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Carlos Eduardo Sarmento (1967-2013)

IN MEMORIAM

Carlos Eduardo Sarmento (1967-2013) in memoriam

Marieta de Moraes Ferreira

Escrever sobre pessoas queridas que nos deixaram é sempre difícil, e escrever sobre Carlos Eduardo Sarmento é, para mim, uma tarefa de dificuldade redobrada. A história, os amigos, a família ressentem a perda precoce de uma figura humana tão singular. Carlos Eduardo foi uma pessoa de grande capacidade intelectual e, ao mesmo tempo, uma personalidade tímida disfarçada por uma veia satírica e crítica. À primeira vista, parecia de difícil aproximação; no entanto, esse distanciamento era só uma impressão inicial, pois logo nos deparávamos com uma pessoa extremamente emotiva, carinhosa e gentil, sempre pronta a ajudar e a resolver todos os problemas e dificuldades que porventura surgissem.

Esses traços de personalidade iriam marcar profundamente a carreira de Carlos Eduardo. Desde muito cedo, foi um leitor voraz e um aluno exemplar: seu desempenho excepcional rendeu-lhe o título de melhor aluno nos quatro anos do seu curso de História, feito na UFRJ. Foi naquela fase, durante a graduação, que comecei a acompanhar de perto sua carreira. Carlos Eduardo foi meu monitor de História do Brasil e bolsista de iniciação científica, vinculado a meu projeto de pesquisa sobre as elites políticas do Rio de Janeiro. A partir dessa primeira experiência de pesquisa, elaborou sua monografia de bacharelado sobre o prefeito Pedro Ernesto e as lutas autonomistas na cidade do Rio de Janeiro, apresentando resultados muitos superiores às exigências de um trabalho de conclusão da graduação. A história do Rio de Janeiro continuou a ser uma temática de grande importância, tanto na dissertação de mestrado, "O Rio de Janeiro na era Pedro Ernesto", como na tese de doutorado, "O espelho partido da metrópole: Chagas Freitas e o campo político carioca, 1950-1983: liderança, voto e estruturas clientelísticas", a primeira publicada pela Editora FGV em 2001, e a segunda, pela Editora Follha Seca/Faperj em 2004.

Em 1996 ingressou no CPDOC como pesquisador do setor de História Oral para realizar um trabalho sobre a "Memória da Funenseg", mas em pouco tempo retornaria a seu foco principal de interesse, o Rio de Janeiro. A seguir, teve início o projeto do CPDOC em parceria com a Assembleia Legislativa do Estado Rio de Janeiro (Alerj) para a criação do Núcleo de Memória Carioca e Fluminense, no qual desempenhou um papel-chave. Nesse projeto, pôde exercitar suas inúmeras competências, não apenas como pesquisador de talento – o que pode ser constatado em seus livros individuais –, mas também como coordenador ou colaborador de várias obras coletivas.

Uma das relevantes contribuições historiográficas de Carlos Eduardo foi chamar a atenção para a importância do estudo da história política da cidade do Rio de Janeiro. Vitrine da nação, o Rio de Janeiro é representado no imaginário social como a síntese dos elementos constitutivos da nacionalidade brasileira. A consequência direta dessa percepção são as análises que veem o campo político carioca como um mero reflexo das tensões e impasses da política nacional. Partindo do questionamento de tal visão, Carlos Eduardo priorizou a investigação das formulações de política local em diferentes momentos da história carioca. Possuidora de complexo estatuto político, capital da República, estado da Guanabara, capital do novo estado do Rio após a fusão, a cidade do Rio enfrentou muitos problemas no processo de construção da sua identidade. As análises de Carlos Eduardo são importantes contribuições para o entendimento das estratégias adotadas pelos grupos políticos locais na construção de subsídios para se pensar os elementos formadores de uma cultura política carioca. Nos últimos anos, também numa reflexão sobre identidade e espaços institucionais, ainda que numa perspectiva diferente, Carlos Eduardo vinha pesquisando sobre a construção institucional da seleção brasileira de futebol, estudo que resultou no seu último livro, A construção da Nação Canarinho: uma história institucional da nação brasileira de futebol, publicado pela Editora FGV em 2013.

Mas as qualidades profissionais de Carlos Eduardo não se esgotavam aí, e seu talento para produção de bens culturais, como a organização de exposições, vídeos, CDs, era também conhecido. A exposição "Memória do Parlamento Brasileiro", que organizou na Alerj juntamente com Marly Motta e Américo Freire, é um caso exemplar dessas habilidades.

Além de sua importância como pesquisador sobre o Rio de Janeiro, Carlos Eduardo foi um grande professor. Em 2003 o CPDOC criou o Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais e, a seguir, Programa de Pós-Graduação em História e a Escola Superior de Ciências Sociais. Com a atividade docente, Carlos Eduardo ampliou seu papel como formador de novas gerações, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Desafios ainda maiores seriam enfrentados a partir de 2010, quando passou a se ocupar da Coordenação da Escola de Ciências Sociais do CPDOC. Como de hábito, revelou-se um profissional fundamental, dessa vez no processo de aprovação e consolidação da Escola. A conhecida competência com que a geriu mereceu a admiração de colegas e alunos. Além de todas as qualidades que destaquei, há mais uma que gostaria de ressaltar: Carlos Eduardo foi um profissional generoso, agregando jovens pesquisadores e professores experientes nos quadros docentes dos cursos de História e Ciências Sociais. Essa generosidade que balizou suas relações com seus pares podia ser notada também no convívio com os alunos, para quem foi um professor marcante.

Os desafios profissionais enfrentados por Carlos Eduardo sempre mostraram a grande energia e capacidade de trabalho de uma pessoa obstinada. Nos últimos anos, a relevância de seu papel institucional tirou-lhe o tempo para se dedicar com mais afinco à produção intelectual. Carlos soube ser fundamental em diferentes áreas. Todas essas qualidades e todo esse potencial se perderam com seu desaparecimento, mas a sua memória ficará sempre entre nós como um amigo querido, um aluno querido e um colega querido.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 2013
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