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JORNALISMO E LITERATURA REMODELADOS: ESTUDO DE UM GRUPO DE INTELECTUAIS DAS CAMADAS MÉDIAS (1940-1960)

Journalism and literature remodeled: study of a group of intellectuals of the middle sectors

Periodismo y literatura remodelados: estudio de un grupo de intelectuales de los sectores medios (1940-1960)

RESUMO

Neste artigo, analiso as trajetórias dos jornalistas-escritores Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Antonio Callado, Clarice Lispector, Fernando Sabino e Otto Lara Resende. Oriundos dos setores médios, esses intelectuais se lançaram na profissão de escritor em contexto de maior autonomização dos campos teatral e literário em relação à imprensa, entre as décadas de 1940 e 1960. Nesse quadro, é possível que a produção ficcional deles esteja relacionada às estratégias de seu grupo social, compostas por relações tanto modernas quanto tradicionais, para evitar rebaixamentos sociais e impulsionar sua ascensão no âmbito do jornalismo e das letras em geral.

PALAVRAS-CHAVE:
Jornalismo; Literatura; Teatro; Intelectuais; Camadas médias

ABSTRACT

In this article I analyze the trajectories of the journalist-writers Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Antonio Callado, Clarice Lispector, Fernando Sabino, and Otto Lara Resende. Coming from the middle sectors, they launched themselves in the profession of writer in a context of greater autonomy of the theatrical and literary fields compared with the press, between the 1940s and 1960s. In such conditions, their fictional production is possibly related to strategies of their social group, comprising both traditional and modern relationships, to avoid social decline and boost their ascent in the fields of journalism and arts in general.

KEYWORDS:
Journalism; Literature; Theater; Intelectuals; Middle strata

RESUMEN

En este artículo analizo las trayectorias de los periodistas escritores Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Antonio Callado, Clarice Lispector, Fernando Sabino y Otto Lara Resende. Provenientes de los sectores medios, estos intelectuales se lanzaron al oficio de escritor en un contexto de mayor autonomía de los campos teatral y literario en relación con la prensa, entre las décadas de 1940 y 1960. En ese contexto, es posible que su producción ficcional sea relacionada con las estrategias de su grupo social, compuestas por relaciones tanto modernas como tradicionales, para evitar el descenso social y potenciar su ascenso en el campo del periodismo y en las letras en general.

PALABRAS CLAVE:
Periodismo; Literatura; Teatro; Intelectuales; Setores medios

Jornalistas-escritores são presença constante na produção literária e dramatúrgica brasileira. Neste texto, levando em consideração transformações nessas áreas, pretendo analisar um grupo específico de jornalistas que ascenderam como ficcionistas entre as décadas de 1940 e 1960. São eles: Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Antonio Callado, Clarice Lispector, Fernando Sabino e Otto Lara Resende. Todos pertenciam às camadas médias e encontraram condições de atuação diferenciadas naquele período, ao contar com uma maior autonomização dos campos literário e teatral em relação à imprensa. Por meio de documentação variada, buscarei identificar homologias e distinções entre esses sujeitos, de modo a investigar suas determinações sociais, assim como eventuais opções estéticas por eles compartilhadas no início de suas trajetórias.

JORNALISMO E FICÇÃO: MUDANÇAS NA CONJUNÇÃO

As íntimas relações entre jornalismo e criação ficcional no Brasil são bastante conhecidas (Costa, 2005;COSTA, C. Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil (1904-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Miceli, 2001;MICELI, S. Intelectuais à brasileira . São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Sevcenko, 2003)SEVCENKO, N. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.. No início do século XX, literatos dependiam profundamente do dinheiro obtido com publicações de artigos e crônicas na imprensa para complementar sua renda e continuar escrevendo literatura. Um traço frequente entre eles é o fato de pertencerem às famílias oligárquicas decadentes. Diante do descenso social e da perda status, podiam fazer valer seu cabedal de relações sociais e obter posições vedadas a membros de outros grupos sociais, como a ocupação de escritor (Miceli, 2001)MICELI, S. Intelectuais à brasileira . São Paulo: Companhia das Letras, 2001.. Na década de 1930, com o crescimento do mercado livreiro, porém, houve a consolidação da “carreira” de romancista (Miceli, 2001)MICELI, S. Intelectuais à brasileira . São Paulo: Companhia das Letras, 2001., o que trouxe maior autonomia para o campo literário. No entanto, isso não significa que o trabalho na imprensa não tenha desempenhado um papel importante na criação literária dos escritores a serem analisados, pelo contrário.

Neste artigo, analisarei um grupo de jornalistas-ficcionistas não provenientes dos referidos grupos oligárquicos, o qual se projetou nas décadas de 1940 e de 1960. Em momento de maior autonomização do campo literário e da cena teatral no Brasil, de maneira distinta do ocorrido na França (Bourdieu, 1998)BOURDIEU, P. Les Règles de l’art: genèse et structure du champ littéraire . Paris: Éditions du Seuil, 1998., é marcante a presença de numerosos intelectuais das camadas médias na produção jornalística e ficcional. Em termos de amostra, seis casos poderiam lançar luz sobre esse perfil de intelectual: Nelson Rodrigues (1912-1980), Carlos Heitor Cony (1926-2018), Antonio Callado (1917-1997), Otto Lara Resende (1922-1992), Fernando Sabino (1923-2004) e Clarice Lispector (1920-1977). Vale ressaltar que não se trata de um grupo reunido em torno de um programa ou escola. De qualquer forma, tais indivíduos estabeleceram frequentes contatos diretos e indiretos e possuem proximidade geracional entre si. A maioria deles eram homens brancos. Clarice, a única mulher e de família judaica, identificava-se como branca no início da década de 1940 1 1 Em carta endereçada a Getúlio Vargas, em 3 de junho de 1942, ela se apresentou como russa (Lispector, 2020: 46). .

Todos eles foram socializados em meio ao chamado jornalismo literário e acompanharam a disseminação do jornalismo norte-americano na década de 1950, supostamente neutro e objetivo. Cony relatou que, desde seus primeiros contatos com a seara jornalística, descobrira que era prática difundida entre os jornalistas a composição de versos (Cony, 2010)CONY, C. H. Eu, aos pedaços: memórias. São Paulo: Leya, 2010., fenômeno que Nelson corroborou ao mencionar o caso do jornalista Danton Jobim, versejador durante seu trabalho nas redações, cujo início na carreira acompanhou (BERGAMO, 2014)BERGAMO, A. A escrita do presente: mudanças estruturais no status cultural do jornalismo. In: MICELI, S.; PONTES, H. (org.). Cultura e sociedade: Brasil e Argentina. São Paulo: Edusp, 2014. (Rodrigues, 2021a)RODRIGUES, N. Memórias: a menina sem estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021a.. Nelson rememorou ainda, sob um viés saudosista, tempos em que os jornalistas eram instados a escrever suas reportagens com elementos ficcionais, servindo-se amplamente de adjetivos e de pontos de exclamação (Rodrigues, 2021b)RODRIGUES, N. O Reacionário: memórias e confissões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021b.. Portanto, é possível que o convívio deles nas redações dos jornais, no início da carreira, tenha contribuído para a criação de um habitus favorável à escrita de peças teatrais ou de romances.

