Acessibilidade / Reportar erro

A CIDADE IMAGINADA: HISTÓRIAS E VIVÊNCIAS EM MACAPÁ NOS PRIMEIROS ANOS DO TERRITÓRIO FEDERAL DO AMAPÁ

The imagined city: stories and experiences from Macapá in the first years of the federal territory of Amapá

La ciudad imaginada: historias y experiencias en Macapá de los primeros años del territorio federal de Amapá

RESUMO

Este artigo, escrito com base em testemunhos de pessoas que viveram em Macapá durante o período do Território Federal do Amapá (1943-1988), pretendeu tirar da invisibilidade uma história que pudesse evidenciar outras memórias sobre a cidade. Para tanto, buscamos explorar um corpo documental de testemunhos que foram coletados entre os anos de 2011 e 2013, a partir do projeto Salvando memórias sociais sobre a cidade de Macapá (1944 a 1988). Todos eles têm em comum uma longa vivência em uma cidade impactada pelos quase cinquenta anos em que a região esteve sob a tutela da União. Através das memórias desses sujeitos, outros enredos, versões, significados e sentidos foram sendo atribuídos ao processo de transformação pelo qual Macapá passou após 1943, levando a refletir criticamente sobre este período, na direção oposta àquela que o discurso hegemônico buscou consagrar.

PALAVRAS-CHAVE:
Território Federal; Cidade; Memória

ABSTRACT

The present article, based on testimonies of people who lived in Macapá during the validity of the Federal Territory of Amapá (1943-1988), aims to bring to light a history that can highlight other memories about this city. To do so, we explored a set of testimonies that were collected between 2011 and 2013, via the project Salvando memórias sociais sobre a cidade de Macapá (1944 a 1988). They all have in common a long lived experience in a city affected by almost fifty years under the jurisdiction of the Union. Through the memories of these people, other plots, versions, significances and meanings were linked to the transformation process Macapá went through after 1943, leading to a critical reflection on that period, which goes in the opposite direction to the one established by the hegemonic discourse.

KEYWORDS:
Federal Territory; City; Memory

RESUMEN

El presente artículo, escrito a partir de testimonios de personas que vivieron en Macapá durante el período del Territorio Federal de Amapá (1943-1988), pretendió sacar de la invisibilidad una historia que pudiera poner de relieve otras memorias sobre esta ciudad. Para ello, buscamos explorar un cuerpo documental de testimonios que fueron recogidos entre los años 2011 y 2013, a partir del proyecto “Salvando memórias sociais sobre a cidade de Macapá - (1944 a 1988)”. Todos ellos tienen en común una larga experiencia en una ciudad impactada por los casi cincuenta años en que la región estuvo bajo la tutela de la Unión. A través de las memorias de estos sujetos se fueron atribuyendo otras tramas, versiones, significados y sentidos al proceso de transformación que vivió Macapá después de 1943, llevándolos a reflexionar críticamente sobre este periodo en sentido contrario al que el discurso hegemónico pretendía consagrar.

PALABRAS CLAVE:
Territorio Federal; Ciudad; Memoria

Eu conheço Macapá [desde] quando era só a Candido Mendes, e aquela que hoje é rua, e tudo por aqui, era mato. Isso aqui era gapó, era mato […]. Então ali tinha a Candido Mendes, tinha o igarapé, que vocês não conheceram não? O igarapé dava rente à Fortaleza. Ai, olha, ia bater. Não tem um campo que chamam de olaria? Aí eu ia de batelão levar barro lá pra olaria. Passava por baixo da ponte que era de madeira […], que passava pro lado e outro. Aí tinha uma ilha de casa assim, tinha um frigorífico daqui, onde tinha aquela praça, onde é defronte da casa esplanada, que tem naquele canto, daquela praça que dá um tempo bom. Ali na praça tinha um frigorifico, foi o primeiro frigorífico butado ali no tempo do Janary Gentil Nunes. E tinha aquela ilha de casas (Silva, 2011SILVA, A. Entrevista: Aurélio Silva [13 de setembro de 2011]. Macapá: Unifap, 2011.: 1).

O depoimento que abre este texto é de Aurélio Silva (2011SILVA, A. Entrevista: Aurélio Silva [13 de setembro de 2011]. Macapá: Unifap, 2011.), e faz referência saudosista a uma Macapá antiga, da época do Território Federal do Amapá. Nascido em 1922, em Chaves, município localizado nas proximidades de Macapá, na Ilha do Marajó (Pará), Aurélio era filho mais velho de uma família de dois irmãos. Nunca conviveu com o pai, João Gomes da Silva, um pequeno comerciante de gêneros alimentícios, e com a mãe, a dona de casa Maria Deolinda da Silva, teve uma convivência curtíssima. Aos oito anos de idade, em troca de comida e abrigo, foi trabalhar como ajudante de canoa, e, aos 16 anos, no distrito do Cajari, passou a piloto de canoa, transportando passageiros e madeira entre os municípios de Afuá, Breves, Anajás, Chaves, Belém e Macapá. E foi de uma canoa que, em 1943, acompanhou a cidade de Macapá se transformar para ser a capital do Amapá, um dos cinco novos Territórios Federais criados pelo Decreto-Lei nº 5.812 (Brasil, 1943BRASIL (Capital Federal). Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943. Dispõe sobre a criação dos Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã e do Iguaçu, com partes desmembradas dos Estados do Pará, do Amazonas, de Mato Grosso, do Paraná e de Santa Catarina, respectivamente. Brasil, 1943.). Ao ver sua atividade marítima se expandindo, também foi atraído pela euforia provocada por esses primeiros anos de implantação doTerritório Federal e foi residir em Macapá.Até esse decreto, o município de Macapá, assim como os de Mazagão e Amapá, fazia parte do Pará. O surgimento de um Amapá político-administrativo, que dará origem à criação, em 1988, de um dos mais novos estados da federação brasileira, começou a ser “imaginado” com o desmembramento desses três municípios paraenses, em 19431 1 Conforme Decreto-Lei 5.839, de 21 de setembro de 1943: “a) O Território do Amapá será divido em três Municípios, com as denominações de Amapá, Macapá e Mazagão, compreendendo o primeiro todo o Município de igual nome, que pertencia ao Estado do Pará; o segundo, parte do Município de mesmo nome, daquele Estado; e o terceiro, parte dos Municípios de Mazagão e Almeirim, que pertenciam ao Estado acima referido” (Brasil, 1943). . Para além de uma análise na qual se supõe um controle absoluto dos governos na consolidação dos Estados-nação, Benedict Anderson, em Comunidades imaginadas (2008), nos leva a refletir sobre os elementos simbólicos que fizeram parte da formação de um “Amapá” que se reinventava como Território Federal, uma vez que as identidades nacionais e o pertencimento a uma região, ou a uma comunidade, vêm sempre acompanhados por um sentimento nacionalista; no caso que nos interessa, de uma identidade nacional pautada nas vivências coletivas de uma dada comunidade: a macapaense.

A discussão aqui proposta se utilizará dos elementos de formação dessa identidade nacional para compreender, em uma escala menor, como os moradores de Macapá apropriaram-se de estratégias de sobrevivência e da constituição de sentimento de pertencimento a um dado território, para reafirmar essa identidade por meio da reivindicação de forças históricas locais. “A cidade imaginada” pressupõe esse apelo emocional nacionalista profundo, muito evidenciado no Amapá durante a permanência do Território Federal, mas a partir de vivências de sujeitos históricos, como o ribeirinho Aurélio Silva, que transitavam entre os rios dos municípios do extremo norte do Pará, e que tiveram suas próprias percepções, não só sobre o evento que originou esse Amapá político-administrativo.

