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Vivendo com a guerra: uma entrevista com o Sr. A. Fortuna

Living with war: an interview with A. Fortuna

Resumos

Nos últimos anos, a área da teoria da memória de guerra tem-se desenvolvido enormemente, e a história oral tem sido uma das suas ferramentas mais poderosas para aceder a memórias pessoais e colectivas. Esta metodologia tem-se revelado fundamental na recuperação e/ou recolha de experiências de guerra, violência e trauma. Para alguns indivíduos, a guerra encontra-se sempre presente, é uma memória constante, indelével, visível nos seus corpos: quando um ex-combatente se encontra deficientado para toda a vida, tem de viver permanentemente com a guerra, e a sua experiência passada acaba necessariamente por determinar o seu percurso de vida futuro. Este artigo baseia-se no testemunho do Sr. A. Fortuna, um exemplo vivido desta realidade, um dos cerca de 30.000 ex-combatentes (Ribeiro, 1999) da Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974) portadores de deficiência, entrevistado para um projecto de investigação de doutoramento sobre as memórias de veteranos deste conflito. Em 1971, o Sr. A. Fortuna, actualmente com 59 anos de idade, perdeu a visão e ambos os braços na Guiné-Bissau, algo que significou posteriormente uma vida inteiramente moldada pela guerra e pela sua deficiência. A memória relativa a este conflito - não obstante o facto de tratar-se de um evento incontornável da história portuguesa do século XX - continua, em grande medida, inexplorada. Alguns autores salientam que "a vergonha foi tal que, logo em 1974, [...] a Guerra Colonial foi cautelosamente varrida da memória colectiva" (Ribeiro, 1999), e os seus ex-combatentes encontram-se cobertos por um "sufocante manto de silêncio e de abandono" (Gomes, 2004), especialmente os deficientes de guerra, lembranças incómodas de uma guerra que o país parece não ter vontade de recordar. Tomando como ponto de partida a entrevista com o Sr. A. Fortuna, este artigo reflecte acerca de alguns dos desafios que um historiador oral tem de enfrentar quando entrevista veteranos de guerra deficientados. Pretende apresentar um exemplo de como a história oral pode ajudar a esclarecer um tópico menos visível da história portuguesa contemporânea.

memória de guerra; história oral; Guerra Colonial Portuguesa


In recent years, the war memory theory field has been developing enormously, and oral history has been one of its most powerful tools for accessing personal and collective memories. This methodology has been instrumental in recovering and/or collecting experiences of war, violence and trauma. For some individuals, war is ever present, it is a constant, indelible memory visible in one's body: when an ex-combatant is disabled for life, he has to live with war permanently and his past experience is necessarily life shaping. This paper is based on the testimony of Mr. A. Fortuna, a lived example of this reality, one of the estimated 30,000 disabled war veterans (Ribeiro, 1999) of the Portuguese Colonial War (1961-1974), who was interviewed for a DPhil research project on the memories of its ex-combatants. In 1971, A. Fortuna, now aged 59, lost his eyesight and both arms in Guinea-Bissau, something which subsequently meant a life entirely shaped by the war and his disability. This conflict's memory - notwithstanding the fact that this is a major event in 20th century Portuguese history - remains largely unexplored. Some authors point out that 'the shame reached such an extent that after 1974 the colonial war was cautiously swept away from the collective memory' (Ribeiro, 1999) and its ex-combatants are covered by 'a suffocating veil of silence and neglect' (Gomes, 2004), especially the war disabled, uncomfortable reminders of a war the nation is not willing to remember. Taking Mr. Fortuna's interview as a starting point, this paper reflects on some of the challenges an oral historian has to face when interviewing disabled war veterans. It aims at presenting an example of how oral history can shed some light on a less visible topic of Portuguese contemporary history.

war memory; oral history; Portuguese Colonial War


La théorie de la mémoire de guerre a connu un grand développement ces dernières années, et l'histoire orale en a été un des principaux instruments pour accéder aux mémoires individuelles et collectives. Cette méthodologie s'avère fondamentale pour la récupération des expériences de guerre, de violence et trauma. Pour quelques individus, la guerre est toujours présente, est une mémoire constante, ineffaçable, visible dans leurs corps: quand un ancien combattant est mutilé, il est obligé de vivre avec la guerre, et son expérience passée détermine nécessairement le cours de sa vie. Cet article part du témoin de A. Fortuna, un exemple vécu de cette réalité, un des presque 30.000 anciens combattants mutilés (Ribeiro, 1999) de la Guerre Coloniale Portugaise (1961-1974), interviwé pour un projet de recherche de doctorat sur les mémoires des participants de ce conflit. En 1971, A. Fortuna, aujourd´hui agé de 59 ans, a perdu la vision et les deux bras à Guiné-Bissau, ce qui par la suite a signifié pour lui une vie entièrement dictée par la guerre et par son handicap. La mémoire de ce conflit - quoiqu'il soit un événement majeur de l'histoire du Portugal au XXème siècle - reste cependant inexplorée. Quelques auteurs signalent que "la honte a été si grande qu'après 1974, [...] la Guerre Coloniale a été soigneusement balayée de la mémoire collective" (Ribeiro, 1999), et ses anciens combattants ont été couverts par un "voile suffocant de silence et d'abandon" (Gomes, 2004) - surtout les mutilés de guerres, témoins gênants d'une guerre que le pays semble ne pas vouloir rappeler. En partant de l'interview de A. Fortuna, cet article réflechit sur les défis qu'un historien oral doit surmonter quand il fait des interviews avec des mutilés de guerre. Il veut montrer, au moyen d'un exemple, comment l'histoire orale peut aider à éclairer un aspect peu visible de l'histoire portugaise contemporaine.

mémoire de guerre; histoire orale; Guerre Coloniale Portugaise


ARTIGOS

Vivendo com a guerra: uma entrevista com o Sr. A. Fortuna

Living with war: an interview with A. Fortuna

Ângela Campos

RESUMO

Nos últimos anos, a área da teoria da memória de guerra tem-se desenvolvido enormemente, e a história oral tem sido uma das suas ferramentas mais poderosas para aceder a memórias pessoais e colectivas. Esta metodologia tem-se revelado fundamental na recuperação e/ou recolha de experiências de guerra, violência e trauma. Para alguns indivíduos, a guerra encontra-se sempre presente, é uma memória constante, indelével, visível nos seus corpos: quando um ex-combatente se encontra deficientado para toda a vida, tem de viver permanentemente com a guerra, e a sua experiência passada acaba necessariamente por determinar o seu percurso de vida futuro. Este artigo baseia-se no testemunho do Sr. A. Fortuna, um exemplo vivido desta realidade, um dos cerca de 30.000 ex-combatentes (Ribeiro, 1999) da Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974) portadores de deficiência, entrevistado para um projecto de investigação de doutoramento sobre as memórias de veteranos deste conflito. Em 1971, o Sr. A. Fortuna, actualmente com 59 anos de idade, perdeu a visão e ambos os braços na Guiné-Bissau, algo que significou posteriormente uma vida inteiramente moldada pela guerra e pela sua deficiência. A memória relativa a este conflito - não obstante o facto de tratar-se de um evento incontornável da história portuguesa do século XX - continua, em grande medida, inexplorada. Alguns autores salientam que "a vergonha foi tal que, logo em 1974, [...] a Guerra Colonial foi cautelosamente varrida da memória colectiva" (Ribeiro, 1999), e os seus ex-combatentes encontram-se cobertos por um "sufocante manto de silêncio e de abandono" (Gomes, 2004), especialmente os deficientes de guerra, lembranças incómodas de uma guerra que o país parece não ter vontade de recordar. Tomando como ponto de partida a entrevista com o Sr. A. Fortuna, este artigo reflecte acerca de alguns dos desafios que um historiador oral tem de enfrentar quando entrevista veteranos de guerra deficientados. Pretende apresentar um exemplo de como a história oral pode ajudar a esclarecer um tópico menos visível da história portuguesa contemporânea.

