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A INTELECTUALIDADE NEGRA E A EXPERIÊNCIA SOVIÉTICA

The black intelligentsia and the soviet experience

La intelectualidad negra y la experiencia soviética

Resumo

No período entreguerras a intelectualidade negra da diáspora experimentou uma intensificação dos debates sobre a experiência soviética o anticolonialismo e os limites teóricos do marxismo. Claude McKay e W. E. B. Du Bois são dois representantes de um pensamento negro radical que se deslocou intensamente por meio dos continentes em prol da luta anticolonial e antirracista. Neste artigo são considerados alguns temas desse debate a fim de mapear o contexto do período entreguerras bem como analisar as experiências da diáspora negra na União Soviética pós-Revolução de 1917 na busca por ampliação das estratégias anticoloniais e antirracistas.

Palavras-chave:
Pensamento Negro Radical; Diáspora; Marxismo; Internacionalismo Negro; Raça; Classe

Abstract

In the interwar period the black intelligentsia of the diaspora experienced an intensification of debates on the Soviet experience anti-colonialism and the theoretical limits of Marxism. Claude McKay and W.E.B. Du Bois are two representatives of a radical black thought that moved intensely across continents in search of the anti-colonial and anti-racist struggle. In this article some themes of this debate will be considered in order to map the linguistic context of the interwar period as well as analyze the experiences of the black diaspora in the post-Revolutionary Soviet Union in the expansion of anti-colonial and anti-racist strategies.

Keywords:
Black Radical Thought; Diaspora; Marxism; black internationalism; race; class

Resumen

En el período de entreguerras la intelectualidad negra de la diáspora experimentó una intensificación de los debates sobre la experiencia soviética el anticolonialismo y los límites teóricos del marxismo. Claude McKay y W.E.B. Du Bois son dos representantes de un pensamiento negro radical que se movió intensamente por continentes en busca de la lucha anticolonial y antirracista. En este artículo se considerarán algunos temas de este debate con el fin de mapear el contexto lingüístico del período de entreguerras así como analizar las experiencias de la diáspora negra en la Unión Soviética posrevolucionaria en la expansión de los discursos anticoloniales y estrategias antirracistas.

Palabras clave:
Pensamiento Negro Radical; Diáspora; Marxismo; internacionalismo negro; raza; clase

INTRODUÇÃO

Ao longo do primeiro terço do século XX, as relações entre os intelectuais negros e a União Soviética transformaram-se ante a busca por espaços em um mundo marcado pela mobilização internacionalista e pelo fortalecimento de impérios. Essas transformações serão aqui analisadas considerando a presença de indivíduos negros na União Soviética ao longo das décadas de 1920 e 1930, quando o país abriu diversas vagas para educação superior e treinamento político de futuras lideranças anticoloniais e anti-imperiais. A União Soviética esperava que novos quadros estivessem aptos para implementar a estratégia comunista, sobretudo em países que não contavam com partidos comunistas organizados. A estadia desses estudantes e militantes negros na União Soviética foi complexa. Aponta tanto para o encantamento, ante as expectativas criadas pela Revolução de 1917 na agenda do internacionalismo negro, como para atritos e críticas ao projeto bolchevique, sobretudo em relação às questões raciais.

CLAUDE MCKAY E O COMUNISMO INTERNACIONAL

No ano de 1922, o intelectual e poeta jamaicano Claude McKay foi convidado para viajar até Moscou e apresentar sua fala sobre a questão racial nos Estados Unidos (EUA) no IV Congresso do Comintern. McKay (Figura 1), que já havia sido convidado pelo jornalista John Reed, amigo próximo de Lênin, em 1920, e recusado, por avaliar que naquele momento não seria capaz de representar os negros da América, vinha se relacionando com grupos da esquerda revolucionária tanto nos EUA quanto na Grã-Bretanha. John Reed sabia que Lênin estava interessado no potencial revolucionário dos negros norte-americanos. O intelectual jamaicano, então, após se desiludir com Londres e seu cenário radical e com sua experiência com o jornal de esquerda The Liberator (Figura 2), em Nova Iorque, aceitou o convite, em 1922 (Cooper, 1987COOPER, W. F. Claude McKay. Rebel Sojourner in the Harlem Renaissance: A Biography. Baton Rouge: Louisiana State UP, 1987.). O poeta foi um dos intelectuais negros profundamente tocados pela Revolução de 1917 ocorrida na Rússia. Referia-se à Revolução como o “maior experimento social da história da civilização” (McKay, 2007MCKAY, C. A long way from home. New Brunswick, New Jersey e Londres: Rutgers University Press, 2007.: 165)1 1 Todas as traduções de citação são de nossa autoria. . Na primavera de 1921, retornou aos Estados Unidos mais sensibilizado pela agenda do internacionalismo negro e da luta anticolonial e anti-imperial. Convocava os negros a “aproveitarem as oportunidades apresentadas pela morte da velha ordem na Europa e o nascimento de uma nova na Rússia” (McKay, 1923bMCKAY, C. Soviet Russia and the Negro. Crisis, p. 61-65, 1923b.: 62). Como observado por Wayne F. Cooper, McKay estava “entre os primeiros a sinalizarem o início da revolta colonial dos negros contra o Imperialismo britânico que teria seu ápice no pós-Segunda Guerra Mundial” (Cooper, 1987COOPER, W. F. Claude McKay. Rebel Sojourner in the Harlem Renaissance: A Biography. Baton Rouge: Louisiana State UP, 1987.: 43). O caribenho teve um papel central na percepção do anticolonialismo que emergia, mas também na proposição de um posicionamento a ser tomado pela União Soviética na promoção dessa agenda.

Figura 1
Claude McKay discursando no Kremlin, Quarto Congresso do Comintern, Moscou, 1922.
Figura 2
Claude McKay e Max Eastman, editor do Liberator, Quarto Congresso do Comintern, Moscou, 1922.

McKay mencionou que “sua raça” estava honrada com o convite. E essa honra, segundo ele, não se apresentava porque a raça negra seria diferente da raça branca ou amarela, mas porque os negros formariam uma raça de trabalhadores que pertence à mais explorada, oprimida e suprimida parcela da classe de trabalhadores do mundo (McKay, 1923aMCKAY, C. “Report on the Negro Question”. Speech to the 4th Congress of the Comintern, Novembro de 1922. International Press Correspondence, v. 3, p. 16-17, 1923a. Disponível em: marxists.org/history/usa/groups/abb/1922/1100-mckay-cominternspeech.pdf. Acesso em: 8 maio 2022.
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). Em sua fala, defendeu a emancipação de todos os trabalhadores do mundo independentemente de raça ou cor, pela Terceira Internacional Comunista, e essa posição é diretamente comparada à 15ª emenda à Constituição dos Estados Unidos2 2 A 15ª emenda à Constituição dos Estados Unidos estabelece que os governos nos Estados Unidos não podem impedir um cidadão de votar por motivo de raça, cor ou condição prévia de servidão (escravidão). Foi ratificada em 3 de fevereiro de 1870. , que só existia no papel. Reconheceu, também, a preocupação dos comunistas da Terceira Internacional em relação à emancipação dos trabalhadores enquanto algo real e, com base nessa retórica, realizou a crítica ao racismo nos Estados Unidos3 3 Os socialistas da Segunda Internacional não demonstraram consenso sobre a questão colonial até o período da Primeira Guerra Mundial, quando alguns membros do Partido Trabalhista britânico (British Labour Party) apoiaram abertamente a intervenção colonial na África e em outros locais como uma forma de tutela benéfica. Ver Howe (1993). Nos Estados Unidos, o Socialist Party of America (SPA), filiado à Segunda Internacional, ainda que contasse com alguns integrantes negros entre seus fundadores, entre eles Peter Clarck, acreditava que a “questão do negro” seria resolvida quando a classe trabalhadora triunfasse na luta de classe. Eugene Debs, outro líder do SPA, mencionava que o partido não possuía nada a oferecer ao negro. Ver Foner (1977). .