Este artigo, escrito com base em testemunhos de pessoas que viveram em Macapá durante os anos de 1943 a 1988, pretendeu resgatar da invisibilidade uma narrativa que pudesse evidenciar outras memórias sobre essa cidade, que não aquelas produzidas pelo discurso hegemônico do estado. Michael Pollak chama atenção para a importância que a história possui na transposição dessa memória oficial e hegemônica. Segundo ele: “Ao privilegiar a história dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância das memórias subterrâneas que, como parte das culturas minoritárias dominadas, se opõem à memória oficial” (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, l. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.: 4).

Para tanto, buscamos explorar um corpo documental de testemunhos que foram coletados entre os anos de 2011 e 2013, a partir do projeto Salvando memórias sociais sobre a cidade de Macapá (1944 a 1988), que desenvolvemos com a historiadora e professora Verônica Xavier Luna2 2 Projeto de pesquisa desenvolvido em parceria com a professora doutora Verônica Xavier Luna. A intenção inicial foi utilizar a metodologia da história oral para criar um arquivo digital com testemunhos de pessoas que viviam em Macapá na época do Território Federal do Amapá, que pudesse ser disponibilizado para pesquisa, haja vista a escassa documentação sobre o período que pudesse evidenciar a vivência de sujeitos sociais diversos. Não conseguimos atingir o objetivo em sua amplitude, pois não entrevistamos o número pretendido de pessoas, e acabamos não criando o arquivo, mas a realização desta pesquisa foi gratificante, e nos permitiu o salvamento de memórias de sujeitos sociais diversos, pensando a cidade de Macapá para além do discurso oficial produzido pelo Estado. . Todas essas narrativas têm em comum uma longa vivência em uma cidade impactada pelas mudanças ocasionadas pelos quase cinqüenta anos em que a região esteve sob a tutela da União. Das três cidades paraenses desmembradas, Macapá foi a que concentrou a maior parte das ações do estado e investimentos do período, e aquela que recebeu o maior número de migrantes para a região à época.

Apoiada nesses testemunhos, Luna (2020), em Um cais que abriga histórias de vidas: sociabilidades conflituosas na gentrificação da cidade de Macapá: (1943-1970), chamou atenção para o fato de existir uma memória oficial sobre Macapá do período do Território Federal, que acabou por obscurecer toda uma diversidade social e política pela qual a cidade foi sendo erguida, com o predomínio de uma narrativa que atribui os feitos e as mudanças pelas quais a cidade passou à prática dos administradores públicos, mais especificamente do paraense Janary Nunes, que, além de ter sido o primeiro, foi quem mais tempo permaneceu no governo amapaense, por quase 12 anos. Após sua saída do cargo do executivo amapaense, continuou influenciando na indicação e gestão de seus sucessores. Foi deputado federal pelo Amapá por duas legislaturas consecutivas, 1962-1966 e 1966-1970. As marcas de sua administração estão presentes em muitos lugares de Macapá, como uma memória que se perpetua em muitas outras memórias de pessoas que vivenciaram a época e de seus descendentes.

Essa influência de Janary Nunes foi observada de forma muito evidente nos testemunhos coletados pelo projeto Salvando memórias sociais sobre a cidade de Macapá. As narrativas se voltaram quase que exclusivamente para a gestão de Nunes, com poucas referências aos demais governadores, que não foram poucos: com exceção de Nunes, o Amapá, assim como os demais Territórios Federais, vivenciou uma grande rotatividade de governadores durante esse período, pelo fato de suas efetivações no cargo se darem por indicação direta do executivo brasileiro.

É preciso ressaltar que uma cidade, por mais que se projete como produto da ação direta e do controle do Estado, é fruto das vivências dos diversos homens e mulheres anônimos que transitam nela, o que nos fez lembrar os ensinamentos dos autores de Muitas memórias, outras histórias (Fenelon et al., 2004FENELON, D. et al. Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004.). Segundo eles, um grande desafio de uma escrita da história que se pretende a mais democrática possível é o de deslocar-se para um tempo no qual se propõe o espaço da memória social como meio de visibilidade de sujeitos reais, que têm sua própria potência. Ou seja, é necessário evidenciar modos de viver e de culturas de que nos falam as memórias, para além daquelas que se validam e que se tornam visíveis. Como bem lembrado por Luna (2020LUNA, V. X. Um cais que abriga histórias de vidas: sociabilidades conflituosas na gentrificação da cidade de Macapá: (1943-1970). Brasília: Senado Federal, 2020.), para nós, historiadoras amazônidas que pesquisamos a cidade de Macapá, se impõe o desafio de transpor as muralhas impostas por um discurso de ordem estável e durável de que a construção da cidade à época do Território Federal foi produto único de administradores públicos. É isso que tentaremos fazer nas linhas que se seguem.

MACAPÁ, DE CIDADE IMAGINADA A ESPAÇO VIVENCIADO

A narrativa que introduz este artigo, que conta um pouco da história de vida de Aurélio Silva, refere-se a um modo de vida3 3 Ler Williams (1979). muito peculiar de regiões ribeirinhas na Amazônia, que pouco foi levado em conta pelos idealizadores que propuseram a criação do Território Federal do Amapá. As várias localidades dos municípios em que Aurélio transitava, nos anos que antecederam ao Decreto-Lei nº 5.812, tinham suas fronteiras fluídas e ainda não definidas pela separação das naturalidades amapaense e paraense, e faziam parte de um complexo de pequenas ilhas da região do Marajó, no braço norte da foz do rio Amazonas, que, em razão da proximidade com Macapá e da pouca fiscalização governamental, desenvolveu um comércio fluvial quase que à parte.

Alguns núcleos populacionais dispersos pelos interiores de Macapá, Breves, Gurupá, Anajás, Chaves, Afuá e das ilhas adjacentes, como, por exemplo, Pedreiras, Sant’Ana, Piriquito, Cajari, Caruá, Caviana, Mexiana e outras ilhas menores, dependiam quase que exclusivamente desse comércio clandestino, que abarcava os mais variados tipos de mercadorias e se dava por meio da navegação de pequenas embarcações fluviais. Essa era a principal atividade econômica que ligava as populações dessas pequenas cidades e localidades, e, por isso, por meio dela é possível reconstruir uma rede de sociabilidades, nem sempre fácil de ser decifrada em razão dos escassos registros e dos filtros oficiais que dominaram as narrativas sobre esses lugares. Esse comércio clandestino não seguirá a mesma lógica estabelecida pela economia de mercado, sustentando-se, basicamente, através da troca de mercadorias, o que revela a baixa densidade da monetarização do comércio regional/local nas proximidades de Macapá.

Os rios, igarapés e pequenos lagos também foram os locais de trabalho de vendedores itinerantes de diversas outras localidades espalhadas pela Amazônia, onde se desenvolveu um ramo comercial típico da região, o comércio clandestino dos regatões4 4 Regatão serve tanto para se referir ao comerciante da embarcação, quanto para a embarcação que servia para transportar os gêneros e as mercadorias, e de loja para se trocar e vender esses produtos pelos rios e as casas do interior. Ler: Costa (2008). , que, já em meados do século XIX, conforme Siméia Lopes (2002LOPES, S. N. O comércio interno no Pará oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle entre 1840-1855. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2002.), desempenhavam um papel fundamental no abastecimento de gêneros alimentícios e de produtos contrabandeados para as diversas comunidades ribeirinhas, espalhadas por toda a costa e interior do Pará, desde Gurupi até o Cabo do Norte. Comerciantes ambulantes, com embarcações de grande ou de pequeno porte, como o patrão que Aurélio cita em sua narrativa, navegavam clandestinamente pela região e vendiam e trocavam quase tudo, exercendo certo monopólio que acabava por favorecer a exploração e a cobrança de preços exorbitantes.

