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Razões emergentes para a validade dos estudos de caso na ciência política comparada

Resumos

O artigo discute as bases de fundamentação para o emprego de estudos de caso na ciência política comparada. O argumento básico é o de que existe amplo lugar para o desenvolvimento dos estudos de caso. Este argumento é construído a partir da análise comparada de três das principais razões fortes para fundamentar e validar os estudos de caso na tradição qualitativa de pesquisa comparada: as noções de equifinalidade; process-tracing; e as explicações por mecanismos causais. Centrados nestes princípios, a nova geração de comparativistas mostra que os estudos de caso continuam a ser relevantes para: ampliar a conexão entre teoria e base empírica; o desenvolvimento de explicações e inferências causais; e, por fim, para a construção de teorias.

Ciência política comparada; metodologia; desenhos de pesquisa; estudos de caso


This paper discusses the theoretical foundations for using case studies in comparative political science. It makes the claim about the continuous demand for using case study research designs. This argument is built upon three major claims for validation of this approach: the equifinality; process-tracing, and the explanation by mechanisms. Based on these assumptions, a new generation of researchers in qualitative political science points out that case study methodology continues to be relevant for: enlarging the connection between theory and evidence; the development of explanations and causal inferences in comparative politics; and, for theory construction.

Comparative politics; methodology; research design; case study


ARTIGO

Razões emergentes para a validade dos estudos de caso na ciência política comparada

Flávio da Cunha Rezende

RESUMO

O artigo discute as bases de fundamentação para o emprego de estudos de caso na ciência política comparada. O argumento básico é o de que existe amplo lugar para o desenvolvimento dos estudos de caso. Este argumento é construído a partir da análise comparada de três das principais razões fortes para fundamentar e validar os estudos de caso na tradição qualitativa de pesquisa comparada: as noções de equifinalidade; process-tracing; e as explicações por mecanismos causais. Centrados nestes princípios, a nova geração de comparativistas mostra que os estudos de caso continuam a ser relevantes para: ampliar a conexão entre teoria e base empírica; o desenvolvimento de explicações e inferências causais; e, por fim, para a construção de teorias.

Palavras-chave: Ciência política comparada; metodologia; desenhos de pesquisa; estudos de caso.

ABSTRACT

This paper discusses the theoretical foundations for using case studies in comparative political science. It makes the claim about the continuous demand for using case study research designs. This argument is built upon three major claims for validation of this approach: the equifinality; process-tracing, and the explanation by mechanisms. Based on these assumptions, a new generation of researchers in qualitative political science points out that case study methodology continues to be relevant for: enlarging the connection between theory and evidence; the development of explanations and causal inferences in comparative politics; and, for theory construction.

Key words: Comparative politics; methodology; research design; case study.

Desde meados dos anos 90, especialmente a partir da contribuição seminal de King, Keohane e Verba (1994), a expansão e institucionalização de férteis debates metodológicos sobre as possibilidades de produção de inferências causais na tradição qualitativa de pesquisa na ciência política comparada1 1 Lijphart (1971) define a disciplina de política comparada ( comparative politics) como sendo essencialmente preocupada com questões relativas ao "método" na ciência política. Collier (1995) define o método comparativo na ciência política como sendo um ramo da área de metodologia caracterizado pela produção sistemática de análise qualitativa, a partir da utilização de uma quantidade reduzida de casos ( small-n). O traço distintivo do método comparativo, em diferenciação aos modelos experimentais e a análise estatística, seria, portanto, a combinação entre small-n e a utilização de análise qualitativa (não exclusivamente). A ciência política comparada mais recente tem estimulado a produção de trabalhos que se valem de múltiplas metodologias, especialmente integrando trabalhos quantitativos e qualitativos, análise estatística e estudos de caso e outras possibilidades disponíveis aos cientistas políticos. O trabalho de Putnam (1993) foi uma contribuição exemplar para as questões de integração de fronteiras entre os métodos quantitativos e qualitativos. Dunning (2008), analisando a conexão entre regimes políticos e recursos naturais, representa um excelente exemplo recente de bem-sucedida integração entre análise estatística, estudos de caso e modelos analíticos formais na pesquisa comparada. se configuram como importante tendência. Em análise recente sobre as novas fronteiras reflexivas da "nova metodologia qualitativa" na ciência política, Mahoney (2010) considera que um dos aspectos mais visíveis desta tendência tem sido a inédita produção de uma expressiva produção na forma de livros e artigos científicos, revelando que tais questões têm sido uma das mais importantes preocupações dos debates metodológicos dos cientistas políticos na área de metodologia qualitativa.

No cerne destes debates se situam as reflexões voltadas para compreender mais de perto as possibilidades relativas à construção de teorias e explicações causais, os tipos adequados de causação, bem como sobre as oportunidades acerca da conexão entre teorias e dados empíricos quando os pesquisadores mobilizam uma reduzida quantidade de casos (small-n). Neste contexto, emergem questões substanciais acerca dos limites e possibilidades efetivas dos desenhos de pesquisa, trazendo a tona problemas como a integração dos métodos quantitativos e qualitativos, as possibilidades da inferência causal nas pesquisas histórico-comparadas e, nestes termos, as possibilidades de produzir inferências a partir de desenhos de pesquisa2 2 Tratando do problema da inferência causal na pesquisa qualitativa na ciência política King, Keohane e Verba (1994) argumentam que os desenhos de pesquisa representam elementos fundamentais para que se possa produzir pesquisas válidas e confiáveis. Na compreensão destes autores, os desenhos de pesquisa são constituídos por quatro dimensões: a) a problematização ou questão de pesquisa a ser enfrentada pelo pesquisador; b) a estrutura teórica, c) os dados empíricos, e d) o modo específico pelo qual se empreende a conexão entre a teoria e os dados. Os desenhos de pesquisa na ciência política (e na ciência social, mais amplamente) devem envolver questões que satisfazem dois importantes critérios. A conexão com problemas relevantes da realidade empírica, por um lado, e, por outro, possibilitar uma contribuição a literatura acadêmica permitindo ampliar o estoque de explicações sobre a realidade estudada. Eles consideram que, enquanto os cientistas políticos têm um conjunto amplo de questões do mundo real a ser explorada e analisada pela pesquisa, os métodos de compreensão ainda são muito limitados, especialmente quando se trata de produzir inferências causais. do tipo small-n que se tornam temas de primeira ordem.

É exatamente inserido nesta reflexão sobre os desenhos de pesquisa small-n para a produção de inferências causais que se configuram as contribuições recentes sobre os limites e possibilidades das metodologias de estudos de caso na pesquisa qualitativa comparada na especificidade da ciência política. Num sentido mais amplo, a reflexão e os debates contemporâneos sobre a validade dos estudos de caso se articulam com questões contemporâneas relativa às conexões entre desenhos de pesquisa e tipos de "explicação" na ciência política (Laitin, 1995, 2002; Shapiro, 2002; Shapiro, Rogers e Masoud, 2004; Marsh e Stoker, 2002; King, Keohane e Verba, 1994, 1995).

Os estudos de casos, que tradicionalmente são considerados como os desenhos de pesquisa mais críticos e problemáticos quando se trata da questão da inferência causal nas ciências sociais, passam a ser considerados seriamente como possibilidades metodológicas frutíferas para a geração de conhecimento na ciência política. Um considerável influxo de contribuições geradas por autores importantes tem adicionado novas reflexões e gerado novos argumentos sobre os limites e possibilidades relativas aos estudos de caso.

Estes debates se organizam a partir de quatro dimensões temáticas articuladas. O primeiro deles se configura a partir do problema da validade dos estudos de caso, em que os autores buscam encontrar as fundações metodológicas essenciais que tornam possível supor este desenho de pesquisa ser factível para a produção de inferências causais. O problema da validade se configura a partir do questionamento sobre as bases a partir das quais se pode supor e argumentar que os casos podem ser alternativas plausíveis à produção de inferências. O segundo tema se associa à questão da seleção dos casos, viés de seleção, e aos problemas de generalização. O terceiro problema se volta para discutir os conceitos e tipologias que fundamentam estes desenhos de pesquisa, questão que se interliga profundamente às novas bases epistêmicas que os autores recentes trabalham para gerar novas concepções sobre causalidade, causação, inferência e outras questões de fundo dentro dos debates sobre o método levando em conta a especificidade da ciência política comparada. E, por fim, as questões relativas às estratégias de construção e operacionalização destes desenhos de pesquisa nas condições efetivas de pesquisa aplicada passam a ser cruciais para sua viabilidade.

A reflexão sobre os limites e potencialidades dos estudos de caso3 3 Uma nova geração de estudos metodológicos na ciência política comparada tem refletido substancialmente sobre os limites e as possibilidades dos estudos de caso (Bennet e Elman, 2006; Caporaso, 1995; Collier, 1995; Collier e Mahoney, 1996; Elman 2005; Geddes, 2003; George e Bennett, 2004; Gerring 2004, 2006, 2007a, 2007b; Goertz, 2004; Goertz e Starr, 2002; Brady, Collier e Seawright, 2006; Laitin, 1995, 2002; Lees, 2006; Levy, 2007; Lieberman, 2005; Lieberson, 1991, 1994; Mahoney, 2000, 2003, 2007a, 2007b; Mckewon, 2004; Pierson, 2007; Rueschmeyer, 2003; Sekhon, 2004). se volta para discutir "o papel e contribuição das estratégias dos estudos de caso" para a produção de inferências causais numa ciência política intensamente marcada pelo uso intensivo de modelos formais e métodos quantitativos para a produção do conhecimento4 4 Numa análise das trajetórias metodológicas seguidas pela ciência política europeia e americana, Moser, Rioux e Kittel (2005) consideram que uma tendência nítida dos estudos qualitativos de small-n é o fortalecimento e continuidade das análises centradas em estudos de caso. Eles observam a emergência e institucionalização de uma nova matriz de técnicas e conceitos que buscam fundamentar o estudo adequado de fenômenos políticos. Os cientistas políticos não mais precisam se justificar diante da demanda por maior número de casos ou de observações para a produção de teoria. Os estudos de caso, quando bem formulados e utilizados, são úteis para a geração de teoria de médio alcance. . De fato, este problema adquire relevância especial dado que diversos cientistas políticos têm se perguntado de forma recorrente acerca das possíveis razões para fundamentar o emprego destes desenhos de pesquisa numa ciência política progressivamente organizada por estratégias que privilegiam a formalização e a quantificação centrada em análises estatísticas para teste de hipóteses e desenvolvimento de teorias.

Mais do que qualquer outra ciência social, a ciência política utiliza de forma intensa os modelos formais e as técnicas quantitativas para a produção do conhecimento, configurando uma disciplina em que a tensão e as clivagens entre os métodos quantitativos e qualitativos se configuram de forma bastante nítida. Como seria, portanto, possível justificar e supor a validade dos estudos de caso neste contexto?

Respostas a este importante questionamento têm sido geradas por diversos autores nos debates da nova metodologia qualitativa na ciência política (Brady e Collier, 2004; George e Bennett, 2004; Gerring, 2004, 2007b; Lichbach e Zuckerman, 1997; Mahoney, 2007b, 2010; Goertz e Starr, 2002), consolidando um efervescente debate sobre li-mites e possibilidades da inferência causal5 5 O problema da inferência causal em desenhos de pesquisa qualitativa na ciência política (e nas ciências sociais mais amplamente) é o foco central do livro Designing social inquiry, de King, Keohane e Verba, que influenciou fortemente as novas trilhas dos debates sobre desenhos de pesquisa na ciência política comparada. para desenhos de pesquisa do tipo small-n (no qual se inserem os estudos de casos) e na análise histórico-comparada6 6 Lees (2006) considera de fundamental importância situar os estudos de caso nas abordagens comparativas na ciência política. O papel dos estudos de caso na pesquisa comparada se situa próximo das fronteiras delineadas por McKweon (2004). Ele considera ser possível a utilização efetiva dos estudos de caso nas seguintes condições: a) gerar informação relativa ao contexto que permite construir teorias e hipóteses relevantes; b) inferência bayesiana, em que se analisa novos dados a partir do conhecimento teórico e empírico disponível; c) análise de casos cruciais que permitem confirmar ou refutar hipóteses; d) análise de contrafactuais; e) identificação de mecanismos causais e avaliação de hipóteses por intermédio da busca de "cadeias de processos causais"; e f ) conexão entre teoria, dados e desenho de pesquisa. Sobre a importância das comparações contextualizadas ver Locke e Thelen (1995). . Estes autores buscam compreender os elementos que conferem especificidade a estas estratégias analíticas no sentido de buscar novas fundações conceituais sobre requisitos acerca de tipos de causalidade e tipos de inferências que se podem considerar como válidas dentro dos limites da pesquisa qualitativa. É exatamente este esforço de "diferenciação" que torna rico o debate sobre a inferência causal na pesquisa small-n, dado que se considera como premissa fundamental, em contraposição ao argumento de King, Keohane e Verba (1994) de que a lógica da inferência causal entre as tradições de pesquisa qualitativa e quantitativa seriam essencialmente similares.