O meio jornalístico, em que atuaram, é marcado por uma desigualdade estrutural ou por disputas pelo direito da narrativa (Bergamo, 2014)BERGAMO, A. A escrita do presente: mudanças estruturais no status cultural do jornalismo. In: MICELI, S.; PONTES, H. (org.). Cultura e sociedade: Brasil e Argentina. São Paulo: Edusp, 2014.. Alguns textos jornalísticos são feitos para ser lidos apenas uma vez e depois descartados; outros, para ser relidos e se tornar modelos para as novas gerações (Bergamo, 2014)BERGAMO, A. A escrita do presente: mudanças estruturais no status cultural do jornalismo. In: MICELI, S.; PONTES, H. (org.). Cultura e sociedade: Brasil e Argentina. São Paulo: Edusp, 2014.. Desse modo, a emergência desses sujeitos como autores de ficção indica ter pesado para a progressão que experimentaram em variados periódicos, seja em cargos administrativos, seja na conquista de colunas destacadas.

A despeito das diferenças na trajetória de cada um, é possível apontar que compartilhavam medos, valores e aspirações comuns entre os setores médios. Estes experimentavam ansiedades concernentes ao descenso social e à consequente proletarização. E tomavam parte de uma ordem competitiva moderna na qual procuravam ascender por meio de uma combinação de aquisição cultural, mérito pessoal e de relações tradicionais como apadrinhamentos, a fim de se diferenciar dos trabalhadores (Owensby, 2013)OWENSBY, B. P. Domesticating Modernity: Markets, Home, and Morality in the Middle Class in Rio de Janeiro and São Paulo, 1930s and 1940s. In : PARKER, S.; WALKER, L. E. (org.). Latin America’s Middle Class: Unsettled Debates and New Histories. Plymouth: Lexington, 2013., traços das camadas médias entrevistos em escala transnacional (López; Weinstein, 2012)LÓPEZ, A. R.; WEINSTEIN, B. Introduction: We Shall Be All: Toward a Transnational History. In: The Making of the Middle Class: Toward a Transnational History . Durham: Duke University Press, 2012..

Carlos Heitor Cony rememorou que as redações dos jornais estavam repletas de indivíduos pertencentes aos setores médios, tais como médicos, advogados, professores e políticos de diversas orientações. Seu relato é ambíguo. Ao mesmo tempo que asseverou que atividade jornalística era “um bico mal-remunerado, que não exigia habilitação específica”, deu a entender que ela podia render considerável projeção social: “O cidadão era considerado entre os médicos por ser um bom jornalista e entre os jornalistas por ser um bom médico” (Cony, 2010: 69-70)CONY, C. H. Eu, aos pedaços: memórias. São Paulo: Leya, 2010.. Em outras palavras, era tarefa arriscada e de pouco prestígio assumir a profissão de jornalista por si só, especialmente nos escalões mais baixos. Todavia, ascender nas fileiras da imprensa, contar com redes de proteção no interior dela e buscar outras fontes de recursos além do jornalismo, podiam ser estratégias de ascensão social ou de manutenção do status, em meio às intempéries comumente enfrentadas pelos setores médios.

À PROCURA DE UM PORTO SEGURO

É possível notar que alguns jornalistas concretizaram suas aspirações de escritor justamente em momento em que, após terem experimentado oscilações socioeconômicas, almejavam alguma forma de estabilidade ou progressão em suas vidas. A trajetória de Nelson Rodrigues fornece um exemplo inicial. Nascido em Recife, Nelson era o quinto de quatorze irmãos. Filho de pai jornalista e de mãe de origem abastada, mudou-se com a família para a antiga capital federal ainda criança. Os contatos do pai abriram-lhe o caminho para o trabalho no jornal Correio da Manhã. Seu pai logrou ascender na carreira, passando a diretor e depois a proprietário de jornal, o que lhe permitiu mudar-se com esposa e filhos do bairro de Aldeia Campista para áreas mais nobres como Tijuca e Copacabana. Mário Rodrigues fundou os jornais A Manhã e, depois de perder o controle acionário deste, funda o jornal Crítica. Portanto, por algum tempo, transpôs as fronteiras das camadas médias até chegar à elite emergente.

Com dificuldades de socialização na escola, Nelson espelhou-se em grande medida em seu pai jornalista durante sua convivência com ele, uma “figura obsessiva” em sua vida (Rodrigues, 2021a: 177)RODRIGUES, N. Memórias: a menina sem estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021a.. Lia seus textos e acompanhava seu trabalho no interior da redação. Beneficiou-se igualmente da biblioteca disponível em casa, de onde pôde ler romances. Na adolescência, trabalhou como repórter policial em jornal administrado pelo pai. Essa experiência permitiu-lhe não somente fazer a cobertura de eventos trágicos, como também exercitar a imaginação e a criatividade no âmbito do jornalismo literário.

A situação socioeconômica da família de Nelson mostrar-se-ia frágil. A morte de seu irmão Roberto, baleado, levou seu pai a se debilitar rapidamente e morrer pouco depois. Seus irmãos assumiram a direção de Crítica e apoiaram a candidatura presidencial de Júlio Prestes. Entretanto, a chamada Revolução de 1930 provocou uma ruptura institucional que levou Getúlio Vargas ao poder. Em meio às mobilizações em torno desse evento, o jornal da família Rodrigues foi empastelado. Seguiu-se um período de necessidades para o clã. De qualquer modo, permaneceram em Copacabana, incorrendo no risco de agravar sua situação (Rodrigues, 2021a)RODRIGUES, N. Memórias: a menina sem estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021a.. Tanto a morte do patriarca quanto a virada no cenário político parecem tê-los reconduzido, como veremos, aos setores médios, com ameaças periódicas de desclassificação ainda maior.

Nessa fase, as relações pessoais da família agiram como anteparo aos novos abalos. Mário Filho, seu irmão, tendo contatos em O Globo, ingressou nesse jornal. Em seguida, Nelson também foi admitido como redator esportivo. Acontece que, em 1934, outro fator ameaçou tragá-lo para a base da sociedade: a tuberculose. Passou várias temporadas afastado para tratamento, inclusive para cuidar do irmão Joffre, o qual também contraíra a doença. Desta feita, foi a intervenção paternalista de Roberto Marinho, ao lhe pagar três anos de vencimentos durante a convalescença, fator decisivo para lhe garantir certa estabilidade (Rodrigues, 2021a: 168-169)RODRIGUES, N. Memórias: a menina sem estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021a.. De volta ao trabalho, Nelson aspirava por mobilidade no interior do jornal. Exerceu tarefas como repórter esportivo e na produção do O Globo Juvenil, as quais considerava de prestígio diminuto. Por isso, solicitou a Roberto Marinho uma promoção a um posto mais proeminente, como crítico cultural do O Globo, para o qual foi sutilmente barrado (Rodrigues, 2021a)RODRIGUES, N. Memórias: a menina sem estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021a..

Em 1940, Nelson se casou com Elza Bretanha, sua colega de redação, em uma conjuntura que parecia empenhado em traçar estratégias para ascender socialmente ou evitar novos solavancos. Pouco antes, decidira, após constatar que a obra teatral A família lero-lero, de Raimundo Magalhães Júnior, contava com um mercado compensador; escrever sua própria peça, A mulher sem pecado(Rodrigues, 2012)RODRIGUES, S. Nelson Rodrigues por ele mesmo . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.. Dessa forma, o ímpeto de Nelson para conquistar maior notoriedade na área cultural, frustrado num primeiro momento na imprensa, ganhou vazão no teatro.