Porém, os rios, mais do que locais estratégicos de sobrevivência, foram os caminhos naturais desbravados pelos diversos homens e mulheres que se estabeleceram na Amazônia, a expressão de todo um modo de vida que se construiu através da relação sempre presente com as águas e com os fascínios que elas despertavam. Conforme Paulo Marcelo Cambraia da Costa (2008COSTA, P. M. C. da. Na ilharga da Fortaleza, logo ali na beira, lá tem o regatão: os significados dos regatões na vida do Amapá – 1945-1970. Belém: Açaí, 2008.), a relação homem/rio externa todo um modo de vida próprio da região amazônica, pautada na relação íntima com os rios e na experiência vivida, que “é delineada por uma prática que extrapola a simples explicação econômica e a necessidade natural” (Costa, 2008COSTA, P. M. C. da. Na ilharga da Fortaleza, logo ali na beira, lá tem o regatão: os significados dos regatões na vida do Amapá – 1945-1970. Belém: Açaí, 2008.: 73).

Essa vivência com os rios e com a dinâmica que se impõe a quem transitava neles é descrita por Aurélio em sua narrativa como algo quase que natural. Para ele, que ficou órfão aos oito anos de idade e precisou trabalhar para não morrer de fome, transitar cotidianamente pelos rios ressignificou suas experiências. Saber pilotar uma canoa ainda menino lhe deu condições de sobrevivência e status social em meio às condições adversas que tivera que enfrentar desde muito cedo.

Eu nasci no município de Chaves [inaudível]. Eu vim de lá com doze anos. Eu juntei um troco e o seu [inaudível] me trouxe aí para o município de Afuá, para um lugar conhecido como Cajarí. Aí ele acabou de criar. Sempre cozinhando em beira de canoa, canoa dele. Ganhava o salário do cavalo, só a boia, e ele me dava aquela roupinhazinha. Com dezesseis anos foi que eu larguei a cozinha, dezesseis anos de idade. Isso porque o piloto da canoa adoeceu em Belém e não deu conta de vim […], aí chamou toda a guarnição e nenhum se atreveu de trazer. “Quer saber, eu levo.” Aí eu trouxe a canoa, levei, fiz a viagem e tudo e aí me tiraram da cozinha e dessa época que eu vim trabalhar, já tinha dezesseis anos, que vim trabalhar para a minha vida (Silva, 2011SILVA, A. Entrevista: Aurélio Silva [13 de setembro de 2011]. Macapá: Unifap, 2011.: 3).

As embocaduras dos rios Amazonas e do Tocantins, no arquipélago do Marajó (região em que Aurélio transitava), apesar de terem despertado a atenção dos colonizadores europeus ainda no início do século XVII, em razão das variedades de rios e das riquezas naturais, talvez tenha sido da região do Pará a que menos mereceu a atenção dos idealizadores que propuseram a criação do Território Federal do Amapá, em 1943. Pelo menos foi o que se observou com relação aos limites ao sul que separariam o Amapá do estado do Pará, no que se refere aos vários municípios e ilhas situadas no Canal do Norte e no Braço Norte do rio Amazonas da região do Marajó (o qual Aurélio menciona em seu testemunho), não ficando perfeitamente claro a quem pertenceriam tais ilhas, se ao Pará ou ao Amapá.

Caso os técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tivessem levado em conta toda essa aproximação geográfica e a movimentação dessa região com Macapá e não com Belém, talvez os limites territoriais entre o Amapá e o Pará teriam sido outros. O que se observa logo após a criação do Território Federal é uma movimentação no sentido contrário ao da capital paraense, com o aumento significativo desse fluxo. Macapá passa a ser, para essas localidades, a cidade mais atrativa à época, tanto para se viver quanto para a comercialização de serviços e produtos. Segundo Aurélio, até 1943 ele nunca tinha vindo à Macapá: “Quando eu conheci já era o Janary. Antes não, não. Eu trabalhava pra lá. Eu não vinha pra cá. Eu comecei a andar quando começou a movimentar aqui, porque não tinha movimento” (Silva, 2011SILVA, A. Entrevista: Aurélio Silva [13 de setembro de 2011]. Macapá: Unifap, 2011.: 2).

Porém, quando da implantação do Território Federal do Amapá, segundo Costa (2008COSTA, P. M. C. da. Na ilharga da Fortaleza, logo ali na beira, lá tem o regatão: os significados dos regatões na vida do Amapá – 1945-1970. Belém: Açaí, 2008.), toda essa dinâmica foi desqualificada e desprezada pela retórica do progresso, e os rios, enquanto via principal de locomoção social, passaram a ser vistos como sinônimo de atraso e de estagnação. De fato, uma das frentes de atividades descritas no Relatório de Governo de 1946, pelo qual a nova administração amapaense deveria agir em caráter emergencial, dizia respeito à abertura de estradas que pudessem interligar a capital Macapá às demais cidades e localidades5 5 No Plano Rodoviário, descrito no relatório de 1946, constava a conclusão da construção da estrada Macapá-Clevelândia, que ligaria o sul ao norte do Amapá, ou seja, de Macapá-Clevelândia, trecho demarcado pela Comissão Rondon, ainda em 1929. .

Leonel Nascimento, baiano, natural de Ilhéus, nascido em 13 de abril de 1922, e que migrou para Macapá em 1946, foi um dos moradores que, por trabalhar na abertura de vias públicas, acompanhou bem de perto os preparativos de instalação do novo centro político-administrativo. As motivações que o levaram a escolher a recém-fundada capital do território amapaense para residir foram os conflitos familiares em sua cidade de origem e o fato de Macapá ser distante de Ilhéus e desconhecida para seus conterrâneos. Conforme sua entrevista (Nascimento, 2011NASCIMENTO, L. Entrevista: Leonel Nascimento [8 e 19 novembro de 2011]. Macapá: Unifap, 2011.), como alguém negro, mas que teve condições de estudar e entrar para uma universidade ainda jovem e iniciar o curso de Engenharia Civil em Salvador, não tardou para que o governo amapaense lhe convidasse para compor o quadro de servidores públicos. Cargos públicos que, talvez, em outros lugares, não seriam considerados de grande influência política, ou que não estariam dentro do campo de abrangência da esfera pública, como o de diretores de biblioteca, frigorífico, olaria, hotel, etc. adquiriram na Macapá desse período expressão de poder.

O “homem dos contornos”, como se autodenominou Leonel durante seu testemunho, exerceu a função de topógrafo no Departamento de Divisão de Obras, trabalhando diretamente na abertura de ruas e estradas. Foi sob o seu comando que foram abertas estradas que ligariam Macapá a localidades como Macacoari, Pracuúba, Ferreira Gomes e Porto Grande, onde, à época, se implantou a Colônia do Matapi, que tinha como objetivo incentivar a produção agrícola para o abastecimento de Macapá6 6 A estrada até Ferreira Gomes, que dará início à construção de uma das principais estradas na região amazônica, a BR-156, que liga atualmente Macapá ao Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa. . Leonel também atuou nas aberturas de ruas no centro de Macapá e na fundação de bairros, como o Laguinho e o Trem. Como alguém que fez parte de uma elite de servidores públicos, mas que, ao mesmo tempo, era um trabalhador de baixa remuneração (que, assim como muitos outros, buscava meios de sobreviver em Macapá), Leonel era um sujeito que transitava em diversos segmentos sociais existentes na cidade. Por meio de sua narrativa, é possível perceber que, mesmo para aqueles que estavam próximos dos “administradores”, como ele, a vivência em Macapá foi marcada pela dicotomia entre a cidade rural, interiorana, de tradição pacata, e aquela impactada pela gestão dos “administradores” que vinham de fora, com a promessa de transformar Macapá em uma cidade referência na Amazônia. A ideia de cidade predestinada ao progresso, como a capital do futuro do estado, esteve presente durante toda a permanência do Amapá federal7 7 Ler: Silva (2017). .