Claude McKay organizou seu discurso de maneira que apresentasse os problemas por ele percebidos em relação à “questão do negro” de um ponto de vista internacional, mas partindo de exemplos vinculados aos EUA. No primeiro terço do século XX, com a demanda por mão-de-obra causada pela Primeira Guerra Mundial, os donos de indústrias encontraram nos negros emigrados dos estados do Sul um exército de mão-de-obra barata disponível e rentável. Esse cenário intensificou os conflitos raciais entre trabalhadores brancos e trabalhadores negros, já que empregadores se utilizavam da mão-de-obra de negros tanto para “furar greves” organizadas por sindicatos como para manter os salários dos trabalhadores em níveis baixos.

McKay também denunciou a utilização de africanos nos exércitos nacionais europeus empregados nas batalhas da Primeira Guerra Mundial, além da utilização destes destacamentos de soldados negros nas empreitadas coloniais das potências imperiais como a França ou Grã-Bretanha. Nos EUA, relatou o intelectual, negros também foram utilizados desde os tempos da Guerra Civil lutando por sua própria emancipação, ainda que sem treinamento, ou mesmo nas guerras contra a Espanha na época de Theodore Roosevelt. Apontou que os mais de 400 mil negros mobilizados ao lado dos norte-americanos, ao retornarem, foram utilizados para combater os protestos de trabalhadores brancos em Chicago, St. Louis e Washington. Por fim, sobre essa questão, indicou que, como forma de disputa simbólica de que os negros não seriam utilizados pela burguesia internacional nos conflitos contra a Revolução Mundial, alguns negros deveriam ser integrados ao “bravo, distinto e imaculado exército soviético, no Exército Vermelho e na Marinha Russa, lutando não apenas por sua emancipação, mas também pela emancipação de toda a classe trabalhadora do mundo” (McKay, 1923aMCKAY, C. “Report on the Negro Question”. Speech to the 4th Congress of the Comintern, Novembro de 1922. International Press Correspondence, v. 3, p. 16-17, 1923a. Disponível em: marxists.org/history/usa/groups/abb/1922/1100-mckay-cominternspeech.pdf. Acesso em: 8 maio 2022.
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: 3). Dessa forma, McKay aborda conjuntamente a questão colonial, as lutas revolucionárias e a situação do negro ante os conflitos raciais.

Uma de suas preocupações centrais ao endereçar o panorama da “questão do negro” nos EUA era: sob quais possibilidades os trabalhadores negros poderiam ser alcançados pela propaganda radical de esquerda? Ante a crescente tensão entre trabalhadores brancos e negros provocada pelas “elites burguesas” ao utilizarem negros em seus exércitos e forças de repressão contra os trabalhadores organizados e do ainda forte racismo presente no movimento sindical, McKay apelou à União Soviética para que negros fossem recebidos no país para treinamento revolucionário assim como outras “raças subjugadas” o fizeram (McKay, 1923aMCKAY, C. “Report on the Negro Question”. Speech to the 4th Congress of the Comintern, Novembro de 1922. International Press Correspondence, v. 3, p. 16-17, 1923a. Disponível em: marxists.org/history/usa/groups/abb/1922/1100-mckay-cominternspeech.pdf. Acesso em: 8 maio 2022.
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).

Sua fala também esteve comprometida com as dificuldades de mobilização de negros nos EUA, sobretudo no Sul, dadas as dificuldades de fazer circular propaganda radical tanto por conta da segregação racial perpetrada pelos governos do Sul, sob o regime “Jim Crow”, como também por conta do racismo presente no movimento dos trabalhadores. McKay ressaltou que o Manifesto de 1918 da Terceira Internacional chegou aos negros norte-americanos por meio da propaganda de grupos de negros radicais e fez com que, “pela primeira vez na história dos Estados Unidos”, os negros descobrissem que Karl Marx estivera interessado na emancipação dos negros e lutou por isso. Chegou a citar um trecho de um artigo de Marx, escrito à época da Guerra Civil norte-americana:

Quando uma oligarquia de 300.000 donos de escravos, pela primeira vez nos anais da história mundial, é capaz de escrever “Escravidão” nas bandeiras de uma revolta armada, no mesmo local onde um século antes a ideia de uma grande República democrática despontou, de onde a primeira declaração dos Direitos do Homem surgiu, e o primeiro impulso para a Revolução europeia do século XVII foi dado, quando neste local a contrarrevolução cinicamente proclama que a propriedade sobre o homem é a “pedra angular de um novo edifício” — então a classe trabalhadora europeia compreende de uma vez por todas que a rebelião dos proprietários de escravos indicava a toxina de uma guerra sagrada da propriedade contra o trabalho, e que as esperanças no futuro e mesmo as conquistas passadas estão em jogo neste tremendo conflito do outro lado do Atlântico (McKay, 1923aMCKAY, C. “Report on the Negro Question”. Speech to the 4th Congress of the Comintern, Novembro de 1922. International Press Correspondence, v. 3, p. 16-17, 1923a. Disponível em: marxists.org/history/usa/groups/abb/1922/1100-mckay-cominternspeech.pdf. Acesso em: 8 maio 2022.
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: 4).

McKay seguiu afirmando que, assim como Marx lutou contra a escravidão baseada na propriedade, seus seguidores no presente deveriam lutar contra a escravidão baseada no salário. E, nesse combate, a mobilização dos trabalhadores negros era fundamental, pois eram, dentre a classe trabalhadora, a parcela que mais era explorada e sofria com o capitalismo. Declarava-se como “um leproso social, um abandonado da raça oriundo de uma classe de abandonados” (Fabre, 1991FABRE, M. Harlem to Paris: Black American Writers in France, 1840-1980. Chicago: University Press of Illinois, 1991.: 94). Assim, compreendia a articulação entre aspectos raciais e de classe no seio do capitalismo.

Seu discurso apontou o caminho que o Comintern deveria tomar para mobilizar trabalhadores negros no sul dos Estados Unidos, inclusive em grupos de trabalhadores brancos vinculados às esquerdas. Uma das maiores críticas de intelectuais negros radicais participantes ou relacionados de alguma forma com o comunismo na primeira metade do século era o “chauvinismo branco”, ou simplesmente o racismo contra os negros no interior do movimento dos trabalhadores. Basicamente os trabalhadores negros eram vistos com reservas por conta de sua inserção precarizada no mercado de trabalho e consequente sujeição aos piores salários e condições. Não obstante, o negro era definido por uma contradição, como aponta Zimmerman (2010)ZIMMERMAN, A. Alabama in Africa. Booker T. Washington, the German Empire, and the Globalization of the New South. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2010.: por um lado, visto como servil, trabalhador de baixo custo; por outro, rebelde, preguiçoso, insolente, além de ser uma ameaça à ordem econômica e política pelas constantes demandas e queixas (Zimmerman, 2010ZIMMERMAN, A. Alabama in Africa. Booker T. Washington, the German Empire, and the Globalization of the New South. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2010.: 7). O caminho para superar essas barreiras deveria considerar o reforço da propaganda radical entre os negros, levando em consideração o aspecto racial do discurso anticapitalista, mas buscar, sobretudo, a unidade de trabalhadores mundiais, negros e brancos, contra o capitalismo.

