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ASSOCIATIVISMO E REDES DE CIRCULAÇÃO DE IDEIAS NO CARIBE BRITÂNICO: A EXPERIÊNCIA DO LEFT BOOK CLUB IN JAMAICA1 1 Este artigo é resultado parcial da pesquisa intitulada “O Left Book Club e seus associados: circulação transnacional das ideias socialistas em rede atlântica (1935–1948)”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Agradeço à professora Tania Regina de Luca, do Departamento do História da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Assis, e à professora Leslie James, da Queen Mary, e à University of London pela orientação e pelo apoio durante a pesquisa.

Associativism and networks in the British Caribbean: the experience of the Left Book Club in Jamaica

Asociativismo y redes para la circulación de ideas en el Caribe Británico: la experiencia del Left Book Club en Jamaica

Resumo

Com base na história do Left Book Club in Jamaica (LBCJ), fundado em Kingston, em 1938, pelo historiador e sindicalista Richard Hart, este artigo pretendeu analisar processos de circulação, leitura e apropriação de ideias anticoloniais em circuito transnacional. Além de atuar como clube do livro, fazendo circular material impresso produzido na metrópole, por sua matriz britânica, o Left Book Club de Londres, o LBCJ atuou como centro de congregação intelectual e formação educacional local, desempenhando papel fundamental no associativismo jamaicano em um período de convulsão política e social no Caribe, às vésperas da Segunda Guerra Mundial.

Palavras-chave:
Circulação de Ideias; Atlântico Negro; Império Britânico; Colonialismo e Anticolonialismo; Caribe Britânico

Abstract

Based on the history of the Left Book Club in Jamaica (LBCJ), founded in Kingston, in 1938, by the historian and unionist Richard Hart, this article intends to think about processes of circulation, reading and appropriation of anti-colonial ideas in a transnational circuit. In addition to serving as a book club, circulating printed material produced in the metropolis by its British head office, the Left Book Club of London, the LBCJ was a center for intellectual congregation and local educational formation, playing a key role in Jamaican associativism in a period of great political and social upheaval in the Caribbean on the eve of World War II.

Keywords:
Circulation of Ideas; Black Atlantic; British Empire; Colonialism and Anti-colonialism; British Caribbean

Resumen

Basado en la historia del Left Book Club in Jamaica (LBCJ), fundado en Kingston, en 1938, por el historiador y sindicalista Richard Hart, este artículo pretende reflexionar sobre los procesos de circulación, lectura y apropiación de ideas anticoloniales en un circuito transnacional. Además de servir como un club de lectura, la circulación de material impreso producido en la metrópoli por su sede británica, el Left Book Club de Londres, el LBCJ sirvió como un centro para la congregación intelectual y la formación educativa local, desempeñando un papel clave en lo asociativismo en Jamaica en un período de gran agitación política y social en el Caribe en vísperas de la Segunda Guerra Mundial.

Palabras-clave:
Circulación de Ideas; Atlántico Negro; Imperio Británico; Colonialismo y Anticolonialismo; Caribe Británico

INTRODUÇÃO

Baseado em documentação primária, resultado das pesquisas de campo em arquivos britânicos, entre 2015 e 2019, pretendi recuperar neste artigo a história do Left Book Club in Jamaica (LBCJ), um dos principais centros do associativismo intelectual jamaicano nas décadas de 1930 e 19402 2 A documentação primária deste artigo foi colhida em pesquisas de campo, entre 2015 e 2019, em diversos arquivos, entre eles os Richard Hart Papers, documentação microfilmada datada de 1937 a 1964, em posse da Senate House, do Institute of Commonwealth Studies; o National Archives, Kew; e a documentação pertencente ao University of Sussex and Brighton and Hove Royal Pavilion Museum Records. Agradeço aos staffs das monumentais coleções pelo apoio às minhas pesquisas. Além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que financiou as pesquisas em 2019, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa do doutorado sanduíche, a qual me permitiu fazer os levantamentos em 2015. . Fundado pelo historiador, ativista e sindicalista jamaicano Richard Hart em finais de 1938, em Kingston, o LBCJ teve papel essencial na formação cultural de uma geração de jamaicanos que seriam peça-chave na história local nos períodos pré e pós-Segunda Guerra Mundial: da chegada das ideias marxistas à Ilha, passando pela organização dos movimentos sociais anticoloniais, que resultariam nas primeiras organizações sindicais dentro da Jamaica, até a organização política, que culminariam com a independência da Ilha, em 6 de agosto de 1962.

O clube era uma das pontas que conectavam globalmente as colônias britânicas à margem da administração colonial pelas redes costuradas pelo Left Book Club (LBC), o primeiro clube do livro da era moderna na Grã-Bretanha, fundado por Victor Gollancz, que funcionou entre 1935 e 1948. O LBC de Londres trabalhou sobre um tripé:

  • edição de livros de esquerda, distribuídos para seus assinantes;

  • educação das classes trabalhadoras pelos debates e aulas dominicais;

  • edição da revista “Left News”.

O LBC fundou mais de 1.500 seções em diversas cidades britânicas e outras 15 no globo por dentro do Império britânico e em zonas de sua influência, como na Austrália, na Índia, no Canadá, na França, na África e no Caribe.

Essas seções locais, além de difundir o material impresso produzido pela filial londrina, funcionaram como centro de congregação local, desempenhando importante papel na leitura e apropriação das ideias que circularam por esse circuito transnacional. O LBCJ, como uma das pontas dessa rede, não apenas se alimentou desses debates, dando difusão a essas ideias no contexto convulsionado do Caribe britânico às vésperas da Segunda Guerra Mundial, como ajudou a circular as lutas dos trabalhadores caribenhos entre as demais seções, alimentando essa rede global de circulação de ideias.

O LEFT BOOK CLUB E O ASSOCIATIVISMO NA JAMAICA ENTRE AS DUAS GUERRAS MUNDIAIS

Em grande medida, a fundação do Left Book Club in Jamaica (LBCJ), em Kingston, em finais de 1938, pelo historiador, sindicalista e ativista político local Richard Hart3 3 Entre esses títulos estão “The origins and development of the people of Jamaica” (1952); “Slaves who abolished slavery: black rebellions” (1980); “The end of Empire: transition to independence in Jamaica and other Caribbean region colonies” (2006). Documentos relativos à trajetória de Richard Hart estão na National Library of Jamaica, na University of the West Indies (Kingston), e grande quantidade de material microfilmado, no Institute of Commonwealth Studies, University of London, no fundo “Richard Hart Papers — ICS122/1937–1964”. p. 1. Disponível em: archives.ulrls.lon.ac.uk/Details/archive/110025177. Acesso em: 25 out. 2019. , foi o resultado de um conjunto de demandas sociais e políticas resultantes das transformações históricas que o Caribe britânico vivia ao final da década de 1930. O ano de 1938, especialmente, viu as posições consolidadas da administração colonial britânica no Caribe serem solapadas por um conjunto de greves massivas que se espalharam por todas as ilhas, como resultado da exploração abusiva da força de trabalho local pelas companhias coloniais, somadas aos impostos abusivos e à falta de interesse dos governadores coloniais em resolver as demandas das populações nativas. Simultaneamente às greves caribenhas, as disputas da Frente Popular na Europa e a luta antifascista foram inevitavelmente transportadas para as colônias britânicas, incluindo as do Caribe.