Muito embora a retórica de progresso defendesse a abertura de estradas como sinônimo de desenvolvimento — e algumas estradas, como a BR-156, chegaram a ser abertas mesmo que em condições precárias —, os testemunhos nos levam na direção oposta ao discurso oficial, apontando que os rios e igarapés permaneceram, ao longo da existência do Amapá federal, como principal meio de locomoção da maioria dos homens e mulheres que transitavam pela região do território macapaense e de suas proximidades. Rios e igarapés continuaram a condicionar em grande parte a economia local e a própria sociedade que dela se abastecia, que dependia quase que exclusivamente desse comércio fluvial. Isso constatamos em várias reportagens publicadas no jornal Amapá8 8 A primeira publicação do jornal Amapá ocorreu em 19 de março de 1945. A publicação circulou até 1976, com periodicidade semanal e tiragem média de mil exemplares. O jornal era impresso nas oficinas da Imprensa Oficial do governo do Território Federal do Amapá, em tipografia, e teve como primeiro diretor o servidor público Paulo Eleutério Cavalcante de Albuquerque. , na qual é informada a crise de abastecimento que Macapá enfrentava corriqueiramente, e um dos motivos alegados pela administração pública para essa escassez de produtos era justamente a dificuldade para o transporte das mercadorias, que só poderiam ocorrer por via fluvial9 9 Até o presente essa dependência fluvial ainda se mantém. A não ser pela fronteira do município de Monte Alegre — que fica mais a sudoeste do Pará e distante de Macapá —, o acesso do Amapá ao resto do Brasil até hoje só é possível por via marítima ou aérea. .

O testemunho de Josefa Lina da Silva, descendente de ex-escravos fugitivos, que nasceu em Macapá pelas mãos de uma parteira, em 26 de fevereiro de 1916, muito antes do desmembramento do Pará, leva-nos a constatar que essas crises de abastecimento que Macapá vivenciava começaram a ocorrer de forma mais corriqueira para os moradores da cidade após a criação Território Federal. Para “tia Zefa”, como é conhecida popularmente, Macapá de antes do Território Federal era “uma cidade pequena, mas farta”; um lugar simples, mas de fartura, onde se podia produzir a própria alimentação, plantar, pescar, criar, trocar ou vender tudo por preços acessíveis. Segundo ela “Macapá era pequena, mas tinha movimento. Tinha muita alegria” (Silva, 2013SILVA, J. L. Entrevista: Josefa Lina Silva [12 de dezembro de 2013]. Macapá: Unifap, 2013.: 5).

De fato, a Macapá desse período era uma cidade formada por pequenos aglomerados rurais, que, conforme o recenseamento de 1940, totalizavam, aproximadamente, 13.000 habitantes (Mortara, 1944MORTARA, G. População de fato do Território do Amapá nas suas novas fronteiras. Boletim Geográfico, ano 2, n. 17, p. 665-667, ago. 1944.), espalhados por toda a extensão dos 23.843 km2. Dos três municípios paraenses desmembrados, Macapá era o mais populoso, mas, desse total, apenas pouco mais de 1.000 pessoas residiam no principal núcleo populacional, que se desenvolvera nas margens do rio Amazonas. Portanto, Macapá era uma cidade de movimentação restrita, com um histórico de quase isolamento, mas com sinais de que já vivenciara em fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX uma maior movimentação, quando, segundo o primeiro diretor da Divisão de Produção e Pesquisas, Arthur Miranda Bastos10 10 Logo que chegou ao Amapá para ocupar o cargo de Diretor do Departamento de Produção e Pesquisa, passou os primeiros meses de 1944 em comitivas pelas diversas localidades do território amapaense, fazendo levantamentos in loco, que resultaram no livro Uma excursão ao Amapá (1946). Miranda Bastos foi convidado por Janary Nunes para compor o primeiro quadro de diretores, em razão de uma longa amizade que começou em Belém, ainda na adolescência. (1947: 6-7), “a borracha, vendida por alto preço, deu prosperidade à Amazônia, a população local fora maior. Havia mais comércio, melhores casas”.

Nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, com a decadência da borracha brasileira no mercado externo, Macapá teria vivido anos de estagnação. Apesar da borracha silvestre ainda permanecer a principal fonte de receita, ao lado de outros produtos extrativistas como a castanha e as sementes oleaginosas, produzia-se também farinhas, couros e peles de animais, além da exportação do peixe salgado e seco do arquipélago de Bailique, e, conforme Bastos (1947: 32): “Nos campos das proximidades da capital, muitos são os criadores, porém todos pequenos”.

De acordo com Lúcio de Castro Soares, do Serviço de Geografia e Estatística Fisiográfica, Macapá, assim como Mazagão, ambos núcleos colonizadores criados ainda em meados do século XVIII pelo governador do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, refletiam, no começo da década de 1940, a política desastrosa de ocupação das terras do Cabo Norte pelo governo português, que tentou, por meio de um programa agrário adverso, garantir o povoamento efetivo e a posse definitiva desse território. Referia-se Soares à turbulenta história de ocupação das terras pertencentes à “Guiana Brasileira”11 11 O termo “Guiana Brasileira” se popularizou dessa forma ao longo do século XX em razão do litígio entre franceses e portugueses, e depois brasileiros, por parte do território amapaense que fazia fronteira com a Guiana Francesa, que ficou conhecido por Contestado Franco-Brasileiro. , no extremo norte do Brasil, “formada pela vertente da margem direita da bacia do Oiapoque, por toda a bacia do Araguari e pela faixa litorânea do Cabo Norte” (Soares, 1949SOARES, L. de C. Contribuição ao estudo da ocupação humana do Território do Amapá. Boletim Carioca de Geografia, Rio de Janeiro, ano II, n. 2-3, p. 11-36, 1949.: 11). A região era cobiçada, desde o início do século XVII, por vários países europeus, dentre eles a França.

Durval Muniz de Albuquerque Jr. (2011ALBUQUERQUE JR., D. M. de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011.) compreende esses momentos fundacionais como produtos de invenções discursivas. O termo “invenção” poderia tanto significar a busca de um tempo de fundação ou de origem, como um instante de fabricação de algo novo, remetendo, consequentemente, a um tempo de ruptura, a um evento novo. A partir da análise de Muniz, a criação do Território Federal do Amapá seria um desses “tempos” de invenção humana, no qual se reivindicou a fundação de um momento inaugural, de um novo começo. O Amapá, pensado a partir dessa perspectiva, teria sido mera invenção gestada a partir de discursos, dissociado de qualquer materialidade, e pouco se avançaria nos elementos e contradições por trás desse evento fundacional. É justamente nesse ponto que as memórias desses sujeitos sociais que vivenciaram Macapá da época do Território Federal em suas experiências cotidianas, buscando construir estratégias de sobrevivência em meio às transformações provocadas pelas ações do estado, nos permitem pensar uma cidade como fruto de múltiplas vivências.

Para esses homens e mulheres, de fato, esse foi um tempo de ruptura, no qual suas vidas foram diretamente afetadas pelo Decreto-Lei 5.812; foi um tempo de aceleração histórica e de mudanças, ainda que circunscrito à cidade mais atingida diretamente por esse decreto — Macapá; um tempo que poderia ser traduzido no ritmo acelerado em que essa cidade foi modificando seu traçado urbano, herdado do período pombalino na Amazônia, em meados do século XVIII, quando foi elevada à condição de vila12 12 A cidade Macapá nasceu de um destacamento militar criado em 1738 e de um povoamento de açorianos, de 1752. No dia 4 de fevereiro de 1758, foi oficializada pelo governador do Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, como Vila de São José de Macapá, em 1859, elevada à categoria de cidade por intermédio do tenente coronel Henrique Rolan. A vila de São José de Macapá foi escolhida também para abrigar a Fortaleza de São José de Macapá, a maior fortificação portuguesa na região, inaugurada em 19 de março de 1782. .