McKay também fez duras críticas ao que considerava falta de esforço em relação ao desenvolvimento das atividades comunistas junto às massas de trabalhadores negros. Citando os movimentos de Marcus Garvey, Universal Negro Improvement Association (UNIA), e os Congressos Pan-Africanos, organizados por W. E. B. Du Bois, sugeriu que o internacionalismo negro estava em voga, cabendo ao Comintern a disputa desse campo político. McKay chegou a sugerir a organização de uma conferência de representantes negros da América, África do Sul, Oeste Africano e do Caribe que comungassem do espírito revolucionário (McKay, 1923aMCKAY, C. “Report on the Negro Question”. Speech to the 4th Congress of the Comintern, Novembro de 1922. International Press Correspondence, v. 3, p. 16-17, 1923a. Disponível em: marxists.org/history/usa/groups/abb/1922/1100-mckay-cominternspeech.pdf. Acesso em: 8 maio 2022.
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)4 4 Esse evento seria realizado sete anos depois. A Conferência Internacional dos Trabalhadores Negros teve lugar em Hamburgo, na Alemanha, em julho de 1930. .

O convite feito pela União Soviética e a fala de McKay no IV Congresso do Comintern, em 1922, representa um evento chave para que se compreenda a relação entre os intelectuais radicais negros e o comunismo internacional no primeiro terço do século XX. De um lado, a busca, por parte da União Soviética, em abrigar a agenda da “questão do negro” e da “questão colonial” a partir da década de 1920; e, de outro, o acúmulo de críticas e experiências que negros da diáspora tinham com a exploração capitalista e colonial, com o pensamento marxista, com o racismo e com a luta por autodeterminação. Há que se observar o interesse dos revolucionários bolcheviques tanto em apoiar as causas coloniais e a pauta do internacionalismo negro quanto em receber o apoio destes indivíduos. É significativo observar nas críticas de McKay, que falava em nome da “raça negra” e vinha de uma intensa inserção no radicalismo negro internacionalista, as expectativas em relação aos benefícios que a Revolução Russa poderia trazer, não apenas aos negros da diáspora, mas a todo proletariado mundial.

Além de sua participação no IV Congresso do Comintern, McKay também foi convidado a participar de encontros com intelectuais e personalidades da cena literária russa e europeia como forma de experimentar o que os soviéticos apresentavam como antítese das relações raciais do Ocidente capitalista. Em 1923, um desses encontros foi entre o poeta caribenho e a feminista Clara Zetkin, que havia proposto a criação do Dia Internacional da Mulher, em 1910 (Figura 3). McKay permaneceu por sete meses dividindo-se entre Moscou e Petrogrado. Durante esse período, publicou alguns relatos sobre suas impressões, mas também baseou sua autobiografia, A long way from home (McKay, 2007MCKAY, C. A long way from home. New Brunswick, New Jersey e Londres: Rutgers University Press, 2007.), escrita anos depois, em 1937, nesta viagem do início dos anos 1920. Durante sua estadia, e a pedido do Departamento Soviético de Publicações, Claude McKay produziu um livro analisando a situação dos negros na América. No livro The Negroes in America (McKay, 1979MCKAY, C. The Negroes in America. Port Washington, N.Y.: Kennikat Press, 1979.), sugere que “a questão do negro é no fundo uma questão de classe”. E é “um dos principais problemas da luta de classe na América” (McKay, 1979MCKAY, C. The Negroes in America. Port Washington, N.Y.: Kennikat Press, 1979.: 6). Dessa forma, afasta-se do que era comumente defendido por outros intelectuais negros do período. Ante essa mudança de argumentação, cabe tentar compreender o que estava em jogo perante o apoio ostensivo ao projeto bolchevique.

Figura 3
O escritor húngaro Arthur Holitscher, a militante comunista alemã Clara Zetkin e Claude McKay, Moscou, 1923.

W. E. B. DU BOIS, CLAUDE MCKAY: RAÇA, CLASSE E A REVOLUÇÃO BOLCHEVIQUE

Em um de seus artigos produzidos durante a estadia na União Soviética, McKay declarava-se abertamente um propagandista dos feitos da revolução comunista no campo das relações raciais com o objetivo de combater o racismo nos Estados Unidos. Os feitos e as possibilidades da Revolução Bolchevique foram tema de um debate produtivo entre Claude McKay e W. E. B. Du Bois, nas páginas da revista The Crisis, cuja editoria pertencia ao último (Rabaka, 2009RABAKA, R. Africana critical theory: Reconstructing the black radical tradition, from W.E.B. Du Bois and C.L.R. James to Frantz Fanon and Amilcar Cabral. Lanham: Lexington Books, 2009.). Para Claude McKay, Du Bois seria um traidor das classes trabalhadoras e das massas negras, porque “A distinção de cor representa para o Negro, apenas tecnicamente, a causa de seu ostracismo na política e na vida social; na realidade o Negro sofre discriminação por ser o mais desqualificado dos trabalhadores” (Lewis, 1995LEWIS, D. L. L. (org.). W. E. B. Du Bois Reader. Nova York: Henry Holt, 1995.: 531). Em resposta intitulada The Negro and Radical Thought, Du Bois questiona McKay por assumir que as questões de classe tenham primazia sobre as questões raciais. Du Bois segue afirmando que,

Nós possuímos uma causa central — a emancipação do Negro, e a isto todo o resto deve estar subordinado — não porque outras questões não são importantes, mas porque, para nós, a questão social mais importante hoje é o reconhecimento das raças escuras. […] Concentrando-se agora no maravilhoso conjunto de eventos conhecidos como a Revolução Russa, Mr. McKay está equivocado ao pensar que tenhamos intencionalmente zombado disso. Ao contrário, o tempo deverá provar, como ele acredita, que a Revolução Russa é o maior evento do século XIX e século XX, e seus líderes grandes profetas altruístas. Neste momento, The Crisis não reconhece isso como verdade. A Rússia é incrivelmente vasta, e os acontecimentos que lá tiveram lugar nos últimos cinco anos são tão complexos que devem fazer qualquer estudioso refletir. Aguardamos, portanto, com mãos e ouvidos atentos, assistindo alguns resultados esplêndidos da Rússia… e ouvindo outras coisas que nos amedrontam (Lewis, 1995LEWIS, D. L. L. (org.). W. E. B. Du Bois Reader. Nova York: Henry Holt, 1995.: 532).

A postura crítica e apreensiva de Du Bois sobre a Revolução Bolchevique deve ser colocada em paralelo à sua declaração que abre a citação: “nós possuímos uma causa central – a emancipação do Negro, e a isto todo o resto deve estar subordinado” (Lewis, 1995LEWIS, D. L. L. (org.). W. E. B. Du Bois Reader. Nova York: Henry Holt, 1995.: 532). Du Bois, diferentemente de McKay, não estava disposto a exercer propaganda em prol do projeto soviético sem um exame atencioso de seus passos e conquistas.