A necessidade de construir uma frente unida que agregasse partidos e sindicatos de esquerda contra o avanço global do fascismo era tema recorrente na imprensa de esquerda jamaicana, por exemplo, no jornal Jamaica Labour Weekly, de 14 de maio de 1938, quando na primeira página estampava: “The call to unity”, um chamado para a organização de uma frente ampla na Jamaica nos moldes da Frente Popular na Europa.

Outra componente fundamental para a mobilização transnacional que resultaria em diversas formas de apoio locais à proposta de uma frente ampla e unida antifascista foi a massiva repercussão global da Guerra Civil espanhola, exportada para o contexto jamaicano por meio da circulação global do antifascismo4 4 Outro evento no período anterior ao início da Segunda Guerra Mundial, com repercussão transnacional, foi a Guerra Ítalo-Etíope (1934–5). A Guerra Civil espanhola teve repercussão mais ampla, no entanto, consolidou o fascismo como movimento transnacional, com pretensões coloniais, como demonstrado na Etiópia, o que, a partir de 1935, ajudou a transformar o antifascismo também num movimento transnacional. E as redes costuradas pelo LBC por dentro do Império britânico tiveram papel fundamental na difusão da Guerra Civil espanhola como tema transnacional, tal como analisei em artigo anterior: Silva (2017). . O conflito foi destaque na imprensa local, como na edição do mesmo Jamaica Labour Weekly, de 28 de janeiro de 1939, onde há menção da luta antifascista na Espanha, com especial destaque para as “Abraham Lincoln brigades”, incluindo o papel desempenhado por Oliver Law, o primeiro afro-estadunidense a assumir o comando de uma unidade militar na história dos Estados Unidos da América (EUA).

O LBCJ é então o resultado direto desse contexto convulsionado da Ilha. O que a documentação primária indica é que a seção local do LBC tinha os mesmos objetivos de sua matriz britânica: um projeto amplo de educação das classes trabalhadoras para lhes dar ferramentas teóricas para compreender o mundo em que viviam, objetivo afirmado pelo próprio Hart em circular enviada aos membros do LBCJ, de 21 de novembro de 1939 (Figura 1).

Figura 1
Circular de 21 de novembro de 1939, informando aos membros do LCBJ as atividades do clube e seus objetivos institucionais.

Assim como sua contraparte britânica, o LBCJ atuava como um clube do livro e de leitura, funcionando por meio da distribuição de livros, panfletos e da revista oficial da seção londrina, Left News. Os livros eram encomendados diretamente por Richard Hart da matriz britânica e enviados via correio em seu nome para a Jamaica, os quais eram anunciados em circulares do clube, vendidos ao preço de capa. Ao mesmo tempo, o LBCJ organizava palestras, rodas de leitura e atividades de educação popular, debatendo de maneira ampla temas locais e internacionais.

Mesmo sob forte censura, o que inclui também dificuldades na importação de livros desde a matriz em Londres, passando pelos riscos da acusação de crime de sedição dentro da colônia5 5 A repressão e a censura que se estenderam no Caribe britânico, particularmente na Jamaica, do fim dos anos 1930 até o fim dos 1940, prosseguiram nas primeiras décadas da guerra fria. No entanto, não atingiram apenas os materiais impressos, elas levaram também à prisão agentes literários e intelectuais, incluindo o próprio Hart, em novembro de 1942, sob a acusação de “acts prejudicial to the public safety or defence”, com base na Jamaica Defense Regulations, de 1940. Richard Hart Papers – ICS122/1937–1964. , as atividades do LBCJ não eram clandestinas ou mesmo secretas. Ao contrário, eram largamente divulgadas por meio de anúncios em muitos dos jornais da esquerda jamaicana6 6 Por exemplo, no jornal The Worker, de 9 de março de 1940, na p. 3, onde consta o anúncio da palestra de N. W. Manley sobre as recomendações feitas pela Royal Comission, na sede de Kingston do LBCJ, que seria realizada no dia 14 de março. Richard Hart Papers — ICS122/1937–1964. (Figura 2). Outro aspecto interessante indicado nos vários anúncios divulgados sobre as atividades de diversos clubes do livro e grupos intelectuais locais foi notar que o material produzido pelo LBC de Londres e enviado para a Jamaica não circulava de maneira restrita aos eventos promovidos por sua seção local, mas também era comercializado por outros clubes do livro e grupos intelectuais jamaicanos, o que pode indicar uma rede muito mais ampla de circulação dentro da Jamaica e das colônias do Caribe7 7 Por exemplo, em anúncio publicado no jornal The Worker, de 5 de março de 1940, na página 4, onde consta a propaganda do Worker's Book Club anunciando o livro “Barbarians at the Gate”, de Leonard Woolf, lançado pelo LBC em Londres, em 1939. .

Figura 2
Anúncio dos livros comercializados pelo LBCJ no Public Opinion de 21 de outubro de 1939, p. 11.

Não há indicações precisas sobre a data de encerramento das atividades do LBCJ. Talvez possamos conjecturar depois de 1948, quando a matriz de Londres deixou de atuar. Há indicações, no entanto, de que as atividades do LBCJ continuaram por meio de outro órgão batizado de People's Educational Organization (PEO), que tinha Richard Hart também como seu chairman. O que a documentação primária indica é que a PEO foi a continuação dos trabalhos do LBCJ, apesar de também não haver indicações claras no material da Senate House sobre a data de fundação da entidade, já que a organização funcionava com um modelo parecido com o do LBCJ, organizando palestras públicas, grupos de discussão e leitura, debates e publicando uma revista semanal chamada News Forum.

A JAMAICA E O CARIBE BRITÂNICO EM MEIOS ÀS INSURREIÇÕES DA DÉCADA DE 1930

Nascido Ansell Richard Hart (1917–2013), o fundador do LBCJ atuou ativamente como líder sindical e partícipe direto dos movimentos grevistas e insurrecionais tanto dentro da Jamaica como na região do Caribe britânico nas décadas de 1930 e 1940. Foi também um dos principais historiadores jamaicanos do século XX, com livros fundamentais para a fundação da historiografia local nas décadas de 1950 e 1960 que, ao longo do processo de independência, estudou as relações da dominação colonial com o desenvolvimento econômico, social e político da Jamaica e do Caribe.

Hart foi membro dos principais organismos sindicais e pré-sindicais da Jamaica, como o Labour Committee, fundado em 1938 por Norman Manlay e William Bustamante, pelo qual foi responsável pela composição de um modelo de constituição sindical inédito na Ilha. Em 1939, foi secretário do Trade Union Advisory que, adiante, se tornaria o Trade Union Council. Entre 1942 e 1948, Hart presidiu a Jamaica Government Railway Employees e de 1949 até 1953, ocupou a vice-presidência do Trade Union Congress of Jamaica. Em termos regionais, foi secretário-assistente do Caribbean Labour Congress desde sua formação, em 1945, e seu secretário-geral entre 1946 e 1953.