A paisagem e a dinâmica da pacata e pequena vila é transformaram do dia para a noite. Macapá, uma cidade predominantemente rural, que vivia de poucos recursos, passou a receber um grande volume de investimentos, e muitas pessoas viram esse momento como propício para melhorarem suas condições de vidas e oportunidades de trabalho. Na época, os poderes públicos conseguiram, às custas da política intervencionista na região, realizar, em um período de dois anos, várias obras concentradas no centro da cidade, com o objetivo de aparelhar a cidade para sediar o novo governo, bem como os funcionários e familiares do alto e médio escalão da administração pública: residência governamental, escola, hospital geral, cineteatro, hotel, um conjunto residencial de 35 casas, a Vila Presidente Vargas, todos destinados aos diretores e chefes dos departamentos. Também realizou-se reformas e adaptações de prédios públicos para os departamentos de Saúde, de Educação e de Segurança, agência do Banco do Brasil, etc.

Em fins de 1944, pouco menos de um ano após a implantação do Território Federal, a população da sede da capital, Macapá, tinha mais que dobrado, passando de 1.300 para 2.800 habitantes (Nunes, 1946NUNES, J. Relatório das Atividades do Governo do Território Federal do Amapá, em 1944, apresentado ao Exmo Senhor Presidente da República pelo Capitão Janary Gentil Nunes. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946.: 113). A Macapá desses primeiros anos recebeu um número significativo de migrantes, vindos em sua maioria do Ceará, Bahia, Pernambuco e, principalmente, do Pará.

Benony Ferreira Lima foi um dos entrevistados que migrou para Macapá ainda muito jovem, bem no começo do Território Federal. Descendente de nordestinos, Benony nasceu em 1927, no município de Afuá. Seus pais (ambos filhos de cearenses) se conheceram em terras paraenses, pois tanto sua família materna quanto a paterna migraram para o sul do Pará ainda no início dos anos de 1940, em razão da seca nordestina. Seus avós maternos tiveram mais êxito e conseguiram se fixar no município de Afuá, onde seu avô, Vitalino Alves de Araújo, investiu em roçados, no comércio de secos e molhados e em uma padaria, além de ter comprado uma canoa a vela, chegando ao posto de tenente coronel da Guarda Nacional. Já seus avós paternos, analfabetos, tiveram muitas dificuldades para se estabelecer em uma região, mudando-se várias vezes em busca de oportunidades de trabalho. De Breves, a família de oito filhos se deslocou para as ilhas de Caviana e Mexiana, até chegarem a Afuá. Nesse ínterim, sobreviveram, com muitas dificuldades, da extração da borracha, mas, com a queda do preço do látex na primeira metade do século XX, a família passou a viver na extrema pobreza.

A família de Benony, de extrativistas e ribeirinhos, vivia com muitas dificuldades em terras paraenses, até que seu pai, que trabalhava com carpintaria e marcenaria, ao tomar conhecimento de que, em Macapá, o ramo da construção civil estava em expansão, resolveu migrar para a cidade, onde não tardou a arrumar emprego. Era o ano de 1945. Desempregado, residindo em Belém e mesmo contra sua vontade, Benony resolveu atender ao chamado de seu pai para trabalhar em Macapá e desembarcou no igarapé da Fortaleza de São José, onde ficava uma pequena doca, sem muita estrutura, utilizada para o desembarque de pequenas embarcações. Sua história de vida se cruza com a de muitos outros homens e mulheres que também vieram para Macapá sem destino certo, em busca de trabalho. Suas famílias transitaram praticamente pelas mesmas localidades, ilhas e rios que o ribeirinho Aurélio, citado no início deste artigo — esses são lugares de origem de muitos migrantes que vieram residir em Macapá nesse período.

No dia 29 de junho, eu deixava Belém com destino a Macapá, passando pelo Afuá, onde ainda residia a minha querida mãe e a minha irmã Ozelinda (Zeza) […]. Logo em seguida viajei para Macapá em companhia do meu pai, que me aguardava em Afuá, e, no dia 09 de julho de 1945, desembarcava em Macapá, com os sapatos nas mãos, porque a maré estava baixa; lugar árido, atrasado, tudo parecia difícil, e a essas alturas, Macapá não possuía água encanada (Lima, [s.d.]: 14).

O trecho apresentado, que conta o momento da chegada na capital do Território Federal do Amapá, foi retirado dos rascunhos de uma memória escrita a próprio punho, não publicada, na qual Benony narra com riqueza de detalhes essa e outras histórias de sua vida e de seus familiares. Tomamos conhecimento desses manuscritos durante a entrevista que realizamos com ele em 2012. Possivelmente, grande parte dessas histórias foi rememorada a partir das histórias contadas por seus pais e avós. É interessante analisar a narrativa de Benony seguindo as reflexões de Pollak (1992POLLAK, M. Memória e identidade. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.) em “Memória e identidade”. Na obra, o autor chama atenção para o fato de que a memória está impregnada de outras experiências, e essa pluralidade deixa patente a estreita ligação entre memória e experiência vivida, entre tradição e capacidade de experiência.

A narrativa de Benony permite problematizar os desdobramentos da política nacional de incentivos à migração interna de brasileiros do pós-1930. Esse crescimento populacional é melhor compreendido dentro de um contexto nacional de incentivos governamentais à migração de brasileiros para regiões como a amapaense, que apresentavam baixa densidade demográfica, mas que passavam por transformações decorrentes da política intervencionista para a região. Vários estudos já apontaram a migração como uma das áreas que mais mereceu atenção da política nacionalista inaugurada nos anos 1930, pois, se por um lado o estado brasileiro intensificou a vigilância das fronteiras e criou restrições que buscaram coibir a entrada de estrangeiros no país, por outro, estimulou a migração interna, principalmente para a Amazônia. Essa política de incentivos à migração simbolizou os “novos bandeirantes”, uma vez que estava relacionada à valorização do capital humano nacional e à própria estabilidade política do país. Enquanto o número de desempregos crescia na mesma proporção em que ocorria o deslocamento do campo para a cidade, tinha-se como pano de fundo principal a ocupação do território nacional, principalmente em espaços tidos como vazios e despovoados.

Na Amazônia, essa política estadonovista de estímulo à migração foi impulsionada no início de 1940, quando a região buscava se recuperar dos fortes abalos provocados pela decadência da borracha brasileira no mercado exterior: “Depois de 1910 os preços do produto caíram e, a partir 1912, despencaram para patamares irrisórios, jogando a região na mais profunda de suas crises econômicas” (Lima, 2014LIMA, F. A. de O. Soldados da borracha: das vivências do passado às lutas contemporâneas. Manaus: Valer e Fapeam, 2014.: 37). Segundo Frederico Alexandre Lima (2014LIMA, F. A. de O. Soldados da borracha: das vivências do passado às lutas contemporâneas. Manaus: Valer e Fapeam, 2014.), após a debandada dos seringais, restou na Amazônia, nesse período, um capital social em torno de 35.000 trabalhadores, que combinavam as atividades da extração do látex com outras atividades extrativistas. Portanto, essa grande movimentação de pessoas para o norte do país, em meados da década de 1940, não foi um fenômeno novo. A economia da borracha, com maior destaque nos estados do Pará e Amazonas, principalmente na fronteira com a Bolívia, levou um número significativo de pessoas a migrarem para essas regiões, do final do século XIX até a primeira metade do século XX. Parte das terras que depois foram desmembradas do Pará para formar o Território Federal do Amapá fizeram parte dessa rota. A ocupação dos vales dos rios Jarí, Cajarí, Maracá, Ajuruxi, Vila Nova, Matapí e Amaparí, ao sul do Amapá, deveu-se, em sua maioria, à exploração florestal das seringueiras e das castanheiras encontradas em abundância nesses lugares (Soares, 1949SOARES, L. de C. Contribuição ao estudo da ocupação humana do Território do Amapá. Boletim Carioca de Geografia, Rio de Janeiro, ano II, n. 2-3, p. 11-36, 1949.: 24).