Qual é hoje o programa mais correto para o socialismo? O editor do The Crisis considera-se um socialista, mas não crê que o Estado socialista alemão ou a ditadura do proletariado sejam panaceias perfeitas. Ele acredita, com outros homens pensantes, que o presente método de criação, controle e distribuição de riquezas é terrivelmente errado; que de lá deve vir, e virá, o controle social da riqueza; mas o que ele apenas não sabe é qual forma que esse controle vai tomar, e ele não está preparado para dogmatizar com Marx ou Lênin. Além disso, e mais fundamental à missão e ao enfoque do The Crisis, é esta questão: até que ponto as pessoas de cor do mundo, e particularmente os Negros dos Estados Unidos, podem acreditar na classe trabalhadora? […] Muitos pensadores Negros assumem, e Mr. McKay parece ser um deles, que devemos apenas aderir ao programa da classe trabalhadora para que a classe trabalhadora abrace o nosso; que devemos apenas entrar no sindicalismo e socialismo ou mesmo o comunismo, como por eles é propagado hoje em dia, para que sindicatos e socialistas e comunistas acreditem e ajam pela igualdade da humanidade e pela abolição da linha de cor. “O The Crisis deseja que isso seja verdade, mas é forçado a acreditar que não é” (Lewis, 1995LEWIS, D. L. L. (org.). W. E. B. Du Bois Reader. Nova York: Henry Holt, 1995.: 533).

Isso leva a pensar que, ao questionar o monopólio dos marxistas sobre o socialismo, Du Bois o considerava útil aos negros da África e seus descendentes, particularmente. Estava disposto a disputá-lo, ainda que sob críticas e revisões. Os negros e as pessoas de cor sofriam com a exclusão racial não apenas pelas mãos dos brancos capitalistas, mas também pelas mãos dos trabalhadores brancos. Pois, antes de serem considerados trabalhadores, eram vistos como negros. E com isso deveriam arcar com toda a carga negativa que o racismo lhes causava. Negros não eram vistos como trabalhadores sequer na categoria marxista de trabalhador. E, ao passo que os trabalhadores negros nunca eram pensados fora de sua racialidade, os trabalhadores brancos eram sempre pensados e teorizados como classe trabalhadora, mas nunca como classe trabalhadora branca. Du Bois reconhecia que o trabalhador branco certamente sofria no sistema capitalista. Porém, enfatizava que ser um trabalhador branco em um sistema capitalista de supremacia branca não se comparava com ser negro nessas mesmas condições.

McKay, que posteriormente em sua autobiografia evocou sua independência intelectual e artística em relação ao movimento comunista internacional, no início da década de 1920, compartilhava tanto da visão de arte engajada defendida pela União Soviética quanto da necessidade de uma “arte negra consciente” preconizada por W. E. B. Du Bois. Posteriormente, McKay desiludiu-se com o comunismo internacional, mas, como nunca foi filiado ao Partido Comunista ou fez parte de organizações diretamente ligadas ao Comintern, sua desilusão materializou-se em sua literatura. Como na obra lançada apenas postumamente, Amiable with big teeth (McKay, 2017MCKAY, C. Amiable with big teeth. Londres: Peguin Classics, 2017.), ou em seus relatos autobiográficos que reavaliaram a importância do comunismo nas lutas pela libertação do negro. A adesão ao projeto soviético por parte de intelectuais negros deve sempre ser avaliada em sua complexidade, levando em consideração as inconstâncias do exílio, o caráter deslocado desses intelectuais, mas também os aspectos pragmáticos da luta pela emancipação dos negros e do continente africano no período em questão.

Os relatos de McKay sobre sua estadia na União Soviética o ajudaram a construir, com outros intelectuais negros que estiveram no país comunista, a ideia de que a Europa desconhecia a “barreira de cor” (color bar) tal qual era experimentada por negros nos Estados Unidos. Ainda na série de artigos publicados ao longo da década de 1920 no jornal The Crisis, McKay relatou com entusiasmo sua passagem pela União Soviética e a forma como foi tratado, em detrimento de suas experiências nos Estados Unidos e em outros países da Europa. Afirmou que “nunca em minha vida eu havia me sentido orgulhoso de ser africano, um negro […] de Moscou a Petrogrado vim triunfante de surpresa em surpresa, festejado com extravagâncias em todo canto. Fui carregado ao longo de um ambiente excitante e gentil” (McKay, 1923bMCKAY, C. Soviet Russia and the Negro. Crisis, p. 61-65, 1923b.: 4). Esse clima não era limitado aos círculos bolcheviques, segundo McKay, que também experimentou bons momentos com a burguesia antibolchevique.

A noção de que a União Soviética possuía um modelo de relações raciais harmonioso e virtuoso perdurou por alguns anos, chegando a ser objeto de análise laudatória de George Padmore. Escrito em colaboração com Dorothy Pizer, How Russia transformed her colonial empire (Padmore e Pizer, 1946PADMORE, G.; PIZER, D. How Russia transformed her colonial empire. Londres: Dennis Dobson, 1946.) foi lançado em 1946 em um contexto de declínio do Império Britânico. Nesse livro, Padmore escolheu como epígrafe uma recomendação feita por Stalin durante visita de uma delegação parlamentar britânica à Rússia. À delegação, recomendou que contassem “a verdade sobre a Rússia. Nós temos muitas coisas que são boas e muitas que não são. Falem a verdade sobre ambas. Nós temos plena certeza que não é tudo perfeito na U.R.S.S.”. Em seguida lê-se a frase: “Nas páginas seguintes, nós tentamos seguir as injun-ções de Stalin” (Padmore e Pizer, 1946PADMORE, G.; PIZER, D. How Russia transformed her colonial empire. Londres: Dennis Dobson, 1946.: I).

Quando escreveu seu livro autobiográfico, A long way from home (McKay, 2007MCKAY, C. A long way from home. New Brunswick, New Jersey e Londres: Rutgers University Press, 2007.), publicado em 1937, McKay já estava desiludido com o comunismo e com a União Soviética. Em 1923, dizia-se um bolchevique confiante nos avanços que a revolução comunista poderia trazer para os negros e para os trabalhadores do mundo, ao afirmar que a União Soviética “é uma grande nação com um braço na Europa que está pensando de forma inteligente sobre os Negros e sua relação com os problemas internacionais” (McKay, 1923bMCKAY, C. Soviet Russia and the Negro. Crisis, p. 61-65, 1923b.: 117). No fim da década de 1930, contudo, sua perspectiva mudou. Caracterizou o país como “uma vasta agitação e um grande experimento”, pautando sua experiência na União Soviética como tendo sido estritamente relacionada a interesses literários e evocando sua independência como autor (McKay, 2007MCKAY, C. A long way from home. New Brunswick, New Jersey e Londres: Rutgers University Press, 2007.: 123). Essa postura coincide com sua profunda desilusão com o — não — encaminhamento dado à questão racial pelo movimento comunista americano durante o período da Frente Popular em meados da década de 1930 e as revelações sobre as violências cometidas por Stalin. Também aparecem, na autobiografia, trechos nos quais ele sugere que fora instrumentalizado pela União Soviética. O que se percebe com sua autobiografia e com sua relação com o comunismo soviético é que, buscando desvincular-se de seu ativismo no campo radical do comunismo e da associação com a União Soviética, McKay lançou mão de sua identidade de poeta e escritor para reivindicar autonomia. “Eu não fui recebido na Rússia como político, mas primordialmente como um poeta Negro. E a tremenda recepção que recebi foi a grande inspiração e ímpeto para escrever mais” (McKay, 1923bMCKAY, C. Soviet Russia and the Negro. Crisis, p. 61-65, 1923b.: 44).

