e favorecendo o acesso ao cuidado oportuno. O cuidado liderado por enfermeiras obstétricas foi sistematizado para garantir o controle da COVID-19 com fluxo assistencial de conformidade adequada às especificidades do público assistido. Diante do risco ocupacional e das frequentes atualizações das normativas sanitárias, as profissionais se responsabilizaram em manter a assistência com qualidade.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Rosely Erlach Goldman (https://orcid.org/0000-0003-4011-1875) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2022
  • Aceito
    24 Jul 2023
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