Por intermédio das relações pessoais de seu irmão, a referida obra foi inserida no repertório do Serviço Nacional de Teatro, tendo recebido público modesto e alguns elogios da crítica. Foi sua segunda peça, Vestido de Noiva, porém, que lhe proporcionou grande projeção como dramaturgo. Encenada por Ziembinski à frente da companhia Os Comediantes, em 1943, contou com o assentimento de Manuel Bandeira, poeta já consagrado, para que este escrevesse uma resenha elogiosa na imprensa, e foi sucesso de público. Como se pode notar, Nelson apresentava, àquela altura, um cabedal considerável de relações pessoais e de apreciadores de sua obra capazes de impulsionar sua carreira de escritor, além de uma fonte de renda extra proveniente de direitos autorais.

Sua ambição de avançar no campo jornalístico foi facilitada pelo reconhecimento por ele adquirido como dramaturgo. Nesse sentido, em momento posterior à exibição de Vestido de noiva, Nelson contou que recebeu convite para almoçar com Freddy Chateaubriand, David Nasser e Millôr Fernandes, ocasião em que foi convidado para trabalhar nos Diários Associados. Receberia, portanto, salário maior e a direção das revistas Guri e Detetive. Sua ilação não parece despropositada: “senti que, por trás do convite, estava Vestido de noiva, e estava o berro do José César Borba chamando o autor, o autor [reação do teatrólogo e jornalista após o término da encenação]” (Rodrigues, 2021a: 211)RODRIGUES, N. Memórias: a menina sem estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021a..

A trajetória de Carlos Heitor Cony possui algumas semelhanças com a de Nelson. Terceiro entre quatro irmãos homens, filho de Ernesto Cony Filho, jornalista modesto e funcionário público que apreciava fazer versos, e de Julieta de Morais, foi cedo marcado por um estigma, um problema na dicção que obstaculizou sua socialização nos primeiros anos escolares. Atrasado nos estudos, ele foi educado por um período pelo pai, o qual também era professor concursado. Essa convivência com familiar que lhe servia de modelo impactou sua escolha pelo caminho da formação na área de humanidades e, mais tarde, pelo jornalismo, cuja iniciação foi viabilizada por conhecidos de seu pai.

Como no caso da família de Nelson, a chamada Revolução de 1930 eliminou o emprego de Cony pai na imprensa. Trabalhava como jornalista sem grande notoriedade para o jornal O País, o qual, devido a seu alinhamento com a situação política anterior, foi saqueado e empastelado. Caiu por um tempo na clandestinidade e teve dificuldades para encontrar nova ocupação em periódicos. O padrão de vida da família diminuiu, levando-a a se mudar para Niterói, opção mais barata. Nesse período, Cony pai tentou, sem obter grandes dividendos, o comércio de rádios e a instalação de antenas.

A saída encontrada foi mudar-se para uma chácara e criar galinhas, atividade que proveu razoavelmente sua família por algum tempo (Cony, 2017)CONY, C. H. Quase memória . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017., sonho da pequena propriedade rural compartilhado por muitos de seus colegas de profissão 2 2 Segundo Cony, na “geração de jornalistas à qual meu pai pertenceu, todos tinham um sonho comum: comprar um sítio em Jacarepaguá e criar galinhas. Quanto ficavam exaustos ou deprimidos, agarravam-se a essa esperança avícola, ‘um dia largo tudo e vou criar galinhas’” (Cony, 2010: 162). . Exercer somente a ocupação de jornalista, sobretudo nas fileiras de base, era uma aposta arriscada, sujeita a abalos por reviravoltas políticas, doenças, desemprego e pagamentos incertos, uma vez que os jornais remuneravam seus funcionários com vales à época; daí a aspiração pela pequena propriedade como forma de se obter alguma estabilidade, vislumbrada na autossuficiência como patamar mínimo.

Cony filho, em alguma medida, experimentou a estabilidade almejada pelo pai ao longo dos anos de sua adolescência que passou no Seminário de São José, com o intuito de se ordenar padre. Em suas lembranças, deixara um núcleo familiar “pequeno- burguês” para se juntar a uma comunidade que obedecia a ritos universais e milenares. Nela, teve a sensação de estar no “palácio encantado da Bela e a Fera, onde tudo era oferecido automaticamente e à perfeição”; em contraste com sua família, “uma célula muito frágil para proteger o indivíduo”, tendo em vista os problemas do pai desempregado e as dificuldades materiais (Perez, 1964: 44)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964..

Enquanto esteve no seminário, incorporou, além da formação religiosa, conhecimentos de filosofia e de latim com sacerdotes de sólida formação em língua e em literatura clássicas. Além do mais, acumulou amplo conhecimento literário ao ler numerosos romances, bem como praticou a escrita por meio de textos religiosos. Incompatibilizado com a mencionada instituição, porém, abandonou-a em meados da década de 1940. Após sua saída, começou o curso de Filosofia, na Universidade do Brasil, mas o interrompeu pouco depois. Sem diploma universitário nem ordenação religiosa, enveredou pelo caminho do jornalismo, sob os auspícios do pai. Este conhecia não apenas pares no ofício, como também diversos prefeitos, o que facilitou a entrada do filho no serviço público da Câmara Municipal e no Jornal do Brasil, no início da década de 1950.

O capital cultural adquirido previamente por Cony foi em grande medida direcionado para um projeto literário. Na segunda metade da década de 1950, começou a escrever romances. Sua estreia se deu com O ventre (1958), com o qual intentou legitimar sua incursão na ficção por meio do concurso Prêmio Municipal de Literatura, sem sucesso. Tal estratégia, contudo, foi exitosa com alguns de seus livros seguintes, A verdade de cada dia (1959) e Tijolo de segurança (1960), ambos vencedores do prêmio Manuel Antônio de Almeida, avaliado por nomes de prestígio nas letras, tais como Carlos Drummond de Andrade e Austregésilo de Athayde, no primeiro caso, e Rachel de Queiroz, Antônio Olinto e Antonio Callado, no segundo (Perez, 1964)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964..

Suas obras foram publicadas com o apoio de Ênio Silveira, comunista, pela editora Civilização Brasileira, uma das mais reputadas do país e conhecida por publicar trabalhos de esquerda, mas também aberta aos escritores de prestígio de outras orientações políticas. Sua consagração como autor no campo literário, de modo similar ao que ocorrera a Nelson no teatro, indica ter-lhe proporcionado voos mais altos na hierarquia jornalística. Afinal, ingressou como copidesque no Correio da Manhã, em 1960, e ascendeu de maneira fulminante ali. Passou logo a repórter internacional e, a partir de 1962, a cronista, tornando-se editorialista na primeira metade da década de 1960 3 3 O início modesto na profissão de jornalista foi narrado por ele: “Para quem não sabe, em gíria de redação, tópico é um artigo de fundo compacto, de cinco ou seis linhas […] O baixo clero abastecia os tópicos. […] Estreei no ofício de fazedor de tópicos de forma sensata” (Cony, 2010: 75-76). . Portanto, a conversão do capital cultural por ele acumulado em anos anteriores na carreira de romancista sugere ter-lhe rendido bases socioeconômicas mais seguras seja pela diversificação de suas fontes de renda seja pela sua progressão no campo jornalístico; além de ter passado a contar com o amparo de redes de sociabilidade tecidas no topo do jornalismo e da literatura.

A biografia de Callado guarda peculiaridades e homologias se comparada às anteriores. Único filho homem, ao lado de três irmãs, conviveu bastante com seu pai médico na infância. Este último era admirador de literatura, possuidor de ampla biblioteca na qual o primeiro iniciou-se nas letras e na língua francesa, e poeta “parnasiano”. Sua mãe, também leitora de romances e inclinada a fazer versos, era filha de juiz e membro do Instituto Histórico e Geográfico. O elã literário de Callado parece assim provir tanto do lado materno quanto paterno.