O estabelecimento pelo governo da regularidade dos serviços de navegação entre Macapá, Belém e demais localidades pode ter contribuído para esse aumento de migrantes, bem como alguns incentivos governamentais, como distribuição de lotes residenciais e comerciais a um preço irrisório e pequenos auxílios para a construção. Visando disciplinar o mercado de trabalhadores que se encontrava em expansão, o governo amapaense buscou promover de forma muito precária uma política de assistência a esse migrante que chegava ao Amapá. Excetuando-se os funcionários e familiares que vieram com convites direcionados para trabalharem em cargos da administração pública, muitos foram atraídos pelas possibilidades incertas que poderiam surgir com a criação de uma nova unidade política no extremo norte do país; mas a ida ao Amapá nem sempre significava que as expectativas seriam atendidas.

Sem dúvida, a implantação do Território possibilitou a expansão de alguns ramos de trabalho para além do serviço público, mas a informalidade foi a opção escolhida ou a possível, principalmente para aqueles que não detinham estudos e não eram vistos como mão de obra qualificada. A carpintaria foi uma das principais escolhas, mas, além dela, é possível citar outras ocupações interligadas, como: pedreiros, ferreiros, ladrilheiros, taqueiros, eletricistas, pintores, braçais, etc., a exemplo da construção civil, que, em razão da grande procura, tanto pelos particulares quanto pelo governo, talvez tenha sido o ramo que mais cresceu e o que mais empregou nas primeiras três décadas do Território Federal em Macapá. É possível perceber, também, essa separação desigual e hierárquica, na forma como ia sendo estabelecida a ocupação urbana da cidade, tanto entre os que chegavam quanto os que já residiam em Macapá.

Para Benony, a vinda com a sua família para Macapá representou a chance de recomeçar, o surgimento de novas oportunidades de sobrevivência e a construção de novos laços comunitários e identitários que, ao ser confundida com o momento de instalação da administração territorial, adquiriu novos sentidos. De acordo com Alessandro Portelli (2004PORTELLI, A. O momento da minha vida: funções do tempo na história oral. In: FENELON, D. et al. Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004. p. 296-313.), os eventos são identificados por um padrão de significado, e, embora o evento pareça indicar um ponto no tempo, ele se estende em todas as direções, “tanto o conceito de evento quanto o de duração parece ser uma questão de como olhamos (e narramos) a história, do que algo inscrito numa realidade objetiva” (Portelli, 2004PORTELLI, A. O momento da minha vida: funções do tempo na história oral. In: FENELON, D. et al. Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004. p. 296-313.: 309-310). Portanto, o lugar que a memória ocupa nas narrativas é uma tentativa de se gravar um tempo em que quem conta possa ser colocado. No caso de Benony, um tempo das recordações pessoais e familiares, mas, também, temporalizado nas experiências coletivas de uma “Macapá” que se transformava, projetada por um discurso uniformizador, pautado na unidade e no forte apelo da nação como síntese das identidades coletivas e individuais.

Para tia Zefa, a implantação do Território Federal foi sentida de forma bem diferente daquela relatada por Benony. Como moradora antiga e estabelecida em Macapá há muitos anos, esse foi um tempo de incerteza, de insegurança, de mudança de todo um modo de vida assentado em hábitos simples, típicos de regiões rurais, onde o tempo parecia passar tão lentamente que mal era sentido. Para tia Zefa, depois de 1943, houve mais emprego em Macapá, mas, para a população residente, a fartura de trabalho foi mais na informalidade. Ela mesma chegou a trabalhar na capinagem para a abertura de novas ruas pela cidade: “Os homens derrubavam [inaudível] e a gente ia capinar para fazer o campo da aviação” (Silva, 2013SILVA, J. L. Entrevista: Josefa Lina Silva [12 de dezembro de 2013]. Macapá: Unifap, 2013.: 11).

Nas lembranças de tia Zefa, um dos momentos impactantes vivenciados nesse momento inicial do Amapá federal foi a desapropriação das terras em que moravam, de familiares e demais membros das comunidades afrodescendentes de Santa Engrácia (Praça de Cima e Largo São José de Macapá) e o remanejamento pela administração pública para o Campus do Laguinho e para a Favela. Esse movimento ocorreu para que se abrisse espaço para os novos habitantes, a maioria brancos, que chegavam a todo momento; Macapá, ou pelo menos o centro da cidade, remodelava-se para recebê-los. Esse acontecimento, em que as comunidades negras foram obrigadas a se deslocar para áreas consideradas distantes do centro de Macapá, foi cantado através do “Marabaixo”13 13 Segundo Videira (2009), o “Marabaixo” é uma dança dramático-religiosa de cortejo afrodescendente, representando a história e a cultura afroamapaense fortemente guardada na memória do negro, ao fazer a ligação entre a sua história individual/coletiva e a história de ocupação do território amapaense, desde o seu princípio, muito antes de se tornar um Território Federal. . Foi nesse momento que surgiu o refrão de ladrão mais popular e versado da cultura popular amapaense: “aonde tu vais rapaz? Por estes campos sozinho (bis). Vou fazer minha morada, lá nos campos do laguinho (bis)”.

A composição de um ladrão dentro do Marabaixo, segundo Joseline Trindade (1999TRINDADE, J. S. B. No tempo das águas cheias: memórias e história dos negros do curial-AP. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999.), representa uma forma de ordenar o tempo, pois suas letras têm como fio condutor os acontecimentos ligados ao cotidiano do grupo: “os versos cantados roubam a privacidade das pessoas, revelando algum fato engraçado, por isso são chamados de ladrões” (Trindade, 1999TRINDADE, J. S. B. No tempo das águas cheias: memórias e história dos negros do curial-AP. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999.: 79). Um ladrão é nomeado também dessa forma porque permite aos participantes recriar seus versos. Aonde tu vais rapaz? foi a maneira que as comunidades negras remanejadas encontraram para expressar seus descontentamentos e satirizarem a decisão tomada pelo governo amapaense, mesmo que depois tenham surgido versos que manifestaram aprovação a tal medida. Joaquim Tibúrcio Ramos foi um dos contadores de ladrão mais conhecidos dos campos do Laguinho desse período. Em entrevista a Joseline Trindade, no final dos anos 1990, narrou o surgimento e os desdobramentos de Aonde tu vais rapaz?, que transcrevo, em parte, a seguir:

A senhora conhece Macapá? Conhece o bar do Afuá? Lá nas Nações Unidas com a General Rondon? Lá que foi montado esse ladrão, no bairro do Laguinho. O Julião Tomas Ramos e o Raimundo Lituanjo, a casa deles era ali na Independência. Pois é… quando Janary chegou era barraquinha de palha, resolveram trazer o Batuque pro Laguinho, essa música saiu em 1946, 47. Cada um que ia se apoderando ia botando versos, com a mágoa de vim da cidade pra vim aqui pro Laguinho, se ocupar do Laguinho, porque não podia lavar na praia, o poço era São José. Hoje, onde era a prefeitura, dão o nome de um museu, era São José, é pra lá que iam lavar a roupa. Foi a hora que eles vieram e o dono se topou com o Raimundo Ladislau que ia daqui do Curuçá para o centro da cidade fazer compras. Foi a que ele vinha com feixe de palha na cabeça. O Julião Tomas Ramos topou com Raimundo Ladislau:

Aonde tu vais rapaz

Com esse feixe de palha?