A UNIÃO SOVIÉTICA E OS ESTUDANTES NEGROS 1920-1930

A Communist University of the Toilers of the East (KUTV) fazia parte da empreitada soviética de oferecer formação superior e política para possíveis militantes oriundos das regiões coloniais. A partir do fim de década de 1920, dada a aproximação entre o internacionalismo negro e o movimento comunista internacional, o fluxo de estudantes negros foi intenso. De forma geral, os estudantes já possuíam algum tipo de vínculo com partidos comunistas locais, contudo muitos estudantes negros chegavam de países que não possuíam partidos comunistas, de maneira que estavam sendo formados para que desenvolvessem estratégias comunistas e aplicassem a teoria marxista em seus países natais. Além dos estudantes negros norte-americanos, havia estudantes oriundos do Caribe, tal como George Padmore, mas também estudantes de origem africana em menor número. Jomo Kenyatta esteve entre os alunos oriundos do continente africano (Maloba, 2017MALOBA, W. O. The anatomy of neo-colonialism in Kenya British Imperialism and Kenyatta, 1963–1978. Londres: Palgrave McMillan, 2017.).

Não havia um tempo predeterminado para que os alunos concluíssem seus cursos. O curso completo tinha duração de 20 meses, sendo 16 meses de estudos teóricos, em alguns casos contendo períodos de 3 meses no interior de fábricas, 1 mês de experiência em campos militares e um período de excursão pela União Soviética. Havia também um modelo de curso mais curto, 10 a 12 meses, sendo 8 a 9 meses de estudos teóricos e o restante com períodos de excursão a campos militares. As disciplinas incluíam economia política, história do movimento comunista, leninismo, materialismo histórico, construção e burocracia partidária, ciências militares, conjuntura política, noções de inglês (Filatova, 1999FILATOVA, I. Indoctrination or Scholarship? Education of Africans at the Communist University of the Toilers of the East in the Soviet Union, 1923-1937, Paedagogica Historica. International Journal of the History of Education, v. 35, n. 1, p. 41-66, 1999. https://doi.org/10.1080/0030923990350104
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). Contudo as universidades realizavam modificações em suas grades com o passar dos anos. O intelectual e futuro líder pan-africano George Padmore, após seu período de estudos, realizou alguns seminários e disciplinas sobre as lutas dos negros no continente africano (Hooker, 1970HOOKER, J. Black Revolutionary: George Padmore's Path from communism to Pan-Africanism. Nova York: New Praeger Publishers, 1970.: 76).

De acordo com Irina Filatova (1999)FILATOVA, I. Indoctrination or Scholarship? Education of Africans at the Communist University of the Toilers of the East in the Soviet Union, 1923-1937, Paedagogica Historica. International Journal of the History of Education, v. 35, n. 1, p. 41-66, 1999. https://doi.org/10.1080/0030923990350104
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, o currículo dessas universidades influenciou diversos programas de estudos nos anos posteriores. Campos de estudo tais como “Introdução aos Problemas do Negro nos Países Africanos”, que debatia os conceitos e entendimentos diversos sobre o trabalho forçado praticado pelas potências imperialistas, além de discussões sobre trabalho forçado e análogo à escravidão, e formas de trabalho que dessem conta de compreender a emergência do proletariado na África. Esse currículo realizou grandes esforços na construção de pesquisas sobre história colonial, vista como um dos problemas contemporâneos mais importantes (Filatova, 1999FILATOVA, I. Indoctrination or Scholarship? Education of Africans at the Communist University of the Toilers of the East in the Soviet Union, 1923-1937, Paedagogica Historica. International Journal of the History of Education, v. 35, n. 1, p. 41-66, 1999. https://doi.org/10.1080/0030923990350104
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: 49).

Não obstante o fato de que intelectuais negros gradativamente interessavam-se nos rumos seguidos pela União Soviética pós-1917, havia também um sentimento por parte dos estudantes negros, fossem do continente africano ou de áreas coloniais, ou afro-americanos, de “busca por dignidade e oportunidade” (Carew, 2008CAREW, J. G. Blacks, Reds and Russians: Sojourners in Search of the Soviet Promise. New Brunswick, NJ e Londres: Rutgers University Press, 2008.: 3). Os soviéticos possuíam estratégias de recrutamento e programas educacionais direcionados a indivíduos negros. “As lideranças políticas pretendem treinar novos quadros para a luta contra o colonialismo e a dominação imperial” (Carew, 2008CAREW, J. G. Blacks, Reds and Russians: Sojourners in Search of the Soviet Promise. New Brunswick, NJ e Londres: Rutgers University Press, 2008.: 5). Ensino gratuito e voltado para questões prementes de suas lutas, além da expectativa de viver, trabalhar e estudar em um país que se apresentava como um local livre do racismo e da opressão. “O que mais impressionava os Negros sobre a sociedade russa”, escreveu Allison Blakely (1986BLAKELY, A. Russia and the Negro: blacks in Russian history and thought. Washington, D.C.: Howard University Press, 1986.: 166), é “a ausência de racismo institucionalizado. Lá deve haver indivíduos racistas; mas, caso detectadas, essas pessoas estarão sujeitas à reprovação pública”. Eram comuns casos de racismo nas universidades soviéticas, e os estudantes negros logo notaram que os problemas raciais quase sempre envolviam brancos estrangeiros, sobretudo americanos, canadenses e britânicos, que os assediavam verbalmente ou os atacavam fisicamente (McClellan, 1993MCCLELLAN, W. Africans and Black Americans in the Comintern Schools, 1925-1934. The International Journal of African Historical Studies, v. 26, n. 2, p. 371-390, 1993. https://doi.org/10.2307/219551
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: 377).

Oficialmente, o governo soviético e o Partido Comunista condenavam o racismo e a discriminação racial. Experimentar viver em uma sociedade na qual os líderes políticos e as instituições (Figura 4) condenavam o racismo era algo novo e sem precedentes. E mesmo que houvesse problemas com os quais os estudantes negros deveriam lidar, estavam vivendo em um país onde não precisariam lidar com sofrimento, “discriminação e humilhações devido à cor de sua pele” (McClellan, 1993MCCLELLAN, W. Africans and Black Americans in the Comintern Schools, 1925-1934. The International Journal of African Historical Studies, v. 26, n. 2, p. 371-390, 1993. https://doi.org/10.2307/219551
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: 387-388). Do ponto de vista tanto pessoal quanto educacional, nenhum outro país oferecia tais condições aos indivíduos negros (McClellan, 1993MCCLELLAN, W. Africans and Black Americans in the Comintern Schools, 1925-1934. The International Journal of African Historical Studies, v. 26, n. 2, p. 371-390, 1993. https://doi.org/10.2307/219551
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: 387-388). Era comum que mesmo aqueles indivíduos oriundos de setores médios das colônias, como era o caso de George Padmore e Claude McKay, que gozavam de certo conforto material em relação ao restante dos negros em seus países, não tivessem muitas oportunidades nas colônias. Não havia postos de trabalho para negros qualificados nas possessões britânicas do Caribe ou nas colônias africanas. Nesse sentido, a educação oferecida por essas universidades, além de ser de alta qualidade e tratar de questões centrais para esses indivíduos, representava a possibilidade de conquistar treinamento superior e exercer ofícios e ocupações de alto requisito. Além disso, era uma oportunidade para que esses jovens se internacionalizassem.

Figura 4
Pôster soviético com as legendas: “Sob o capitalismo” e “Sob o socialismo”, 1948.

