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Repensando a privacidade: autonomia, identidade e a controvérsia sobre o aborto

Resumos

A partir de um diálogo com a crítica feminista às dicotomias entre o público e o privado, a autora define os limites e contornos do direito à privacidade, considerado um aspecto central à autonomia e ao direito ao corpo. O comunitarismo e as correntes feministas que defendem a superação das fronteiras entre público e privado são criticados pela incapacidade de garantir o respeito às decisões autônomas dos indivíduos, sobretudo no que concerne seu corpo, sua vida afetiva e aspectos relevantes da sua identidade. A garantia da privacidade é vista como algo necessário à afirmação das identidades individuais e à proteção dos indivíduos em relação às práticas e valores majoritários na comunidade em que estão inseridos. O direito ao aborto constitui o direito à privacidade, assim definido.

privacidade; autonomia; direito; identidades; aborto


In a dialogue with feminist criticism to public-private dichotomies, the author defines limits and outlines of the right to privacy, considered as a core aspect of autonomy and the right to the body. Communitarianism and feminist streams that advocate overcoming boundaries between what is public and private are criticized for their inability to guarantee respect for individual's autonomous decisions, especially regarding their bodies, their affective lives, and relevant aspects of their identities. Guarantee of privacy is seen as necessary to ascertain individual identities and protect individuals from majority values and practices within the communities they are part of. The right to abortion constitutes the right to privacy, thus defined.

privacy; autonomy; rights; identities; abortion


DOSSIÊ ABORTO

Repensando a privacidade: autonomia, identidade e a controvérsia sobre o aborto

Jean L. Cohen

RESUMO

A partir de um diálogo com a crítica feminista às dicotomias entre o público e o privado, a autora define os limites e contornos do direito à privacidade, considerado um aspecto central à autonomia e ao direito ao corpo. O comunitarismo e as correntes feministas que defendem a superação das fronteiras entre público e privado são criticados pela incapacidade de garantir o respeito às decisões autônomas dos indivíduos, sobretudo no que concerne seu corpo, sua vida afetiva e aspectos relevantes da sua identidade. A garantia da privacidade é vista como algo necessário à afirmação das identidades individuais e à proteção dos indivíduos em relação às práticas e valores majoritários na comunidade em que estão inseridos. O direito ao aborto constitui o direito à privacidade, assim definido.

Palavras-chave: privacidade; autonomia; direito; identidades; aborto

ABSTRACT

In a dialogue with feminist criticism to public-private dichotomies, the author defines limits and outlines of the right to privacy, considered as a core aspect of autonomy and the right to the body. Communitarianism and feminist streams that advocate overcoming boundaries between what is public and private are criticized for their inability to guarantee respect for individual's autonomous decisions, especially regarding their bodies, their affective lives, and relevant aspects of their identities. Guarantee of privacy is seen as necessary to ascertain individual identities and protect individuals from majority values and practices within the communities they are part of. The right to abortion constitutes the right to privacy, thus defined.

Keywords: privacy; autonomy; rights; identities; abortion

Uma autonomia privada bem protegida contribui para assegurar a geração de autonomia pública tanto quanto, reciprocamente, o exercício apropriado da autonomia pública ajuda a garantir a gênese da autonomia privada (Jürgen Habermas, "Paradigms of law").

[Trata-se de]... afirmar o juízo moral de que as mulheres têm direito a ser tratadas como indivíduos ao invés de sofrerem restrições em função de seu sexo, mas também [de afirmar] o juízo moral de que o grupo a que pertencem não pode mais ser relegado a uma posição inferior (Nadine Taub & Wendy Williams, "Will equality require more than assimilation, accommodation, or separation from the existing social structure?").

Por diversas razões, a distinção público/privado tornou-se novamente uma preocupação central dos teóricos políticos.1 1 . Do original "Rethinking privacy: autonomy, identity, and the abortion controversy", publicado na coletânea Public and private in thought and practice: perspectives on a grand dichotomy, organizada por Jeff Weintraub e Krishan Kumar (Chicago: The Chicago University Press, 1997). Direitos autorais concedidos por University of Chicago Press. Tradução de André Villalobos. Revisão da tradução por Flávia Biroli. Por um lado, o debate sobre "privatização", centrado na relação entre o Estado e a economia de mercado, foi renovado pelos desenvolvimentos ocorridos no ex-bloco soviético. Por outro lado, assumiram uma nova urgência os debates sobre como conceituar e estabelecer os limites entre a privacidade pessoal e a regulação legal/política, o que se deveu em parte a certos desenvolvimentos tecnológicos e em parte ao surgimento de uma "política de identidade" crescentemente agressiva. Conquanto estes dois campos de debate não sejam inteiramente alheios um ao outro, eles suscitam questões diferentes; e minha preocupação neste ensaio diz respeito ao segundo. Procurarei oferecer uma defesa e uma "redescrição" dos direitos à privacidade pessoal como uma contribuição à tarefa de teorizar sobre uma política de "identidade" igualitária, democrática e liberal, adequada às sociedades civis modernas.2 2 . Para um esforço anterior nessa mesma linha, do qual me vali extensamente no presente ensaio, ver Cohen, (1992). Quanto à posição teórica mais ampla em que se baseia minha argumentação, ver Cohen e Arato (1992). Agradeço a Martha Fineman, Frank Michelman, Kendall Thomas, e Michel Rosenfeld, por seus úteis comentários a versões anteriores da argumentação aqui desenvolvida, e a Jeff Weintraub, por sua leitura perspicaz e suas valiosas sugestões.