Além de sua atividade política e sindical, Hart se destacou como agitador e promotor cultural, sendo considerado um dos primeiros intelectuais jamaicanos a debater a tradição marxista como ferramenta de organização política e intelectual em meio ao contexto local, onde a primazia das ideias pan-africanas e a tradição do garveyismo eram destacadas. Antes mesmo da fundação do LBCJ, Hart havia integrado clubes de escritores existentes na Jamaica, entre eles o Readers and Writer's Club, fundado por Frank Mill e Una Marson, importante figura do ativismo negro jamaicano (Hart, 1999HART, R. Towards decolonization: political, labour and economic development in Jamaica. 1938-1945. Kingston: University of West Indies, 1999.).

O momento de fundação do LBCJ, em 1938, coincide com o início de uma greve geral dos trabalhadores jamaicanos, resultado de uma onda de paralisações nas colônias caribenhas britânicas, entre 1934 e 1939, atribuídas pelos órgãos de inteligência britânicos, no entanto, à influência comunista na Ilha. Houve ainda intensa preocupação das autoridades coloniais sobre o material distribuído pelo LBC no Caribe, por órgãos como o LBCJ8 8 Ambas as informações podem ser lidas nas cartas trocadas por Sir Edward Brandis Denham, administrador colonial britânico que trabalhou como governador de Gâmbia (1928–1930), da Guiana britânica (1930–1935) e da Jamaica (1935–1938), e Sir Cosmo Parkinson, subsecretário de Estado para as colônias britânicas (1940–1942). Essa documentação pode ser encontrada na pasta CO 318/427/13 — Documento 71149/37 West Indies Papers (relacionados à correspondência com as colônias britânicas das Índias Ocidentais). The National Archives, Kew, London. .

A importância transnacional das greves desencadeadas no Caribe britânico na década de 1930 é atestada largamente pela grande repercussão nos movimentos pan-africanista e comunista internacional. Um dos comentaristas que deram eco global ao levante anticolonial no Caribe britânico foi o ativista e médico George Padmore (1903–1959). Nascido em Trinidad, imigrou das Índias Ocidentais britânicas para os EUA em 1924 para estudar medicina. Lá se filiou ao Communist Party of United States of America (CPUSA) e, no fim da década de 1920, viajou a Moscou (Rússia) como delegado do CPUSA para o III Congresso da Internacional Comunista. Ali foi convidado a encabeçar o Negro Bureau, ligado à Red International of Labour Union (Profintern). Como presidente do Negro Bureau, mudou-se para Paris (França) e depois para Londres (Inglaterra), onde estabeleceu diversas conexões com entidades de imigrantes africanos e caribenhos, conectando os círculos pan-africanos com as entidades comunistas. Em julho de 1938, publicou, na revista londrina International African Opinion, o artigo “Labor unrest in Jamaica” (Padmore, 1938PADMORE, G. Labor unrest in Jamaica. International African Opinion, v. 1, n. 1, 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/unrest-jamaica.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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).

Em seu artigo, relembra as condições sociais e econômicas da Jamaica, a maior das colônias britânicas no Caribe, à época em que a greve geral tomava conta do país:

Used as we have now become to descriptions of the manner in which great masses of people within the Empire live, even a brief review of the conditions of the Jamaican workers comes as something of a shock. Jamaica is entirely agrarian, and its economy is absolutely dependent upon the export of bananas, coffee, ground nuts, sugar and its by-product rum, pineapples and other tropical fruits. Its population density is heavier than in many European countries, about 290 to the square mile. (England has 269.) Of the total population of 1,138,558, the majority are Negroes, descendants of African slaves. There is a large half-caste population and a number of Chinese and Indians. But the 20,000 whites are the real masters of the colony. They and the absentee landlords form the plantocracy. Many of the local-born Europeans are also engaged in trade. They and their agents dominate the commercial and political life of the country (Padmore, 1938PADMORE, G. Labor unrest in Jamaica. International African Opinion, v. 1, n. 1, 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/unrest-jamaica.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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).

O que se via na Jamaica na segunda metade da década de 1930 era um país majoritariamente agrário, monocultor (banana e cana-de-açúcar eram suas principais commodities), com a propriedade rural concentrada nas mãos da pequena parcela de brancos europeus e o Estado colonial voltado, jurídica e militarmente, para a proteção dessa camada dirigente. O que restava para as demais camadas da população majoritariamente composta por negros, mas que contava também com imigrantes chineses e indianos, em menor expressão, era a venda de sua mão de obra por preços irrisórios, sem nenhuma perspectiva de ampliação de seus direitos trabalhistas ou as mínimas garantias de seguridade social e econômica, com isso elevando os números da mortalidade infantil, do analfabetismo e da desnutrição da maior parte da população na Ilha. Sobre isso, Padmore (1938PADMORE, G. Labor unrest in Jamaica. International African Opinion, v. 1, n. 1, 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/unrest-jamaica.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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) escreveu:

Natives owning small plots are harassed by high taxation, the rising cost of living, and decreased prices for their output; but the great mass of them remain without land. With or without land, circumstances force them to sell their labour power, and there is a continual migration from the rural districts to the towns, where they live, penned together like cattle, in stinking-slums. Writing from Jamaica, the Correspondent of the Daily Herald says, “I entered the wooden houses, little more than huge dog kennels, of men who are expected to live on ninepence to two shillings a day wages. Families of six were living in one room, eating one poor meal a day and supplementing it with a few odd coconuts blown from trees.”

Em janeiro de 1938, como lembou o médico e ativista, 75 mil trabalhadores jamaicanos estavam desempregados. Com a produção na Ilha monopolizada por companhias estrangeiras, como a estadunidense United Fruit Company of America e a Standard Fruit and Steamship Company, e sem uma legislação trabalhista que assegurasse um salário mínimo aos trabalhadores, ficava fácil para os grandes produtores locais controlar preços e salários, por meio da manipulação, do mercado exportador jamaicano (Padmore, 1938PADMORE, G. Labor unrest in Jamaica. International African Opinion, v. 1, n. 1, 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/unrest-jamaica.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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). As condições degradantes e extremamente limitadas para os trabalhadores locais levaram ao caos social no fim de 1937 no início de 1938, desencadeando-se os protestos:

Hungry people are driven to desperate measures, and the suppressed have nothing to lose but their servitude. Therefore, unorganised though they were, and without experienced trade union leaders to negotiate with the employers, 600 labourers, accompanied by their wives and ragged children, marched on Monday, May 2nd, to the office of Mr. Lindo, the European manager of the West Indies Sugar Company's factory at Old Frome in the parish of Westmorland. It seems a slight disturbance had occurred on the previous Friday at the Frome estate, where a new factory was being erected. Some windows were broken, but there were no casualties and quiet was restored in an hour. The day following, between 400 and 500 labourers employed on the new factory struck for higher wages. The strikers behaved in an orderly fashion. but ninety extra police were, however, drafted to the area (Padmore, 1938PADMORE, G. Labor unrest in Jamaica. International African Opinion, v. 1, n. 1, 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/unrest-jamaica.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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).