Palavras-chave: memória de guerra, história oral, Guerra Colonial Portuguesa

ABSTRACT

In recent years, the war memory theory field has been developing enormously, and oral history has been one of its most powerful tools for accessing personal and collective memories. This methodology has been instrumental in recovering and/or collecting experiences of war, violence and trauma. For some individuals, war is ever present, it is a constant, indelible memory visible in one's body: when an ex-combatant is disabled for life, he has to live with war permanently and his past experience is necessarily life shaping. This paper is based on the testimony of Mr. A. Fortuna, a lived example of this reality, one of the estimated 30,000 disabled war veterans (Ribeiro, 1999) of the Portuguese Colonial War (1961-1974), who was interviewed for a DPhil research project on the memories of its ex-combatants. In 1971, A. Fortuna, now aged 59, lost his eyesight and both arms in Guinea-Bissau, something which subsequently meant a life entirely shaped by the war and his disability. This conflict's memory - notwithstanding the fact that this is a major event in 20th century Portuguese history - remains largely unexplored. Some authors point out that 'the shame reached such an extent that after 1974 the colonial war was cautiously swept away from the collective memory' (Ribeiro, 1999) and its ex-combatants are covered by 'a suffocating veil of silence and neglect' (Gomes, 2004), especially the war disabled, uncomfortable reminders of a war the nation is not willing to remember. Taking Mr. Fortuna's interview as a starting point, this paper reflects on some of the challenges an oral historian has to face when interviewing disabled war veterans. It aims at presenting an example of how oral history can shed some light on a less visible topic of Portuguese contemporary history.

Key words: war memory, oral history, Portuguese Colonial War

RÉSUMÉ

La théorie de la mémoire de guerre a connu un grand développement ces dernières années, et l'histoire orale en a été un des principaux instruments pour accéder aux mémoires individuelles et collectives. Cette méthodologie s'avère fondamentale pour la récupération des expériences de guerre, de violence et trauma. Pour quelques individus, la guerre est toujours présente, est une mémoire constante, ineffaçable, visible dans leurs corps: quand un ancien combattant est mutilé, il est obligé de vivre avec la guerre, et son expérience passée détermine nécessairement le cours de sa vie. Cet article part du témoin de A. Fortuna, un exemple vécu de cette réalité, un des presque 30.000 anciens combattants mutilés (Ribeiro, 1999) de la Guerre Coloniale Portugaise (1961-1974), interviwé pour un projet de recherche de doctorat sur les mémoires des participants de ce conflit. En 1971, A. Fortuna, aujourd´hui agé de 59 ans, a perdu la vision et les deux bras à Guiné-Bissau, ce qui par la suite a signifié pour lui une vie entièrement dictée par la guerre et par son handicap. La mémoire de ce conflit - quoiqu'il soit un événement majeur de l'histoire du Portugal au XXème siècle - reste cependant inexplorée. Quelques auteurs signalent que "la honte a été si grande qu'après 1974, [...] la Guerre Coloniale a été soigneusement balayée de la mémoire collective" (Ribeiro, 1999), et ses anciens combattants ont été couverts par un "voile suffocant de silence et d'abandon" (Gomes, 2004) - surtout les mutilés de guerres, témoins gênants d'une guerre que le pays semble ne pas vouloir rappeler. En partant de l'interview de A. Fortuna, cet article réflechit sur les défis qu'un historien oral doit surmonter quand il fait des interviews avec des mutilés de guerre. Il veut montrer, au moyen d'un exemple, comment l'histoire orale peut aider à éclairer un aspect peu visible de l'histoire portugaise contemporaine.

Mots-clés: mémoire de guerre, histoire orale, Guerre Coloniale Portugaise

Olhe, eu não me sinto como ex-combatente, sinto-me

como deficiente militar, que é um pouco diferente (...)

não me sinto como um ex-combatente, sinto-me

como uma vítima da guerra, como alguém que esteve numa guerra,

que foi uma vítima, portanto... e assumo-me como isso.1 1 . Sr. A. Fortuna entrevistado por Ângela Campos no Porto, Portugal, a 3 de julho de 2007. Além desta, outra entrevista foi feita a 8 de fevereiro de 2008.

Introdução

Estas são as palavras do Sr. A. Fortuna, um dos ex-combatentes entrevistados para o meu projecto de investigação de doutoramento sobre a Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974). Este conflito teve início em Angola em 1961, alastrando-se posteriormente à Guiné-Bissau (então Guiné Portuguesa) e a Moçambique. O seu fim foi ocasionado pelo golpe de Estado de 25 de abril de 1974 protagonizado pelas Forças Armadas Portuguesas, reflectindo a sua insatisfação perante um cenário de 13 anos de guerra.

De facto, durante o período que decorreu entre 1961-1974, as Forças Armadas Portuguesas, fazendo valer a política colonial do regime, mobilizaram cerca de 820.000 homens para África.2 2 . Em 1960, a população portuguesa cifrava-se em 8.889.392 pessoas. As forças mobilizadas equivaliam a mais de 7% da população activa; 40% do orçamento do Estado foram canalizados para a Defesa Nacional. Ver Afonso (1994: 333-356). Do lado português, no fim desta longa e violenta guerra de guerrilha, oficialmente apodada de "campanhas ultramarinas", estima-se que tenha havido 8.831 mortos, cerca de 30.000 feridos, perto de 4.500 mutilados, e mais de 100.000 ex-combatentes afectados por distúrbios de stress pós-traumático (PTSD).3 3 . PTSD, do inglês Posttraumatic stress disorder. Ver Medeiros (2000: 201-221), citando Guerra, J. P., Descolonização portuguesa (1996).

Muito embora este conflito armado constitua, para citar M. Gomes (2004: 172-173), "o acontecimento histórico mais importante da segunda metade do século XX português", o mesmo tem sido, durante décadas, persistentemente evitado pela historiografia portuguesa, "como se a Guerra Colonial fosse algo de que o novo regime se envergonha, esquecendo que ela está na sua génese." Apesar de recentemente a guerra e as experiências dos ex-combatentes parecerem estar, até certo ponto, a captar o interesse dos media portugueses - e tal facto pode confirmar-se pelo surgimento de debates, documentários e séries de artigos de jornal que estão a ser transmitidos e publicados4 4 . Citando apenas alguns exemplos recentes: a 15 de outubro de 2007, foi transmitido pela RTP1, principal canal público de televisão em Portugal, um debate de três horas sobre a Guerra Colonial. No dia 16 de outubro de 2007, o mesmo canal emitiu o primeiro episódio de um documentário de 18 episódios sobre esse conflito, trabalho da autoria do jornalista Joaquim Furtado. No dia 20 de janeiro de 2008, o Correio da Manhã, um dos jornais portugueses mais vendidos, iniciou uma série intitulada A minha guerra, no âmbito da qual se publicam histórias enviadas por ex-combatentes acerca das suas experiências de guerra. O tema foi igualmente abordado no suplemento Ípsilon, parte do jornal Público, no dia 4 de abril de 2008, com um longo artigo que se intitula "Não deixes que sejam os outros a contar a tua guerra". -, a memória deste conflito continua, em grande medida, inexplorada pelos historiadores. Alguns autores salientam que "a vergonha foi tal que, logo em 1974, [...] a Guerra Colonial foi cautelosamente varrida da memória colectiva", ao passo que os seus ex-combatentes se encontram cobertos por um "sufocante manto de silêncio e de abandono" (Ribeiro, 1999: 8 e Gomes: 2004: 172). Este aspecto é particularmente evidente no caso dos deficientes militares, lembranças incómodas de uma guerra que o país não parece ter vontade de recordar.