De qualquer forma, seu pai chegou a esboçar um projeto literário interrompido por sua morte devido a tuberculose ainda na infância do filho. Este pode então ter dado sequência às ambições de seu genitor. A mesma enfermidade que atingira Nelson e sua família, colocou Callado sob ameaça de descenso. Sua vida relativamente confortável no seio das camadas médias altas cedeu lugar a uma existência mais sóbria, impedida de rebaixamento ainda maior por trabalhos exercidos pela mãe (Leite, 1982;CALLADO, A. A. Antonio Callado: fotobiografia. Recife: Cepe, 2013. Callado, 2013)LEITE, L. C. M. Entrevistas inéditas de Antonio Callado. In : LEITE, L. C. M.; ZILIO, C.; LAFETÁ, J. L. (org.). Artes plásticas . São Paulo: Brasiliense, 1982..

Callado aprendeu a ler e a escrever com as tias, em escola por elas administrada, tendo sido ainda fortemente influenciado pelo catolicismo fervoroso delas. Em seguida, desenvolveu os estudos secundários no tradicional ginásio Bittencourt Silva, onde foi instruído por meio de numerosos livros em francês. No ensino superior, trilhou a área de seus avôs materno e paterno ao ingressar na Faculdade de Direito de Niterói, curso que veio a concluir – vantagem que o diferencia dos casos anteriores, mas o aproxima dos seguintes. Antes de se formar, iniciou sua carreira jornalística, em 1937, no Correio da Manhã, cujo contato inicial fora viabilizado por seu parentesco distante com Paulo Bittencourt, proprietário daquele jornal. Logo passou a trabalhar igualmente em O Globo.

Callado conseguiu projetar decisivamente sua carreira na imprensa e nas letras com uma estada na Europa. Em 1941, aceitou emprego na BBC, em Londres, em plena Segunda Guerra Mundial, como tradutor e repórter, tendo permanecido no exterior até 1947. Em meio a esse período, trabalhou por volta de um ano na Radio - Diffusion France, em Paris. Além da experiência profissional por ele obtida no âmbito de notórias empresas midiáticas, acompanhou as cenas teatrais vibrantes das referidas capitais, acumulou leituras variadas, aprofundou-se em dois idiomas e casou-se com a britânica Jean Watson – tendo Paschoal Carlos Magno como padrinho, um dos grandes incentivadores do teatro brasileiro e que pode tê-lo encorajado na dramaturgia –, a qual contribuiu para que ele mantivesse contato íntimo com a língua e cultura inglesas. Seu envolvimento com atividades de divulgação da cultura brasileira, na Inglaterra, incentivara seus estudos sobre seu país de origem (Callado, 2013)CALLADO, A. A. Antonio Callado: fotobiografia. Recife: Cepe, 2013..

De volta ao Brasil, avançou rapidamente no meio jornalístico. No Correio da Manhã, atuou como correspondente internacional e se aproximou da cúpula do jornal, como os badalados críticos literários Otto Maria Carpeaux e Álvaro Lins, e de escritores que começavam a se destacar, como Guimarães Rosa, indivíduos que se tornaram seus interlocutores em momento em que rascunhava textos literários (Perez, 1960)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960.. A proximidade com Álvaro Lins o acercou de José Olympio, dono da casa editorial mais celebrada do país, e que lançaria mais tarde três de suas obras (Callado, 2013)CALLADO, A. A. Antonio Callado: fotobiografia. Recife: Cepe, 2013.. Em relação a esse momento, justamente quando seu trabalho ficcional se consolidava, Callado (apud Moraes, 2012)MORAES, D. de. O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. São Paulo: Boitempo, 2012. se recordou que o “jornalista que trabalhava no Correio da Manhã sentia-se em segurança”, pois este oferecia assistência médica e pagava em dia, ao invés de oferecer vales.

Assim, converter seu capital cultural em obra autoral, como nos casos de Nelson e de Cony, pode ter sido para Callado uma forma de consolidar essa busca por maior estabilidade e projeção social. Seu primeiro livro publicado foi Esqueleto na lagoa verde: ensaio sobre a vida e o sumiço do coronel Fawcett (1953), fruto de reportagem investigativa no Xingu e de seu primeiro contato direto com os indígenas. Lançado pelo Serviço de Documentação do Ministério de Educação e Cultura, tangenciava a narrativa do romance policial. Em 1954, estreou na ficção com o romance Assunção de Salviano e a peça teatral A cidade assassinada, ambas impressas pela editora José Olympio. Não parece casual, portanto, que sua subida ao cargo de redator-chefe do Correio da Manhã tenha ocorrido naquele mesmo ano. Seus avanços na disputa pelo direito de narrativa o haviam levado ao topo do jornal mais importante da antiga capital, bem como variado suas fontes de renda e de prestígio ao lançá-lo como como dramaturgo e escritor.

IDAS E VINDAS AO JORNALISMO

Os exemplos a seguir referem-se aos escritores-jornalistas que ou não seguiram carreira na imprensa, ou mantiveram relações intermitentes com ela. Em tais casos, valeram-se de relações pessoais, das vantagens trazidas por seus casamentos, ou da vendagem de suas obras para conquistar maior independência no que diz respeito aos jornais e as revistas.

Clarice Lispector veio, com a família, da atual Ucrânia para o Brasil pouco depois da Revolução Russa. Instalaram-se a princípio em Recife. Em entrevista para a televisão, ela mencionou ter descoberto que sua mãe, falecida quando a futura escritora tinha nove anos, escrevia um diário, bem como poesias, sem publicar, o que deve ter despertado o interesse por essa atividade no interior da família 4 4 Clarice apresentou essa informação em sua última entrevista, a qual pode ser acessada no canal da TV Cultura no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=ohHP1l2EVnU . Seu pai, comerciante, era entusiasta de leituras, de música e, especialmente, da matemática. Lamentava por não ter podido estudar mais (Perez, 1964). Vontade que Clarice levou a cabo no futuro, juntamente com o gosto pela escrita da mãe, pois leu variadas obras de literatura e escreveu textos na juventude, sem conseguir publicá-los, porém.

Aos doze anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Sua formação escolar, tanto no colégio Silvio Leite, quanto no curso complementar de Direito do colégio Andrews, reforçaram sua formação literária com a discussão de uma série de autores nacionais e estrangeiros. Na fase de passagem para a vida adulta, “uma das mais desorganizadas e intensas pela qual passará” (Perez, 1964: 76)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964., os negócios de seu pai enfrentaram turbulências. Clarice aprendeu então datilografia, começou a dar aulas de Matemática e Português e fez um curso de dois meses na Cultura Inglesa. Como se pode observar, ela procurou, neste momento de instabilidade e ameaça de desqualificação social, incrementar suas habilidades profissionais e aplicar parte do capital cultural em atividades docentes. A produção literária parece integrar tal estratégia de diversificação, uma vez que seu primeiro conto foi publicado no segundo ano complementar.