Contudo, como o caso de Kenyatta elucida, houve casos de estudantes que cursaram as universidades soviéticas e não seguiram atuando no movimento comunista internacional. W. O. Maloba, um de seus colegas de classe, descreveu-o como tendo sido o “maior reacionário que conheci” (Maloba, 2017MALOBA, W. O. The anatomy of neo-colonialism in Kenya British Imperialism and Kenyatta, 1963–1978. Londres: Palgrave McMillan, 2017.: 19). Kenyatta, que foi recrutado para a KUTV por George Padmore ante sua preocupação de que estudantes negros do continente africano obtivessem treinamento comunista — e não apenas os afro-americanos e caribenhos —, soube utilizar-se das oportunidades que lhe foram oferecidas. Como afirma John Hooker, na biografia de George Padmore, Kenyatta permaneceu como um “burguês nacionalista em seu cerne” e seguiu sendo conhecido entre os mais próximos como um “estridente anticomunista” (Hooker, 1970HOOKER, J. Black Revolutionary: George Padmore's Path from communism to Pan-Africanism. Nova York: New Praeger Publishers, 1970.: 16). Havia uma preocupação para Kenyatta, desde que iniciou seus planos de retorno ao Quênia para seguir com as lutas nacionalistas, de que ele não fosse vinculado ao comunismo. Kenyatta estava consciente dos perigos causados por sua viagem à Rússia, em 1929.

Um dos primeiros negros de que se tem registro na União Soviética no período entreguerras foi Bankole Awooner-Renner, de ancestralidade Ashanti, da então Costa do Ouro, que usava o nome de Kweku Bankole. Antes de sua chegada à Rússia bolchevique, Bankole havia estudado no Tuskegee Institute, no Alabama, e se transferido para o Carnegie Institute of Technology, em Pittsburgh. Nesta cidade, entrou em contato com o comunismo, relação que o fez seguir seus estudos na Rússia. Constam registros de matrícula de Bankole em novembro de 19255 5 Ver Gates, Akyeampong e Niven (1977) e Blakely (1986). O porquê de Awooner-Renner ter concordado em se transferir para a KUTV permanece incerto; possuía carteira de estudante com o número 2.609; RTsKhIDNI, 532/1/23, 45. Constam nos registros que com ele chegou o jamaicano Aubrey C. Bailey (“Jean Dessolin”, n° 2.608), o americano Carl Jones (“Dzhons”, n° 2.612), o africano Holle Sella Tamba (“Nelson”, n° 2.610), e Sonya Kroll (n° 2.747); RTsKhIDNI, 532/1/45, 3. Bailey participou da African Blood Brotherhood na Philadelphia e em Nova Iorque. . Consta uma passagem na qual Bankole questionou publicamente o diretor do Comintern, Grigori Zinoviev, que ministrava a disciplina sobre política externa soviética. Quando sua exposição abriu para perguntas, Bankole questionou: “Qual o posicionamento do Comintern sobre a opressão sofrida pelas nações africanas?”. Zinoviev deu explicações sobre o Egito e sobre o Marrocos, mas nada falou sobre a África subsaariana, que, segundo Bankole, seria “o povo mais oprimido” ao sul do Saara. A falta de informações sobre a África negra fez com que Bankole enviasse uma carta na qual, diferentemente de declarações dadas em privado, deixou de lado as acusações de racismo e concentrou-se no que considerou apenas descuido do diretor do Comintern (McClellan, 1993MCCLELLAN, W. Africans and Black Americans in the Comintern Schools, 1925-1934. The International Journal of African Historical Studies, v. 26, n. 2, p. 371-390, 1993. https://doi.org/10.2307/219551
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: 373).

Essa passagem revela que, em meados da década de 1920, as universidades comunistas, muito embora estivessem abrindo vagas para estudantes negros, não estavam preparadas para tratar da “questão do negro” e da “questão colonial” no interior da instituição. Nesse sentido, é fundamental compreender o aporte que esses estudantes, oriundos de locais e cidades com intenso debate intelectual sobre as questões referentes às opressões sofridas por negros da diáspora, deram à União Soviética. Outro aspecto de destaque foi o descuido em relação às matrículas. Em uma avaliação feita sobre a primeira turma da KUTV, em outubro de 1921, a instituição detectou que a maioria de seus estudantes era oriunda do campo. Os estudantes negros que chegaram à International Lenin School entre 1925 e 1938, contudo, foram selecionados entre aqueles que possuíam o ensino secundário, ainda que alguns dos estudantes demandassem reforços educacionais. Certos estudantes foram recebidos com loas de militantes influentes, o que fez com que recebessem tratamento diferenciado com auxílios para viagens, escritórios, tutores especiais, roupas e fácil acesso aos membros do alto comissariado do partido.

Inicialmente, os relatos do convívio dos estudantes negros com outros estudantes não negros e cidadãos soviéticos eram positivos, embora, como aponta McClellan, a Rússia possuísse um histórico de discriminações às minorias tártaras, turcas e judias, por exemplo (McClellan, 1993MCCLELLAN, W. Africans and Black Americans in the Comintern Schools, 1925-1934. The International Journal of African Historical Studies, v. 26, n. 2, p. 371-390, 1993. https://doi.org/10.2307/219551
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). A maior parte dos casos de racismo relatados por estudantes negros envolvia estudantes norte-americanos brancos. Ante a experiência dos jovens negros da violência racista nos Estados Unidos ou em locais coloniais, seu desejo de combater esse mal e, ao mesmo tempo, experimentar uma realidade sem a discriminação pela cor na União Soviética levou diversos desses jovens a denunciar os casos de racismo detectados. Quando esses casos eram identificados, os estudantes negros evocavam o antirracismo soviético. E se as autoridades das universidades comunistas falhavam em mediar tais valores antirracistas, os estudantes apelavam ao Executive Committee of the Communist International (ECCI) e ao District Committee of All-Union Communist Party, apontando que tais atitudes seriam não apenas racistas, mas antissoviéticas. Nesse sentido, é preciso compreender, como aponta Meredith Roman, que o discurso antirracista soviético não fora apreendido por esses estudantes negros como algo vazio, abstrato ou paternalista (Roman, 2011ROMAN, M. Race, politics and US Students in 1930s Soviet Russia. Race & Class, v. 53, n. 2, p. 58-76, 2011.). Fora mobilizado como uma potente arma que buscava pautar a agenda soviética, inclusive na União Soviética.

Em 1933, por exemplo, um grupo de estudantes negros tanto do continente africano quanto da Diáspora Negra realizou um encontro com Dmitri Manuilski, diretor do ECCI, na KUTV. Os estudantes organizaram suas críticas a alguns aspectos da sociedade e da cultura soviética lidos como racistas, sob a narrativa do antirracismo soviético. Ocorria, contudo, que as críticas mais contundentes a esses aspectos da sociedade soviética, feitas por negros africanos, eram relativizadas pelos estudantes negros norte-americanos, sobretudo. A defesa da União Soviética como uma sociedade antirracista possuía o valor de combate direto à segregação nos Estados Unidos, sem contar que esses estudantes viam positivamente a possibilidade de criticar de modo construtivo o antirracismo soviético em detrimento de engrossar o coro antissoviético pondo em risco suas possibilidades de construção futura (Roman, 2011ROMAN, M. Race, politics and US Students in 1930s Soviet Russia. Race & Class, v. 53, n. 2, p. 58-76, 2011.: 60).