Neste contexto, o meu projecto de história oral permitiu-me ter acesso a uma memória que não se encontra muito presente na sociedade portuguesa, especialmente no que se refere às experiências vividas dos ex-combatentes. Esta investigação teve início em 2005. Pouco tempo após ter começado a trabalhar com este tema, deparei-me com um grupo que se encontra ainda mais esquecido e discriminado: os deficientes das Forças Armadas Portuguesas. Poder-se-ia afirmar que estes ex-militares são vítimas de uma dupla marginalização: no seio de um tópico já de si marginalizado, um grupo marginalizado. Em Portugal, calcula-se que existam cerca de 30.000 veteranos de guerra deficientados (Ribeiro, 1999: 27). Estes homens, muitos deles seriamente mutilados, ou padecendo de outras maleitas irreversíveis, "constituem a face mais visível da Guerra Colonial e, em certo sentido, aquela que a sociedade portuguesa mais dificuldades tem tido em encarar", para utilizar as palavras de H. Rodrigues (in Afonso e Gomes, 2001: 566).

Treze anos de guerra produziram milhares de deficientes. Durante o regime ditatorial, estas pessoas foram cuidadosamente escondidas no anexo do Hospital Militar Principal, e, após 1971, também no Lar Militar da Cruz Vermelha Portuguesa, ambos em Lisboa. O mesmo sucedia em muitas casas de família por todo o país, na medida em que estes homens constituíam uma evidência dolorosa da realidade de uma guerra difícil. Depois da revolução democrática, e mesmo até aos dias que correm, para muitos a situação não mudou substancialmente, aspecto denunciado, por exemplo, por um artigo que surgiu a público em 2006, no Correio da Manhã, um dos jornais portugueses de maior tiragem, sobre o Lar Militar da Cruz Vermelha Portuguesa, apelidado de "a casa da vergonha" (Assor: 2006). Por seu turno, J. Ribeiro (1999: 38) é de opinião que o país "tratou de votar [...] ao silêncio os resultados incómodos do fascismo sobre a juventude portuguesa envolvida na guerra, esquecendo por todos os meios as suas chagas".

Contudo, depois do golpe militar de 25 de abril de 1974, a mudança política ocorrida em Portugal possibilitou aos deficientes de guerra lutar pelos seus direitos, algo que se consubstanciou, em maio de 1974, na criação da ADFA, Associação dos Deficientes das Forças Armadas, pouco tempo após o fim do conflito colonial, e na sequência da revolução. Com cerca de 13.500 membros (Rodrigues in Afonso e Gomes, 2001: 568), a ADFA é uma associação de ex-combatentes especificamente direccionada para os deficientes de guerra. Desde a sua fundação, tem vindo a lutar por direitos legais, pela integração social, pela reabilitação e pelo apoio, e contra a discriminação.

Neste contexto, é importante enfatizar que, até 1999, a legislação existente que dizia directamente respeito aos veteranos de guerra e às suas necessidade era muito limitada. Em 1976, a Lei n.º 43/76 reconheceu aos deficientes das Forças Armadas o direito a uma compensação material e moral.5 5 . Ver Diário da República, I Série, No. 16, 20 de janeiro de 1976. Outros diplomas legais dos anos 80 e 90 do século XX reafirmaram estes direitos, mas, na prática, os deficientes de guerra, e os veteranos de guerra em geral, permaneceram sem quaisquer apoios significativos. Por este motivo, e sobretudo por parte das associações de veteranos de guerra, tem vindo a travar-se uma luta intransigente pela obtenção de pensões e subsídios de guerra para os deficientes e outros veteranos, e de apoio psicológico para os ex-combatentes e para os membros dos seus agregados familiares que dele necessitem. Em 1999, a Lei n.º 466/99 criou a Rede Nacional de Apoio, uma rede nacional de apoio psicológico subsidiada pelo Governo destinada aos ex-combatentes que sofram de stress pós-traumático.6 6 . Ver Diário da República, I Série - A, No. 259, 6 de novembro de 1999. Em 2002, foi aprovada a Lei n.º 9/2002 (ou Lei dos Antigos Combatentes), sendo o seu propósito conceder a alguns veteranos de guerra a possibilidade de incluir os anos de serviço militar no cálculo das suas pensões de reforma.7 7 . Ver Diário da República, I Série - A, No. 35, 11 de fevereiro de 2002. De igual modo, recentemente, em novembro de 2007, o Governo português assinou um protocolo com várias associações de ex-combatentes no sentido de tratar os casos de stress de guerra mais rapidamente.8 8 . "Stress de guerra: diagnóstico mais rápido", Correio da Manhã, 17 de dezembro de 2007.

Na prática, estas batalhas legais não mudaram substancialmente a situação dos ex-combatentes, sobretudo no que diz respeito ao caso dos deficientes de guerra. Na verdade, os veteranos de guerra têm de fazer face às questões e dificuldades inerentes ao facto de terem uma experiência que não é facilmente reconhecida; e, neste ponto, importa sublinhar que este aspecto de não reconhecimento possui implicações igualmente a nível material, manifestando-se, por exemplo, no âmbito da atribuição de pensões e da prestação de cuidados de saúde. De facto, para além de uma aceitação pública das experiências de guerra dos ex-combatentes, em muitos casos, reconhecimento significa igualmente a reivindicação de uma compensação material. Este aspecto de justiça social encontra-se bem vincado no contexto português, levando certos sectores da ADFA a lamentar que o silêncio se tenha transformado no pior inimigo dos deficientes de guerra, e a afirmar que "o Estado tem 'jogado' precisamente nesse silêncio, 'à espera que a morte resolva o problema'" (Ribeiro, 1999: 41).