Pensar as possibilidades de inferência causal nestes desenhos de pesquisa exige que se parta de pressupostos e conceitos que são distintos das tradicionais técnicas de regressão e da lógica frequentista utilizada por King, Keohane e Verba (1994) para a construção deste argumento. Neste sentido, este artigo busca desvendar quais seriam os novos pressupostos e conceitos que os autores consideram essenciais para a validade dos estudos de caso e quais seriam desenhos de pesquisa epistemologicamente viáveis quando se busca para a produção de inferências causais, teste de hipóteses, e desenvolvimento de teorias na ciência política.

As respostas oferecidas pela nova metodologia qualitativa na ciência política permitem considerar a existência de novos conceitos e bases epistemológicas sob a qual se pode fundamentar sobre a validade destes desenhos de pesquisa. Neste artigo, trataremos essencialmente do problema da validade dos estudos de caso, tentando compreender as matrizes de argumentos emergentes geradas no interior dos debates metodológicos na pesquisa qualitativa na ciência política. O propósito é o de compreender em torno de quais conjuntos de argumentos os principais autores nesta tradição consideram como essenciais para supor possível que estes desenhos de pesquisa se constituem como possibilidades efetivas para a construção do conhecimento causal dentro dos contornos da pesquisa histórico-comparada na ciência política. A análise destes argumentos se volta para demarcar, portanto, as fronteiras sobre a validade dos estudos de caso para a especificidade da análise política.

O artigo discute7 7 Cabe aqui considerar que, ao apresentar os argumentos em torno da validade sobre os estudos de caso, o autor não considera que estes desenhos de pesquisa são superiores diante dos outros desenhos de pesquisa, ou que estes devam ser utilizados com maior intensidade na pesquisa em ciência política. A preocupação do autor é essencialmente analítica e metodológica, tentando buscar compreender os argumentos que fundamentam a validade destes desenhos de pesquisa, e apresentar comparativamente em torno de que bases os autores consideram possível gerar inferências causais, testar teorias, e gerar novas hipóteses a partir de desenhos de pesquisa small-n para o caso específico da ciência política. Cabe também considerar que, por razões de espaço, e pelo tipo de análise, o autor não está preocupado em elaborar uma narrativa histórica sobre a genealogia dos estudos de caso na ciência política, nem mesmo com a análise empírica dos resultados de pesquisa em estudos específicos. , portanto, a partir das principais linhas argumentativas produzidas pelas reflexões e contribuições do debate contemporâneo sobre este problema, as razões metodológicas básicas para a fundamentação da validade dos estudos de caso na ciência política comparada8 8 Não se busca aqui compreender quais os tipos e usos, ou mesmo a finalidade dos estudos de caso, mas, sim, compreender quais os argumentos emergentes que fundamentam (ou explicam) a sustentação e institucionalização da validade destes desenhos de pesquisa. . Estes argumentos emergentes se organizam em torno de um núcleo (core) constituído por três razões consideradas básicas para o problema da validade. Esses argumentos constituem, na minha compreensão, as principais "teorias" que fundamentam a existência e continuidade dos desenhos de pesquisa small-n e dos estudos de caso na pesquisa comparada em ciência política.

O núcleo argumentativo básico (core) se constitui por três explicações ou razões consideradas fundamentais para validar os estudos de caso9 9 Ao selecionar estas argumentações como sendo constitutivas do núcleo considerado básico, se está procedendo a uma importante redução conceitual: considerar que outras possibilidades argumentativas estão profundamente ligadas a este núcleo básico. Esta redução implica essencialmente em considerar a importância crucial destes argumentos para o problema da validade. . O primeiro deles está diretamente ligado à equifinalidade10 10 Na teoria geral dos sistemas, o princípio da equifinalidade, originalmente proposto por Von Bertalanffy, supõe que, em sistemas considerados abertos, um dado resultado (ou estado) pode ser atingido através de diferentes caminhos potenciais. A convergência de um dado comportamento observado pode ser compreendida a partir da análise de múltiplas trajetórias potenciais, não se podendo assumir, a priori, relações fechadas e determinadas entre causas e efeitos tal qual se utiliza nos sistemas fechados. Nos sistemas abertos, assim como nos sistemas sociais e biológicos, a ideia de equifinalidade assume centralidade. Stinchcombe (1968) considera que as explicações causais em ciências sociais representam formas complexas de funcionalismos. Elas usualmente pressupõem conexões causais entre duas ou mais variáveis com determinadas prioridades acerca das formas de causação. Nas explicações histórica, típicas da pesquisa comparativa na ciência política e na qual se enquadram os casos, os pesquisadores usualmente lidam com uma ampla gama de conexões causais, nas quais os processos de equifinalidade envolvidos são múltiplos e muito dificilmente os pesquisadores podem considerar que resultados similares são produzidos pelas mesmas causas. (equifinality) dos fenômenos políticos. O segundo argumento essencial considera a análise de processos causais, utilizando-se das metodologias de process-tracing como razão básica para validar as metodologias de caso na pesquisa histórico-comparada. Por fim, as escolhas metodológicas por estudos de caso se tornam válidas quando os analistas se voltam para a produção de explicações centradas em mecanismos causais. Nestas condições, é possível supor, portanto, que os estudos de caso, quando bem utilizados, representam alternativas relevantes para a geração de teorias, teste de hipóteses, e produção de inferências causais.

O artigo suporta o argumento básico de que continua a existir amplo lugar para a existência e emprego de pesquisas centradas em estudos de caso na metodologia comparada. O trabalho se organiza da seguinte forma. Na primeira seção, apresenta-se uma discussão sobre as concepções tradicionais sobre os limites e possibilidades relativas do estudo de caso na tradição qualitativa da pesquisa na ciência política. A seguir são apresentados comparativamente os argumentos básicos que constituem o núcleo básico em torno da validade dos estudos de caso na ciência política comparada. Por fim, apresentam-se as considerações finais.

Os estudos de casos na nova metodologia qualitativa na ciência política: limites e possibilidades

Nesta seção, é apresentado um conjunto de conceitos, problemas e temas considerados essenciais nos debates contemporâneos sobre os limites e possibilidades da validade das metodologias de estudos de caso no contexto específico da ciência política comparada. Anterior à apresentação dos argumentos emergentes e seu núcleo essencial em torno da validade, nos voltamos para delinear com maior precisão alguns dos temas considerados essenciais para o debate acerca do status (ou estatuto científico) sobre os estudos de caso. A mobilização destes elementos conceituais está inserida na tradição corrente da "nova metodologia qualitativa" (Mahoney, 2007a; 2007b; 2010) que tem produzido uma profícua reflexão sobre o problema da validade das pesquisas small-n, da pesquisa histórica, e da utilização dos estudos de caso na ciência política.

A questão da validade dos estudos de caso, quando pensada a partir da produção da inferência causal, está diretamente associada a certos debates metodológicos que se institucionalizaram no processo formativo das diversas disciplinas nas ciências sociais. Embora largamente utilizado com grande intensidade pelas ciências sociais desde meados dos anos 1930, o questionamento à validade dos estudos de caso nas ciências sociais foi originalmente elaborado por Stanley e Campbell em 1966. Estes autores lançam a perturbadora questão de que estes desenhos de pesquisa não se prestam a geração de conhecimento científico, a produção de teorias e hipóteses, ao teste de hipóteses em comparação a outras metodologias.

Se esta proposição for considerada "válida", as metodologias de caso estariam "fadadas" a um status científico reduzido, fato que se consolidou em grande medida na ciência política, na qual tradicionalmente se considera quase sempre que os casos são metodologias de "segunda categoria" e que enfrentam severas limitações para a produção de teorias e geração de proposições causais relevantes ao conhecimento11 11 Sobre a crescente necessidade de conexão profunda entre os problemas empíricos e a construção de teorias nas ciências sociais (incluindo a ciência política), ver o conceito de usable theory desenvolvido por Rueschmeyer (2009). . A questão considerada central nestes debates sobre o status científico dos estudos de caso se volta para a reflexão em torno da confiabilidade em que os cientistas políticos podem depositar nestes desenhos de pesquisa para a produção do conhecimento. Longe de apresentar resposta simples, se pode compreender que, a partir de diferentes orientações e perspectivas conceituais, diversas gerações de metodologias na ciência política produziram, ao longo das décadas seguintes, respostas para enfrentar seriamente o problema do status científico dos estudos de caso.

Embora se considere que seja importante levar em conta as trajetórias e legados de narrativas produzidos por diversas tradições de pesquisa, numa perspectiva histórica, neste artigo, a preocupação analítica se concentra exclusivamente nas concepções e respostas produzidas pela nova metodologia qualitativa na ciência política comparada que vem se configurando desde meados dos anos 1990. A maneira como se concebe o status científico, ou a validade, dos estudos de caso está fortemente ligada aos conceitos e as concepções que se têm sobre a ciência, a metodologia, e as formas de pesquisa na ciência política comparada. Tentaremos nesta seção fazer algumas considerações iniciais sobre estas dimensões analíticas, tentando refletir mais sistematicamente sobre as respostas oferecidas pelas novas metodologias qualitativas à proposição original de Campbell e Stanley (1966).

A primeira importante demarcação conceitual que se deve pensar para apreender tal problema se relaciona com a diferenciação entre os estudos de caso e as observações singulares (n=1). Os estudos de caso (ou as análises de caso) devem ser mais corretamente compreendidos como metodologias comparativas deliberadamente concebidas pelos pesquisadores para produzir explicações causais e interpretações densas em ciência política, e não como observações singulares e destituídas de conexões mais profundas com teoria e método para produção do conhecimento. Yanow, Schwartz-Shea e Freitas (2008) fazem a importante conceituação de que os estudos de caso se situam em dois pólos fundamentais: a explicação causal e a interpretação (verstehen).

O primeiro pólo, que atualmente representa a visão dominante na nova metodologia qualitativa na ciência política comparada, compreende os estudos de caso como um conjunto de métodos que são utilizados em pesquisa comparativa (do tipo multi-site), voltadas para a produção de inferências causais e teste de hipóteses. Estes desenhos de pesquisa são concebidos para compreender, a partir de teorias e modelos causais específicos, as diferenças e semelhanças entre casos. Usualmente se considera como regra básica que as pesquisas de caso devem comparar menos de 6 (seis) casos e devem tentar combinar técnicas quantitativas e qualitativas de observação da realidade estudada. Ragin (1987) considera que as pesquisas de caso não devem se voltar apenas para a estrita compreensão das relações causais, mas, também, para as configurações de características e condições que produzem os fenômenos estudados.

O segundo pólo, por contraste, considera os estudos de caso como uma metodologia de pesquisa que enfatiza aspectos relacionados ao significado, à interpretação e à reflexividade da ação social, e, para tanto, se utilizam de desenhos de pesquisa do tipo caso único (single-site), em que o pesquisador se utiliza de desenhos de pesquisa que privilegiam o contexto, as narrativas, os aspectos etnográficos, e outros elementos voltados para a descrição densa da realidade estudada. Nesta tradição, os casos em ciência política estariam próximos das abordagens etnográficas utilizadas pela antropologia e da pesquisa participante em sociologia.

Seja pela perspectiva da interpretação ou da produção da explicação, é fundamental que se considere como adequada à noção de que a pesquisa de casos se insere na pesquisa comparada, especialmente a de corte histórico-comparativo12 12 Mahoney e Ruschemeyer (2003b) consideram que análise histórico-comparada nas ciências sociais usualmente envolve a análise de grandes temas e questões da realidade empírica e se voltam essencialmente para produzir análises causais, análise dinâmica de processos, e o uso sistemático de comparações contextuais a partir do uso de estudos de caso. . Na formulação original proposta por Abbott (2001), os estudos de caso representam agentes ou instâncias situadas historicamente. A partir da observação comparada de múltiplos casos, os cientistas sociais podem compreender e explicar mais profundamente os comportamentos e ações de agentes, instituições e coletividades situadas em contingências específicas. A importante consideração que os pesquisadores devem levar em conta passa a ser a de como demarcar os casos, i.e, a partir de quais os critérios, quais as premissas, e quais propriedades analíticas tornam possível admitir a existência de casos na realidade. Neste sentido, é importante considerar seriamente que os casos existem como reduções analíticas e são relativos às teorias, hipóteses e conceitos utilizados pelos cientistas sociais. Casos representam, portanto, escolhas metodológicas e conceituais deliberadamente empreendidas pelos pesquisadores e, portanto, dependem fortemente dos propósitos da pesquisa.