Vou construir minha morada

Lá nos campos do Laguinho (bis)

Aonde tu vais rapaz

Por estes campos sozinho?

Vou construir minha morada

Lá nos campos do Laguinho (bis) (Trindade, 1999TRINDADE, J. S. B. No tempo das águas cheias: memórias e história dos negros do curial-AP. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999.: 80).

Conforme Videira (2009VIDEIRA, P. L. Marabaixo, dança afrodescendente: significando a identidade étnica do negro amapaense. Fortaleza: Edições UFC, 2009.), apesar de ter havido a mediação de Julião Ramos e Gertrudes Saturnino Loureiro (representantes das comunidades do Laguinho e da Favela, respectivamente) junto ao governo amapaense, e de não ter ocorrido nenhum conflito físico direto entre a população e a segurança pública, os moradores dessas comunidades deixaram para trás anos de construção de um território que representava a própria existência: “As moradias, as plantações, as lembranças, a relação de parentesco, os encontros e desencontros, os amores e dissabores, os fatos que marcaram época ficaram guardados na memória histórica e coletiva da comunidade” (Videira, 2009VIDEIRA, P. L. Marabaixo, dança afrodescendente: significando a identidade étnica do negro amapaense. Fortaleza: Edições UFC, 2009.: 91).

Um deslocamento, por menor que pareça ser, não é apenas uma simples translação no espaço, mas também é um deslocamento no tempo, e se leva junto todas as lembranças vividas do lugar de origem. Segundo tia Zefa, a retirada das comunidades negras do centro de Macapá, mesmo que negociada por uma parte dos membros das comunidades afetadas, foi uma decisão tomada por aqueles que detinham o poder, e cada grupo ou morador buscou, nesse intermeio, a melhor estratégia para reconstruir a vida:

Vocês não brigaram com ele? Vocês não… vê se opor com gente maior do que a gente? A gente ficou acovardado. A terra era nossa, mas o poder era dele. Aí nós viemos. Ele não pagou vocês? Pra mim ele não deu nada. Acho que para os outros também (Silva, 2013SILVA, J. L. Entrevista: Josefa Lina Silva [12 de dezembro de 2013]. Macapá: Unifap, 2013.: 6).

Seu verso do Aonde tu vais rapaz? para o remanejamento das comunidades negras do centro da cidade ficou assim: “Pelo jeito que eu tô vendo, nós vamos ficar sozinhos. Uns vão para a Favela e outros vão para o Laguinho” (Silva, 2013SILVA, J. L. Entrevista: Josefa Lina Silva [12 de dezembro de 2013]. Macapá: Unifap, 2013.: 7).

MACAPÁ, OUTRAS MEMÓRIAS, OUTRAS HISTÓRIAS

Yara Aun Knoury, em “Muitas memórias, outras histórias: cultura e o sujeito da história” (2004), ao analisar a relação entre a memória e história, nos coloca diante da problemática do sujeito e da consciência social na história, em uma perspectiva que nos alerta para a importância social de se construir um conhecimento histórico que incorpore toda a experiência humana e no qual todos possam se reconhecer como sujeitos históricos. As memórias e histórias de que tratam este artigo foram produzidas nos diálogos com homens e mulheres da cidade de Macapá, que vivenciaram os anos de 1943 a 1988, com o intuito de se produzir junto a eles outras memórias da cidade, de maneira que se pudesse evidenciar como sujeitos sociais invisibilizados por uma memória oficial — como enfatiza Pollak (1989POLLAK, M. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, l. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.) — sentiam e interpretavam, por meio de suas experiências cotidianas, o processo de mudança pelo qual a cidade de Macapá passou ao longo do Território Federal.

Para Pollak (1992POLLAK, M. Memória e identidade. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.), a memória pode ser entendida tanto como um fenômeno individual quanto coletivo, expressando marcos, que têm como base acontecimentos, personagens e lugares como símbolo representativo. Por meio das memórias subalternas desses sujeitos, outros enredos, versões, significados e sentidos históricos foram sendo atribuídos a esse processo de transformação de Macapá. Apesar de 1943 ser, para todos eles, um marco divisor de mudanças nos viveres da cidade, tanto para aqueles que já viviam na região quanto para aqueles que chegaram, suas experiências e narrativas singulares sobre um mesmo processo histórico nos levaram a refletir criticamente sobre esse período, de forma oposta àquela que o discurso hegemônico buscou consagrar.

Algo comum nas narrativas desses sujeitos sociais diz respeito ao fato de todos eles se reportarem ao período do Amapá federal como síntese da administração de Janary Nunes. Talvez por ter permanecido à frente do executivo amapaense por quase 12 anos, coube a ele como primeiro governador a implantação do Território Federal e a missão de consolidá-lo. Porém, seguindo os caminhos das memórias desses sujeitos sociais, é possível compreender por que 1943 se tornou, para eles, uma referência de ruptura na história de Macapá, e Nunes constituiu-se naquele a quem se atribuiriam as transformações pelas quais a cidade passou nesse período de quase 50 anos de existência do Território Federal. Portanto, a cidade que emerge nessas narrativas é um lugar de contradições, de conflitos e de experiências heterogêneas, refletida nas diversas referências em que cada um desses sujeitos sociais estabeleceu suas próprias percepções, viveres e sentimentos de pertencimento social, seja no trabalho, seja no lazer, nas relações de vizinhança, no espaço privativo ou na rua.

É sempre um exercício desafiador para uma historiadora, nascida e criada em Macapá, que também viveu quando criança o fascínio de ver uma cidade que se originou ao redor da imensidão do rio Amazonas crescer absurdamente após a criação do estado, em 1988, transpor as muralhas da narrativa oficial e trazer da invisibilidade outras memórias e histórias sobre a cidade de Macapá. Cresci ouvindo contar que Macapá só existiu porque o governo português e depois o brasileiro assim o quis, mas o que sempre vi de fato foram homens e mulheres que, assim como meu pai e minha mãe, foram construindo suas próprias histórias de vida e de sobrevivências, ocupando espaços de poder, atuando no campo da política, da educação, da construção civil, da informalidade, dentre muitos outros postos de trabalho.

A cidade de Macapá narrada pela perspectiva das memórias de sujeitos históricos como Aurélio, Benony, Leonel e tia Zefa é vista não somente pela ótica do discurso oficial, que consagra nomes de administradores como Janary Nunes, mas também pelo fazer cotidiano de homens e mulheres que encontraram e permanecem encontrando em Macapá meios de existir e resistir.