Os deficientes militares, aqueles que "sofreram na carne a violência da guerra", muitos deles com deficiências pesadas, anseiam por "uma tomada de consciência da sociedade" (Rodrigues in Afonso e Gomes, 2001: 568). Na sua obra, no capítulo dedicado aos deficientes de guerra, J. Ribeiro (1999: 38) menciona o sentimento de culpa da sociedade portuguesa face à Guerra Colonial, afirmando que os seus deficientes constituem "as tragédias humanas mais extensas, simultaneamente injustas e humilhantes, de um conflito 'destinado' a não figurar na história". Lutando contra a indiferença e a desconsideração generalizadas, numa palavra, contra a marginalização, estes homens pretendem pôr "fim à cultura do silêncio" (ADFA, 1995: 11), e assegurar a sua integração social total. Com efeito, "mais de vinte anos após o fim da Guerra Colonial, o discurso histórico continua a ignorar os deficientes das Forças Armadas, não obstante a existência da ADFA e a expressão pública que tem tido na procura da mudança de atitudes" (ADFA, 1995: 38). Estes ex-combatentes relembram-nos que "sofremos na carne e no espírito todas as agruras da guerra, e continuamos serenamente à espera que justiça nos seja feita" (ADFA, 1981: 33). É neste contexto que a ADFA salienta que muitos dos seus associados adquiriram a sua deficiência ao serviço da pátria, "muitos deles devido à intervenção numa guerra que lhes foi imposta" (ADFA, 1989: 44), passando, portanto, "a transportar marcas de uma guerra, de um regime" (ADFA, 1989: 61). Aquando do 30º aniversário desta associação, foi publicado um livro comemorativo. Nessa publicação, várias personalidades da vida política portuguesa reconheceram que muitos "transportam, ainda hoje, [...] as sequelas e os fantasmas da guerra, da violência e da herança colonial", considerando que enquanto "vítimas principais de uma guerra injusta e sem sentido, os deficientes das Forças Armadas sentiram no corpo e na alma os resultados dessa guerra", salientando igualmente que "ser estropiado de guerra só será uma desgraça, uma tragédia, um infortúnio ou um desespero, se não amarmos os nossos deficientes e a Pátria os esquecer" (ADFA, 2004: 33, 40 e 53).

Ao entrevistar alguns deficientes de guerra para o meu projecto de investigação, desde cedo me apercebi de que a pátria, em grande medida, os tinha esquecido. De facto, as entrevistas ilustram uma situação em que preponderam o silêncio e a indiferença passiva. É por este motivo que este projecto de história oral se transformou no ponto de partida para o deslindamento de uma realidade que, mesmo para mim - alguém que trabalha no campo da história, e com um conhecimento razoavelmente informado acerca da cultura e da sociedade em questão -, era praticamente desconhecida: a realidade do número de deficientes de guerra em Portugal e da sua actual situação, da amplitude do seu sofrimento, e do sofrimento das suas famílias, e das incontáveis e inimagináveis repercussões de um acontecimento que teve lugar há décadas. Resumindo, o modo como as vidas subjectivas se entrecruzam - por vezes de forma muito dolorosa - com os acontecimentos históricos.

Na medida em que o objecto da história oral são pessoas vivas e as suas memórias, a investigação acerca de tópicos que só aparentemente constituem parte do passado não se encontra desprovida de um certo "perigo", por ser passível de originar eventuais inquietações no presente. O que pretendo transmitir com a minha afirmação é que estamos a considerar um passado que não é estático: trata-se de um passado que continua a desempenhar o seu papel, interagindo, de acordo com as suas características e actuais limitações, com a sociedade em questão. Não pisamos o terreno provavelmente mais seguro de uma história que se reporta a um passado mais longínquo. Julgo que foi por esta razão que a esposa de um veterano de guerra deficientado interrompeu a nossa entrevista para se queixar, entre lágrimas, do inferno em que tem vivido nos últimos 30 anos, e que foi pelo mesmo motivo que um ex-combatente mutilado me telefonou meses após a nossa entrevista dizendo que a sua situação desesperada iria conduzir ao suicídio. A Guerra Colonial terminou oficialmente em 1974, mas esta história - melhor dizendo, esta História - continua a desenrolar-se nas vidas de muitos dos seus antigos combatentes. Falar sobre as suas experiências é uma nova batalha, desta feita contra a cultura do silêncio.

Os desafios de entrevistar ex-combatentes deficientados

Nos últimos anos, a área da teoria da memória de guerra tem-se desenvolvido enormemente, e a história oral afirmou-se como uma das suas ferramentas mais poderosas para aceder a memórias pessoais e colectivas. Efectivamente, esta metodologia tem-se revelado fundamental na recuperação e/ou recolha de experiências de guerra, violência e trauma. Em geral, tem-se assistido a um interesse crescente pelas narrativas de pessoas que experienciaram uma situação de guerra, sobretudo nos casos em que se trata de antigos combatentes (ver, por exemplo, Rogers, 1994: 31-46). Dado que o âmbito deste artigo não contempla alargadas considerações teóricas, gostaria de centrar-me no domínio pessoal, sublinhando que, para alguns indivíduos, a guerra se encontra sempre presente, transformando-se numa memória constante, indelével, visível nos seus corpos.

Na realidade, quando um ex-combatente se encontra deficientado para toda a vida, tem de viver permanentemente com a guerra, e a sua experiência passada determina necessariamente o seu percurso futuro.

Muito embora exista à nossa disposição uma considerável bibliografia sobre temas relacionados com conflitos armados, trauma e deficiência,9 9 . Na secção "Referências bibliográficas" apresentam-se algumas sugestões. entrevistar um veterano de guerra deficientado é, para um historiador oral, uma experiência que constitui um desafio. Não se trata apenas do tópico em si - que, no caso português, é, na maioria das ocasiões, socialmente indesejável -, o/a investigador/a necessita, igualmente, de ter em conta o delicado estado físico e/ou psicológico de alguns entrevistados, na sua maioria traumatizados, de uma forma ou de outra; e, para aqueles que são mais impressionáveis, suportar a visão perturbadora de mutilações graves, e de várias cicatrizes de guerra que muitos veteranos deficientados fazem questão de mostrar (e de que sejam fotografadas), como que para assegurar a sua identidade, e ostentar prova da sua história.

Como entrevistar pessoas cujas vidas sofreram profundas mudanças devido ao acontecimento passado sobre o qual estamos a fazer investigação histórica? A minha resposta poderá soar um pouco simplista: com profundo respeito pelo ser humano que concordou em partilhar conosco uma história de tal modo dolorosa. Nestes casos, é fundamental que o/a historiador/a oral não seja apenas um/a ouvinte atento/a, mas, igualmente, uma pessoa perceptiva, emocionalmente preparada para lidar com narrativas chocantes e traumáticas, algumas das quais emergindo de forma bastante inesperada. De facto, as reacções dos veteranos à entrevista podem ser bastante súbitas, e incluem: choro, nervosismo, fúria, irritação, perda de controlo, fumar ininterruptamente, e riso, entre outros exemplos. Sem dúvida, o sentimento de segurança, a tranquilidade de espírito, e o bem-estar do entrevistado estão sempre em primeiro lugar. Subscrevo incondicionalmente a visão de A. Parr (2007: 62) de que "temos uma obrigação profissional de garantir a segurança dessas pessoas que podem pela primeira vez revelar as suas experiências traumáticas numa entrevista de história oral".