A repressão violenta da administração colonial não tardou a ocorrer, levando a dezenas de feridos e alguns mortos (Padmore, 1938PADMORE, G. Labor unrest in Jamaica. International African Opinion, v. 1, n. 1, 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/unrest-jamaica.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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). Além disso, a administração colonial tentou censurar a propagação de notícias sobre a greve, tratando-a como um problema localizado dentro da Ilha. No entanto, lembrou, quase simultaneamente, ondas de protestos estouraram também na capital Kingston, iniciadas por garis e trabalhadores das docas, com adesão nos dias seguintes de comerciantes, trabalhadores das industrias açucareiras e até bombeiros. Era clara a incapacidade da administração local de responder às demandas por melhores condições de trabalho e vida da população jamaicana sufocada pela indústria multinacional exportadora (Padmore, 1938PADMORE, G. Labor unrest in Jamaica. International African Opinion, v. 1, n. 1, 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/padmore/1938/unrest-jamaica.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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).

Além de divulgar de maneira crítica a onda de greves que se espalhava pelo Caribe britânico — para além das pequenas notas nos jornais semanais, como o Daily Herald, citado pelo próprio Padmore —, o artigo de 1938 serviu para localizar o público londrino, em especial aquele ligado aos círculos pan-africanos e da esquerda, sobre as agruras da população jamaicana espremida entre uma economia estrangulada pela monocultura e pelos interesses das grandes multinacionais agroexportadoras, que monopolizavam a produção local, e uma administração cujo objetivo era manter a ordem social e o funcionamento do sistema de exploração colonial. Em grande medida, o retrato que o ativista fez das greves jamaicanas serviu para interligar a situação econômica e social que se espalhava pelas demais colônias britânicas por dentro do Império.

As pressões sociais e a amplitude das reivindicações que se espalharam pelo Caribe britânico na década de 1930 forçaram o governo em Londres a dar atenção às reivindicações locais, o que foi feito em 5 de agosto de 1938, com a criação da West India Royal Commission, que ficou conhecida como Moyne Comission, para produzir um relatório detalhado sobre as condições de vida e trabalho nas colônias caribenhas, a fim de propor soluções administrativas aos governadores locais.

Victor Gollancz, editor-chefe do LBC em Londres, também repercutiu as greves que se espalharam por essas colônias em diversos artigos publicados na revista Left News ao longo dos primeiros anos da década de 1940, mas em especial com a publicação do livro Labour in the West Indies: the birth of a workers’ movement (1939), de William Arthur Lewis (2000LEWIS, W. A. Labour in the West Indies: the birth of a workers’ movement. Londres: New Beacon Books, 2000.), até então o primeiro relato/análise das greves no Caribe entre 1934 e 1939. O livro foi publicado originalmente em 1939, em edição conjunta com a Fabian Society.

William Arthur Lewis (1915–1991) nasceu na ilha caribenha de Santa Lúcia, então colônia britânica, mas se radicou em Londres, formando-se em economia pela London School of Economics, pela qual cursou também seu doutorado em economia (1940), atuando como professor daquela instituição até 1948. Foi também docente da Universidade de Manchester até 1957. Nesse mesmo ano, Gana (África) declarou sua independência e seu primeiro governo convidou Lewis a ocupar o posto de primeiro conselheiro econômico, cargo no qual coordenou o primeiro Plano Quinquenal de desenvolvimento econômico do país (1959–1963).

Em 1959, de volta ao Caribe, foi indicado como vice-chanceler da Universidade das Índias Ocidentais e, em 1963, condecorado como Cavaleiro da Ordem Real britânica por suas contribuições na área econômica e indicado como professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, onde permaneceu até sua aposentadoria, em 1983. Pouco tempo antes, em 1979, consagrou-se como o primeiro afrodescendente a receber o Prêmio Nobel de Economia, o qual dividiu com Theodore Schultz, então docente da Universidade de Chicago (EUA).

O texto original de Lewis sobre as greves no Caribe britânico dividiu-se em três partes principais: análise da situação social das Índias Ocidentais; análise do movimento trabalhista caribenho em nascimento nas diferentes ilhas do Caribe britânico na década de 1930; e a sessão intitulada “What can be done”, focada em questões econômicas e políticas. A publicação original era acompanhada por um apêndice com as resoluções do Primeiro Congresso Trabalhista das Índias Ocidentais, em 1938, e um excerto do relatório da reunião da Comissão Moyne ocorrida em Barbados.

A narrativa de Lewis leva o leitor a acompanhar as movimentações iniciais que culminaram na formação dos primeiros sindicatos nas colônias britânicas nas ilhas caribenhas nas principais áreas de concentração do desemprego, como na exploração de petróleo, no abastecimento de água e nos transportes terrestres. Esses sindicatos, acompanhando as primeiras greves massivas que se espalhavam pelas colônias desde 1934, mostravam o início da participação da classe trabalhadora caribenha na política local. Segundo o autor, tais organizações serviram também para assegurar as primeiras formas de legislação trabalhista, garantindo, por exemplo, um salário-mínimo para os trabalhadores do campo.

Esses movimentos levaram ao Congresso de Trinidad, em 1938, primeiro grande evento a unificar os movimentos trabalhistas espalhados pelas colônias britânicas no Caribe e que permitiu conquistas históricas, como o sufrágio universal para maiores de 18 anos, o desmembramento das plantations e a criação de cooperativas comunitárias de camponeses, a nacionalização das fábricas de açúcar e dos serviços públicos, a criação de um sistema previdenciário, seguro-saúde e para desempregados, e a reforma da legislação trabalhista.

Como economista, Lewis fez diversas recomendações, tais como a revisão dos preços dos produtos exportados, por meio do controle estatal da produção; um programa nacional de financiamento para contrabalançar os impostos coloniais britânicos; o desenvolvimento da indústria local; a redistribuição das propriedades como forma de sanar os atrasos provocados pela colonização; o aumento dos salários e a implementação de uma legislação específica para a produção industrial.

CAMINHOS CRUZADOS: ENTRE CIRCULAÇÃO, LEITURA E APROPRIAÇÃO DOS DEBATES TRANSNACIONAIS

É preciso lembrar ainda que a Jamaica se apresenta como um caso-chave para os estudos sobre os movimentos intelectuais e políticos no Caribe britânico e a erupção de um movimento anticolonial e anti-imperialista de repercussão transnacional. Em primeiro lugar, por ser a maior das colônias britânicas na região, com população de mais de um milhão de pessoas na metade da década de 1930, em segundo, pela importância do país na difusão internacional do pensamento anticolonial, por meio do movimento pan-africanista e da figura de Marcus Garvey, inclusive fora dos países anglófonos, já que, entre outros contextos, alcançou até mesmo os intelectuais negros paulistanos (Domingues, 2017DOMINGUES, P. O “Moisés dos pretos”: Marcus Garvey no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 3, p. 129-150, 2017. https://doi.org/10.25091/S0101-3300201700030006
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). A importância da Jamaica para a expansão do pensamento negro se dá antes mesmo dos grandes movimentos insurrecionais da década de 1930. É preciso lembrar, por exemplo, a fundação da Universal Negro Improvement Association (UNIA), no país, em 1914, depois refundada em Nova York, em 1916, num período de efervescência cultural afro-estadunidense.