No que consiste ao tipo de explicação produzida pelos casos, é importante que se considere que estas estão fortemente ligadas a modelos de explicações por narrativas que são típicos da análise histórica nas ciências sociais13 13 Usualmente se considera haver três modelos ou paradigmas de explicação histórica que tentam bus-car nas narrativas a fonte da explicação causal para fenômenos sociais. A primeira delas é o modelo hempeliano das leis de validade geral ( covering-law models) com aplicação muito limitada nas ciências sociais. O segundo modelo, proposto por Collingwood, tenta compreender os fenômenos a partir das crenças, cognição e elementos psicológicos dos agentes sociais situados em condições específicas. A terceira abordagem é a de " followability"proposta por Gallie, a qual tenta descrever o modo particular pelo qual as narrativas ocorrem nos fenômenos. Nesta concepção, as narrativas (e os casos) adquirem capacidade explicativa em função de sua aderência aos fatos, consistência cronológica e coerência. As narrativas representam alternativas que tentam justapor a ocorrência de leis gerais com aspectos contingentes, produzindo uma plausibilidade na construção da explicação, sem cair nos aspectos essencialmente subjetivos e idealistas da realidade interna dos agentes. . Estas explicações tentam compreender causalmente a ocorrência de fenômenos específicos a partir de concepções que não levam em conta a universalidade e homogeneidade causal da realidade social, mas, sim, os importantes efeitos de contingência que configuram determinados padrões de causas e variáveis que se articulam em múltiplos níveis de análise. Na ciência política contemporânea, tal tipo de utilização dos casos como estratégia de pesquisa pode ser vista na tradição conhecida como Narrativas Analíticas (Bates et alii, 1998, Levi 2004), uma das mais importantes tradições de pesquisa combinando os pressupostos da escolha racional (que considera os agentes e suas escolhas estratégicas) com os modelos do novo institucionalismo (que considera as instituições formais e informais) para a explicação dos fenômenos sociais.

Estudos de caso usualmente padecem de duas importantes críticas tradicionais que afetam sensivelmente seu status científico: o problema da indeterminação como desenhos de pesquisa e o problema de como selecionar os casos, conhecido como o problema de viés de seleção. A questão importante que se coloca é a de como as novas abordagens na ciência política comparada oferecem respostas a estes importantes problemas e reconstituem argumentos em prol da validade dos casos.

As visões tradicionais na ciência política, fortemente influenciadas pelos métodos experimentais e pela análise estatística, usualmente consideram que os estudos de caso representam desenhos de pesquisa indeterminados e, portanto, não se prestam aos graus de controle das condições e variáveis das observações experimentais. Com efeito, os casos não se prestam ao importante propósito de produzir inferência causal e generalização. Os estudos de caso tornam difícil para o pesquisador reduzir os problemas clássicos associados ao viés de seleção e da neutralidade axiológica. Estudos de caso seriam desenhos de pesquisa que dependem fortemente do contexto e que são utilizados para a produção de conhecimento específico e descritivo.

No problema da indeterminação, usualmente conhecido como "many variables, few cases", os críticos da metodologia de casos (e da pesquisa small-n, mais amplamente) argumentam que a existência de uma quantidade maior de variáveis do que a quantidade de observações reduz severamente o grau de liberdade destes desenhos de pesquisa para a produção de inferências causais. Por outro lado, o problema da seleção reside nas dificuldades inerentes às estratégias metodológicas que os pesquisadores enfrentam para selecionar os casos de forma não-aleatória.

Collier (1995) define o problema de viés de seleção na pesquisa qualitativa como estando diretamente associado aos problemas de representatividade dos casos diante de uma população estudada quando há uma intenção ou propósito específico envolvido na seleção destes. Os resultados inferenciais gerados por tais casos tendem a reduzir o grau de significância estatística da população e, em comparação com as estratégias quantitativas que se valem da aleatoriedade, estas possuem sérios problemas para a geração de conhecimento científico. O viés de seleção intencional é que esta pode gerar amostras truncadas que se situam em partes específicas de uma dada distribuição de valores da variável estudada, não levando em conta importantes porções do comportamento que não "interessam" a análise.

Gerring (2008) entende que, pelo fato dos estudos de caso levar em conta a utilização de um ou mais casos para gerar inferências causais relativas a uma população mais ampla, estes desenhos de pesquisa estão necessariamente atrelados ao problema metodológico da seleção dos casos. O cientista político se defronta continuadamente com o desafio de responder de forma mais acertada a duas questões normativas sobre o desenho de pesquisa. A primeira se revela sobre a forma de quais são os casos que devem ser escolhidos para a sua análise causal e em que critérios epistemológicos estes devem ser fundamentados, de modo a validar a geração de inferências causais. A segunda está associada ao problema de quantas observações ou casos podem ser considerados necessários e/ou suficientes para que se possa garantir ao pesquisador a confiabilidade na produção de suas teorias e de seus testes. Respostas a este problema têm fermentado novos debates metodológicos sobre os estudos de casos e seu potencial de aplicabilidade, e novas técnicas e estratégias de seleção vêm sendo pensadas e postas em prática na ciência política comparada.

O problema da seleção de casos se configura com maior intensidade nos desenhos de pesquisa do tipo small-n quando a seleção aleatória não se aplica. Não existe, por outro lado, qualquer garantia que a escolha de casos feita de modo aleatório pode ser de utilidade para o estudo de um dado problema ou fenômeno de interesse à pesquisa. As técnicas de seleção de casos para amostras reduzidas devem envolver procedimentos de seleção não-aleatória e envolvem intencionalidade do pesquisador, e, com isto, as chances da introdução de viés subjetivo nos resultados gerados pela pesquisa.

Gerring (2008) elabora uma tipologia composta por nove estratégias de seleção dos casos para as pesquisas de estudo de caso em que os pesquisadores comparados devem se basear quando tentam buscar respostas ao problema da seleção dos casos na ciência política. O conceito fundamental sob o qual esta tipologia é construída está ligado à conexão entre o tipo de caso e a estratégia de seleção. Existem diferentes tipos de estudos de caso que dependem sensivelmente do tipo de questões de pesquisa e tipos de explicação pretendida. Para a escolha de casos, o pesquisador deve utilizar de procedimentos que se baseiam em estudos prévios existentes e de certas premissas a partir da população considerada no estudo. Na tipologia, os casos podem ser enquadrados como típicos (representativos), diversos (heterogeneidade), extremos, desviante, exemplares, cruciais, pathway, similares, e diferentes. Todas estas técnicas podem ser empregadas utilizando-se de múltiplos casos; todavia, o pesquisador deve estar atento à importante recomendação de que estas podem vir a deixar de serem "estudos de caso" quando perdem de vista a análise em profundidade que é típica dos estudos small-n.

King, Keohane e Verba (1994) consideram haver dois tipos diferenciados de produção do viés de seleção na pesquisa qualitativa: o leve e o extremo. No primeiro caso, o viés de seleção é introduzido no desenho de pesquisa à medida que o pesquisador escolhe casos restringindo a variabilidade da variável estudada (observada). No segundo caso, que é considerado mais grave e que deve ser evitado, o pesquisador não permite variabilidade na pesquisa. Esta forma de observação pode ser bastante desastrosa para os estudos de caso, uma vez que estes podem ser construídos de modo a perder de vista a importante dimensão de variabilidade, considerada como essencial ao método comparativo14 14 Algumas vezes este tipo de desenho de pesquisa encontra utilidade e é metodologicamente permitido. Este é o caso de quando se estudam eventos raros ( Black swans) ou outliers em que o pesquisador deliberadamente precisa partir da premissa de não-variabilidade para explicar mais profundamente o fenômeno estudado. para a produção de inferências. Os autores afirmam o importante enunciado de que pouco pode ser aprendido sobre as causas efetivas de um dado comportamento se não levado em conta a comparação de contextos em que se observa vários valores da variável dependente. É exatamente sobre este ponto que reside a crítica tradicional de "seleção de casos a partir da variável dependente" (Geddes, 2003) que é bastante conhecida nos debates metodológicos nas ciências sociais.

Trabalhos contemporâneos importantes na área de metodologia comparada, tais como Geddes (2003) e King, Kehoane e Verba (1994), apontam para o fato de que o viés de seleção é uma das principais fontes da geração de graves erros nos desenhos de pesquisa qualitativa na ciência política com sensíveis impactos sobre a produção de inferências causais. O cerne da crítica destes autores reside no conhecido problema da seleção pela variável dependente, o qual geralmente o pesquisador não leva em conta uma ampla variação no comportamento observado da variável dependente. Mahoney (2007a; 2007b; 2010) argumenta de forma persuasiva que os problemas de viés de seleção na pesquisa qualitativa podem ser considerados como aplicações equivocadas dos conceitos e pressupostos da análise de regressão para desenhos de pesquisa qualitativa.

Mahoney (2007b) considera que diversos autores situados na nova metodologia qualitativa na ciência política têm produzido respostas para o problema da seleção dos casos. O pressuposto central reside no conceito de heterogeneidade causal15 15 Conceitualmente, a condição de heterogeneidade causal é sempre relativa ao modelo causal (teoria) que se considera, e está associada à pressuposição da presença de padrões causais contrastantes entre diferentes realidades observadas a partir da teoria. Esta pressuposição permite argumentar que um dado conjunto de valores para as variáveis independentes (causas) não produzem o mesmo valor esperado na variável dependente de acordo com o modelo causal utilizado. das populações e, diante desta condição, os pesquisadores devem selecionar casos que possuem um grau de similaridade (em termos causais e conceituais) que podem ser comparados. As premissas de homogeneidade causal e conceitual são dois requisitos fundamentais para que os desenhos de pesquisa possam ser capazes de produzir inferências causais nas ciências sociais. Os estudos de caso (e as pesquisas small-n) encontram fundamentação nestas duas premissas, uma vez que estes desenhos de pesquisa permitem que os pesquisadores manejem de forma mais adequada os problemas de heterogeneidade causal e seus problemas associados. Neste sentido, os pesquisadores qualitativos encontram razoáveis critérios metodológicos para considerar uma quantidade reduzida de casos, como uma população para a qual eles pretendem generalizar os resultados.

Outra importante crítica tradicionalmente realizada sobre a validade dos estudos de caso16 16 Estudos de caso apresentam basicamente três procedimentos típicos para teste de teorias: as comparações controladas, os procedimentos congruentes, e process-tracing, que se diferenciam em função das observações utilizadas. Nas comparações controladas, são utilizadas exclusivamente observações comparativas entre casos. Nos procedimentos congruentes, em que os pesquisadores buscam entender padrões de congruência ou incongruência entre os valores observados e os valores previstos pela teoria, os desenhos de pesquisa podem ser construídos com observações comparadas entre vários casos ou intracasos. As análises do tipo process-tracing lançam mão de observações exclusivamente geradas no interior dos casos ( within case). reside sobre o fato de que estes representam modelos observacionais considerados como formas mais precárias para o teste de teorias em comparação aos experimentos ou aos estudos do tipo large-n. Van Evera (1997) argumenta que esta crítica se fundamenta por duas razões básicas. A primeira crítica está relacionada ao fato de que os estudos de caso não se prestam para o controle do impacto de variáveis omitidas (omitted variables17 17 Na análise estatística, usualmente se considera que o viés gerado pela omissão de variáveis ( omitted-variable bias) ocorre quando um modelo causal não considera ou deixa de lado a inclusão de um ou mais fatores importantes para a explicação desejada. Este tipo de viés é produzido quando o modelo tenta compensar a ausência desta(s) variáveis por outro fator incluído no modelo. ) por não possuir o grau de controle das abordagens experimentais e dos estudos quantitativos com grande quantidade de observações. Esta crítica tradicional não encontra muita reverberação na atualidade, uma vez que os pesquisadores comparativos dispõem de alternativas viáveis para reduzir este problema seja pela utilização de variações intra-casos (within-case variance), seja pela utilização de procedimentos de congruência (congruence procedures) ou metodologias de process-tracing, em que o pesquisador possui maior controle das condições contextuais e configuracionais. Por outro lado há a possibilidade de se fazer a seleção de casos a partir de valores extremos da variável dependente. Esta estratégia de seleção reduz a quantidade de fatores intervenientes que podem produzir o comportamento da variável de acordo com as predições teóricas utilizadas pelo pesquisador.

A segunda crítica aos estudos de caso reside sobre o problema da inferência causal e generalização. O argumento tradicional reside na ideia de estes desenhos de pesquisa são bastante precários quando se trata de generalização dos resultados de pesquisa. Todavia, como argumenta Van Evera (1997), esta crítica se aplica com maior intensidade quando os estudos de caso se equivalem às observações únicas (single-case studies), i.e, n=1, situação muito rara na pesquisa comparativa na ciência política.

Por outro lado, os estudos de caso apresentam duas vantagens quando utilizados para teste de teorias. A primeira delas está diretamente relacionada ao fato de que as predições testadas com estudos de caso são muito fortes, uma vez estão associadas a eventos considerados como raros, únicos, do tipo "cisne negro" (Taleb, 2010) que dependem fortemente dos agentes envolvidos, do contexto, e das instituições envolvidas, e de fatores causais que não podem ser previstos a partir da recorrência a padrões de normalidade e regularidade típica da análise estatística.

Na ciência política, o poder causal atribuído a estes fatores, como veremos adiante, são de fundamental importância na explicação dos fenômenos políticos relevantes. A segunda vantagem comparativa se associa ao fato de que os pesquisadores podem compreender de forma mais intensa o modo específico de como ocorrem os mecanismos causais propostos pela teoria. Modelos experimentais e pesquisas com grande quantidade de casos orientadas na tradição quantitativa se mostram bastante limitados quando se trata de compreender os processos causais envolvidos no fenômeno estudado, e fornecer importantes respostas para averiguar se a(s) teoria (s) proposta(s) se alinham (ou se afastam) a uma realidade analisada.