O/a investigador/a tem de inteirar-se o mais possível das especificidades do indivíduo que está a ser entrevistado. É impossível utilizar estereótipos quando estamos a lidar com ex-combatentes. Uma atitude que patenteia juízos de valor terá, de igual modo, de ser evitada a todo o custo, mesmo nos casos em que o nosso sistema de valores é posto à prova pelas experiências que estão a ser expressas. Por outro lado, se bem que já tenha sido realçado inúmeras vezes, e por diversos quadrantes, que o/a historiador/a oral não é um/a terapeuta, e sem colocar tal em questão, verifiquei que as recomendações do Australian Centre for Posttraumatic Health (Centro Australiano para a Saúde Pós-traumática) acerca do modo como lidar com pessoas que padecem de stress pós-traumático se revelam extremamente úteis num contexto de entrevista a veteranos de guerra: estabelecer uma relação de confiança, mostrar-se disposto a ouvir, e evidenciar a capacidade de suportar a enunciação de detalhes relativos às experiências traumáticas narradas, mantendo, de forma positiva, o respeito e a consideração por esse indivíduo durante toda a entrevista.10 10 . Ver Australian Guidelines for the Treatment of Adults with Acute Stress Disorder and Posttraumatic Stress Disorder, Practicioner Guide, Australian Centre for Posttraumatic Mental Health, fevereiro de 2007, p. 143.

Mais de um terço dos meus 36 entrevistados regressaram a casa mutilados ou com um qualquer tipo de enfermidade física ou psicológica provocado pela guerra. Muitos dos homens que entrevistei foram treinados para matar no contexto de uma guerra de guerrilha. Aquando do seu regresso, foram recebidos num cenário de carência de apoio e compreensão, algo que, em muitos casos, levou ao desenvolvimento de sentimentos de frustração, amargura e raiva. Estes homens foram enviados a travar a guerra de um regime inexistente após abril de 1974. Isto significa que, desde logo, os ex-combatentes não foram vistos como heróis legítimos e justos - como no caso dos soldados britânicos deficientados na I Guerra Mundial (Bourke: 1999: 16). Eram o exército de um regime fascista deposto. Este aspecto contribui para a ambivalência com que são encarados pela sociedade portuguesa dos dias de hoje.

Para muitos veteranos deficientados, décadas após a guerra, as suas circunstâncias de escassez material persistem, levando a que vivam angustiados com a sua deficiência, lutando pelo direito a uma pensão, ou por um aumento da pensão de que já dispõem, exagerando até, por vezes, os seus problemas de saúde para alcançar esse objectivo, numa situação que, de certo modo, reproduz as dificuldades enfrentadas pelos veteranos australianos da I Guerra Mundial (Garton, 1996: 88). Contudo, ressalve-se que, no caso português, a opinião pública não se tem revelado especialmente solidária, permanecendo, na melhor das hipóteses, indiferente, e o Estado não assegurou uma assistência estruturada aos veteranos de guerra e seus familiares. Enquanto entrevistadora, escutei muitas histórias de dificuldades financeiras que se estendem até aos nossos dias, tendendo até a piorar devido ao processo de envelhecimento, e à própria natureza dos problemas de saúde destes ex-combatentes.

Uma atitude de dignidade, e a recusa em encarar a deficiência como aviltante são aspectos delicados a tomar em consideração quando se coloca questões a veteranos de guerra deficientados. Muito embora tenha vindo a defender-se, nas últimas décadas, e por parte de instituições como a ADFA, uma posição de brio pessoal contra a piedade, esta abordagem não tem sido preponderante em Portugal, onde, em geral, famílias e Estado optaram por esconder os seus veteranos com deficiência, e o apoio estatal tem sido praticamente inexistente. Ao contrário do que sucedeu na Grã-Bretanha após a I Guerra Mundial, a nação não sentiu que estava em dívida para com estes antigos combatentes (Bourke: 1999: 41).

Na minha opinião, o facto de ser mulher, e de pertencer a uma geração mais jovem, revelou-se vantajoso no âmbito do processo de entrevista. De facto, o grupo etário ao qual pertenço coloca-me, de certo modo, no papel de um elemento de uma geração mais recente a quem os veteranos transmitem a sua experiência. Na realidade, a maioria dos meus entrevistados deu mostras de estar mais à vontade na presença de uma mulher jovem, especialmente quando abordava tópicos de grande carga emocional, por vezes pela primeira vez, como alguns ex-combatentes admitiram.

Neste contexto, o/a investigador/a tem de estar preparado/a para lidar com situações onde se manifestam comportamentos pouco ortodoxos: por exemplo, a utilização do humor para expressar uma mensagem incómoda relacionada com a deficiência ou com outras realidades traumáticas, como nos casos em que os ex-combatentes fazem piadas acerca das suas mutilações ou sobre outros problemas físicos e psicológicos. O mesmo se aplica a relatos pungentes acerca das suas dificuldades afectivas, a nível de relacionamentos e da sexualidade - como, por exemplo, os casos de veteranos que entrevistei que foram abandonados pelas respectivas noivas após sofrerem mutilações, ou tiveram dificuldade em encontrar cônjuge pelo mesmo motivo. No decurso das entrevistas, emergiram ainda problemas de identidade e de reintegração social: para muitos, ser deficiente significou a impossibilidade de trabalhar, a impossibilidade de desempenhar o mesmo papel social que detinham anteriormente. Na maioria dos casos, quando foram mobilizados estes ex-combatentes eram jovens e saudáveis, e com a deficiência surgiu a luta para criar uma nova vida, para alcançar um reajustamento lento e difícil.11 11 . Ver a obra anteriormente mencionada de S. Garton, na qual se aborda o impacto da deficiência.

Esta é a realidade com que o/a historiador/a oral se depara, em muitas situações. Uma realidade que frequentemente comporta um sério alheamento face aos parceiros e outros familiares, histórias de violência, depressão, desemprego prolongado, uso excessivo de substâncias lícitas e ilícitas, alcoolismo, e uma grande incidência de distúrbios de stress pós-traumático,12 12 . O stress pós-traumático (PTSD) é mais predominante nos casos em que ocorreram ferimentos físicos. Ver Australian Guidelines for the Treatment of Adults with Acute Stress Disorder and Posttraumatic Stress Disorder, Practicioner Guide, Australian Centre for Posttraumatic Mental Health, fevereiro de 2007, p. 9. entre muitas outras situações dramáticas no seio das quais a deficiência e a doença se transformam num fardo demasiado pesado tanto para os veteranos como para as suas famílias.

Quando o ex-combatente é incapaz de adaptar-se, a sua deficiência torna-se também social.13 13 . À semelhança de alguns militares britânicos deficientados estudados por E. Elsey (1997). É importante realçar, contudo, que os veteranos deficientados entrevistados para este projecto de investigação encontram-se razoavelmente adaptados, ainda que em graus variáveis. Embora muitos ex-combatentes mutilados prefiram sofrer em silêncio, não tendo, por esse motivo, vontade de ser entrevistados, a maioria dos meus respondentes demonstrou grande interesse em contar-me a sua história. Em muitos casos, pude confirmar a proposição de Hunt e Robins (1998: 57-63) de que "o veterano é alguém [...] que necessita de falar acerca da experiência de modo a lidar com as memórias". Este processo, tal como salientado por autores como M. Klempner e D. Laub, é benéfico para o antigo combatente. Segundo Klempner (2006: 2008), "o entrevistador passa a fazer parte do processo traumático do sobrevivente ao ouvir as histórias e ao constituir-se testemunha das mesmas". Neste sentido, é extremamente importante que o/a historiador/a oral tenha consciência das suas próprias características pessoais, de modo a acautelar-se contra o surgimento de eventuais dificuldades e reacções indesejáveis enquanto escuta narrativas traumáticas de guerra, morte e desmembramento físico, por exemplo. Tal como A. Parr (2007: 61) observou, importa tomar em consideração as implicações éticas e sociais de fazer história oral com veteranos de guerra traumatizados. Eu acrescentaria que esta regra deve ser aplicada a todos os veteranos entrevistados, mesmo àqueles que não se apresentam visivelmente traumatizados.