O slogan de Marcus Garvey era sintomático: “A África para os africanos no nosso território e fora”. Esse slogan contrapunha um período de enorme segregação racial nos EUA e um forte eurocentrismo nos movimentos sociais internacionalistas. O foco central era um desejo de retorno à África, também defendido por membros da diáspora africana. A UNIA propunha-se a estabelecer uma contraposição à Sociedade das Nações, reivindicando a existência de 4 milhões de membros no início da década de 1920 e dirigir publicações que influenciavam milhões de pessoas na África, na Europa e na América do Norte. A UNIA seria a base inspiradora para uma série de organizações de inspiração pan-africana nos EUA, como a African Blood Brotherhood (ABB), fundada no Harlem (Nova York), em 1919, pelo intelectual, jornalista e ativista negro Cyrill Briggs, uma entre tantas entidades e organizações negras que surgiram nos EUA no contexto pós- Primeira Guerra Mundial, que culminariam com a chamada Harlem Renaissance da década de 1920.

É importante pensar então como o Left Book Club in Jamaica nasceu, por um lado, como ferramenta de organização desses intelectuais ligados diretamente ao nascimento do movimento trabalhista caribenho, em meio à onda de greves que sacudiram o Caribe britânico entre 1934 e 1939. Por outro, a experiência do LCBJ representou uma tentativa de compreender os debates internacionais disseminados pelas redes costuradas pelos trabalhos de sua contraparte europeia, o Left Book Club de Londres, pela disseminação do material que distribuía.

O trabalho de leitura e apropriação desses debates internacionais mostrou as tentativas de construir um léxico nacionalista da intelligentsia jamaicana em meio à difusão das ideias marxistas na Ilha e à construção da identidade local forjada nos embates trabalhistas da década de 1930.

Uma vez mais, o papel dos intelectuais — e das redes costuradas por eles — ajudaria a retraçar essas rotas por onde ideias migrariam de um grupo para outro e, no processo de recepção e leitura mútuas, como estas seriam realocadas nos “contextos linguísticos” — para usar um conceito desenvolvido por Quentin Skinner (1988SKINNER, Q. Meaning and understanding in the history of ideas. In: TULLY, J. (org.). Meaning and context: Quentin Skinner and his critics. Princeton: Princeton University Press, 1988. p. 29-67.) — específicos pela apropriação desses textos e conceitos, tema largamente debatido na História da Leitura, entre outros, por Roger Chartier (1994CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. Brasília: Editora da UnB, 1994.). Considerando essa perspectiva metodológica, seria possível compreender como um grupo de intelectuais situados em diferentes partes do Império britânico, inseridos em contextos políticos e econômicos diferentes, não apenas puderam ler e debater os mesmos textos, mas para debatê-los, puderam partir dos mesmos referenciais teóricos.

O trabalho de leitura e apropriação de conceitos e projetos nacionais que se entrecruzam em redes de circulação de ideias permite pensar ainda em outro aporte teórico: a formação de redes de intelectuais, já que, no caso da pesquisa que baliza este artigo, são eles, os intelectuais, tanto quanto os livros, que circularam por entre essas redes atlânticas (Darnton, 2014DARNTON, R. Poesia e polícia: redes de comunicação na Paris do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.)9 9 Robert Darnton (2014), em muitos de seus livros, falará ainda de redes de comunicação, dando conta de circuitos por onde as ideias circulam, tendo os livros — no seu caso, os livros sediciosos, que carregavam a crítica ao Ancién Regime — como seu suporte material. Cito apenas a título de referência aqui um de seus últimos livros publicados no Brasil e que tem como subtítulo justamente o conceito de “redes de comunicação”. .

O estudo das redes já é uma ferramenta consagrada pelas ciências sociais desde a década de 1940, quando foram propostas, primeiro na antropologia, por Radcliffe-Brown (1940RADCLIFFE-BROWN, A. R. On social structure. Journal of the Royal Anthropological Society of Great Britain and Ireland, v. 70, n. 1, p. 1-12, 1940. https://doi.org/10.2307/2844197
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) e depois, nos anos 1950, empregada no campo da sociologia por Georg Simmel (1955SIMMEL, G. Conflict: the web of group affiliations. Ilinois: Glacoe Free Press, 1955.). Na historiografia latino-americana, a reconstrução das redes (então derivada como “religación”) aparece na obra pioneira do uruguaio Ángel Rama (1985RAMA, Á. Algunas sugerencias de trabajo para una aventura intelectual de integración. In: PIZARRO, A. (org.). La literatura latinoamericana como proceso. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1985. p. 85-97.) e é amplamente difundida nos estudos de interação e troca tanto no espectro local e regional latino-americano quanto destas sociedades (ou grupos específicos) com a Europa e o restante do mundo, assim como os itinerários intelectuais desses circuitos10 10 Sobre o caso brasileiro, há também uma série de trabalhos que tomam como referência o estudo das redes em variados sentidos, em especial durante o período do Império. Apenas para citar um, que dialoga de maneira mais próxima com essa tradição latino-americana, há o estudo do antropólogo argentino Gustavo Sorá (2003), mestre e doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ, intitulado Traducir el Brasil: uma antropología de la circulación internacional de ideas. .

Os estudos das redes de intelectuais apresentam os chamados “espaços de sociabilidade”, onde esses homens e mulheres se encontram, como clubes, cafés, universidades, partidos políticos, mas também revistas, livros, manifestos, cartas e encontros informais, em que a oralidade é um mecanismo central de trocas (Sirinelli, 2003SIRINELLI, F. Os intelectuais. In: REMOND, R. (org.). Por uma nova história política. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2003. p. 231-269.)11 11 A noção de “espaços de sociabilidade” foi consagrada nas obras de Norbert Elias A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte (2001) e O processo civilizador (2009). Há ainda outra proposta de entendimento desses espaços de sociabilidade no estudo dos clubs britânicos na Índia colonial e seu papel na aglutinação da classe administrativa britânica no também clássico levantamento organizado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger (2002). . O objetivo do estudo dessas redes foi então mapear os caminhos de contato e interação desses homens e mulheres tanto quanto denotar os pontos de intersecção onde se dão estritamente as trocas e a circulação de ideias — objeto primevo do trabalho intelectual. Pode-se argumentar ainda que o intelectual toma a forma de uma figura de mediação entre os espaços privados de cultura, dos quais os círculos intelectuais, como as universidades, podem ser sinônimos, e os espaços públicos da sociedade, divulgando e repercutindo em escalas maiores os assuntos discutidos dentro daqueles12 12 Há ainda o conceito de afiliações múltiplas, estabelecido na obra de Karl Manheim (2001), que me parece útil para pensar essas relações em rede. Assim como Norbert Elias, Mannheim teve os saloons franceses como foco de análise daquilo que ele definiu como “associação moderna”. O autor considerou o salão como a grande expressão da associação moderna, já que ele definiu, tal qual propõe Georg Simmel, um tipo de relação social parcializada e heterogênea entre indivíduos social, econômica e intelectualmente diferentes, congregados, no entanto, pelas mesmas “opiniões” (para usar uma expressão recorrente em Mannheim). .

O estudo das sociabilidades intelectuais, que cerca o mapeamento de suas redes, envolve compreender a existência de demandas e interesses específicos que aproximam esses homens e mulheres, criando práticas de sociabilidade internas também específicas. Estas seriam decisivas, por exemplo, para compreender determinadas agregações sociais dentro de contextos históricos específicos. Com isso temos conjuntos de valores compartilhados, tais quais afinidades políticas, a paixão pelo debate, as sensibilidades ideológicas e culturais, uma mesma apreensão da relação com os espaços públicos, dentre outros aspectos (Elias, 2001ELIAS, N. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001., 2009ELIAS, N. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. 2 v.; Hobsbawm e Ranger, 2002HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2002.; Sirinelli, 2003SIRINELLI, F. Os intelectuais. In: REMOND, R. (org.). Por uma nova história política. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2003. p. 231-269.).