Recentes inovações tecnológicas, estendendo-se desde sofisticadas técnicas de vigilância até biotecnologias que podem penetrar no que antes fora concebido como áreas as mais privadas e impenetráveis (o útero, os genes, e assim por diante), trouxeram para muitas de nós a preocupação com a importância de proteger a privacidade pessoal das inéditas possibilidades de intervenção. Mas o avanço da política de identidade sob diferentes formas - do "multiculturalismo" ao fundamentalismo religioso politicamente orientado, do feminismo e do movimento gay às políticas étnica, racial e nacionalista - serviu para evidenciar as ambiguidades dos discursos sobre a privacidade e os direitos a ela associados. Com efeito, hoje em dia parecem proliferar incessantemente as críticas às maneiras pelas quais a distinção público/privado figurou historicamente tanto na tradição liberal como na democrática. Essas críticas objetaram tanto a possibilidade como a desejabilidade de definir fronteiras entre público e privado, baseando-se na suspeita de que, em última instância, tais fronteiras servem aos propósitos de excluir, denegrir e dominar os designados como "diferentes". Tais críticas - especialmente do ponto de vista das várias formas de política de identidade - foram crescentemente moldadas por uma recusa ao "pensamento iluminista" como um todo, buscando desmascarar a pseudoneutralidade, o ímpeto homogeneizante e a negação ou exclusão da diferença, que se alegam serem inerentes ao universalismo iluminista e a todas as categorias desse pensamento, inclusive e especialmente à distinção entre público e privado.

Contudo, apesar do caráter irretorquível de muitas dessas análises, a política de identidade começou a mostrar seu lado sombrio - como testemunham o surgimento em todo o mundo de formas virulentas de nacionalismo, racismo, etnocentrismo, e de particularismo intolerante de grupo. É o caso de se perguntar se as críticas radicais ao universalismo iluminista não teriam favorecido os antidemocratas, privando-nos da linguagem e dos recursos conceituais indispensáveis para confrontar as tendências autoritárias, xenófobas e regressivas. Ao invés de descartá-los, esses recursos precisam ser criticamente questionados, reformulados e reapropriados. Como procurarei mostrar, tais recursos incluem os discursos sobre privacidade e direitos à privacidade.

As críticas à distinção público/privado são coetâneas à teoria feminista. Desde o princípio, a política feminista teve como alvo as desqualificações jurídicas e as leis discriminatórias que excluíam as mulheres das esferas "públicas" do trabalho e da política (e que as desfavoreciam quando a estas tinham acesso), enquanto a teoria feminista enfrentou os estereótipos culturais sobre gênero ligados a concepções da distinção público/privado que justificavam essas exclusões. Nesta altura, as principais acusações são bem conhecidas: apesar de sua óbvia inadequação para captar a complexidade institucional das sociedades civis modernas, uma concepção dicotômica da estrutura social como dividida em esferas "pública" e "privada" (identificadas, respectivamente, com os gêneros masculino e feminino) desempenhou um papel-chave nas ideologias justificadoras tanto da exclusão das mulheres da participação plena na comunidade política como da negação da igualdade de oportunidades na vida econômica. Essa concepção também ajudou a perpetuar a atribuição de status com base em estereótipos culturais de gênero, a afastar do debate público questões designadas como "privadas" e, assim, a blindar com relação às exigências de justiça as relações de poder assimétricas que governam a divisão do trabalho marcada por gênero e outros aspectos das "relações íntimas" no interior do lar. Com efeito, muito frequentemente os discursos aparentemente neutros sobre privacidade e publicidade foram guiados por normas masculinas e serviram a interesses masculinos. Em razão disso, conforme insistiram inúmeras feministas, a dicotomia público/privado serviu para reforçar e perpetuar hierarquias sociais e relações injustas entre os sexos em todas as esferas da vida.3 3 . Para um balanço não-tradicional sobre esses problemas, ver Pateman (1983).