Em 1939, Clarice ingressou na Faculdade Nacional de Direito. Conciliando os estudos com o trabalho, exerceu várias funções até obter empregos como jornalista, primeiro na Agência Nacional e, depois, no jornal A Noite, órgãos ligados ao Estado Novo. Na primeira, travou contato com Antonio Callado e José Condé, jovens repórteres com inclinações literárias, e com Lúcio Cardoso, jornalista-escritor tarimbado e com múltiplos contatos não somente no meio literário, como também no meio artístico em geral, que viria a se tornar seu amigo por toda a vida (Perez, 1964)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.5 5 O mineiro Lúcio Cardoso convivia com escritores, artistas plásticos, teatrólogos, cineastas e jornalistas, o que, de acordo com Maria Arminda do Nascimento Arruda, era “expressão tanto da diversidade ocorrida no período – visível no desenvolvimento das instituições de cultura, do público leitor, dos meios de divulgação, como da formação carioca do escritor que […] não chegou pronto ao Rio de Janeiro” (Arruda, 2014: 142-143). . Essas relações contribuíram para lhe abrir caminhos no mundo das letras.

Na faculdade, Clarice conheceu Mauri Gurgel Valente, com quem se casou em 1943. Este último foi admitido como diplomata pouco depois no Itamarati, ocupação que o levou a diversas viagens internacionais com a esposa. Naquele mesmo ano, ela lançou Perto do coração selvagem, seu primeiro romance, pela editora do jornal A Noite, obra elogiada pelo notório crítico Sérgio Milliet. O trabalho jornalístico lhe facilitou o acesso à mencionada casa editorial e a escritores e críticos consagrados 6 6 O jornalista Francisco de Assis Barbosa, trabalhando em A Noite em 1943, intermediou o contato de Clarice com o aclamado escritor José Lins do Rego. Este, por sua vez, teria se comprometido a contatar Álvaro Lins, pedindo-lhe que lesse o primeiro romance dela. Todavia, após desistir da mediação do referido romancista, solicitou-lhe o número de telefone do eminente crítico e o interpelou diretamente, tendo obtido dele o compromisso de ler o seu livro. Cf. Carta de Clarice Lispector a Francisco de Assis Barbosa, 24 de abril de 1943 (Lispector, 2020). . Depois de passar a residir no exterior, publicou O lustre, sua segunda obra, pela editora Agir, fundada por Alceu Amoroso Lima e inclinada a publicar textos ligados à fé católica; provavelmente favorecida por sua amizade com Fernando Sabino, jornalista literato então muito próximo do catolicismo irradiado a partir do Centro Dom Vital.

O casamento de Clarice com Gurgel Valente dotou-a de maior autonomia em relação ao campo jornalístico. Em carta enviada a Lúcio Cardoso, de Belém-PA, em 1944, declarou que, por ter se distanciado da Agência Nacional e de A Noite, estava “numa liberdade deliciosa […] Às vezes mesmo passo uns dois dias sem fazer nada […] Tenho trabalhado um pouco” (Lispector, 2020: 69)LISPECTOR, C. Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.. Os proventos guardados por ela durante seu trabalho na imprensa, somados ao emprego estável do marido, proporcionavam-lhe mais tempo livre e menor dependência dos jornais – o fato de ser mulher tornava dificílima, senão impossível, sua ascensão aos postos de chefia ou de editoria na imprensa, diferentemente dos exemplos anteriores. Por algum tempo, Clarice escreveu de maneira intermitente para periódicos brasileiros. Em carta a sua irmã Tania, de Berna, Suíça, em 2 de janeiro de 1947, remeteu-lhe uma contribuição para O Jornal, declinando sugestão para que escrevesse crônicas com mais frequência. Receava “tomar gosto na facilidade de escrever”, no que seguia explicitamente apontamentos críticos de Antonio Candido para manter o alto padrão da escrita (Lispector, 2020: 293)LISPECTOR, C. Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020..

Entretanto, essa condição podia se alterar por força das circunstâncias. Em missiva dirigida a Sabino em 28 de julho de 1953, de Washington, onde morava então com o esposo, Clarice interrogou-lhe se a revista Manchete, na qual o amigo possuía contatos, se interessava por uma coluna com notícias e comentários variados sobre os Estados Unidos. Admitia que os editores podiam definir a quantidade e o formato dos textos, de modo que “como você vê, não estou sendo nada difícil”, dado que “o dinheiro que eu tinha de A Noite, e reservado para os fins mais nobres, já gastei” (Lispector, 2020: 471-472)LISPECTOR, C. Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.. Seus únicos senões eram escrever sob pseudônimo e não lidar apenas com assuntos tidos como femininos, tarefa que já exercera antes (Lispector, 2020).

Ao que tudo indica, ela não queria vincular textos de produção mais ligeira a sua reputação literária, nem se submeter a estereótipos de gênero. Poucos dias depois, Sabino respondeu que a proposta fora aceita por Hélio Fernandes, então à frente da revista, sob condição, porém, de que os textos fossem assinados com o nome completo dela, ou seja, a equipe da revista contava com a reputação da escritora (Sabino; Lispector, 2002)SABINO, F. Cartas na mesa: aos três parceiros, meus amigos para sempre . Rio de Janeiro: Record, 2002..

Assim como Clarice, Fernando Sabino não seguiu carreira na redação de jornais. Nascido em Belo Horizonte, era filho de pai imigrante italiano representante de firmas comerciais inglesas, e de mãe mineira. Aos doze anos, época em que lia romances policiais, escreveu alguns contos que, graças à intervenção de um irmão, foram publicados em uma revista da polícia de Minas Gerais. O espaço escolar deu-lhe impulso na carreira dedicada às letras. Dirigiu um jornal de alunos no Ginásio Mineiro, onde se interessou pelo estudo da língua portuguesa. Naqueles anos, sua irmã o estimulou a participar de uma série de concursos, nos quais obteve diversas premiações. Seu irmão o apresentou a Guilhermino César, escritor e jornalista que publicara um livro pela aclamada editora José Olympio. Emprestava livros dele, contava com sua interlocução literária, e fora por ele apresentado aos escritores mineiros mais velhos, como Marques Rebelo, João Alphonsus, Cyro dos Anjos, Emílio Moura, João Dornas Filho e, mais tarde, Murilo Rubião (Sabino, 2003)SABINO, F. O tabuleiro de damas: trajetória do menino ao homem feito. Rio de Janeiro: Record, 2003..

Em comparação com os casos já analisados, Sabino teve uma inserção mais precoce no meio literário, talvez por conta das especificidades do cenário mineiro. Até onde pude apurar, não há menção em sua biografia, nem na de Otto, de que suas famílias tenham atravessado oscilações socioeconômicas no início de suas vidas – algo que ocorre em fases posteriores. De qualquer forma, é certo que compartilhassem medos, valores e aspirações de seu grupo social.

Marques Rebelo intermediou a publicação de seu primeiro romance, Os grilos não cantam mais, pela editora Pongetti, de menor destaque, em 1941. Sabino financiou essa edição com recursos provindos da venda de um terreno de seu pai. Essa obra recebeu resenhas em suplementos literários e comentários de figuras ilustres daquele período, tais como Afonso Arinos, Álvaro Lins, Tristão de Athayde e Sérgio Milliet. Como o próprio Sabino reconheceu, a figura de maior destaque a avalizar seu trabalho foi Mário de Andrade, a quem remetera cópia do livro. Ambos iniciaram a partir de então uma troca de correspondência. Mário, além de tê-lo colocado em contato com o grupo da revista Clima, de São Paulo, ofereceu-lhe orientações de escrita e de leitura, contribuindo para inculcar-lhe habitus ligado ao trabalho intelectual (Sabino, 2003)SABINO, F. O tabuleiro de damas: trajetória do menino ao homem feito. Rio de Janeiro: Record, 2003.7 7 “Não me permitia ler senão com os cotovelos fincados na mesa, rabiscando o livro todo, anotando tudo. Tinha de ler do princípio ao fim. Até hoje sinto complexo de culpa quando salto uma página.” (Sabino, 2003: 37). .