A historiografia já consagrada, que tratou das redes de sociabilidades intelectuais, deu centralidade às instituições ou aos espaços de legitimação profissional dos intelectuais, daí também decorrem os estudos das revistas, dos círculos privados onde esses homens e mulheres se encontram, dos partidos políticos e outros. Há, obviamente, estudos que tratam dos percursos públicos dessas redes, em especial na consideração do espaço público também como um mediador de debates ou mesmo de aglutinação política. O ponto central no estudo das redes, no entanto, é a possibilidade de traçar os caminhos de interação para além das fronteiras nacionais, comunitárias e culturais.

A perspectiva de que essas redes de intelectuais possam ser transnacionais indica que essas interações — as mesmas que se dão nos espaços privados de sociabilidade ou no espaço público — não são estáticas nem sincrônicas, assim como as culturas não são estáticas nem sincrônicas, por isso podem ser aproximadas (Rüsen, 1996RÜSEN, J. Some theoretical approaches to intercultural comparative historiography. History and Theory, v. 35, n. 4, p. 5-22, 1996. https://doi.org/10.2307/2505441
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). Ou seja, elas variam tanto no tempo histórico como no espaço geográfico. Aqui parece então haver uma confluência de sentido entre a história das redes de intelectuais, a história da leitura e a história conectada, já que ali está considerada a maleabilidade tanto do investigador quanto de seu objeto de estudo, dando a plena noção de que essas interações dos intelectuais e suas práticas de leitura são movediças, intercalam-se no espaço-tempo e criam intersecções, pontos de confluência, nos quais ao mesmo tempo em que se preservam suas tradições locais (por vezes nacionais), se reelaboram conceitos e ideologias.

Novamente, a documentação primária nos arquivos britânicos nos dá os melhores indícios sobre esse processo intrincado em meio à circulação de ideias, livros e projetos políticos anticoloniais e anti-imperialistas no globo e sua apropriação local pelos intelectuais congregados em torno do Left.

LEFT BOOK CLUB IN JAMAICA

Especialmente em duas circulares que mostram as atividades do clube, uma datada de 4 de setembro de 1939, sobre um simpósio internacional organizado pelo LBCJ, no qual Norman Manley e outros intelectuais locais debateriam livros editados pelo LBC de Londres, dentre eles “Tory M.P.”, de Simon Haxey, publicado em julho de 193913 13 Lista de atividades trimestrais do LBCJ, sessão de Kingston, divulgada junto com a circular de 21 de novembro de 1939. É possível ler que a programação para o dia 19 de junho de 1939 previa uma discussão sobre a história do Indian National Congress. . Tratava-se de um estudo sociológico do partido Tory britânico, traçando as origens sociais dos deputados eleitos pelo partido conservador. Segundo apresenta Haxey, os tories vinham da aristocracia e dos negócios, classes que, historicamente, mostravam forte resistência às políticas públicas voltadas para as classes mais pobres da Inglaterra. No livro, que é aberto com uma citação de Benjamin Disraeli, um dos fundadores modernos do Partido Tory, o autor elaborou um organograma ligando os membros do partido na década de 1930 com as grandes corporações britânicas, mostrando, por exemplo, como esses mesmos representantes públicos tinham influência direta na administração colonial e nas forças armadas. O livro de Haxey tinha como intenção traçar uma linha clara entre a administração pública britânica, incluindo a administração colonial, com a classe dirigente britânica e seus interesses comerciais e financeiros, mostrando que ambos eram faces da mesma moeda.

Outro título discutido naquele evento do LBCJ era “Marxism and the colonial question”, de autoria de Joseph Stalin, conduzida por Henry Fowler14 14 Henry Fowler (1915–2007) foi um político e educador jamaicano, nascido em Moneague, no centro da Ilha, filho de fazendeiros brancos. Fowler foi um dos cofundadores (junto com Norman Manley, Osmond Theodore Fairclough e outros) do People's National Party (PNP), partido social-democrata jamaicano, em 1938, seguindo a linha frentista internacional. Educado no Jamaica College, em Kingston, Fowler emigrou para Oxford (Inglaterra) em 1935, onde se engajou na Oxford Union debating society e se tornou presidente do Oxford University Labour Club. Com o desencadear da Segunda Guerra Mundial, engajou-se fortemente nas atividades do PNP, cujo foco era a independência da Jamaica, e editou seu jornal Public Opinion entre 1939 e 1943 (Rae, 2007). . A obra foi publicada pela primeira vez em forma de artigos separados em Moscou, na revista Prosveshcheniye, em 1913. Até 1928, os textos não apareciam nem sequer nas versões em língua inglesa das Obras Selecionadas, de Stálin, e só foram reunidos em 1934, em reimpressão russa sob o título “Marxism and the national question” e, em junho de 1935, ganhou tradução inglesa, sob o título “Marxism and the national and colonial question”. Sobre a obra, os textos são considerados a primeira grande contribuição interpretativa dentro do leninismo-marxismo sobre o problema do nacionalismo e suas extensões na luta anticolonial, já que Stalin avançou nas interpretações de Lenin, pensando o papel do socialismo como mola propulsora das lutas pela independência (ou nacionalização) das colônias.

Nas duas circulares seguintes, além dos debates, anunciava-se para 12 de março de 1940 a discussão sobre dois livros publicados pelo LBC em Londres: Red star over China, de Edgar Snow, em outubro de 1937, e Barbarians at the gate, de Leonard Woolf, o “livro do mês”, em 1939. A obra de Snow foi o primeiro relato ocidental em primeira mão sobre o avanço do Exército vermelho chinês ainda uma guerrilha na segunda metade da década de 1930. Snow, que passou anos na China, utilizou suas entrevistas e reconstruções biográficas com Mao Zedong, Zhou Enlai, Peng Dehuai, Lin Biao e He Long para apresentar o melhor retrato que o Ocidente via até então sobre a “Grande Marcha”, ocorrida entre outubro de 1934 e outubro de 1935. A primeira edição, publicada pelo LBC de Londres, não pôde ser revisada por Snow, que ainda estava na China. Mas as subsequentes, a partir de 1938, incluindo as publicadas em Nova York e Londres, contaram com o acréscimo de seis capítulos e mudanças textuais para suavizar as críticas ao stalinismo15 15 Para as alterações textuais da segunda edição do livro de Snow, ver: Klehr, Haynes e Anderson (1998). .