Em importante trabalho de análise das críticas tradicionais sobre as metodologias de caso na ciência social, Flyvbjerg (2006) questiona severamente as visões limitadas que reduzem o status científico dos estudos de caso. Ele argumenta de forma persuasiva que existem, ao menos, cinco incompreensões fundamentais sobre as pesquisas de estudos de caso na ciência social que, dominantes na tradição da pesquisa social, afetam fortemente o status científico dos estudos de caso, reduzindo sua confiabilidade, aplicabilidade, e validade diante de outros métodos de pesquisa.

A primeira suposição tradicional considera que o conhecimento teórico (independente do contexto) possui mais valor que o conhecimento dependente do contexto. Por produzir conhecimento relativo ao contexto, os casos seriam tradicionalmente irrelevantes para as ciências sociais. Por estarem fortemente atrelados ao contexto e as contingências, os estudos de casos não se prestam a generalizações e, portanto, não se prestam à geração de conhecimento científico. A terceira pressuposição tradicional se fundamenta na crença de que, embora os estudos de casos sejam úteis para a geração de hipóteses e que se prestam muito bem para estágios iniciais de pesquisa, estes devem desempenhar papel altamente limitado quando se trata de teste de hipóteses e o desenvolvimento de teorias. Ademais, os casos seriam bastante precários quando se trata de verificar resultados de pesquisa, os quais seriam altamente carregados de viés subjetivo, dado que estes usualmente tendem a refletir às pré-noções e teorias mobilizadas pelos pesquisadores.

Estudos de caso tendem a gerar resultados enviesados dado que operam de forma mais ativa os elementos de contexto, contingências e utilização de teoria de forma intencional pelo pesquisador. Por fim, estes fatores associados tornam altamente difícil desenvolver proposições gerais e teorias a partir de casos. Estas concepções afetaram historicamente o status das metodologias de estudo de caso, especialmente na ciência política, na qual a crescente demanda por formalização, uso intensivo de métodos quantitativos e análise estatística se tornou hegemônica. As novas concepções na metodologia qualitativa emergente, desde os anos 1990 na ciência política comparada, têm tentado oferecer novas concepções que se distanciam destas percepções tradicionais e procurado fornecer novas fronteiras e limites à utilização dos estudos de caso na produção de teorias.

Flyvbjerg (2006), bem como diversos autores mais contemporâneos na nova metodologia qualitativa na ciência política, considera que estas incompreensões devem ser superadas, e que os estudos de caso se situam como metodologias necessárias e suficientes para a produção do conhecimento nas ciências sociais. Estes desenhos de pesquisa possuem consistência e confiabilidade quando comparados com outras metodologias. A clássica separação entre os métodos (e a lógica) dos métodos quantitativos e qualitativos nas ciências sociais deve ser vista como inadequada e espúria, e fortemente influenciada pela institucionalização dos pesquisadores durante seus estágios formativos.

King, Keohane e Verba (1994) consideram que, quando bem utilizados a partir de desenhos de pesquisa bem construídos, os estudos de caso são essenciais para a ciência social, tanto para a descrição como para a produção de explicações causais. Quando utilizados em estratégias comparativas construídas a partir de conceitos e critérios da lógica inferencial, os autores admitem que estes desenhos de pesquisa não se constituem problemas substantivos para gerar inferências causais válidas.

Todavia, eles chamam a atenção para o importante fato de evitar o uso de observações singulares para a produção de inferências, teste de hipóteses ou construção de teoria. Existem três razões fundamentais para que sejam evitados tais desenhos de pesquisa: a existência de explicações rivais (alternativas), os erros de mensuração das variáveis, e os determinismos18 18 Salmon (1998) considera que os determinismos na ciência estão associados diretamente à questão das verdades a priori que se condensam no princípio da razão suficiente que se apoia na noção de que "um fato ou evento X não pode ocorrer sem uma causa suficiente que o produz". Esta pressuposição se converte na lei universal da causação: tudo que acontece na realidade está associado à existência de uma lei causal. A suficiência das causas faz com que as teorias não necessitem de confronto empírico com a realidade, uma vez que se pode supor como a realidade se comporta a partir de leis. Nas ciências sociais, os modelos contemporâneos rejeitam fortemente a noção determinística e a existência de leis de validade geral. A tarefa essencial das ciências sociais é exatamente a de compreender os diversos processos e mecanismos que produzem a realidade, supondo-os altamente dinâmicos e variáveis entre as realidades estudadas. . Eles advertem que existem consideráveis riscos inerentes a estes desenhos de pesquisa que usualmente são ampliados pelo raciocínio analógico amplamente utilizado nas ciências sociais.

No raciocínio analógico, os pesquisadores partem do pressuposto equivocado de que valores similares no comportamento das variáveis relevantes irão resultar em valores similares na variável dependente de acordo com a teoria (ou modelo causal). Tal pressuposto funciona como impor a condição de ceteris paribus para a ação de outras variáveis em outros contextos e realidades, que não se mostra adequada para interpretar e explicar comparativamente os fenômenos.

Este modo de pensar faz com que os pesquisadores gerem teorias e hipóteses a partir de observações singulares e as extrapolem para outros contextos e realidades, desconsiderando a importante questão da diversidade e variabilidade na articulação de causas e variáveis em diferentes condições. Por contraste, ao lançar mão do método comparativo, o pesquisador busca superar os limites da concepção analógica e permitir a construção (e teste) de explicação causal a partir da observação de vários casos explorando com maior profundidade a diversidade causal sugerida pela teoria utilizada. Quando os pesquisadores qualitativos levam em conta elementos relativos à variabilidade, incerteza, colinearidade e variância nos valores das variáveis causais, é possível obter maior poder explicativo utilizando-se de uma reduzida quantidade de casos.

Mahoney e Terrie (2008) chamam a atenção para o importante fato da crítica à pesquisa histórico-comparativa (em que se enquadram os estudos de caso) para teste de hipóteses. Eles consideram que esta crítica é equivocada e se deve fundamentalmente à incompreensão dos propósitos e métodos desta tradição de pesquisa. Os autores chamam a atenção para um importante fato que reside nas diferenças essenciais em termos de desenho de pesquisa entre as abordagens quantitativa e qualitativa, no sentido que se possam ampliar as fronteiras de diálogo e produção de conhecimento. As diferenças entre os desenhos de pesquisa na tradição da análise estatística e da pesquisa histórica comparada diferem em três dimensões essenciais: a natureza e tipo de explicação proposta; concepção de causação; e os métodos utilizados para teste de teorias.

O traço distintivo reside na importante consideração de que o método histórico-comparado utiliza-se da abordagem "causas dos efeitos" (cause-of-effects) para produzir explicações, uma lógica de condições necessárias e/ou suficiente para a análise dos processos de causação e a estratégia de process-tracing para testes de teoria. Por contraste, a análise estatística lança mão de explicações que se voltam para entender os "efeitos das causas" (effects-of-causes), os efeitos médios para causação, e empregam as técnicas de análise de regressão para o teste de hipóteses. Os métodos histórico- comparados se diferenciam pelo uso da lógica dos contrafactuais (Braumoeller e Goertz, 2000; Goertz e Starr, 2002, técnicas de fuzzy-set (Ragin, 2000) e análises do tipo path dependence (Mahoney, 2003; Benett e Elman, 2006b).

Os estudos de caso, portanto, não devem ser olhados e tratados metodologicamente a partir de conceitos e premissas essencialmente derivadas dos métodos quantitativos especialmente quando se trata da questão do viés de seleção, da noção de generalização e da sua contribuição para a inferência causal. Quando a pesquisa se volta para analisar as causas dos efeitos em casos particulares, o problema do viés de seleção representa um problema de segunda ordem. Quanto aos problemas de generalização, os pesquisadores usualmente tentam limitar o escopo e aplicabilidade das teorias e resultados a partir de critérios essencialmente metodológicos. Na tradição qualitativa, é importante que se considere que assumem relevância as importantes restrições de escopo das teorias e que se devem ao conhecido problema da heterogeneidade causal e conceitual, rompendo com a ideia de que as teorias e conceitos viajam livremente sem restrições ao contexto, como pressupunham as concepções tradicionais na pesquisa comparada em ciência política. Teorias e conceitos devem ser utilizados a partir da premissa que a heterogeneidade causal deriva de uma relação entre uma teoria específica e uma população de casos, e não como uma propriedade ontológica. Escolhas teóricas específicas estabelecem o grau de heterogeneidade que o pesquisador pretende enfrentar no seu desenho de pesquisa. Estudos do tipo small-n e estudos de caso seriam idealmente aqueles em que o pesquisador busca reduzir substancialmente o nível de heterogeneidade causal relativo a uma teoria.

Apresentadas estas questões consideradas essenciais para a compreensão dos debates sobre a validade dos estudos de caso, as próximas seções desenvolvem os argumentos considerados nucleares para fundamentar o uso e a validade destes desenhos de pesquisa na ciência política comparada: equifinalidade, process-tracing, e a explicação por mecanismos.

Complexidade causal, equifinalidade e os estudos de caso

A primeira matriz de argumentos sobre a validade dos estudos de casos (e dos desenhos de pesquisa small-n) está diretamente relacionada à questão da complexidade causal19 19 Na ciência social, em contraste às ciências da natureza, as explicações causais são fortemente influenciadas pelo problema da complexidade causal. Conceitualmente, a complexidade deriva do importante fato de que as causas de um dado fenômeno estudado são múltiplas, variam fortemente em função do contexto, das condições e do tempo. A complexidade afeta sensivelmente o problema da inferência causal. e suas formas diversificadas de aparição nos fenômenos políticos. A questão da complexidade causal aparece como decisiva para entender as inflexões metodológicas ocorridas no interior da agenda de pesquisas sobre as possibilidades do método qualitativo e dos desenhos de pesquisa na nova geração de comparativistas na ciência política. O argumento básico reside no fato de que a complexidade tende a exigir maior atenção dos cientistas políticos para desenhos de pesquisa que considerem seriamente os problemas específicos da inferência causal em condições e contingências históricas específicas. Os estudos de caso seriam, portanto, desenhos de pesquisa que permitem aos pesquisadores lidar mais adequadamente com os problemas analíticos gerados pela complexidade causal.

Os fenômenos políticos são fortemente marcados pela complexidade causal. Estes fenômenos são usualmente produzidos por múltiplas causas, que possuem um caráter dinâmico e são altamente sensíveis ao contexto. Por fim, na análise política se conhece muito bem o fato de que nem sempre as mesmas causas produzem os mesmos resultados nas mesmas condições observadas. Estas características exigem que os pesquisadores estejam atentos ao modo particular que conduzem a produção do fenômeno estudado, e colocam o problema crucial de considerar o modo específico que a pesquisa histórica importa decisivamente para a análise comparada.

A complexidade causal afeta diretamente a forma com que a pesquisa histórico-comparada busca empreender a produção de inferências causais. A maneira específica de pensar sobre essa complexidade, especialmente nos fenômenos políticos, tem alterado substancialmente as discussões sobre o lugar dos desenhos de pesquisa do tipo small-n e, especificamente, para o que nos interessa aqui, sobre o problema da validade dos estudos de caso.

A presença da complexidade causal tem produzido alternativas metodológicas20 20 Focalizando nas teorias e hipóteses sobre conflitos nas relações internacionais ( deterrence), Braumoeller (2003) oferece uma interessante consideração metodológica sobre como os problemas de complexidade causal (e suas variantes) pode ser tratado a partir da combinação entre modelos quantitativos e qualitativos. que considere este problema para a produção de explicações na ciência política a partir da comparabilidade entre casos. Ragin (1987; 2000) sugere pensar os casos a partir de uma noção configuracional para entender e analisar causalmente os fenômenos, partindo da ideia básica e fundamental de que estes são altamente dependentes da ação simultânea de múltiplas causas, da heterogeneidade causal, e que sofrem a forte influencia do contexto. Produzir inferências causais levando em conta o contexto demanda a utilização de metodologias que considerem estas importantes características do fenômeno político.

A base desse pensamento está associada à noção de tratar os casos como configurações de atributos - causas e condições - que estão diretamente associados ao contexto. De forma antagônica aos modos de pensar em termos de variáveis "independentes" do contexto para comparabilidade, e generalizações na análise comparada, quando se considera as configurações, os analistas estão partindo do pressuposto explícito do contexto, i.e, as condições em que os fenômenos (e as variáveis) ocorrem são dotados de considerável grau de complexidade causal. Nestas abordagens, os pesquisadores devem agrupar os casos não por procedimentos estatísticos do tipo cluster analysis ou Q-factor típico, mas, sim, através da convergência de um conjunto reduzido de atributos, i.e, que os diferentes casos possuem. Esta lógica de análise permite que os estudos de caso sejam sensíveis ao contexto para a análise da variação dos fenômenos sociais, que é decisiva na análise política.