A experiência de entrevistar ex-combatentes revelou-me a importância de estudar este acontecimento da história portuguesa contemporânea a partir de uma perspectiva dada na primeira pessoa. Em Portugal, as experiências de antigos combatentes, sobretudo deficientados, só muito raramente são mencionadas nos livros de história que, na maior parte das vezes, consistem em extensos tratados sobre operações militares ou em memórias de figuras importantes do exército. Referindo-se ao contexto norte-americano, K. Hirsch (1998: 214) salientou esta ausência histórica, explicando que "dado que as pessoas com deficiência constituem um dos grupos de indivíduos mais desprovidos de poder em qualquer sociedade, não deverá surpreender-nos que as questões relativas à deficiência não tenham sido amplamente abordadas pela historiografia". Deste modo, o acto de entrevistar pessoas cujas vidas - e corpos - foram profundamente marcados pela experiência de guerra permite-nos ter acesso a uma visão do conflito que, na minha opinião, de outra forma é impossível de alcançar. Estas memórias pessoais contam-nos uma história da qual poderíamos nunca ter tido conhecimento a partir de outras fontes, alargando a nossa compreensão acerca da natureza desta guerra, e do seu impacto social e individual, e desafiando, igualmente, as histórias mais "confortáveis", e consensualmente consentidas que integram a narrativa pública. Indubitavelmente, a história social portuguesa carece deste nível de subjectividade para atingir um conhecimento mais aprofundado sobre este período e acontecimento. As experiências vividas destes veteranos de guerra consubstanciam-se na integração de novas perspectivas e novos elementos no registo histórico, dando, assim, origem a uma inovadora e dinâmica fonte histórica: a entrevista de história oral.

Não podemos esquecer que, para muitas pessoas, e mais de 30 anos depois, a Guerra Colonial Portuguesa continua a decorrer, todos os dias. Falando com os ex-combatentes desta guerra, poder-se-á compreender melhor o que este conflito significou para o país. O Sr. A. Fortuna foi um deles.

Vivendo com a guerra: o exemplo do Sr. A. Fortuna

O Sr. Fortuna é um exemplo vivido da realidade que temos estado a abordar. Hoje com 59 anos de idade, é um dos cerca de 30.000 veteranos de guerra deficientados da Guerra Colonial Portuguesa, e foi entrevistado duas vezes para o meu projecto de investigação de doutoramento que versa sobre as memórias de ex-combatentes deste conflito militar. Mobilizado aos 21 anos, o Sr. Fortuna foi enviado para a Guiné-Bissau (à época Guiné Portuguesa) em abril de 1971. Em novembro do mesmo ano, perdeu a vista e ambos os braços em resultado da explosão de uma mina. O Sr. Fortuna é uma pessoa real por trás dos manuais de história e das estatísticas, alguém cuja vida foi inteiramente moldada pela guerra e pela sua deficiência, que significaram, nas suas palavras, a "formação de uma nova consciência de vida" (entrevista, 3/72007) e, posteriormente, um percurso de vida dedicado à assistência e intervenção sociais através de uma associação para deficientes de guerra, nomeadamente a ADFA, Associação dos Deficientes das Forças Armadas. Tomei a decisão de apresentar a história do Sr. Fortuna neste artigo porque pretendo partilhar com os meus leitores um exemplo vivido de um veterano deficientado da Guerra Colonial Portuguesa. Na medida em que a história oral se debruça sobre as experiências individuais de cada um, e muito embora este exemplo tenha sido enquadrado por variadas reflexões e considerações teóricas adicionais, não poderia permitir que o meu artigo constasse exclusivamente de números, e de uma demanda académica por conclusões. Obviamente, não seria possível incluir todos os meus entrevistados, e, portanto, escolhi o Sr. Fortuna. Talvez porque, desde o início, se mostrou sempre muito interessado em participar no meu projecto, e porque desenvolvemos uma interacção harmoniosa de amigável afinidade. Refira-se, ainda, que a sua posição na associação acima mencionada permitiu-me entrar em contacto com outros veteranos de guerra posteriormente entrevistados. De igual modo, o Sr. Fortuna é uma pessoa com um discurso pautado por uma grande clareza de expressão, encontrando-se extremamente bem informado acerca do tema em causa.

Inspirada pelo conceito de autoridade partilhada de M. Frisch (1990), e encetando uma experiência extremamente enriquecedora, envolvi o Sr. Fortuna, desde o primeiro momento, no processo de apresentação da sua história, com o objectivo específico de participar com a mesma no XV Congresso da Associação Internacional de História Oral (que teve lugar em Guadalajara, no México, entre 23 e 26 de setembro de 2008). Expliquei-lhe a minha participação no evento, e a minha ideia de incluir a sua história na minha comunicação. Foi com todo o agrado que o Sr. Fortuna concordou em ser entrevistado de novo exclusivamente para esse fim. Tive como intenção dar-lhe a oportunidade de contar a sua história pelas suas próprias palavras, permitindo-lhe alcançar um público de historiadores orais a que, de outro modo, seria altamente improvável ter acesso. No que se refere ao testemunho do Sr. Fortuna, não pretendi impor a minha interpretação, mas sim proporcionar uma reflexão acerca da Guerra Colonial Portuguesa que tem o seu ponto de partida na narrativa original de um ex-combatente deficientado. Ainda que, no final de contas, e devido à natureza deste tipo de pesquisa, tenha de admitir-se que a "autoridade" reside maioritariamente do lado do/a investigador/a, tentei empenhar o Sr. Fortuna o mais possível nesta tarefa.

Neste ponto, importa sublinhar que o meu entrevistado não é exactamente representativo da maioria dos veteranos de guerra deficientados. Efectivamente, fez algo inesperado para alguém na sua situação: lutou pela sua recuperação e reintegração, combateu a rejeição, a piedade e a caridade, e a partir de então começou a ajudar outras pessoas que se encontram em circunstâncias semelhantes.14 14 . Nomeadamente, através da associação a que se encontra ligado. Refira-se que a acção exercida durante décadas pela ADFA mudou para melhor as condições de vida de outras pessoas com deficiência em Portugal. Para a enunciação de uma situação similar ocorrida na Grã-Bretanha, ver Bourke (1999b: 15) e Elsey (1997: 58). O Sr. Fortuna afirma que "a guerra para mim significou uma mudança completa na minha vida" (entrevista, 8/2/2008). O meu entrevistado vê-se a si próprio como um deficiente das Forças Armadas Portuguesas, e explicou-me as dificuldades inerentes à sua recuperação física e psicológica, e à reintegração social. Contou-me como tomou a decisão de minimizar as consequências negativas da sua deficiência, e ultrapassar os inúmeros obstáculos que existem para alguém que não tem mãos e é parcialmente cego. Casado e com dois filhos, o Sr. Fortuna, ao contrário de muitos outros, é claramente alguém que alcançou um certo nível de "fechamento", para utilizar o conceito de M. Klempner (2006: 200-201).15 15 . Closure, no original em inglês; termo utilizado sobretudo no âmbito da psicologia, que remete para um sentimento de finalização face ao processamento ou à integração de determinada realidade, por vezes traumática.