Já o livro de Leonard Woolf foi uma encomenda direta de Victor Gollancz, editor sênior do Left Book Club de Londres, como resposta a The war against the West, de Aurel Kolnai, publicado pelo LBC em julho de 1938. Wolf deveria abordar o socialismo de um ponto de vista liberal, o que, para o autor, abria caminho para uma crítica ao stalinismo16 16 Foram três cartas trocadas por Woolf e Gollancz em relação à negociação do livro. Todas elas pertencem à pasta SxMs-13/1/L/3/1 da coleção sob guarda da University of Sussex and Brighton and Hove Royal Pavilion Museum Records. Os arquivos da pasta, no entanto, não apresentam referências individuais em cada folha ou grupo de folhas, por exemplo, em cartas com mais de uma página. Por isso faço essa referência geral à pasta em que os documentos podem ser encontrados. . O contexto da encomenda do livro de Woolf foi a grande decepção depois da assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop entre Hitler e Stalin, em 23 de agosto de 1939, que forçou uma parte da esquerda que militava dentro do Popular Front mundo afora a retomar suas relações com as ideias liberais, especialmente com a defesa de um sentido de democracia — muito mais restrito à defesa de alguns conceitos liberais, como o de liberdade de expressão e pensamento, do que ao modelo grego de “governo do povo” —, que parecia contrariar o alinhamento ideológico do stalinismo com o fascismo17 17 De Gollancz para Woolf, SxMs-13/1/L/3/1 — coleção sob guarda da University of Sussex and Brighton and Hove Royal Pavilion Museum Records. .

Por fim, no mesmo 12 de março de 1939, o evento internacional promovido pelo LBCJ debateria a história do Indian National Congress. É importante lembrar que a independência da Índia foi um dos principais temas internos da política britânica na década de 1930. Não à toa, o nacionalismo indiano tornou-se referência internacional para os movimentos nacionais em nascimento nas vastas extensões do espaço colonial britânico. Como grande parte da esquerda britânica, Victor Gollancz manteve-se em contato com membros do Indian National Congress e o movimento de independência indiano, engajando o LBC e suas redes internacionais nesses debates18 18 Não à toa, o LBC de Londres publicou uma série de livros sobre estudos do movimento nacional indiano e do colonialismo britânico no país: “India today”, de Rajani Palm Dutt (1940); “Subject India”, de H.N. Brailsford (1943), Santha Rama Rau, “Home to India” (1945) e de Bhabani Bhattacharya, “So many hungers” (1947). . Esse contato, por exemplo, foi tão estreito, que despertou o interesse do Foreign Office e da Scotland Yard, a ponto de os dois órgãos produzirem um consistente material documental sobre as atividades do Clube dentro e fora da Inglaterra, incluindo lista de livros lançados pelo LBC que deveriam ter suas publicações proibidas19 19 CO 273/633/1 Descrição: “Left Book Club, London: prohibition of publications”. Data: 1937. Local: The National Archives, Kew, London. , a relação de intelectuais reunidos em torno do Clube com o movimento nacional indiano20 20 IOR/L/PJ/12/504: Arquivo 1025/36. Descrição: “The Left Book Club: reports on members, activities and Indian interests’ (Dec 1936–Feb 1938)”. Local: The National Archives, Kew, London. e a participação de indianos em comícios, manifestações e encontros organizados pelo LBC em Londres21 21 HO 144/21529. Descrição: “Disturbs”: “Reports on the activities of the ‘Left Book Club’”. Data: 1936–1941. Local: The National Archives, Kew, London. .

CONCLUSÃO

Os levantes espontâneos de trabalhadores nas colônias britânicas do Caribe, na década de 1930, tiveram dois efeitos importantes: de um lado, em curto prazo, mostrar que a organização dos trabalhadores locais poderia render uma voz mais potente a fim de reivindicar melhoria de condições laborais, espalhando o germe da necessidade de fundação de sindicatos que pudessem representar de maneira coletiva os interesses dos trabalhadores locais. Por outro, em longo prazo, forçou o governo colonial a criar leis sindicais nas colônias espelhadas nas leis metropolitanas, a fim de gerir as relações trabalhistas entre empregados e patrões por meio de uma legislação clara e definida.

O germe do movimento sindical caribenho estava posto e viria a tornar-se concreto em termos regionais com a fundação do Caribbean Labour Congress (CLG), em 1945, em Barbados, tendo como seu primeiro-secretário Richard Hart, figura-chave na organização sindical jamaicana. O CLG mostrou-se um esforço coletivo e transnacional de unificar os diversos sindicatos surgidos nas colônias britânicas do Caribe na metade dos anos 1930 e funcionou como um fórum de debates da situação das classes trabalhadoras locais, fator que, sem dúvida, seria fundamental para organizar o projeto de formação de Estados nacionais locais no processo de descolonização que ocorreria mais tarde.

É nesse contexto que o Left Book Club in Jamaica desempenha seu papel na organização dos intelectuais jamaicanos no período entre as duas guerras mundiais e sua relação com a expansão transnacional do pensamento anticolonial e anti-imperialista, favorecido pelas redes costuradas na região do Atlântico por meio da atuação transnacional do Left Book Club de Londres. Mas também contribui para a organização intelectual desses homens e mulheres que participaram diretamente da organização dos trabalhadores locais e formaria a base do movimento nacional que, em 1962, lideraria o processo de independência formal da Jamaica.