Todavia, é importante compreender que se aproximar analiticamente da perspectiva dos casos como configurações não implica deixar de considerar variáveis, mas, sim, deixar de lado as concepções que descartam o importante fato de estas estarem fortemente ligadas ao contexto. Uma abordagem mais adequada seria pensar que os casos possibilitam combinar de forma diferenciada as variáveis fundamentais da análise em função do contexto e da complexidade. Este fato torna crítico a necessidade de levar a sério os casos na análise comparada.

Estudar os fenômenos complexos a partir da utilização de estudos comparados de casos, portanto, quando vistos sob esta perspectiva, passa a ser o modus operandi essencial para penetrar com maior potência na diversificação e variabilidade de causas e condições que produzem o fenômeno de interesse. Nesta perspectiva, estudos de caso passam a estar fortemente atrelados à construção de teoria e teste de hipóteses. Longe de serem vistos como essencialmente descritivos, ligados ao estudo de casos desviantes e,com papel limitado para a geração de teoria, as novas abordagens na análise comparada têm conferido ênfase para os estudos de caso.

Para a nova geração, na tradição qualitativa, uma das argumentações fortes para justificar o emprego intensivo dos estudos de caso está diretamente ligada à noção de equifinalidade21 21 Existem diversas variantes da complexidade causal ( causal complexity) dos fenômenos sociais (e políticos). Uma ampla gama de fenômenos exibe complexidade causal, tais como: efeitos de interação em diversos níveis de análise, interação estratégica, causalidade bidirecional, feedback loops, equifinalidade, e multifinalidade. Estes tipos de complexidade afetam sensivelmente o modo pelo qual podem ser construídos os desenhos de pesquisa. George e Bennett (2004) consideram que o problema da complexidade casual e mais especificamente o problema da equifinalidade não é um dos temas explorados pela obra seminal de King, Keohane e Verba (1994). . O papel da equifinalidade passa a ser considerado elemento decisivo para a abordagem da análise causal dos fenômenos políticos. George e Bennett (2004) consideram este elemento como fundamental para a construção de desenhos de pesquisa e para a construção de teoria em ciência política, a partir das chamadas teorias tipológicas (typological theories)22 22 Largamente utilizadas para a construção de teoria na pesquisa qualitativa, as teorias tipológicas oferece generalizações contingentes sobre o modo específico de como e em que condições um dado conjunto de variáveis independentes se "configuram" para a produção de determinados fenômenos. Estas configurações de variáveis são consideradas como tipos. As teorias tipológicas se mostram importantes instrumentos analíticos para a nova metodologia qualitativa na ciência política dado que esta se mostra a ideia de equifinalidade, em que o mesmo resultado pode ser produzido por diferentes caminhos possíveis. . Casos produzem generalizações contingentes e continuam sendo mecanismos analíticos decisivos.

A equifinalidade está diretamente associada ao problema da causação múltipla. Diferentes processos causais podem produzir resultados similares no comportamento da variável dependente por diferentes caminhos ou trajetórias. A equifinalidade importa de modo decisivo para a análise dos fenômenos políticos, dado que estes são sensíveis ao contexto, aos agentes, às instituições, aos processos históricos, e à agência (humana ou não-humana). A necessidade crescente de compreensão das configurações causais e da análise dos processos que produzem os fenômenos necessariamente exige que as concepções tradicionais de homogeneidade causal supostas na análise quantitativa não sejam adequadas para a produção de inferências. Estas importantes condições criam limites consideráveis aos métodos quantitativos na ciência política.

A presença de equifinalidade vai de encontro à premissa básica de que resultados similares no comportamento da variável dependente são gerados por causas (ou articulação de causas) similares que devem ser investigados de forma comparada na realidade empírica. Por outro lado, vale considerar que nestes fenômenos as causas usualmente são ligadas ao contexto e nem sempre produzem os mesmos efeitos.

Os fenômenos políticos, por serem carregados de equifinalidade, tornam a tarefa de produção de teorias (e teste de hipóteses) mais complexa, e podem ser melhor exploradas em desenhos de pesquisas centradas em estudo de caso (s), uma vez que estes oferecem a possibilidade de entender melhor as generalizações condicionais do que teorias gerais ou mesmo probabilísticas23 23 Por outro lado, cabe considerar que os estudos de caso também podem"falhar" diante da equifinalidade. Quando não orientado por teoria, ou não selecionado de forma adequada aos propósitos específicos dos desenhos de pesquisa, estes podem recair em sérios problemas de mensuração das variáveis, em precária identificação das causas e dos processos críticos para a inferência causal, bem como permitir a entrada indesejável de uma grande dose de viés subjetivo. Diante da equifinalidade, é importante considerar que aumentam significativamente os problemas de indeterminação que são típicos dos desenhos de pesquisa small-n, problema este conhecido como "muitas variáveis, poucas observações" ( too many variables, few cases). . O processo de análise básico dos métodos comparativos deve ser o de explorar os diferentes padrões causais nas realidades empíricas, e isto depende fundamentalmente de: a) teorias serem capazes de prever com alguma antecipação quais as possibilidades teóricas a serem consideradas pelos analistas no estudo de um fenômeno na realidade empírica; b) desenhos de pesquisa que controlem as realidades empíricas para a análise dos mecanismos críticos que tornam possível a emergência de um dado fenômeno; e c) abertura criativa para a observação de novos mecanismos causais e causas imprevistas na teoria.

Quando vistos a partir da perspectiva da construção de teoria, os estudos de caso devem ser considerados em termos tipológicos. George e Bennett (2004) consideram que os casos devem ser pensados a partir das teorias tipológicas, que representam formas mais adequadas de lidar com o problema da equifinalidade do que as abordagens históricas tradicionais. As teorias tipológicas buscam fundamentalmente identificar diversas possibilidades de articulações causais num contexto de complexidade causal. Pensar em termos meramente das variáveis sem levar em conta os importantes processos de equifinalidade pode gerar sérios problemas associados à omissão de causas fundamentais na produção de determinados fenômenos.

A conexão entre teoria e evidência passa a depender progressivamente da qualidade com que os casos são desenhados e quais as suas orientações teóricas específicas. Casos passam a ser compreendidos, portanto, como "intervenções controladas" para entender configurações específicas e, mais diretamente, os diversos processos de equifinalidade subjacentes. A utilização de casos para lidar analiticamente com a equifinalidade aparece como estratégia crítica para o desenvolvimento de generalizações contingentes que, a meu ver, se prestam melhor para a construção de teoria na ciência política.

Longe de buscar generalizações e conceitos que "viajam" entre contextos, os analistas devem tentar identificar em que condições específicas resultados distintos podem ocorrer a partir de um conjunto específico de causas, e compreender mais de perto como o contexto importa. Esta forma de pensar estaria diretamente associada a formas criativas de pensar em termos tipológicos para teorizar e conduzir as pesquisas sobre as diversas possibilidades empíricas que derivam das combinações de atributos que os casos exibem na realidade. Este fato aparece como crucial dado que a pesquisa comparativa adquire sentido quando se busca trabalhar com teorias que dependem sensivelmente da base empírica para confirmação.

Análise histórica, process-tracing e estudos de caso

Conforme discutido na seção anterior, a justificativa básica para a utilização dos estudos de caso para a análise dos fenômenos políticos se configura como uma importante forma de lidar com o problema da equifinalidade. Complementarmente a esta argumentação, se observa de forma crescente na tradição contemporânea de pesquisa qualitativa na ciência política a emergência de um conjunto de argumentos que concentra sua atenção na necessidade básica de considerar os desenhos de pesquisa em estudos de caso para que se possa conferir maior atenção analítica à questão de process-tracing24 24 Conceitualmente, o método de process-tracing está associado a estratégias de pesquisa voltadas para identificar a ação de processos causais intervenientes que operam entre as variáveis independentes (representado por um vetor de variáveis X) e a variável dependente (Y). A essência deste método está na suposição de haver causalidade múltipla e equifinalidade nos fenômenos sociais. A pesquisa seria diretamente voltada para identificação, mapeamento, e análise dos diversos caminhos e processos causais situados entre X e Y. para a produção de inferências causais na ciência política comparada. Os argumentos em torno dos métodos de process-tracing não encontram posição clara entre importantes autores na tradição qualitativa de pesquisa.

Centrados numa concepção quantitativa da ciência social, King, Keohane e Verba (1994) consideram que as metodologias de process-tracing encontram lastro na identificação e seleção de variáveis intervenientes que articulam um conjunto de variáveis independentes à variável dependente a partir de um dado modelo causal. Um dos problemas metodológicos associado a este tipo de análise reside no importante fato de que este usualmente tende ao problema da regressão ao infinito. A utilização destes métodos se mostra limitada quando os pesquisadores se voltam para estabelecer com precisão quais dentre os múltiplos mecanismos de conexão entre as variáveis que realmente importam para produzir inferências válidas. Com efeito, o pesquisador usualmente termina por selecionar aquelas variáveis e processos causais que mais se ajustam as suas pré-noções e aderências teóricas, produzindo severos problemas de viés aos seus resultados e explicações.

A principal recomendação desses autores é que, pela sua maior contribuição ao processo de descrição, os pesquisadores utilizem o método de process-tracing para fases iniciais no processo de análise causal, e não para a produção de inferências causais. Os estudos de caso, embora importantes, se mostram, neste sentido, como alternativas bastante limitadas como desenhos de pesquisa.

Numa concepção tipicamente quantitativa, eles sugerem que os pesquisadores devam expandir a quantidade de observações (casos) no sentido de obter desenhos de pesquisa determinados (em que a quantidade de casos seja maior que a de variáveis) com maior grau de liberdade. Os autores acreditam que a pesquisa qualitativa tende a trabalhar com desenhos de pesquisa que possuem insuficiente quantidade de observações para estimar o efeito das variáveis independentes. Os problemas associados aos métodos de process-tracing residem no fato de que estes tendem a elevar a quantidade de variáveis sem expandir a quantidade de observações, se constituindo um risco considerável para a produção de inferências causais nos moldes da análise quantitativa e da análise de regressão.

Centrado numa lógica bayesiana, por contraste, Mahoney (2007b) oferece resposta ao posicionamento de King, Keohane e Verba (1994) sobre o limite dos métodos de process-tracing, mostrando claramente que estas abordagens não devem ser entendidas conceitualmente a partir das concepções quantitativas utilizadas nas técnicas de regressão, mas sim como uma concepção distinta para a análise causal que é específica da análise qualitativa na pesquisa histórica. O conflito entre a lógica frequentista utilizada por King, Keohane e Verba (1994) e a lógica bayesiana utilizada pela nova metodologia qualitativa na ciência política se mostra evidente. Os eventos singulares e não apenas as regularidades importam de forma significativa para a produção de inferências causais.

Baseado no conceito de "observação de processos causais" desenvolvido por Brady, Collier e Seawright (2006), é possível argumentar sobre a relevância dos métodos centrados na análise de process-tracing para a produção de inferências causais. De forma complementar ao processo de observação de dados, a busca por observação e análise de processos causais passa a ser uma das tarefas essenciais para a construção de teoria na ciência política, com sensíveis impactos sobre a questão dos desenhos de pesquisa bem como sobre as formas de integração entre abordagens quantitativas e qualitativas. Esta metodologia se utiliza intensivamente de observações particulares a partir de estudos de caso e busca compreender de forma mais profunda como as causas se articulam e a partir de quais processos. Ele é basicamente uma metodologia de casos que deve ser aplicada quando os pesquisadores possuem conhecimento suficiente sobre os casos individuais.

Quando utilizados para teste de teoria, os métodos de process-tracing produzem importantes insights sobre a existência de causas, identificação de mecanismos causais25 25 A identificação dos processos causais em ação se diferencia sensivelmente da explicação por mecanismos, uma vez que o analista pode lançar mão de outros tipos de explicação utilizando-se do process-tracing. , ou alternativas de explicação em relação às teorias existentes. Este método é baseado numa concepção bayesiana para a inferência em que se supõe que partes singulares de observação contêm contribuição importante para a causalidade. Estas abordagens devem ser consideradas complementares a outros métodos (inclusive quantitativos), ampliando a qualidade da pesquisa qualitativa.

Os estudos de caso passam, portanto, a representar importantes desenhos de pesquisa quando utilizados para compreender os processos causais que estão interligados aos fenômenos na realidade estudada. Este tipo de análise na ciência política tem conferido ênfase crescente na identificação de "cadeias de processos causais", consolidando os métodos de process-tracing como alternativas fundamentais na geração de teorias e no teste de hipóteses. Estas estratégias analíticas representam caminhos possíveis para que se possam analisar comparativamente os processos causais subjacentes aos fenômenos, num contexto em que as tradicionais análises multivariadas centradas em variáveis não se mostram adequadas.

É importante considerar, como afirmam Mahoney e Terrie (2008), a importante diferenciação de que na pesquisa qualitativa small-n usualmente se busca compreender como se articulam as causas que produzem dados efeitos (causes-of-effects). Esta especificidade torna a pesquisa histórica radicalmente distinta das análises quantitativas que se voltam, essencialmente, para compreender os efeitos produzidos pelas causas (effects-of-causes). Quando se buscam as causas geradas pelos efeitos, os métodos de process tracing são perfeitamente adequados para a produção de inferências causais. Neste sentido, os pesquisadores usualmente recorrem aos estudos de caso, dado que sua adequada utilização permite penetrar com maior potência analítica na compreensão dos processos causais em ação num dado contexto.