NOTAS

  • 1
    Conforme Decreto-Lei 5.839, de 21 de setembro de 1943: “a) O Território do Amapá será divido em três Municípios, com as denominações de Amapá, Macapá e Mazagão, compreendendo o primeiro todo o Município de igual nome, que pertencia ao Estado do Pará; o segundo, parte do Município de mesmo nome, daquele Estado; e o terceiro, parte dos Municípios de Mazagão e Almeirim, que pertenciam ao Estado acima referido” (Brasil, 1943BRASIL (Capital Federal). Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943. Dispõe sobre a criação dos Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã e do Iguaçu, com partes desmembradas dos Estados do Pará, do Amazonas, de Mato Grosso, do Paraná e de Santa Catarina, respectivamente. Brasil, 1943.).
  • 2
    Projeto de pesquisa desenvolvido em parceria com a professora doutora Verônica Xavier Luna. A intenção inicial foi utilizar a metodologia da história oral para criar um arquivo digital com testemunhos de pessoas que viviam em Macapá na época do Território Federal do Amapá, que pudesse ser disponibilizado para pesquisa, haja vista a escassa documentação sobre o período que pudesse evidenciar a vivência de sujeitos sociais diversos. Não conseguimos atingir o objetivo em sua amplitude, pois não entrevistamos o número pretendido de pessoas, e acabamos não criando o arquivo, mas a realização desta pesquisa foi gratificante, e nos permitiu o salvamento de memórias de sujeitos sociais diversos, pensando a cidade de Macapá para além do discurso oficial produzido pelo Estado.
  • 3
    Ler Williams (1979WILLIAMS, R. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.).
  • 4
    Regatão serve tanto para se referir ao comerciante da embarcação, quanto para a embarcação que servia para transportar os gêneros e as mercadorias, e de loja para se trocar e vender esses produtos pelos rios e as casas do interior. Ler: Costa (2008COSTA, P. M. C. da. Na ilharga da Fortaleza, logo ali na beira, lá tem o regatão: os significados dos regatões na vida do Amapá – 1945-1970. Belém: Açaí, 2008.).
  • 5
    No Plano Rodoviário, descrito no relatório de 1946, constava a conclusão da construção da estrada Macapá-Clevelândia, que ligaria o sul ao norte do Amapá, ou seja, de Macapá-Clevelândia, trecho demarcado pela Comissão Rondon, ainda em 1929.
  • 6
    A estrada até Ferreira Gomes, que dará início à construção de uma das principais estradas na região amazônica, a BR-156, que liga atualmente Macapá ao Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa.
  • 7
    Ler: Silva (2017SILVA, M. L. da. Território Imaginado: Amapá, de território a autonomia política (1943-1988). Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Departamento de História, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.).
  • 8
    A primeira publicação do jornal Amapá ocorreu em 19 de março de 1945. A publicação circulou até 1976, com periodicidade semanal e tiragem média de mil exemplares. O jornal era impresso nas oficinas da Imprensa Oficial do governo do Território Federal do Amapá, em tipografia, e teve como primeiro diretor o servidor público Paulo Eleutério Cavalcante de Albuquerque.
  • 9
    Até o presente essa dependência fluvial ainda se mantém. A não ser pela fronteira do município de Monte Alegre — que fica mais a sudoeste do Pará e distante de Macapá —, o acesso do Amapá ao resto do Brasil até hoje só é possível por via marítima ou aérea.
  • 10
    Logo que chegou ao Amapá para ocupar o cargo de Diretor do Departamento de Produção e Pesquisa, passou os primeiros meses de 1944 em comitivas pelas diversas localidades do território amapaense, fazendo levantamentos in loco, que resultaram no livro Uma excursão ao Amapá (1946). Miranda Bastos foi convidado por Janary Nunes para compor o primeiro quadro de diretores, em razão de uma longa amizade que começou em Belém, ainda na adolescência.
  • 11
    O termo “Guiana Brasileira” se popularizou dessa forma ao longo do século XX em razão do litígio entre franceses e portugueses, e depois brasileiros, por parte do território amapaense que fazia fronteira com a Guiana Francesa, que ficou conhecido por Contestado Franco-Brasileiro.
  • 12
    A cidade Macapá nasceu de um destacamento militar criado em 1738 e de um povoamento de açorianos, de 1752. No dia 4 de fevereiro de 1758, foi oficializada pelo governador do Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, como Vila de São José de Macapá, em 1859, elevada à categoria de cidade por intermédio do tenente coronel Henrique Rolan. A vila de São José de Macapá foi escolhida também para abrigar a Fortaleza de São José de Macapá, a maior fortificação portuguesa na região, inaugurada em 19 de março de 1782.
  • 13
    Segundo Videira (2009VIDEIRA, P. L. Marabaixo, dança afrodescendente: significando a identidade étnica do negro amapaense. Fortaleza: Edições UFC, 2009.), o “Marabaixo” é uma dança dramático-religiosa de cortejo afrodescendente, representando a história e a cultura afroamapaense fortemente guardada na memória do negro, ao fazer a ligação entre a sua história individual/coletiva e a história de ocupação do território amapaense, desde o seu princípio, muito antes de se tornar um Território Federal.
  • Fonte de financiamento: nenhuma

REFERÊNCIAS

  • ALBUQUERQUE JR., D. M. de. A invenção do Nordeste e outras artes São Paulo: Cortez, 2011.
  • ANDERSON, B. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
  • BASTOS, A. M. Uma excursão ao Amapá Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946.
  • BRASIL (Capital Federal). Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943 Dispõe sobre a criação dos Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã e do Iguaçu, com partes desmembradas dos Estados do Pará, do Amazonas, de Mato Grosso, do Paraná e de Santa Catarina, respectivamente. Brasil, 1943.
  • COSTA, P. M. C. da. Na ilharga da Fortaleza, logo ali na beira, lá tem o regatão: os significados dos regatões na vida do Amapá – 1945-1970. Belém: Açaí, 2008.
  • FENELON, D. et al. Muitas memórias, outras histórias São Paulo: Olho d’Água, 2004.
  • KNOURY, Y. A. Muitas memórias, outras histórias: cultura e o sujeito da história. In: FENELON, D. et al. Muitas memórias, outras histórias São Paulo: Olho d’Água, 2004. p. 116-138.
  • LIMA, B. F. Minha vida, minha luta, minha morte s.d. (no prelo).
  • LIMA, B. F. Entrevista: Benony Ferreira Lima [25 e 29 de fevereiro de 2012]. Macapá: Unifap, 2012.
  • LIMA, F. A. de O. Soldados da borracha: das vivências do passado às lutas contemporâneas. Manaus: Valer e Fapeam, 2014.
  • LOPES, S. N. O comércio interno no Pará oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle entre 1840-1855 Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2002.
  • LUNA, V. X. Um cais que abriga histórias de vidas: sociabilidades conflituosas na gentrificação da cidade de Macapá: (1943-1970). Brasília: Senado Federal, 2020.
  • MORTARA, G. População de fato do Território do Amapá nas suas novas fronteiras. Boletim Geográfico, ano 2, n. 17, p. 665-667, ago. 1944.
  • NASCIMENTO, L. Entrevista: Leonel Nascimento [8 e 19 novembro de 2011]. Macapá: Unifap, 2011.
  • NUNES, J. Relatório das Atividades do Governo do Território Federal do Amapá, em 1944, apresentado ao Exmo Senhor Presidente da República pelo Capitão Janary Gentil Nunes Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946.
  • POLLAK, M. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, l. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
  • POLLAK, M. Memória e identidade. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.
  • PORTELLI, A. O momento da minha vida: funções do tempo na história oral. In: FENELON, D. et al. Muitas memórias, outras histórias São Paulo: Olho d’Água, 2004. p. 296-313.
  • SILVA, A. Entrevista: Aurélio Silva [13 de setembro de 2011]. Macapá: Unifap, 2011.
  • SILVA, J. L. Entrevista: Josefa Lina Silva [12 de dezembro de 2013]. Macapá: Unifap, 2013.
  • SILVA, M. L. da. Território Imaginado: Amapá, de território a autonomia política (1943-1988) Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Departamento de História, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
  • SOARES, L. de C. Contribuição ao estudo da ocupação humana do Território do Amapá. Boletim Carioca de Geografia, Rio de Janeiro, ano II, n. 2-3, p. 11-36, 1949.
  • TRINDADE, J. S. B. No tempo das águas cheias: memórias e história dos negros do curial-AP Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999.
  • VIDEIRA, P. L. Marabaixo, dança afrodescendente: significando a identidade étnica do negro amapaense. Fortaleza: Edições UFC, 2009.
  • WILLIAMS, R. Marxismo e literatura Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2022
  • Aceito
    09 Mar 2022
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas Secretaria da Revista Estudos Históricos, Praia de Botafogo, 190, 14º andar, 22523-900 - Rio de Janeiro - RJ, Tel: (55 21) 3799-5676 / 5677 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: eh@fgv.br