Notas

  • 1
    Este artigo é resultado parcial da pesquisa intitulada “O Left Book Club e seus associados: circulação transnacional das ideias socialistas em rede atlântica (1935–1948)”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Agradeço à professora Tania Regina de Luca, do Departamento do História da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Assis, e à professora Leslie James, da Queen Mary, e à University of London pela orientação e pelo apoio durante a pesquisa.
  • 2
    A documentação primária deste artigo foi colhida em pesquisas de campo, entre 2015 e 2019, em diversos arquivos, entre eles os Richard Hart Papers, documentação microfilmada datada de 1937 a 1964, em posse da Senate House, do Institute of Commonwealth Studies; o National Archives, Kew; e a documentação pertencente ao University of Sussex and Brighton and Hove Royal Pavilion Museum Records. Agradeço aos staffs das monumentais coleções pelo apoio às minhas pesquisas. Além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que financiou as pesquisas em 2019, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa do doutorado sanduíche, a qual me permitiu fazer os levantamentos em 2015.
  • 3
    Entre esses títulos estão “The origins and development of the people of Jamaica” (1952); “Slaves who abolished slavery: black rebellions” (1980); “The end of Empire: transition to independence in Jamaica and other Caribbean region colonies” (2006). Documentos relativos à trajetória de Richard Hart estão na National Library of Jamaica, na University of the West Indies (Kingston), e grande quantidade de material microfilmado, no Institute of Commonwealth Studies, University of London, no fundo “Richard Hart Papers — ICS122/1937–1964”. p. 1. Disponível em: archives.ulrls.lon.ac.uk/Details/archive/110025177. Acesso em: 25 out. 2019.
  • 4
    Outro evento no período anterior ao início da Segunda Guerra Mundial, com repercussão transnacional, foi a Guerra Ítalo-Etíope (1934–5). A Guerra Civil espanhola teve repercussão mais ampla, no entanto, consolidou o fascismo como movimento transnacional, com pretensões coloniais, como demonstrado na Etiópia, o que, a partir de 1935, ajudou a transformar o antifascismo também num movimento transnacional. E as redes costuradas pelo LBC por dentro do Império britânico tiveram papel fundamental na difusão da Guerra Civil espanhola como tema transnacional, tal como analisei em artigo anterior: Silva (2017SILVA, M. C. Ecos da Guerra Civil espanhola na Grã-Bretanha através das publicações do Left Book Club. Topoi, v. 18, n. 36, p. 608-638, 2017. https://doi.org/10.1590/2237-101x01803608
    https://doi.org/10.1590/2237-101x0180360...
    ).
  • 5
    A repressão e a censura que se estenderam no Caribe britânico, particularmente na Jamaica, do fim dos anos 1930 até o fim dos 1940, prosseguiram nas primeiras décadas da guerra fria. No entanto, não atingiram apenas os materiais impressos, elas levaram também à prisão agentes literários e intelectuais, incluindo o próprio Hart, em novembro de 1942, sob a acusação de “acts prejudicial to the public safety or defence”, com base na Jamaica Defense Regulations, de 1940. Richard Hart Papers – ICS122/1937–1964.
  • 6
    Por exemplo, no jornal The Worker, de 9 de março de 1940, na p. 3, onde consta o anúncio da palestra de N. W. Manley sobre as recomendações feitas pela Royal Comission, na sede de Kingston do LBCJ, que seria realizada no dia 14 de março. Richard Hart Papers — ICS122/1937–1964.
  • 7
    Por exemplo, em anúncio publicado no jornal The Worker, de 5 de março de 1940, na página 4, onde consta a propaganda do Worker's Book Club anunciando o livro “Barbarians at the Gate”, de Leonard Woolf, lançado pelo LBC em Londres, em 1939.
  • 8
    Ambas as informações podem ser lidas nas cartas trocadas por Sir Edward Brandis Denham, administrador colonial britânico que trabalhou como governador de Gâmbia (1928–1930), da Guiana britânica (1930–1935) e da Jamaica (1935–1938), e Sir Cosmo Parkinson, subsecretário de Estado para as colônias britânicas (1940–1942). Essa documentação pode ser encontrada na pasta CO 318/427/13 — Documento 71149/37 West Indies Papers (relacionados à correspondência com as colônias britânicas das Índias Ocidentais). The National Archives, Kew, London.
  • 9
    Robert Darnton (2014DARNTON, R. Poesia e polícia: redes de comunicação na Paris do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.), em muitos de seus livros, falará ainda de redes de comunicação, dando conta de circuitos por onde as ideias circulam, tendo os livros — no seu caso, os livros sediciosos, que carregavam a crítica ao Ancién Regime — como seu suporte material. Cito apenas a título de referência aqui um de seus últimos livros publicados no Brasil e que tem como subtítulo justamente o conceito de “redes de comunicação”.
  • 10
    Sobre o caso brasileiro, há também uma série de trabalhos que tomam como referência o estudo das redes em variados sentidos, em especial durante o período do Império. Apenas para citar um, que dialoga de maneira mais próxima com essa tradição latino-americana, há o estudo do antropólogo argentino Gustavo Sorá (2003SORÁ, G. Traducir el Brasil: uma antropología de la circulación internacional de ideas. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2003.), mestre e doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ, intitulado Traducir el Brasil: uma antropología de la circulación internacional de ideas.
  • 11
    A noção de “espaços de sociabilidade” foi consagrada nas obras de Norbert Elias A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte (2001) e O processo civilizador (2009). Há ainda outra proposta de entendimento desses espaços de sociabilidade no estudo dos clubs britânicos na Índia colonial e seu papel na aglutinação da classe administrativa britânica no também clássico levantamento organizado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger (2002HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2002.).
  • 12
    Há ainda o conceito de afiliações múltiplas, estabelecido na obra de Karl Manheim (2001MANHEIM, K. Sociologia da cultura. São Paulo: Contexto, 2001.), que me parece útil para pensar essas relações em rede. Assim como Norbert Elias, Mannheim teve os saloons franceses como foco de análise daquilo que ele definiu como “associação moderna”. O autor considerou o salão como a grande expressão da associação moderna, já que ele definiu, tal qual propõe Georg Simmel, um tipo de relação social parcializada e heterogênea entre indivíduos social, econômica e intelectualmente diferentes, congregados, no entanto, pelas mesmas “opiniões” (para usar uma expressão recorrente em Mannheim).
  • 13
    Lista de atividades trimestrais do LBCJ, sessão de Kingston, divulgada junto com a circular de 21 de novembro de 1939. É possível ler que a programação para o dia 19 de junho de 1939 previa uma discussão sobre a história do Indian National Congress.
  • 14
    Henry Fowler (1915–2007) foi um político e educador jamaicano, nascido em Moneague, no centro da Ilha, filho de fazendeiros brancos. Fowler foi um dos cofundadores (junto com Norman Manley, Osmond Theodore Fairclough e outros) do People's National Party (PNP), partido social-democrata jamaicano, em 1938, seguindo a linha frentista internacional. Educado no Jamaica College, em Kingston, Fowler emigrou para Oxford (Inglaterra) em 1935, onde se engajou na Oxford Union debating society e se tornou presidente do Oxford University Labour Club. Com o desencadear da Segunda Guerra Mundial, engajou-se fortemente nas atividades do PNP, cujo foco era a independência da Jamaica, e editou seu jornal Public Opinion entre 1939 e 1943 (Rae, 2007RAE, N. Henry Fowler: progressive teacher and Champion of a free Jamaica: obtuary. The Guardian, 25, 2007. Disponível: https://www.theguardian.com/news/2007/may/25/guardianobituaries.obituaries. Acesso em: 20 out. 2019.
    https://www.theguardian.com/news/2007/ma...
    ).
  • 15
    Para as alterações textuais da segunda edição do livro de Snow, ver: Klehr, Haynes e Anderson (1998KLEHR, H.; HAYNES, J. E.; ANDERSON, K. M. The Soviet World of American Communism. Nova Haven: Yale University Press, 1998. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Red_Star_Over_China#cite_note-6. Acesso em: 25 out. 2019.
    https://en.wikipedia.org/wiki/Red_Star_O...
    ).
  • 16
    Foram três cartas trocadas por Woolf e Gollancz em relação à negociação do livro. Todas elas pertencem à pasta SxMs-13/1/L/3/1 da coleção sob guarda da University of Sussex and Brighton and Hove Royal Pavilion Museum Records. Os arquivos da pasta, no entanto, não apresentam referências individuais em cada folha ou grupo de folhas, por exemplo, em cartas com mais de uma página. Por isso faço essa referência geral à pasta em que os documentos podem ser encontrados.
  • 17
    De Gollancz para Woolf, SxMs-13/1/L/3/1 — coleção sob guarda da University of Sussex and Brighton and Hove Royal Pavilion Museum Records.
  • 18
    Não à toa, o LBC de Londres publicou uma série de livros sobre estudos do movimento nacional indiano e do colonialismo britânico no país: “India today”, de Rajani Palm Dutt (1940); “Subject India”, de H.N. Brailsford (1943), Santha Rama Rau, “Home to India” (1945) e de Bhabani Bhattacharya, “So many hungers” (1947).
  • 19
    CO 273/633/1 Descrição: “Left Book Club, London: prohibition of publications”. Data: 1937. Local: The National Archives, Kew, London.
  • 20
    IOR/L/PJ/12/504: Arquivo 1025/36. Descrição: “The Left Book Club: reports on members, activities and Indian interests’ (Dec 1936–Feb 1938)”. Local: The National Archives, Kew, London.
  • 21
    HO 144/21529. Descrição: “Disturbs”: “Reports on the activities of the ‘Left Book Club’”. Data: 1936–1941. Local: The National Archives, Kew, London.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2022
  • Aceito
    16 Ago 2022
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