Àquela altura, Sabino contava com múltiplas redes de apoio influentes, bem como instâncias de consagração, para dar sequência a sua carreira de escritor, escorando-se, porém, em bases socioeconômicas relativamente frágeis, situação que o levou a diversificar suas atividades dedicadas ao próprio sustento: “Houve época em que lia, estudava Direito, lecionava português no colégio do pai de Otto Lara Resende, dava aula particular de taquigrafia, trabalhava numa repartição pública e num jornal” (Sabino, 2003: 37)SABINO, F. O tabuleiro de damas: trajetória do menino ao homem feito. Rio de Janeiro: Record, 2003..

Aos dezoito anos, ficou noivo de Helena Valadares, filha de Benedito Valadares, governador de Minas Gerais, o que lhe valeu uma promoção a oficial de gabinete da Secretaria da Agricultura. O acesso ao mundo do jornalismo fora-lhe facilitado por João Etienne Filho, escritor e jornalista mineiro vinculado ao jornal católico O Diário, e que o introduziu à literatura brasileira ao emprestar-lhe uma série de livros – relação com liderança católica que provavelmente estimulou sua aproximação com Alceu Amoroso Lima no Rio de Janeiro. Fez reportagens esportivas no jornal Folha de Minas e entrevistas para a revista Belo Horizonte. Aos vinte anos, depois de concretizar seu casamento, obteve, a pedido de seu sogro dirigido ao então presidente Getúlio Vargas, uma vaga de serventuário da justiça na antiga capital federal, apesar de se posicionar no campo do liberalismo e do antigetulismo 8 8 Benedito Valadares era primo de Francisco Campos, idealizador de anel de poder no estado de Minas Gerais que depois se estendeu ao plano federal nos ministérios da Justiça e da Educação. Sob a proteção do ministro Gustavo Capanema, outro primo de Campos, respaldou-se em grande medida a carreira intelectual de Carlos Drummond de Andrade, figura central da política cultural oficial (Miceli, 2022). A proximidade de Sabino com esse círculo rendeu-lhe não apenas um emprego no serviço público no Rio de Janeiro, local privilegiado para a projeção de sua carreira, como também acesso ao círculo de intelectuais mineiros consagrados que viviam naquela cidade, entre eles o próprio Drummond. . De Benedito Valadares ganhou, ademais, um cartório para administrar. Os trunfos assim obtidos por Sabino no casamento, como no caso de Clarice, podem em grande medida explicar uma menor dependência dele do trabalho nas redações dos jornais.

No Rio de Janeiro, Sabino passou a frequentar novo círculo de escritores, artistas e jornalistas, reunidos no Café Vermelhinho e nos bares da ABI e Alcazar. Tornou-se próximo de Vinícius de Moraes, Rubem Braga, Moacir Werneck de Castro, Lauro Escorel Carlos Thiré e sua esposa Mariinha (mais tarde conhecida como Tônia Carrero), Di Cavalcanti, Carlos Leão e Carlos Lacerda. Este o apresentou a Pompeu de Sousa, encontro que deu ensejo a uma coluna de crônicas no jornal Diário Carioca(Sabino, 2003)SABINO, F. O tabuleiro de damas: trajetória do menino ao homem feito. Rio de Janeiro: Record, 2003.. Dessa forma, os contatos de Sabino com escritores e jornalistas reputados possibilitaram-lhe ingressar em posição de relativo destaque na imprensa da capital. Os laços por ele cultivados com representantes notórios desta última permitiram-lhe atrair seus amigos mineiros, começando por Paulo Mendes Campos (Sabino, 2002)SABINO, F. Cartas na mesa: aos três parceiros, meus amigos para sempre . Rio de Janeiro: Record, 2002. e depois chegando a Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino.

O casamento de Sabino com Helena Valadares proveu-lhe ainda sinecura como auxiliar no Escritório Comercial em Nova Iorque, obtida por seu sogro. Nessa posição, incentivado por Clarice, atuou para estreitar relações com membros do corpo diplomático brasileiro 9 9 De Berna, em 19 de junho de 1946, Clarice procurou colocá-lo em contato com um de seus conhecidos nos Estados Unidos: “Fernando, procure em Nova York, no Consulado, [João Augusto de] Araújo Castro. Ele é ótimo” (Lispector, 2020: 232). Sabino seguiu essa recomendação (Sabino, 2001: 48), iniciando amizade que se prolongou por muitos anos e que, em 1964 – quando Araújo Castro se tornou ministro das Relações Exteriores do governo Goulart –, resultou na ida do primeiro a Londres para trabalhar como adido cultural na embaixada brasileira. . Ademais, articulou, como aponta carta por ele enviada a Paulo Mendes Campos, em 11 de agosto de 1946, uma colaboração com algum jornal (função de correspondente, artigos, reportagens ou, de preferência, uma crônica). Solicitou a intermediação do amigo para encontrar uma seção no “ Correio [da Manhã], ou com o nosso Pompeu de Souza no Diário Carioca, ou com o Pajé [Otto Lara Resende] no Diário de Notícias, ou em qualquer outro lugar”, com o adendo de que necessitava que “me pagassem um pouco mais que por um artigo comum” (Sabino, 2002: 96)SABINO, F. Cartas na mesa: aos três parceiros, meus amigos para sempre . Rio de Janeiro: Record, 2002.. Algumas das crônicas que ele escreveu foram depois reunidas por ele em livros. Nesse período, justamente em um momento que diversificava suas atividades e suas fontes de rendimentos, rascunhou vários romances, entre eles O encontro marcado (1956), lançado pela editora Civilização Brasileira.

Em tempos de dificuldades, Sabino procurava intensificar suas publicações em jornais como atividades destinadas a evitar seu rebaixamento social. Em carta por ele dirigida a Otto, em 22 de outubro de 1957, quando já tinha regressado ao Rio de Janeiro, declarou que as crônicas que vinha publicando não bastavam para seu sustento e que vislumbrava lançar outra, provavelmente no Jornal do Brasil e reproduzida em outros periódicos, a qual o levantaria financeiramente. Naquelas circunstâncias, aparentava não possuir uma condição econômico-financeira estável e estar ameaçado de perder símbolos de status: “já estou vendo o fundo do saco na minha conta, é impressionante como treze anos de cartório me deixaram tão desprevenido – a ponto de já estar pensando em medidas econômicas imediatas, como a venda de meu carro” (Sabino, 2002: 194)SABINO, F. Cartas na mesa: aos três parceiros, meus amigos para sempre . Rio de Janeiro: Record, 2002.. Como se pode notar, Sabino estava sujeito às intempéries enfrentadas pelas camadas médias e tratava, por isso, de converter seus capitais social e cultural em sortidas ocupações de cunho literário e jornalístico para atingir certa estabilidade e projeção.

Otto Lara Resende possui biografia que oscila entre os exemplos analisados. Ao mesmo tempo que ocupou cargos de direção em jornais e revistas, obteve emprego no exterior por um certo período. Quarto filho numa família de vinte irmãos, era afilhado de batismo do líder católico Jackson de Figueiredo. Seu pai, professor e jornalista (fundador de A Tribuna de São João del-Rei), escreveu uma gramática histórica da língua portuguesa e foi fundador e diretor, na mesma cidade, do colégio Padre Machado, amplamente influenciado pelo catolicismo, onde o filho seguiu seus estudos primário e ginasial. Assim, tanto a figura paterna quanto a socialização na escola contribuíram para direcioná-lo ao caminho das letras. Sua mãe, profundamente católica, empreendeu esforços para transmitir-lhe sua religiosidade (Perez, 1964)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964..