Hall (2003) lança o importante argumento de que para que se possa entender o papel dos estudos de caso na pesquisa histórica se faz necessário compreender as bases e propósitos do método comparativo a partir de sua relação direta com possibilidades em termos de análise sistemática de processos. O método comparativo não seria, para Hall, uma variante do método estatístico, como usualmente se considera, mas, sim, aquele que se diferencia a partir da importante noção da demanda pela análise sistemática dos processos causais26 26 Lijphart (1971) situa o método comparativo num continuum de possibilidades metodológicas na ciência política. Ele considera que, por ordem de rigor, o método experimental, o método estatístico e o método comparativo são alternativas factíveis para a produção de proposições empiricamente válidas. Em termos lógicos, ele considera que os três métodos possuem similaridades. Todavia, o método comparativo se diferencia por lidar com uma quantidade muito reduzida de casos, não permitindo o controle sistemático das correlações parciais. O problema fundamental a ser enfrentado pelo método comparativo reside, portanto, na questão da indeterminação para inferência causal: too many variables, few cases. . Hall argumenta que isso se deve exatamente pelo fato de permitirem um controle mais razoável da conexão entre teoria e evidência empírica, que os desenhos de pesquisa do tipo small-n são perfeitamente válidos para a produção de inferências causais, especialmente na política comparada. O método comparativo abre, portanto, poderosas avenidas para a geração de dados sobre os processos causais em ação a partir do uso intensivo de análise de casos.

O método process-tracing emerge, portanto, na pesquisa histórica comparada como uma indispensável ferramenta analítica para o teste de teorias e mais especificamente para a construção de teorias, dado que os casos são intensivamente utilizados para gerar tipologias de combinações de processos causais, e não para produzir estudos destituídos de teorias ou mesmo observações singulares sobre a realidade. O exame comparado das conexões causais, i.e, dos processos causais intervenientes em ação, num dado contexto, se mostra altamente variável entre casos dado o pressuposto da heterogeneidade causal que usualmente fazem os pesquisadores qualitativos na ciência política. Esta pressuposição permite que os cientistas reduzam o conhecido problema de "muitas variáveis e poucos casos" que tradicionalmente limita a reflexão sobre o papel e potencialidade dos estudos de caso e façam valer a relevância estratégica dos desenhos de pesquisa do tipo small-n.

Ao admitir a variabilidade das causas (e das articulações causais supostas por teorias) entre as diferentes realidades, os pesquisadores buscam construir inferências causais geradas a partir de análises em profundidade dos processos intervenientes para entender como se processa a articulação entre duas variáveis X e Y em uma quantidade reduzida de casos. Para produzir inferências causais nestas condições, se faz necessário que os processos de seleção dos casos sejam fortemente orientados por teorias e por hipóteses, o que lhes conferem rigor analítico. A premissa básica dos modelos centrados em process-tracing é o da existência de diferentes formas de causação (articulação dos processos causais) e de que estas dependem fortemente do fenômeno a ser estudado27 27 Estes diferentes tipos de causação são classificados em: a) causalidade linear; b) causalidade complexa; d) efeitos de interação causal; e, d) path-dependent. . Os estudos de caso se prestam quando os pesquisadores estão diante de padrões altamente complexos de causação, em que se identificam consideráveis efeitos de interação entre as variáveis de interesse, e em que o contexto importa decisivamente nesta variabilidade.

A demanda crescente por análise de processos causais leva a uma revalidação do status científico (ou da validade) dos estudos de caso, especialmente na sua tarefa de permitir caminhos possíveis para análise da variabilidade dos processos causais nas realidades empíricas estudadas. Como é largamente conhecido nas ciências sociais e, especialmente na ciência política, raramente as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, e isto está diretamente relacionado ao simples fato de haverem diversos processos causais operando em diferentes contextos28 28 Os fenômenos políticos de interesse contêm elevada dose de incerteza, ambiguidade e complexiade, como é largamente conhecido pela literatura. Leis gerais em ciência política são raras e triviais. Os elementos surpreendentes nas análises tornam mais fecundas as abordagens que privilegiam a descoberta de novas variáveis, de novos mecanismos e de novas articulações de causas. Neste sentido, os fenômenos políticos se aproximam do que Taleb (2010) denominou de "Black Swans" (cisnes negros) e carecem constantemente de novas explicações que não se ajustam a previsibilidade ou a normalidade típica dos fenômenos representativos. A riqueza das análises políticas depende, portanto, da capacidade das teorias e dos métodos disponíveis da pesquisa em profundidade para "mergulhar" mais criativamente nos processos que produzem os fenômenos de interesse. . As abordagens process-tracing emergem como alternativas para a produção de inferências causais quando não se faz possível utilizar o conhecido método de comparações controladas. Nestas condições, o pesquisador deve estar atento ao importante fato de que variáveis que supostamente seriam controláveis, podem estar gerando efeitos causais de importância para a análise. Os métodos de process-tracing se prestam, portanto, para trabalhar com a compreensão destes efeitos, refinando os métodos comparativos usuais.

As exigências metodológicas para que os cientistas políticos possam produzir teorias mais refinadas apoiada em evidência empírica (e não em abstrato) impulsiona a produção de estratégias analíticas que se voltem para compreender mais de perto os processos causais envolvidos. Este processo tem aberto espaço considerável para a utilização das estratégias de process-tracing, reacendendo os debates sobre os limites e o potencial das abordagens de caso para geração de teoria, teste de hipóteses e produção de inferências causais. Os estudos de caso encontram, portanto, nesta linha argumentativa, fundamentos que os tornam entradas frutíferas para que se possa explicar e gerar novas teorias sobre a realidade.

Explicações por mecanismos

A terceira linha de argumentos emergentes consideradas nesta análise reside na questão da importância decisiva dos estudos de caso quando os cientistas políticos buscam construir explicações por mecanismos29 29 Mecanismos causais podem ser entendidos como os processos causais que produzem um dado fenômeno. Tais mecanismos mostram como ocorrem os processos de causação entre as variáveis independentes X e a variável dependente Y. As explicações por mecanismos situam-se na teoria realista da causação (consideram a causação como mecanismos em contraposição as teorias humeanas que consideram causação como regularidades). A explicação por mecanismos sugere uma hipótese sobre como um conjunto de causas se articula para a ocorrência de um dado fenômeno. Estas teorias da causalidade são largamente utilizadas na ciência social e na ciência política. Mayntz (2004) oferece uma importante contribuição conceitual sobre a noção de mecanismos na tradição da filosofia das ciências sociais. . As explicações causais nas ciências sociais (e na ciência política) se enquadram nas leis de validade geral (covering laws), nas explicações estatísticas, e nas explicações por mecanismos. Nestas, a lógica de explicação não reside na covariância entre duas categorias de análise, mas sim na identificação dos mecanismos (da agência) que torna plausível a conexão entre as variáveis independentes (causas consideradas relevantes) e a variável dependente (efeitos observados), a partir de uma teoria.

A considerável força deste argumento reside no fato de que as concepções mecanicistas da causalidade são um dos principais consensos nos debates sobre a filosofia da ciência social. Importantes trabalhos na tradição da teoria social e da sociologia analítica como Elster (1989), Coleman (1990), Hedström e Swedberg (1996) e Hedstrom (2005) lançam os fundamentos da lógica analítica dos mecanismos causais como um dos principais "consensos" acerca da explicação em ciências sociais. Explicações devem envolver mecanismos e mostrar claramente como as variáveis se articulam num dado modelo causal. Esta importante concepção amplia as fronteiras da necessidade das pesquisas comparadas de dar conta da conexão entre teoria e processos empíricos como é o caso da ciência política comparada30 30 De forma similar aos métodos de process-tracing, as principais críticas à análise por mecanismos recaem sobre as questões relativas à indeterminação e a sua ampliação do chamado viés subjetivo diante da suposição da pluralidade de mecanismos causais existentes entre duas variáveis X e Y num dado modelo causal. A crítica se situa no fato que o pesquisador usualmente tende a selecionar mecanismos específicos de seu interesse, introduzindo ou imputando relações causais que omitem importantes dimensões da causalidade. .

Quando compreendida a partir dos mecanismos causais, a análise comparada deve se voltar para compreender como estes operam, abrindo diversas possibilidades pelas quais variáveis independentes se articulam e produzem o comportamento da variável dependente, em um conjunto específico de condições. Num sentido mais amplo, as explicações causais nas ciências sociais (e na ciência política) podem apenas ocorrer quando os analistas conferem substancial atenção aos processos de interação entre mecanismos causais e o contexto específico em que elas ocorrem. É exatamente pelo fato de se considerar a dependência do contexto combinada à coexistência de múltiplos processos causais operando sobre as mesmas variáveis, em diferentes contextos, que torna rica a necessidade de mergulhar com maior intensidade nas análises por mecanismos. Longe de buscar generalizações, os cientistas políticos devem estar voltados para construir teorias de médio alcance e penetrar de forma mais aguda nos mecanismos específicos que produzem fenômenos de interesse ao pesquisador.

Esta diversidade causal é típica dos fenômenos políticos que são usualmente carregados de agência, instituições, ambigüidade, e sofrem forte influencia da história, contexto e das condições de ocorrência. A pesquisa comparada em ciência política depende de como os desenhos de pesquisa podem permitir compreender mais de perto estes processos. Por paradoxal que pareça, os estudos de caso orientados por teoria são cada vez mais preferíveis no contexto da pesquisa qualitativa. Há um sensível distanciamento hoje da ideia tradicional de que os casos são carregados de viés e que são limitados em termos de seu potencial generalizante, ou mesmo que seriam limitados para a descrição contextual dos fenômenos. Na ciência política, os casos se mostram como opções preferíveis quando o propósito é lidar com análises que buscam explorar a conexão entre contexto e causação, i.e, dar conta de forma mais acurada de como ocorre efetivamente produção dos fenômenos em condições contingentes, partindo da noção de conexão entre o contexto e os mecanismos causais que produzem os fenômenos sociais. Falletti e Lynch (2008) consideram de fundamental importância para a análise política que as teorias sejam mais atentas a importante tarefa de especificar os aspectos relevantes do contexto em que os mecanismos causais operam para que se torne possível produzir explicações causais relevantes.

Van Evera (1997) considera que a estratégia de análise de "casos" se mostra adequada em contextos em que o pesquisador esteja interessado em inferir explicações que permitem compreender como as variáveis independentes se articulam com as dependentes dentro de certas condições iniciais, i.e, identificando de forma mais precisa os mecanismos causais que operam. A partir de estudos de casos, os pesquisadores podem utilizar as estratégias que permitem observar como as condições iniciais podem se articular para produzir determinadas variações na variável dependente. Este tipo de análise é bastante recomendado quando os analistas se voltam para comparar explicações que não podem ser consideradas com maior profundidade nas pesquisas com grandes amostras, que são mais úteis para constatar a sustentação empírica de hipóteses ou explicações.

Hedstrom (2005) considera que a ideia subjacente às explicações por mecanismos reside na especificação dos mecanismos ou conexões causais que mostram de forma mais nítida como um fenômeno específico ou determinados resultados foram produzidos numa dada realidade. Apesar da grande diversidade conceitual sobre o que vem a ser mecanismo causal, subjacente a estas definições está uma ênfase em conferir inteligibilidade às regularidades estudadas, dado que um mecanismo permite explicar com maior profundidade os detalhes de uma dada conexão causal.

Com efeito, Hedstrom (2005) aponta três razões básicas para a utilização intensiva das abordagens por mecanismos nas ciências sociais, que são de profundo interesse para a argumentação desenvolvida nesta seção. A primeira está relacionada diretamente à tarefa de buscar compreender de forma detalhada a especificação dos mecanismos que operam num dado fenômeno e, portanto, estaria diretamente associada à produção de explicações mais precisas e inteligíveis a partir de casos. A segunda razão está ligada à noção de reduzir a fragmentação teórica que é típica das ciências sociais. Ao focalizar nas semelhanças estruturais entre diferentes processos causais envolvidos nos fenômenos sociais, as abordagens centradas em mecanismos seriam consideradas fundamentais para evitar a proliferação desnecessária de conceitos teóricos. Por fim, o conhecimento sobre os mecanismos causais permite que os analistas desvendem as lógicas de causação indo além da mera especificação de correlações entre causas e efeitos.

Ao centrar nas especificidades e nas conexões contingentes (e não determinísticas) entre variáveis, as explicações por mecanismos buscam penetrar de forma mais realista, menos espúria, e conferem maior poder explicativo ao contexto para pensar as relações de causação. Estas características são essenciais para que se justifiquem os desenhos de pesquisa centrados em casos (within-case, across-cases, multiple-case, simple-case, crucial case) quando o propósito explicativo é o de entender como os mecanismos causais operam num dado fenômeno de interesse. A noção de mecanismo causal conduz os pesquisadores a tratar de modo mais claro sobre o impacto do contexto na teoria, levando-os a mostrar que os fenômenos políticos são usualmente carregados de múltiplos caminhos causais.