A presença de estudantes negros na União Soviética causava, em americanos brancos em visita à Rússia, a sensação de que o tratamento dado aos negros os tornava hostis e “extremamente ofensivos” em relação aos brancos. Houve casos em que, ante a aproximação entre estudantes negros e mulheres russas e consequentes críticas e atos racistas, os estudantes negros afirmavam que “nós somos como os homens brancos; nós casamos com mulheres brancas” (Roman, 2011ROMAN, M. Race, politics and US Students in 1930s Soviet Russia. Race & Class, v. 53, n. 2, p. 58-76, 2011.: 60). Essas situações causavam na cabeça dos homens brancos norte-americanos o medo de que, ao retornarem para os Estados Unidos, esses negros exigissem serem tratados “como homens brancos” (Roman, 2011ROMAN, M. Race, politics and US Students in 1930s Soviet Russia. Race & Class, v. 53, n. 2, p. 58-76, 2011.: 60). Em 1929, Hubert Harrison, que se matriculou na International Lenin School em 1927, foi alvo de rumores maliciosos ante sua aproximação de uma mulher branca russa em Yalta (Weiss, 2014WEISS, H. Framing a Radical African Atlantic: African American Agency, West African Intellectuals and the International Trade Union Committee of Negro Workers. Leiden: Brill, 2014.: 309).

Não era incomum que estudantes negros ou integrantes negros do Partido Comunista mantivessem relacionamentos com mulheres europeias durante sua passagem por Moscou ou no trabalho pelo Comintern. Harry Haywood e Wiliam L. Patterson escreveram sobre seus relacionamentos durante sua estadia na União Soviética em suas obras autobiográficas. Haywood casou-se com Ekaterina, também conhecida como Ina, em 1927, e Patterson casou-se com Vera Gorohovskaya, em 1929, com quem teve duas filhas. Patterson terminou seu casamento quando decidiu retornar aos Estados Unidos, ao passo que Haywood planejava que Ina o acompanhasse aos Estados Unidos, inicialmente. Os planos de Haywood foram obrigados a mudar por conta da negativa da embaixada norte-americana em Riga, que, em 1932, negou o visto para Ina entrar nos Estados Unidos (Patterson, 1971PATTERSON, W. L. The man who cried genocide. Nova York: International Publishers, 1971.: 109; Haywood, 1978HAYWOOD, H. Black Bolshevik: Autobiography of an Afro-American Communist. Chicago: Liberator Press, 1978.: 174, 338, 382, 387-388).

No que pode ser observado como um constrangimento causado pelo exílio desses homens negros, e também do racismo institucional existente nos Estados Unidos, o divórcio seria a única alternativa realista ante a decisão de retornar aos Estados Unidos. Tendo estado em solo soviético, um negro, casado com uma cidadã soviética, certamente não teria dias tranquilos com as autoridades norte-americanas. Ocorre que as relações entre homens negros e mulheres brancas na Rússia integram a narrativa sobre a União Soviética ser um local livre do racismo, marcado pela utopia de uma sociedade livre do preconceito de cor ou raça.

Contudo, o convívio entre estudantes negros e brancos oriundos dos Estados Unidos seguia produzindo cenas lamentáveis de racismo na União Soviética. Dos estudantes negros Leonard Patterson (Cotton Terry) e John Brown (Carl Jacoby), foi exigido que dançassem o “jigg” e cantassem spirituals para uma plateia de trabalhadores russos curiosos ante os rapazes negros. Ambos os estudantes negros, em uma reclamação formal às autoridades universitárias, enfatizaram que tal solicitação era extremamente ofensiva, pois, desde os tempos da escravidão, donos de escravos os forçavam a dançar sob ameaça da chibata. Além disso, fazia com que se sentissem tratados como selvagens que acabaram de sair da selva, dos quais se esperava um comportamento bruto, performático e não civilizado. Patterson explicou que, diferentemente dos russos, os americanos possuíam um histórico de escravidão e de racismo que os levava a acreditar que dançar o “jigg” seria a única coisa que negros saberiam executar. As autoridades da Lenin School, contudo, mostraram-se surpresas com tais reclamações e utilizaram como contraponto um caso semelhante, quando Harry Haywood foi interpelado por trabalhadores russos pedindo que fizesse a “dança dos escravos”, não avaliando tal situação como um ato racista. Patterson enfatizou que, caso a unidade inter-racial fosse, de fato, um objetivo a ser alcançado, os brancos norte-americanos deveriam cessar com tais solicitações aos negros6 6 RGASPI, f. 531, op. 2, d. 56, ll. 116-119. Sobre Patterson, ver ‘Lichnoedelo Patterson Leonard’, RGASPI, f. 495, op. 261, d. 4797, ll. 1-10. Sobre Brown, Ver ‘Lichnoedelo Iakobi Karl’, RGASPI, f. 495, op. 261, d. 4881. .

O aspecto marcante é que poucos estudantes brancos pareciam considerar as reclamações dos estudantes negros, não repensando suas práticas ancoradas no racismo. Dessa maneira, as chances reais de integração racial entre militantes brancos e negros eram escassas. Era comum que os estudantes brancos não se considerassem culpados pelo racismo, atacando por sua vez os estudantes negros, que eram taxados de “gangue de nacionalistas”, extremamente sentimentais, indisciplinados e indolentes em relação às normas universitárias. Também argumentavam que os estudantes negros pretendiam criar o caos na Lenin School sob a atmosfera da “negridade” — negritudeness7 7 RGASPI, f. 531, op. 2, d. 56, ll. 57-59, 116-117, 119, 132, 162-165. .

Contudo, fato que merece destaque na relação dos estudantes negros com os casos de racismo nas universidades comunistas é como eles lidaram com esses casos, do ponto de vista de seus vínculos com o projeto socialista da União Soviética. Roman Meredith menciona que houve um cálculo nas respostas dadas a alguns casos de racismo passados na União Soviética naquele momento, e que esse cálculo esteve ligado à necessidade de se defender a União Soviética como uma sociedade antirracista e com convivência harmônica entre as raças (Roman, 2011ROMAN, M. Race, politics and US Students in 1930s Soviet Russia. Race & Class, v. 53, n. 2, p. 58-76, 2011.), ainda que não se possa afirmar se essa defesa por parte dos estudantes negros refletia a crença na materialidade dessa sociedade sem racismo. O antirracismo soviético possibilitou que os estudantes negros, sobretudo dos Estados Unidos, operassem com um conjunto de práticas e discursos que trouxe novas perspectivas para as relações entre negros e brancos no comunismo. Ainda que limitadas, essas perspectivas trouxeram dignidade e fomentaram a busca por igualdade entre negros e brancos, além de disponibilizarem um conjunto de argumentos contra o racismo nos Estados Unidos, um país capitalista.

Já alguns estudantes negros oriundos do continente africano fizeram denúncias mais veementes contra o que percebiam como racismo. Ao passo que os estudantes negros norte-americanos buscavam, por meio de suas críticas, aprimorar o antirracismo soviético, os estudantes africanos atacavam sua inconsistência e questionavam sua validade. Pierre Kalmek, por exemplo, das colônias francesas, revelou ter presenciado diversos casos de racismo no país dos trabalhadores. Mencionando seu trabalho como marinheiro, afirmou ter viajado por toda a Europa, “mas em nenhum outro lugar eu vi tanto chauvinismo como na União Soviética”. “E por que eu vim para cá?”, questionou. “Porque eu ouvi muito sobre e li nos jornais que a URSS [União Soviética] era o lar dos povos oprimidos, um país sem o chauvinismo”. Infelizmente, “eu encontrei mais chauvinismo do que nos países capitalistas. Estive na Itália, Índia e em outros países. Ninguém cuspiu em mim nesses locais como cuspiram em mim aqui em Moscou, três vezes”. Edwin Mofutsanyana (Greenwood), futuro secretário do Partido Comunista da África do Sul, também possuía relatos semelhantes9.