O Sr. Fortuna contou-me como em África lutou exclusivamente pela sua sobrevivência e não pela pátria, e como se considera uma vítima de uma guerra "estúpida, injusta" que "foi um erro que nós fizemos" (entrevista, 3/72007). Não tem vergonha de dizer que fez parte dessa guerra, muito embora sinta que a sua participação não tenha tido qualquer sentido, na medida em que apenas serviu para que adquirisse a sua deficiência. A longo prazo, a guerra determinou a sua dedicação à melhoria das condições de vida de outros veteranos de guerra deficientados através da associação de que faz parte. Este trabalho, admite, ajudou à sua própria reintegração. Por outro lado, é com satisfação que o Sr. Fortuna constata que nos últimos 30 anos a sociedade portuguesa trata os cidadãos com deficiência com mais respeito e consideração. Na sua opinião, isto deve-se em grande medida à ADFA, cujos esforços no sentido da reabilitação e reintegração dos ex-combatentes portadores de deficiência têm de ser salientados. Relativamente ao seu trabalho no âmago desta associação, o Sr. Fortuna valoriza profundamente os fortes laços e as amizades chegadas que foram sendo estabelecidos ao longo das últimas décadas entre homens unidos por uma situação comum, afirmando que a guerra e a sua deficiência "acabou por ser para mim uma experiência que me enriqueceu sob o ponto de vista humano" (entrevista, 8/2/2008).

Quando questionado acerca do principal impacto da guerra na sua vida, o Sr. Fortuna explicou que o mesmo se manifesta na sua repulsa pela guerra e pela violência, afirmando que aquilo que fica "é o ter tido aquela experiência e ter chegado à conclusão que as guerras não resolvem problema nenhum" (entrevista, 3/72007). Deste modo, o entrevistado mantém que tem de "fazer passar algumas mensagens", para que "todos nós trabalhemos pela paz e pela não-violência" (entrevista, 8/2/2008), fazendo uso da sua experiência de vida para "transmitir uma pedagogia de não-violência, contra a guerra, contra todas as guerras, porque as guerras são, de facto, agressões à Humanidade, morte, destruição, ódio, é só isso, mais nada..." (entrevista, 3/72007) É precisamente isso que o Sr. Fortuna tem vindo a fazer há anos, e os seus objectivos e prioridades pessoais a prosseguir no âmbito do pacifismo reflectem-se claramente na nossa entrevista, justificando, na sua perspectiva, o porquê de ser importante "conhecer bem o que foi este período da história de Portugal" (entrevista, 3/72007). Neste domínio, o meu projecto não interferiu com a sua agenda pessoal visto que as nossas entrevistas ocasionaram a abertura de um espaço para a expressão das suas opiniões e objectivos, e a exploração da sua própria narrativa individual.

No que se refere ao modo como este acontecimento histórico é encarado em Portugal, o meu entrevistado afirma que:

A Guerra Colonial continua a ser, na sociedade portuguesa, um tabu [...] e [isto] é demonstrativo da forma como a sociedade [...] encara este período da história de Portugal [...] é um período que se quer fechado no cofre a sete chaves, que ninguém sabe o que aconteceu, nem quantos mortos houve, nem [...] as consequências disso, nem quanto custa ao país, ao Estado, nada disso [...] lamentavelmente estamos assim (entrevista, 8/2/2008).

O Sr. Fortuna explica este aspecto parcialmente pelo facto de os portugueses ainda não se sentirem muito confortáveis com o seu passado, acreditando que "todos nós temos que assumir o nosso passado" (entrevista, 8/2/2008), "para que isto não seja apagado da nossa história" (entrevista, 3/72007). Com esse objectivo em mente, o Sr. Fortuna pretende "dar o meu testemunho, romper o silêncio, contribuir para que não haja silêncio" (entrevista, 3/72007).

Nas suas palavras:

Gostaria de deixar vincado que este período da [...] história de Portugal foi um período muito doloroso para uma geração [...] para as gerações que viveram este período de 1961 a 1974; desde logo, aqueles que estiveram na guerra sofreram, quer tenham sofrido acidentes ou não, mas todos eles de uma forma geral saíram de lá com experiências traumáticas muito negativas [...] desde logo também os 10.000 mortos e as dezenas de milhares de feridos e traumatizados pelo [...] stress de guerra constituem, de facto, um drama pouco conhecido em Portugal [...]. Eu gostava que o sacrifício de todas estas gentes fosse de algum modo reconhecido em termos de país (entrevista, 8/2/2008).

Sendo "uma vítima da guerra enquanto [...] pessoa com deficiência", o Sr. Fortuna, quando lhe perguntei se tinha uma mensagem especial para os historiadores, declarou:

Eu também faço um apelo para que nos seus trabalhos de investigação consigam empenhar-se ou aprofundar [...] as marcas [da guerra], as consequências que as guerras provocam [...] e procurar tirar delas as conclusões [...] que resultam desses conflitos, dessas guerras, dessa violência (entrevista, 8/2/2008).

Na verdade, as nossas entrevistas de história oral, uma empreitada conjunta, transformaram esta narrativa pessoal numa fonte histórica significativa que pode ajudar a esclarecer um acontecimento que, em Portugal, tem resistido durante décadas à reflexão histórica.

Considerações finais

A entrevista do Sr. Fortuna em particular constituiu um ponto de partida para uma reflexão acerca de alguns pontos essenciais respeitantes ao acto de entrevistar veteranos deficientados da Guerra Colonial Portuguesa: trabalhar com memórias que determinam o curso de uma vida, ouvir narrativas de grande violência e trauma, debater um tópico que é substancialmente rejeitado pela sociedade portuguesa, e reconhecer os objectivos pessoais do próprio entrevistado, por exemplo. Neste contexto, este artigo apresentou um exemplo de como a memória e a guerra podem transformar-se em forma de vida, estratégia de sobrevivência e agente de mudança. A história oral tornou possível a sua existência.

Se, e segundo A. Portelli (2006: 36), um dos aspectos fundamentais que tornam a história oral diferente é o facto de que esta nos diz menos acerca dos acontecimentos em si do que acerca do seu significado, entrevistas como a que está em causa permitem-nos chegar mais próximo do significado da Guerra Colonial Portuguesa, tanto para os indivíduos, como para a sociedade em geral. A história oral ganha vida através da formação de uma narrativa, narrativa essa que é simultaneamente individual e social, experiência passada e contexto presente de lembrança, criando-se uma ponte entre biografia e história, entre experiência individual e acontecimentos históricos e transformação social. Tal como M. Frisch (1990: 188) afirmou:

A história oral emerge como uma ferramenta poderosa para descobrir, explorar e avaliar a natureza do processo da memória histórica - como as pessoas apreendem o seu passado, como associam a experiência individual ao seu contexto social, como o passado se torna parte do presente, e como as pessoas o usam para interpretar as suas vidas e o mundo que as rodeia.