O fato de ter sido asmático pode ter dificultado sua socialização com garotos de sua idade que participavam de atividades e diversões tidas como masculinas e reforçado seus vínculos com os estudos gramaticais e literários. Leu obras indicadas por seu pai e conheceu alguns autores portugueses cujos textos adquiriu com o dinheiro de sua mesada. Na juventude, conheceu Paulo Mendes Campos (amizade que cultivou por muitos anos), estudante na mesma cidade, o qual lia bastante e desenvolvia atividades literárias no grêmio de sua escola. Não parece casual que Otto, por volta dessa época, escrevesse um diário. Redigia igualmente poesia e ficção. Embalado pela leitura de O mistério (1920), romance escrito de forma coletiva por Viriato Corrêa, Coelho Neto, Medeiros e Albuquerque e Afrânio Peixoto, envolveu-se num projeto com três amigos – os quais liam livros policiais e de aventura em suplemento juvenil – para redigir um romance policial, tarefa não concluída. Ao final do ginásio, terminou livro de contos intitulado O monograma, nunca publicado, e escreveu contos humorísticos (Perez, 1964)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964..

Em 1938, Otto mudou-se com a família para Belo Horizonte, onde o pai abrira outro ginásio. Na capital mineira, conheceu Hélio Pellegrino, futuro poeta e escritor. Decidido a cursar Direito, ingressou no primeiro ano do curso pré-jurídico do colégio Arnaldo, seguindo com os preparativos. Em 1941, matriculou-se na Faculdade de Direito, pela qual se formou em 1945. Em 1940, Otto aportou no jornalismo com um artigo intitulado “Panelinhas literárias”, tecido a partir de leituras que fazia de periódicos no Rio de Janeiro e divulgado pelo O Diário. Costumava dizer que adentrou neste último porque encontrou a porta aberta, isto é, seu pai integrava a diretoria do periódico quando de sua chegada a Belo Horizonte (Werneck, 1997)WERNECK, H. O desatino da rapaziada: jornalistas e escritores em Minas Gerais. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.. Ao trabalhar naquele jornal, travou contato com João Etienne Filho (também encarregado de administrar a revista literária Mensagem e ligado a vários escritores e críticos consagrados por meio de correspondência), que lhe emprestou livros de sua biblioteca e o apresentou a Fernando Sabino.

Em O Diário, ao qual se vinculou por volta de três anos, publicou especialmente crítica literária e, por vezes, contos. Comentou obras de diversos escritores brasileiros, entre eles Mário de Andrade, com o qual se correspondia, além de estrangeiros, tais como Papini, Léon Bloy e Bernanos, fortemente marcados pelo catolicismo, característica também de seus ensaios críticos, marca que o aproxima de Sabino e de Callado. Nesse mesmo período, além de seguir no curso de direito, dava aulas de Português, Francês e História no colégio do pai. Em meio a essas ramificações em suas atividades profissionais, apareceu a literatura. Escreveu versos, alguns dos quais publicou sob o título de Poemas Necessários, e lançou contos em veículos impressos no Rio de Janeiro e em São Paulo (Perez, 1964)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964..

Além dos contatos de seu pai, a inserção de Otto na prestigiosa parte cultural dos jornais, caminho outrora almejado por Nelson (de quem se tornou amigo em 1948), indica ter pesado significativamente para projetar sua carreira nos altos escalões do campo jornalístico – caminho por ele preferido ao invés da área jurídica. Em 1945, colaborava nas principais folhas de Belo Horizonte, dirigindo um suplemento dominical na Folha de Minas. Rumou depois para o Rio de Janeiro, onde possuía rede de contatos, tais como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Edgar da Mata Machado, jurista e jornalista católico que o levaria a trabalhar no Diário de Notícias. Atuou também em O Globo. Nessa fase, aproximou-se de liberais como Virgílio de Melo Franco e Milton Campos e tomou contato mais íntimo com o campo político, ao fazer a cobertura da Constituinte e do Senado, em espaços bastante valorizados nos jornais (Perez, 1964)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964..

Entre 1946 e 1954, passou por diversos periódicos, tais como Correio da Manhã, Folha da Manhã, Diário Carioca, O Jornal, Última Hora e Flan, alternando tarefas nas redações com reportagens políticas e comentários literários. Em 1950, casou-se com Helena Pinheiro, filha de Israel Pinheiro, deputado mineiro de família com tradição e sólidos laços na política e que teve um papel proeminente na construção de Brasília, outro trunfo para sua carreira nas letras. Em 1952 publicou seu primeiro livro, o volume de contos O lado humano, lançado pela editora A Noite por indicação do jornalista e político Jorge Lacerda, título que lhe garantiu resenha elogiosa de Rachel de Queiroz. Em 1954, trabalhou na revista Manchete como redator principal, onde ascendeu rapidamente aos postos de chefe de redação e, finalmente, de diretor da revista, cargo ocupado até 1956 (Perez, 1964)PEREZ, R. Escritores brasileiros contemporâneos: segunda série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.. Seus contatos nos meios jornalístico, político e literário, bem como seu reconhecimento inicial como crítico e autor, podem ter impulsionado sua carreira. Em 1956, incentivado por colegas da redação de Flan, como Hélio Pellegrino e João Cabral de Melo Neto, publicou Boca do Inferno, outro livro de contos, pela editora José Olympio.

Como no caso de Sabino, tanto seu casamento quanto sua maior participação em cargos na administração pública conferiram- lhe maior autonomia em relação ao trabalho na imprensa. Em 1949, foi nomeado controlador mercantil na prefeitura do então Distrito Federal. Serviu ainda no gabinete do secretário de finanças em várias administrações, e foi depois nomeado procurador. Em 1957, passou a atuar, por três anos, como adido cultural na embaixada brasileira em Bruxelas pelo Itamarati, instituição com a qual manteve laços estreitos 10 10 Em carta a Sabino, de 26 de abril de 1965, Otto contou de sua relação próxima com o então chanceler Vasco Leitão da Cunha: “Olha, Fernando, depois de muito pensar, e você sabe que não é despeito porque ainda agora o Vasco está me convidando de novo para sair do Brasil, é só eu querer” (Resende, 2011: 254). .