Para permitir a descoberta de mecanismos causais, Gerring (2007a) sugere a abordagem dos caminhos causais (pathway method), que é uma variante da tipologia dos estudos de caso em que se busca uma análise intensiva focada em mecanismos causais para clarificar uma teoria (e não para teste). Embora todas as formas e tipos de estudos de caso envolvam em algum grau a noção de que se pode ter maior compreensão sobre os mecanismos causais, nem todos os tipos de desenhos de pesquisa efetivamente permitem tal compreensão. A utilização desta alternativa requer presença de condições especiais.

Em contextos de pesquisa onde uma dada hipótese causal está clara entre os pesquisadores, e esta tenha sido confirmada por análises comparada de casos, os pesquisadores se voltam para escolher casos onde o efeito causal da variável independente (X1) sobre a variável dependente (Y) possa ser isolado de outros fatores intervenientes na análise causal. Esta estratégia de "redução" das variáveis dependente e independente permite com que os desenhos de pesquisa possam penetrar mais profundamente nos mecanismos causais relevantes. Este tipo de seleção de casos é permitido apenas nas situações em que padrões de covariância entre casos são bem estudados e onde os mecanismos causais articulando as variáveis precisam ser melhor elucidados. O método pathway é, por definição, aquele em que o fator causal de interesse X1 prediz corretamente Y, ao passo que outras possíveis causas levam a predições errôneas. Se X1 representa uma causa suficiente de Y, então é exatamente este tipo de casos que se tornam mais úteis para a investigação sobre mecanismos causais.

Algumas situações de pesquisa são consideradas as condições ideais para este novo tipo de estudo de caso. Ele considera que, quando o pesquisador já parte de uma hipótese causal estabelecida a priori, os pesquisadores devem ser bem orientados para focar num dado caso onde os efeitos causais a serem investigados podem ser "isolados" de outros fatores causais. Esta estratégia é essencial para permitir a apreensão mais intensa sobre os mecanismos causais e existe apenas quando padrões de covariância entre diversos casos já é amplamente estudada e os mecanismos causais continuam incógnitos.

Para identificar os mecanismos causais e compreender a produção dos fenômenos de interesse, os estudos de caso passam a ser desenhos de pesquisa cada vez mais úteis. Todavia, é importante considerar que os estudos de caso devem ser fortemente orientados por teoria, e que estes servem para identificar de forma mais "controlada" como as variáveis operam em contextos específicos, reduzindo o escopo para o problema da omissão de variáveis típica da análise social. Estudos de caso, em suas diversas variantes, passam a ser, portanto, ferramentas metodológicas decisivas para gerar teoria, indo além do conhecido problema de que não é possível generalizar a partir dos casos. Casos se prestam para refinar o conhecimento sobre teoria e produzir novos conhecimentos sobre causalidade, indo além da concepção tradicional que conferia poder limitado aos casos, se justificando apenas para os tipos desviantes (outliers).

Considerações finais

A utilização dos estudos de caso continua a ser de considerável interesse para a produção do conhecimento da ciência política comparada. Este estudo se preocupou em mostrar quais as principais razões para a sustentação dos estudos de caso. O artigo mostra a existência de um núcleo "básico" em torno dos quais gravitam as argumentações do debate contemporâneo sobre a validade e persistência dos estudos de caso. Há um novo papel para estas metodologias e uma crescente importância no seu uso no atual estágio do conhecimento sobre o problema.

Estes argumentos mostram claramente que os estudos de caso se afastam progressivamente de metodologias limitadas para produzir generalizações e para a geração do conhecimento. Casos representam alternativas frutíferas de produção de conhecimento, auxiliando sobremaneira o desenvolvimento e a construção de teorias na ciência política. O renascimento e revitalização dos casos representam evidências fortes para a abertura de uma nova fronteira conceitual na agenda dos debates metodológicos e epistemológicos sobre os desenhos de pesquisa. Está claro que a qualidade dos desenhos de pesquisa importa sensivelmente. O modo pelo qual os estudos de caso são construídos, especialmente na sua articulação com teoria e construção de hipóteses, desempenha papel fundamental para a produção de explicações causais.

Longe de ver os estudo de casos associados às singularidades, se observa o poder do argumento minimalista sugerido por Ebbinghaus (2005) de que "menos é mais" quando se trata de produzir teorias e testá-las. O autor sugere que o uso de estudos de caso (ou de desenhos small-n), diante da considerável impossibilidade da seleção aleatória, se mostra fundamental para a inferência estatística na pesquisa comparada. Desenhos do tipo small-n ou estudos de caso, quando guiados por teoria, são mais adequados aos problemas do que se supõe para ampliar o potencial das análises intensivas dos processos causais.

Nissen (1998) considera que análises que mobilizam uma quantidade limitada de casos possuem grande potencial quando se considera a necessidade de compreender os mecanismos causais envolvidos na explicação de um dado fenômeno. Análises baseadas em estudos de caso abrem perspectivas para uma melhor interpretação de vários casos, em condições nas quais as questões de pesquisa estão bem definidas e articuladas teoricamente.

Na mesma esteira argumentativa, Lieberman (2005) sugere que os estudos de caso desempenham papel relevante nas estratégias de integração entre os métodos quantitativos e qualitativos. Ele recomenda claramente que a pesquisa comparada deve fazer uso da estratégia específica de nested analysis, em que se busca sempre que possível combinar análise estatística de uma ampla quantidade de casos com observações em profundidade a partir de um ou mais casos selecionados. Bennett e Elman (2007) consideram haver substancial espaço para a continuidade do uso de estudos de caso, o qual depende fundamentalmente de um fortalecimento das bases epistemológicas para a conexão entre teoria, dados, e produção de teoria a partir de mecanismos causais.

A argumentação nuclear encontrada neste artigo se aproxima da argumentação de Rueschmeyer (2003) de que muito das limitações das metodologias de caso na pesquisa histórica deriva de associar os estudos de caso a observações singulares. Casos continuam a desempenhar relevantes papéis para a produção de novos problemas e insights na ciência social dado sua articulação com a teoria e evidências empíricas. De forma paradoxal, os estudos de caso são conducentes a produzir boa teoria comparada e a revigorar os debates teóricos na ciência política. A produção de melhores explicações causais na ciência política passa a depender de utilizar os casos de forma comparada.

A importância destes argumentos básicos em torno dos estudos de caso passa a representar uma fundação epistemológica razoável para que as novas gerações de pesquisadores passem a desfrutar de forma mais criativa da pesquisa comparada. Numa ciência política em franca profissionalização como a brasileira, e num processo de diálogo crescente com as metodologias em uso no exterior, é importante balizar claramente que estas metodologias continuam a ser formas validadas de conhecimento.

Os processos de formalização e de elevação do rigor nas metodologias comparativas continuam a apontar para os estudos de caso como fontes legítimas e potencialmente heurísticas para gerar conhecimento teórico e sobre causalidade nas ciências sociais. Casos não se prestam apenas para produzir "thick descriptions" ou para produzir etnografias detalhadas da realidade social, mas, sim, para fazer avançar o conhecimento num mundo em que os fenômenos sociais são carregados de complexidade causal. Embora relevante para estabelecer correlações entre variáveis, as abordagens estatísticas, quando desacoplados de boa pesquisa comparada, tendem a perder o sentido e representar muito pouco. Todavia, quando articulados por teoria, os casos podem representar lentes potentes para a produção de conhecimento.

Casos podem ser ferramentas relevantes para compreender a diversidade de padrões causais, a direção das causalidades e, mais importante, para observar o grau de relação não-espúria (nonspuriousness) numa dada teoria. A conexão entre casos e teorias vem sendo cada vez mais frequente e recomendada para a geração de tipologias explicativas (Elman, 2005), ou teorias tipológicas, em que se exploram os casos e suas possibilidades em termos de causação de interesse para o pesquisador.

No contexto da ciência política, e especialmente no Brasil, este debate emerge como essencial dado que parece haver uma crença em franca expansão de que os métodos quantitativos e as técnicas de formalização parecem ser os meios mais adequados para produzir conhecimento. Embora necessários, estes devem se fazer complementar de forma decisiva e continuada por pesquisa comparada valendo-se dos casos. A essência da pesquisa comparada é explorar a intrigante conexão entre ideias (teoria) e evidências, e a validade dos casos como alternativas plausíveis para inferências causais quando pesquisadores passam a acreditar em generalizações contingentes.

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Recebido em dezembro de 2010.

Aprovado em maio de 2011.