Publicada em 1988, Black on Red (Robinson, 1988ROBINSON, R. Black on Red: My 44 Years Inside the Soviet Union. Washington, D.C.: Acropolis Books, 1988.), a autobiografia de Robert Robinson, que trabalhou em fábricas da União Soviética ao longo da década de 1930, possuía a intenção de atacar os líderes soviéticos. Contudo relembra que sempre foi tratado com respeito por seus colegas russos na fábrica de Stalingrado no início de 1930. Há que se considerar, também, as diferenças de percepção ante um negro oriundo dos Estados Unidos, associado ao progresso, à civilização e à urbanidade, e a visão sobre os negros oriundos do continente africano, o “continente sombrio”, associado aos animais, à selva, ao exótico; como reforçavam peças populares soviéticas tais como The Negro Child and the Monkey (Negritenok i obez'iana).

Os militantes que frequentavam as universidades comunistas e a União Soviética vindos dos Estados Unidos possuíam experiências distintas das dos não norte-americanos. A narrativa antirracista soviética privilegiava esses indivíduos por conta de ser o racismo norte-americano seu principal adversário. Não à toa, o Comintern definiu os negros norte-americanos como a vanguarda que libertaria os negros do mundo da opressão e do colonialismo. Nesse sentido, pode-se considerar que a defesa mais arraigada do antirracismo soviético por parte dos estudantes negros norte-americanos se deu por serem estes os potenciais beneficiários primários dessa narrativa. Cabe, portanto, distinguir esta estratégia de defesa do projeto de harmonia racial soviético de uma leitura concreta da realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no debate entre McKay e Du Bois a respeito das ênfases relativas às questões raciais ou de classe, é possível mapear o contexto linguístico do período entreguerras no que tange ao debate teórico sobre o marxismo. O que se observa, portanto, é que ambos os intelectuais consideram a questão racial como central no debate sobre os trabalhadores no sistema capitalista. Claude McKay, contudo, diferentemente de seu posicionamento no IV Congresso do Comintern, em 1922, modula sua argumentação dando mais ênfase ao aspecto de classe durante sua experiência na União Soviética. Tal posicionamento era possível tanto por questões pragmáticas de defesa do projeto revolucionário soviético quanto por um vocabulário político que considerava que raça e classe formavam um conjunto inseparável e articulado no interior do sistema capitalista.

A experiência de diversos militantes e lideranças negras ligadas às lutas anticoloniais e anti-imperiais na União Soviética entre as décadas de 1920 e 1930 aponta para a complexidade das disputas e construções políticas ante o crescente internacionalismo negro e o projeto internacional comunista. A diferença de postura perante casos de racismo vivida por indivíduos negros do continente africano e de indivíduos oriundos dos Estados Unidos e Caribe demonstra essa diversidade de projetos e experiências. Sem, contudo, os afastar dos objetivos comuns anticoloniais e anti-imperialistas. O que se espera com esses relatos, longe de elencar fatos anedóticos, é estabelecer uma etnografia desse contexto específico que nos auxilie nas leituras da adesão ao projeto do Comunismo Internacional ao longo da década de 1930 por parte da intelectualidade negra da diáspora. Essa adesão se deu de forma pragmática e qualificada, além de apontar para a agência da intelectualidade negra ante o projeto soviético. Tais experiências reforçam a conclusão de que os projetos anticoloniais e antirracistas da intelectualidade radical negra possuem relação intensa, diversa e criativa com a tradição marxista e com projetos comunistas desde o pós-revolução de 1917 tanto do ponto de vista teórico quanto da práxis política.

NOTAS

  • 1
    Todas as traduções de citação são de nossa autoria.
  • 2
    A 15ª emenda à Constituição dos Estados Unidos estabelece que os governos nos Estados Unidos não podem impedir um cidadão de votar por motivo de raça, cor ou condição prévia de servidão (escravidão). Foi ratificada em 3 de fevereiro de 1870.
  • 3
    Os socialistas da Segunda Internacional não demonstraram consenso sobre a questão colonial até o período da Primeira Guerra Mundial, quando alguns membros do Partido Trabalhista britânico (British Labour Party) apoiaram abertamente a intervenção colonial na África e em outros locais como uma forma de tutela benéfica. Ver Howe (1993)HOWE, S. Anticolonialism in Britain Politics: the left and the end of empire 1918-1964. Oxford: Oxford University Press, 1993.. Nos Estados Unidos, o Socialist Party of America (SPA), filiado à Segunda Internacional, ainda que contasse com alguns integrantes negros entre seus fundadores, entre eles Peter Clarck, acreditava que a “questão do negro” seria resolvida quando a classe trabalhadora triunfasse na luta de classe. Eugene Debs, outro líder do SPA, mencionava que o partido não possuía nada a oferecer ao negro. Ver Foner (1977)FONER, P.S. American Socialism and Black Americans: From the Age of Jackson to World War II. Londres: Greenwood Press, 1977..
  • 4
    Esse evento seria realizado sete anos depois. A Conferência Internacional dos Trabalhadores Negros teve lugar em Hamburgo, na Alemanha, em julho de 1930.
  • 5
    Ver Gates, Akyeampong e Niven (1977)GATES, H. L.; AKYEAMPONG, E.; NIVEN, S. J. Dictionary of African Biography. Ethiopia-Ghana, Nova York: Oxford University Press, 1977. v. 1. e Blakely (1986)BLAKELY, A. Russia and the Negro: blacks in Russian history and thought. Washington, D.C.: Howard University Press, 1986.. O porquê de Awooner-Renner ter concordado em se transferir para a KUTV permanece incerto; possuía carteira de estudante com o número 2.609; RTsKhIDNI, 532/1/23, 45. Constam nos registros que com ele chegou o jamaicano Aubrey C. Bailey (“Jean Dessolin”, n° 2.608), o americano Carl Jones (“Dzhons”, n° 2.612), o africano Holle Sella Tamba (“Nelson”, n° 2.610), e Sonya Kroll (n° 2.747); RTsKhIDNI, 532/1/45, 3. Bailey participou da African Blood Brotherhood na Philadelphia e em Nova Iorque.
  • 6
    RGASPI, f. 531, op. 2, d. 56, ll. 116-119. Sobre Patterson, ver ‘Lichnoedelo Patterson Leonard’, RGASPI, f. 495, op. 261, d. 4797, ll. 1-10. Sobre Brown, Ver ‘Lichnoedelo Iakobi Karl’, RGASPI, f. 495, op. 261, d. 4881.
  • 7
    RGASPI, f. 531, op. 2, d. 56, ll. 57-59, 116-117, 119, 132, 162-165.
  • 8
    Sobre Peter Kalmek, ver Estenograma de Manuilski para os estudantes do nono setor da KUTV, 19 de janeiro de 1933, RGASPI, Pasta 532, op. 1, d. 441, ll. 1-13; Sobre Mofutsanyana, ver Davidson (2002)DAVIDSON, A. B. (org.). South Africa and the Communist International. Oxford: Routledge, 2002. v. 1..
  • Fonte de financiamento: Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

REFERÊNCIAS

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    » https://doi.org/10.1080/0030923990350104
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2022
  • Aceito
    16 Ago 2022
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