Por conseguinte, através desta entrevista e de narrativas similares, poder-se-á explorar o exigente tópico que a Guerra Colonial constitui a partir de uma perspectiva que não é com frequência tomada em consideração: a perspectiva daqueles que lutaram nessa guerra e se deficientaram no seu decurso. A história do Sr. Fortuna serviu para relembrar-nos as muitas questões relativas aos deficientes de guerra, e ao silêncio nacional que persiste em Portugal no que se refere a este tema. O facto de esta memória em Portugal parecer continuar a constituir motivo de vergonha, sendo os ex-combatentes com deficiência vistos como lembranças incómodas de um conflito passado, sublinha a importância de gravar histórias como aquela sobre a qual nos debruçámos. A história oral torna-se, assim, fundamental no deslindamento da especificidade do caso português no respeitante ao seu conflito colonial. Ao falar com os participantes dessa guerra, ficamos mais próximos do âmago desse acontecimento, passando a dispor de melhores ferramentas para analisar os seus aspectos mais amplos, sobretudo numa situação em que se tem evitado persistentemente uma reflexão histórica alargada. Apesar de alguns círculos mais conservadores ainda descartarem ou evitarem esta abordagem, é minha convicção que esta é uma forma mais rica e humana de estudar história contemporânea. De igual modo, e num contexto mais amplo, oferece-nos outro exemplo nacional de como a memória de guerra se desenvolve numa dada sociedade previamente envolvida num conflito armado.16 16 . Ver a secção "Referências bibliográficas", onde se indicam obras de autores como G. Dawson, M. Evans, F. Lorenz, K. Lunn, M. Roper, E. Sivan, A. Thomson e J. Winter, que, entre muitos outros, apresentaram novas perspectivas na área da teoria da memória de guerra.

Considero ser fulcral pôr em causa este manto de silêncio e vergonha existente em torno da Guerra Colonial Portuguesa, dos seus ex-combatentes, e particularmente dos deficientes de guerra - sobretudo quando o esquecimento histórico reflecte igualmente um abandono material que dura há décadas, e que continua a afectar milhares de veteranos de guerra ainda nos dias que correm. Muito embora, e como é óbvio, o bem-estar social não seja uma atribuição da história, na minha opinião esta disciplina não pode encontrar-se completamente desligada dos problemas que afectam a sociedade em que se insere, particularmente quando - como é o caso - muitos deles derivam de um acontecimento histórico que marcou um país de forma tão profunda. Julgo que o meu entrevistado tem razão quando afirma que o acto de trazer a público estas histórias contribui para uma maior consciencialização das pessoas face a este tópico. Com essa consciencialização surge a análise histórica e, por fim, a mudança social.17 17 . Sobre História Oral e mudança num contexto de deficiência, ver Hirsch (1998: 214).

O passado faz sempre parte do presente nas vidas dos veteranos de guerra com deficiência. De uma forma ou de outra, eles vivem com a guerra, se não na mente, pelo menos no corpo.

Termino citando o Sr. Fortuna, que gostaria de:

dizer que o meu testemunho [...] não é testemunho único [...] eu conheço muitos outros ex-combatentes que [...] também têm [...] os mesmos valores e princípios pelos quais eu me bato [...] e julgo que todos nós, todos esses que [...] comungamos desses mesmos valores, certamente que no futuro havemos de deixar [algo que será] aproveitado para melhorar, no fundo, aquilo que é o nosso país, aquilo que é este país (entrevista, 8/2/2008).

Notas

Artigo recebido em 7 de novembro de 2008 e aprovado para publicação em 6 de janeiro de 2009.

Ângela Campos é DPhil Research Student na School of Humanities da University of Sussex, England (a.d.c.ferreira-campos@sussex.ac.uk ou angefc@hotmail.com)

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  • 1
    . Sr. A. Fortuna entrevistado por Ângela Campos no Porto, Portugal, a 3 de julho de 2007. Além desta, outra entrevista foi feita a 8 de fevereiro de 2008.
  • 2
    . Em 1960, a população portuguesa cifrava-se em 8.889.392 pessoas. As forças mobilizadas equivaliam a mais de 7% da população activa; 40% do orçamento do Estado foram canalizados para a Defesa Nacional. Ver Afonso (1994: 333-356).
  • 3
    . PTSD, do inglês
    Posttraumatic stress disorder. Ver Medeiros (2000: 201-221), citando Guerra, J. P.,
    Descolonização portuguesa (1996).
  • 4
    . Citando apenas alguns exemplos recentes: a 15 de outubro de 2007, foi transmitido pela RTP1, principal canal público de televisão em Portugal, um debate de três horas sobre a Guerra Colonial. No dia 16 de outubro de 2007, o mesmo canal emitiu o primeiro episódio de um documentário de 18 episódios sobre esse conflito, trabalho da autoria do jornalista Joaquim Furtado. No dia 20 de janeiro de 2008, o
    Correio da Manhã, um dos jornais portugueses mais vendidos, iniciou uma série intitulada
    A minha guerra, no âmbito da qual se publicam histórias enviadas por ex-combatentes acerca das suas experiências de guerra. O tema foi igualmente abordado no suplemento
    Ípsilon, parte do jornal
    Público, no dia 4 de abril de 2008, com um longo artigo que se intitula "Não deixes que sejam os outros a contar a tua guerra".
  • 5
    . Ver
    Diário da República, I Série, No. 16, 20 de janeiro de 1976.
  • 6
    . Ver
    Diário da República, I Série - A, No. 259, 6 de novembro de 1999.
  • 7
    . Ver
    Diário da República, I Série - A, No. 35, 11 de fevereiro de 2002.
  • 8
    . "Stress de guerra: diagnóstico mais rápido",
    Correio da Manhã, 17 de dezembro de 2007.
  • 9
    . Na secção "Referências bibliográficas" apresentam-se algumas sugestões.
  • 10
    . Ver
    Australian Guidelines for the Treatment of Adults with Acute Stress Disorder and Posttraumatic Stress Disorder, Practicioner Guide, Australian Centre for Posttraumatic Mental Health, fevereiro de 2007, p. 143.
  • 11
    . Ver a obra anteriormente mencionada de S. Garton, na qual se aborda o impacto da deficiência.
  • 12
    . O stress pós-traumático (PTSD) é mais predominante nos casos em que ocorreram ferimentos físicos. Ver
    Australian Guidelines for the Treatment of Adults with Acute Stress Disorder and Posttraumatic Stress Disorder, Practicioner Guide, Australian Centre for Posttraumatic Mental Health, fevereiro de 2007, p. 9.
  • 13
    . À semelhança de alguns militares britânicos deficientados estudados por E. Elsey (1997).
  • 14
    . Nomeadamente, através da associação a que se encontra ligado. Refira-se que a acção exercida durante décadas pela ADFA mudou para melhor as condições de vida de outras pessoas com deficiência em Portugal. Para a enunciação de uma situação similar ocorrida na Grã-Bretanha, ver Bourke (1999b: 15) e Elsey (1997: 58).
  • 15
    . Closure, no original em inglês; termo utilizado sobretudo no âmbito da psicologia, que remete para um sentimento de finalização face ao processamento ou à integração de determinada realidade, por vezes traumática.
  • 16
    . Ver a secção "Referências bibliográficas", onde se indicam obras de autores como G. Dawson, M. Evans, F. Lorenz, K. Lunn, M. Roper, E. Sivan, A. Thomson e J. Winter, que, entre muitos outros, apresentaram novas perspectivas na área da teoria da memória de guerra.
  • 17
    . Sobre História Oral e mudança num contexto de deficiência, ver Hirsch (1998: 214).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      06 Jan 2009
    • Recebido
      07 Nov 2008
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