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  • 1
    Lijphart (1971) define a disciplina de política comparada (
    comparative politics) como sendo essencialmente preocupada com questões relativas ao "método" na ciência política. Collier (1995) define o método comparativo na ciência política como sendo um ramo da área de metodologia caracterizado pela produção sistemática de análise qualitativa, a partir da utilização de uma quantidade reduzida de casos (
    small-n). O traço distintivo do método comparativo, em diferenciação aos modelos experimentais e a análise estatística, seria, portanto, a combinação entre
    small-n e a utilização de análise qualitativa (não exclusivamente). A ciência política comparada mais recente tem estimulado a produção de trabalhos que se valem de múltiplas metodologias, especialmente integrando trabalhos quantitativos e qualitativos, análise estatística e estudos de caso e outras possibilidades disponíveis aos cientistas políticos. O trabalho de Putnam (1993) foi uma contribuição exemplar para as questões de integração de fronteiras entre os métodos quantitativos e qualitativos. Dunning (2008), analisando a conexão entre regimes políticos e recursos naturais, representa um excelente exemplo recente de bem-sucedida integração entre análise estatística, estudos de caso e modelos analíticos formais na pesquisa comparada.
  • 2
    Tratando do problema da inferência causal na pesquisa qualitativa na ciência política King, Keohane e Verba (1994) argumentam que os desenhos de pesquisa representam elementos fundamentais para que se possa produzir pesquisas válidas e confiáveis. Na compreensão destes autores, os desenhos de pesquisa são constituídos por quatro dimensões: a) a problematização ou questão de pesquisa a ser enfrentada pelo pesquisador; b) a estrutura teórica, c) os dados empíricos, e d) o modo específico pelo qual se empreende a conexão entre a teoria e os dados. Os desenhos de pesquisa na ciência política (e na ciência social, mais amplamente) devem envolver questões que satisfazem dois importantes critérios. A conexão com problemas relevantes da realidade empírica, por um lado, e, por outro, possibilitar uma contribuição a literatura acadêmica permitindo ampliar o estoque de explicações sobre a realidade estudada. Eles consideram que, enquanto os cientistas políticos têm um conjunto amplo de questões do mundo real a ser explorada e analisada pela pesquisa, os métodos de compreensão ainda são muito limitados, especialmente quando se trata de produzir inferências causais.
  • 3
    Uma nova geração de estudos metodológicos na ciência política comparada tem refletido substancialmente sobre os limites e as possibilidades dos estudos de caso (Bennet e Elman, 2006; Caporaso, 1995; Collier, 1995; Collier e Mahoney, 1996; Elman 2005; Geddes, 2003; George e Bennett, 2004; Gerring 2004, 2006, 2007a, 2007b; Goertz, 2004; Goertz e Starr, 2002; Brady, Collier e Seawright, 2006; Laitin, 1995, 2002; Lees, 2006; Levy, 2007; Lieberman, 2005; Lieberson, 1991, 1994; Mahoney, 2000, 2003, 2007a, 2007b; Mckewon, 2004; Pierson, 2007; Rueschmeyer, 2003; Sekhon, 2004).
  • 4
    Numa análise das trajetórias metodológicas seguidas pela ciência política europeia e americana, Moser, Rioux e Kittel (2005) consideram que uma tendência nítida dos estudos qualitativos de
    small-n é o fortalecimento e continuidade das análises centradas em estudos de caso. Eles observam a emergência e institucionalização de uma nova matriz de técnicas e conceitos que buscam fundamentar o estudo adequado de fenômenos políticos. Os cientistas políticos não mais precisam se justificar diante da demanda por maior número de casos ou de observações para a produção de teoria. Os estudos de caso, quando bem formulados e utilizados, são úteis para a geração de teoria de médio alcance.
  • 5
    O problema da inferência causal em desenhos de pesquisa qualitativa na ciência política (e nas ciências sociais mais amplamente) é o foco central do livro
    Designing social inquiry, de King, Keohane e Verba, que influenciou fortemente as novas trilhas dos debates sobre desenhos de pesquisa na ciência política comparada.
  • 6
    Lees (2006) considera de fundamental importância situar os estudos de caso nas abordagens comparativas na ciência política. O papel dos estudos de caso na pesquisa comparada se situa próximo das fronteiras delineadas por McKweon (2004). Ele considera ser possível a utilização efetiva dos estudos de caso nas seguintes condições: a) gerar informação relativa ao contexto que permite construir teorias e hipóteses relevantes; b) inferência bayesiana, em que se analisa novos dados a partir do conhecimento teórico e empírico disponível; c) análise de casos cruciais que permitem confirmar ou refutar hipóteses; d) análise de contrafactuais; e) identificação de mecanismos causais e avaliação de hipóteses por intermédio da busca de "cadeias de processos causais"; e f ) conexão entre teoria, dados e desenho de pesquisa. Sobre a importância das comparações contextualizadas ver Locke e Thelen (1995).
  • 7
    Cabe aqui considerar que, ao apresentar os argumentos em torno da validade sobre os estudos de caso, o autor não considera que estes desenhos de pesquisa são superiores diante dos outros desenhos de pesquisa, ou que estes devam ser utilizados com maior intensidade na pesquisa em ciência política. A preocupação do autor é essencialmente analítica e metodológica, tentando buscar compreender os argumentos que fundamentam a validade destes desenhos de pesquisa, e apresentar comparativamente em torno de que bases os autores consideram possível gerar inferências causais, testar teorias, e gerar novas hipóteses a partir de desenhos de pesquisa
    small-n para o caso específico da ciência política. Cabe também considerar que, por razões de espaço, e pelo tipo de análise, o autor não está preocupado em elaborar uma narrativa histórica sobre a genealogia dos estudos de caso na ciência política, nem mesmo com a análise empírica dos resultados de pesquisa em estudos específicos.
  • 8
    Não se busca aqui compreender quais os tipos e usos, ou mesmo a finalidade dos estudos de caso, mas, sim, compreender quais os argumentos emergentes que fundamentam (ou explicam) a sustentação e institucionalização da validade destes desenhos de pesquisa.
  • 9
    Ao selecionar estas argumentações como sendo constitutivas do núcleo considerado básico, se está procedendo a uma importante redução conceitual: considerar que outras possibilidades argumentativas estão profundamente ligadas a este núcleo básico. Esta redução implica essencialmente em considerar a importância crucial destes argumentos para o problema da validade.
  • 10
    Na teoria geral dos sistemas, o princípio da equifinalidade, originalmente proposto por Von Bertalanffy, supõe que, em sistemas considerados abertos, um dado resultado (ou estado) pode ser atingido através de diferentes caminhos potenciais. A convergência de um dado comportamento observado pode ser compreendida a partir da análise de múltiplas trajetórias potenciais, não se podendo assumir,
    a priori, relações fechadas e determinadas entre causas e efeitos tal qual se utiliza nos sistemas fechados. Nos sistemas abertos, assim como nos sistemas sociais e biológicos, a ideia de equifinalidade assume centralidade. Stinchcombe (1968) considera que as explicações causais em ciências sociais representam formas complexas de funcionalismos. Elas usualmente pressupõem conexões causais entre duas ou mais variáveis com determinadas prioridades acerca das formas de causação. Nas explicações histórica, típicas da pesquisa comparativa na ciência política e na qual se enquadram os casos, os pesquisadores usualmente lidam com uma ampla gama de conexões causais, nas quais os processos de equifinalidade envolvidos são múltiplos e muito dificilmente os pesquisadores podem considerar que resultados similares são produzidos pelas mesmas causas.
  • 11
    Sobre a crescente necessidade de conexão profunda entre os problemas empíricos e a construção de teorias nas ciências sociais (incluindo a ciência política), ver o conceito de
    usable theory desenvolvido por Rueschmeyer (2009).
  • 12
    Mahoney e Ruschemeyer (2003b) consideram que análise histórico-comparada nas ciências sociais usualmente envolve a análise de grandes temas e questões da realidade empírica e se voltam essencialmente para produzir análises causais, análise dinâmica de processos, e o uso sistemático de comparações contextuais a partir do uso de estudos de caso.
  • 13
    Usualmente se considera haver três modelos ou paradigmas de explicação histórica que tentam bus-car nas narrativas a fonte da explicação causal para fenômenos sociais. A primeira delas é o modelo hempeliano das leis de validade geral (
    covering-law models) com aplicação muito limitada nas ciências sociais. O segundo modelo, proposto por Collingwood, tenta compreender os fenômenos a partir das crenças, cognição e elementos psicológicos dos agentes sociais situados em condições específicas. A terceira abordagem é a de "
    followability"proposta por Gallie, a qual tenta descrever o modo particular pelo qual as narrativas ocorrem nos fenômenos. Nesta concepção, as narrativas (e os casos) adquirem capacidade explicativa em função de sua aderência aos fatos, consistência cronológica e coerência. As narrativas representam alternativas que tentam justapor a ocorrência de leis gerais com aspectos contingentes, produzindo uma plausibilidade na construção da explicação, sem cair nos aspectos essencialmente subjetivos e idealistas da realidade interna dos agentes.
  • 14
    Algumas vezes este tipo de desenho de pesquisa encontra utilidade e é metodologicamente permitido. Este é o caso de quando se estudam eventos raros (
    Black swans) ou
    outliers em que o pesquisador deliberadamente precisa partir da premissa de não-variabilidade para explicar mais profundamente o fenômeno estudado.
  • 15
    Conceitualmente, a condição de heterogeneidade causal é sempre relativa ao modelo causal (teoria) que se considera, e está associada à pressuposição da presença de padrões causais contrastantes entre diferentes realidades observadas a partir da teoria. Esta pressuposição permite argumentar que um dado conjunto de valores para as variáveis independentes (causas) não produzem o mesmo valor esperado na variável dependente de acordo com o modelo causal utilizado.
  • 16
    Estudos de caso apresentam basicamente três procedimentos típicos para teste de teorias: as comparações controladas, os procedimentos congruentes, e
    process-tracing, que se diferenciam em função das observações utilizadas. Nas comparações controladas, são utilizadas exclusivamente observações comparativas entre casos. Nos procedimentos congruentes, em que os pesquisadores buscam entender padrões de congruência ou incongruência entre os valores observados e os valores previstos pela teoria, os desenhos de pesquisa podem ser construídos com observações comparadas entre vários casos ou intracasos. As análises do tipo
    process-tracing lançam mão de observações exclusivamente geradas no interior dos casos (
    within case).
  • 17
    Na análise estatística, usualmente se considera que o viés gerado pela omissão de variáveis (
    omitted-variable bias) ocorre quando um modelo causal não considera ou deixa de lado a inclusão de um ou mais fatores importantes para a explicação desejada. Este tipo de viés é produzido quando o modelo tenta compensar a ausência desta(s) variáveis por outro fator incluído no modelo.
  • 18
    Salmon (1998) considera que os determinismos na ciência estão associados diretamente à questão das
    verdades a priori que se condensam no princípio da razão suficiente que se apoia na noção de que "um fato ou evento X não pode ocorrer sem uma causa suficiente que o produz". Esta pressuposição se converte na lei universal da causação: tudo que acontece na realidade está associado à existência de uma lei causal. A suficiência das causas faz com que as teorias não necessitem de confronto empírico com a realidade, uma vez que se pode supor como a realidade se comporta a partir de leis. Nas ciências sociais, os modelos contemporâneos rejeitam fortemente a noção determinística e a existência de leis de validade geral. A tarefa essencial das ciências sociais é exatamente a de compreender os diversos processos e mecanismos que produzem a realidade, supondo-os altamente dinâmicos e variáveis entre as realidades estudadas.
  • 19
    Na ciência social, em contraste às ciências da natureza, as explicações causais são fortemente influenciadas pelo problema da complexidade causal. Conceitualmente, a complexidade deriva do importante fato de que as causas de um dado fenômeno estudado são múltiplas, variam fortemente em função do contexto, das condições e do tempo. A complexidade afeta sensivelmente o problema da inferência causal.
  • 20
    Focalizando nas teorias e hipóteses sobre conflitos nas relações internacionais (
    deterrence), Braumoeller (2003) oferece uma interessante consideração metodológica sobre como os problemas de complexidade causal (e suas variantes) pode ser tratado a partir da combinação entre modelos quantitativos e qualitativos.
  • 21
    Existem diversas variantes da complexidade causal (
    causal complexity) dos fenômenos sociais (e políticos). Uma ampla gama de fenômenos exibe complexidade causal, tais como: efeitos de interação em diversos níveis de análise, interação estratégica, causalidade bidirecional,
    feedback loops, equifinalidade, e multifinalidade. Estes tipos de complexidade afetam sensivelmente o modo pelo qual podem ser construídos os desenhos de pesquisa. George e Bennett (2004) consideram que o problema da complexidade casual e mais especificamente o problema da equifinalidade não é um dos temas explorados pela obra seminal de King, Keohane e Verba (1994).
  • 22
    Largamente utilizadas para a construção de teoria na pesquisa qualitativa, as teorias tipológicas oferece generalizações contingentes sobre o modo específico de como e em que condições um dado conjunto de variáveis independentes se "configuram" para a produção de determinados fenômenos. Estas configurações de variáveis são consideradas como tipos. As teorias tipológicas se mostram importantes instrumentos analíticos para a nova metodologia qualitativa na ciência política dado que esta se mostra a ideia de equifinalidade, em que o mesmo resultado pode ser produzido por diferentes caminhos possíveis.
  • 23
    Por outro lado, cabe considerar que os estudos de caso também podem"falhar" diante da equifinalidade. Quando não orientado por teoria, ou não selecionado de forma adequada aos propósitos específicos dos desenhos de pesquisa, estes podem recair em sérios problemas de mensuração das variáveis, em precária identificação das causas e dos processos críticos para a inferência causal, bem como permitir a entrada indesejável de uma grande dose de viés subjetivo. Diante da equifinalidade, é importante considerar que aumentam significativamente os problemas de indeterminação que são típicos dos desenhos de pesquisa
    small-n, problema este conhecido como "muitas variáveis, poucas observações" (
    too many variables, few cases).
  • 24
    Conceitualmente, o método de
    process-tracing está associado a estratégias de pesquisa voltadas para identificar a ação de processos causais intervenientes que operam entre as variáveis independentes (representado por um vetor de variáveis X) e a variável dependente (Y). A essência deste método está na suposição de haver causalidade múltipla e equifinalidade nos fenômenos sociais. A pesquisa seria diretamente voltada para identificação, mapeamento, e análise dos diversos caminhos e processos causais situados entre X e Y.
  • 25
    A identificação dos processos causais em ação se diferencia sensivelmente da explicação por mecanismos, uma vez que o analista pode lançar mão de outros tipos de explicação utilizando-se do process-tracing.
  • 26
    Lijphart (1971) situa o método comparativo num
    continuum de possibilidades metodológicas na ciência política. Ele considera que, por ordem de rigor, o método experimental, o método estatístico e o método comparativo são alternativas factíveis para a produção de proposições empiricamente válidas. Em termos lógicos, ele considera que os três métodos possuem similaridades. Todavia, o método comparativo se diferencia por lidar com uma quantidade muito reduzida de casos, não permitindo o controle sistemático das correlações parciais. O problema fundamental a ser enfrentado pelo método comparativo reside, portanto, na questão da indeterminação para inferência causal:
    too many variables, few cases.
  • 27
    Estes diferentes tipos de causação são classificados em: a) causalidade linear; b) causalidade complexa; d) efeitos de interação causal; e, d)
    path-dependent.
  • 28
    Os fenômenos políticos de interesse contêm elevada dose de incerteza, ambiguidade e complexiade, como é largamente conhecido pela literatura. Leis gerais em ciência política são raras e triviais. Os elementos surpreendentes nas análises tornam mais fecundas as abordagens que privilegiam a descoberta de novas variáveis, de novos mecanismos e de novas articulações de causas. Neste sentido, os fenômenos políticos se aproximam do que Taleb (2010) denominou de "Black Swans" (cisnes negros) e carecem constantemente de novas explicações que não se ajustam a previsibilidade ou a normalidade típica dos fenômenos representativos. A riqueza das análises políticas depende, portanto, da capacidade das teorias e dos métodos disponíveis da pesquisa em profundidade para "mergulhar" mais criativamente nos processos que produzem os fenômenos de interesse.
  • 29
    Mecanismos causais podem ser entendidos como os processos causais que produzem um dado fenômeno. Tais mecanismos mostram como ocorrem os processos de causação entre as variáveis independentes X e a variável dependente Y. As explicações por mecanismos situam-se na teoria realista da causação (consideram a causação como mecanismos em contraposição as teorias humeanas que consideram causação como regularidades). A explicação por mecanismos sugere uma hipótese sobre como um conjunto de causas se articula para a ocorrência de um dado fenômeno. Estas teorias da causalidade são largamente utilizadas na ciência social e na ciência política. Mayntz (2004) oferece uma importante contribuição conceitual sobre a noção de mecanismos na tradição da filosofia das ciências sociais.
  • 30
    De forma similar aos métodos de
    process-tracing, as principais críticas à análise por mecanismos recaem sobre as questões relativas à indeterminação e a sua ampliação do chamado viés subjetivo diante da suposição da pluralidade de mecanismos causais existentes entre duas variáveis X e Y num dado modelo causal. A crítica se situa no fato que o pesquisador usualmente tende a selecionar mecanismos específicos de seu interesse, introduzindo ou imputando relações causais que omitem importantes dimensões da causalidade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2011
    • Recebido
      Dez 2010
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