Enquanto esteve no exterior, Otto cultivou relações com colegas jornalistas brasileiros como Carlos Castello Branco, pensando em seu retorno à imprensa (Resende, 2011)RESENDE, O. L. O Rio é tão longe: cartas a Fernando Sabino. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.. Afinal, a ocupação de jornalista lhe assegurava, em tempos de dificuldades econômico-financeiras, uma forma de impedir seu rebaixamento social. Assim, em carta a Sabino, de 18 de janeiro de 1965, devido às mudanças encetadas pelo golpe no ano anterior, asseverou que seu retorno ao Jornal do Brasil era “compulsório”, dado que “procurador virou quase amanuense ou datilógrafo” diante da seguinte situação: “O fato é que, atrasado o meu pagamento no Estado e subindo o custo de vida como subiu, de repente me vi numa situação financeira difícil, incontornável” (Resende, 2011: 237)RESENDE, O. L. O Rio é tão longe: cartas a Fernando Sabino. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.. Por ocupar uma posição central no campo jornalístico, muito em função de seu reconhecimento como autor, Otto podia mobilizar uma rede de conhecidos que preservassem seu status social, recorrendo ao trabalho em jornais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os jornalistas-escritores analisados formam um grupo distinto daqueles cujos membros provinham de famílias oligárquicas decadentes. De qualquer forma, oriundos dos setores médios, viram-se igualmente às voltas com o risco de desqualificação social. Reviravoltas políticas, crises econômicas, pagamentos incertos, doença, morte de familiares, desemprego, eram fatores que ameaçavam constantemente o status desses sujeitos. Nesse sentido, desenvolveram estratégias para evitar oscilações socioeconômicas ao acumular capital cultural, variar suas atividades e fontes de renda, e tecer rede de contatos com pessoas influentes tanto no cenário político quanto artístico, de modo a ascender socialmente. Os trabalhos que desenvolveram como ficcionistas, uma ramificação dessas táticas, sugerem ter-lhes projetado no campo jornalístico, seja por meio do desenvolvimento de uma carreira no interior das redações, seja pela conquista de colunas prestigiadas.

Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Antonio Callado, Clarice Lispector, Fernando Sabino e Otto Lara Resende, assim como outros escritores, dificilmente cabem em rótulos ou correntes estéticas em sentido estrito, nem se enquadram num único denominador comum. No entanto, muitas de suas obras, em maior ou menor grau, fazem uso do padrão estético intimista ou psicológico, bastante marcante em vários intelectuais católicos naquele período, o que os distingue dos ficcionistas regionalistas ou realistas afeitos a temáticas de cunho social. Portanto, é possível que tanto a convivência e as trocas de ideias diretas entre eles, quanto sua condição de jornalistas-escritores provindos das camadas médias, tenham convergido para a adoção desse viés narrativo.

AGRADECIMENTOS

Este artigo é resultado de parte de pesquisa de pós-doutorado por mim desenvolvida no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) no primeiro semestre de 2022, sob a supervisão do professor Sérgio Miceli. Gostaria de agradecer- lhe pela gentileza com que me tratou e pelas instigantes sugestões e críticas. Agradeço igualmente aos integrantes do grupo de Sociologia da Cultura, especialmente os professores Luiz Carlos Jackson e Fernando Antonio Pinheiro Filho pela condução de excelentes debates. Todas as afirmações e conclusões deste texto são de minha responsabilidade.

REFERÊNCIAS

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  • WERNECK, H. O desatino da rapaziada: jornalistas e escritores em Minas Gerais. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
  • 1
    Em carta endereçada a Getúlio Vargas, em 3 de junho de 1942, ela se apresentou como russa (Lispector, 2020: 46)LISPECTOR, C. Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020..
  • 2
    Segundo Cony, na “geração de jornalistas à qual meu pai pertenceu, todos tinham um sonho comum: comprar um sítio em Jacarepaguá e criar galinhas. Quanto ficavam exaustos ou deprimidos, agarravam-se a essa esperança avícola, ‘um dia largo tudo e vou criar galinhas’” (Cony, 2010: 162)CONY, C. H. Eu, aos pedaços: memórias. São Paulo: Leya, 2010..
  • 3
    O início modesto na profissão de jornalista foi narrado por ele: “Para quem não sabe, em gíria de redação, tópico é um artigo de fundo compacto, de cinco ou seis linhas […] O baixo clero abastecia os tópicos. […] Estreei no ofício de fazedor de tópicos de forma sensata” (Cony, 2010: 75-76)CONY, C. H. Eu, aos pedaços: memórias. São Paulo: Leya, 2010..
  • 4
    Clarice apresentou essa informação em sua última entrevista, a qual pode ser acessada no canal da TV Cultura no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=ohHP1l2EVnU
  • 5
    O mineiro Lúcio Cardoso convivia com escritores, artistas plásticos, teatrólogos, cineastas e jornalistas, o que, de acordo com Maria Arminda do Nascimento Arruda, era “expressão tanto da diversidade ocorrida no período – visível no desenvolvimento das instituições de cultura, do público leitor, dos meios de divulgação, como da formação carioca do escritor que […] não chegou pronto ao Rio de Janeiro” (Arruda, 2014: 142-143)ARRUDA, M. A. do N. Lúcio Cardoso: tempo, poesia e ficção. In : MICELI, S.; PONTES, H. (org.). Cultura e sociedade: Brasil e Argentina. São Paulo: Edusp, 2014..
  • 6
    O jornalista Francisco de Assis Barbosa, trabalhando em A Noite em 1943, intermediou o contato de Clarice com o aclamado escritor José Lins do Rego. Este, por sua vez, teria se comprometido a contatar Álvaro Lins, pedindo-lhe que lesse o primeiro romance dela. Todavia, após desistir da mediação do referido romancista, solicitou-lhe o número de telefone do eminente crítico e o interpelou diretamente, tendo obtido dele o compromisso de ler o seu livro. Cf. Carta de Clarice Lispector a Francisco de Assis Barbosa, 24 de abril de 1943 (Lispector, 2020)LISPECTOR, C. Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020..
  • 7
    “Não me permitia ler senão com os cotovelos fincados na mesa, rabiscando o livro todo, anotando tudo. Tinha de ler do princípio ao fim. Até hoje sinto complexo de culpa quando salto uma página.” (Sabino, 2003: 37).
  • 8
    Benedito Valadares era primo de Francisco Campos, idealizador de anel de poder no estado de Minas Gerais que depois se estendeu ao plano federal nos ministérios da Justiça e da Educação. Sob a proteção do ministro Gustavo Capanema, outro primo de Campos, respaldou-se em grande medida a carreira intelectual de Carlos Drummond de Andrade, figura central da política cultural oficial (Miceli, 2022)MICELI, S. Lira mensageira: Drummond e o grupo modernista mineiro. São Paulo: Todavia, 2022.. A proximidade de Sabino com esse círculo rendeu-lhe não apenas um emprego no serviço público no Rio de Janeiro, local privilegiado para a projeção de sua carreira, como também acesso ao círculo de intelectuais mineiros consagrados que viviam naquela cidade, entre eles o próprio Drummond.
  • 9
    De Berna, em 19 de junho de 1946, Clarice procurou colocá-lo em contato com um de seus conhecidos nos Estados Unidos: “Fernando, procure em Nova York, no Consulado, [João Augusto de] Araújo Castro. Ele é ótimo” (Lispector, 2020: 232)LISPECTOR, C. Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.. Sabino seguiu essa recomendação (Sabino, 2001: 48)SABINO, F.; LISPECTOR, C. Cartas perto do coração. Rio de Janeiro: Record, 2001., iniciando amizade que se prolongou por muitos anos e que, em 1964 – quando Araújo Castro se tornou ministro das Relações Exteriores do governo Goulart –, resultou na ida do primeiro a Londres para trabalhar como adido cultural na embaixada brasileira.
  • 10
    Em carta a Sabino, de 26 de abril de 1965, Otto contou de sua relação próxima com o então chanceler Vasco Leitão da Cunha: “Olha, Fernando, depois de muito pensar, e você sabe que não é despeito porque ainda agora o Vasco está me convidando de novo para sair do Brasil, é só eu querer” (Resende, 2011: 254)RESENDE, O. L. O Rio é tão longe: cartas a Fernando Sabino. São Paulo: Companhia das Letras, 2011..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2022
  • Aceito
    17 Nov 2022
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