Tudo isso é verdade. Contudo, não é necessário projetar os conceitos abstratos de público e privado em um modelo dicotômico de estrutura social, nem usar esses termos de maneiras estereotipadamente marcadas por gênero. Como todos os conceitos passíveis de discussão, os de "público" e "privado" estão abertos a serem reinterpretados e podem ser mobilizados em diversos discursos. Portanto, não procurarei, neste ensaio, engajar-me diretamente e refutar as versões de feminismo que rejeitam a própria distinção entre público e privado; outra produção acadêmica feminista já fez um bom trabalho a esse respeito.4 4 . Para um sumário recente, ver Phillips (1991, p. 92-119). Ao invés disso, concentrar-me-ei no desenvolvimento de uma concepção de privacidade que seja um complemento adequado à redefinição feminista do conceito de espaço público.

Por um lado, continuo convencida de que o conceito de esfera pública e a ideia de democracia deliberativa permanecem cruciais para o projeto teórico e político de democratização da sociedade. Continuamos, portanto, devedores da problemática introduzida por Habermas em 1962, com seu Strukturwandel der Öffentlichkeit.5 5 . Traduzido para o inglês como The structural transformation of the public sphere: an inquiry into a category of Bourgeois society. Para alguns trabalhos em teoria democrática que também deram ênfase a essas preocupações, ver os ensaios do volume editado por Calhoun (1992), bem como as obras de Dryzek, (1990), de Fishkin (1991), de Spraegens (1991) e de Phillips (1991). Naturalmente, não são inteiramente satisfatórios nem o modelo liberal original de espaço público reconstruído nesse primeiro livro nem as tentativas subsequentes para desenvolver um modelo alternativo. A esse respeito foi especialmente importante o trabalho recente, no interior da teoria feminista, insistindo sobre a indispensabilidade do conceito de espaço público para um feminismo democrático, mas ao mesmo tempo tentando repensar o domínio público de maneira a torná-lo mais "amigável em relação à mulher e à diferença".6 6 . Tenho em mente trabalhos recentes como os de Benhabib (1992, capítulos 3, 5 e 6); de Fraser (1992); e Young (1990, especialmente os capítulos 4 e 6). Embora as abordagens correntes nessa área não estejam livres de dificuldades,7 7 . Para alguma discussão a respeito, ver Cohen (1993, p. 3-9). Resumidamente, eu diria que falta à maioria dessas análises - incluindo as mencionadas na nota anterior - uma concepção suficientemente diferenciada da esfera pública. Desenvolver uma tal concepção, adequada aos problemas e oportunidades das complexas e diferenciadas sociedades modernas, requer um esforço de análise tanto normativa como institucional, que apenas começou. o problema de reestruturar a esfera pública de modo a reconciliar inclusão e igualdade com diversidade ou "diferença" gerou um discurso feminista substancial e valioso.

Por outro lado, o projeto de reconciliar universalidade e particularidade, autonomia e identidade, não pode ser inteiramente resolvido no plano da esfera pública, mesmo que esta seja entendida como compreendendo públicos múltiplos e assumindo formas variadas em diferentes níveis da estrutura social. No mínimo, algumas das precondições fundamentais da participação na cidadania pública e da construção e defesa de identidades únicas dependerão da manutenção das necessárias proteções políticas e legais da privacidade. Em suma, tanto a proteção à "voz" (e a uma multiplicidade de "vozes") na esfera pública como a proteção à privacidade são cruciais para qualquer projeto de democratização que tente evitar a exclusão, o nivelamento e a homogeneização. Mas o repensar normativo do público, no feminismo, não foi acompanhado, até agora, por um esforço equivalente para repensar a categoria correlativa do privado.

Na verdade, não se pode dizer que a teoria feminista tenha ignorado "o privado"; ela esteve, diferentemente e por algum tempo, engajada em investigações críticas e genealógicas das estratégias de poder subentendidas no discurso da privacidade. As teóricas feministas há muito argumentam que "o pessoal é político", querendo com isso dizer que o aparentemente "natural" domínio privado da intimidade (a família e a sexualidade) é legalmente construído, culturalmente definido, e constitui lócus de relações de poder. Na maioria delas, a ênfase foi posta na desconstrução crítica da retórica da privacidade como parte de um discurso de dominação legitimador da opressão das mulheres.

Mas "desmascarar" (ou, em um jargão mais contemporâneo, "desconstruir") a mobilização de conceitos que servem às finalidades da dominação é apenas metade da tarefa da crítica. Cabe-nos agora movermo-nos para além de uma hermenêutica de suspeição e redescrever, em termos mais propícios para as mulheres, o bem que é protegido pela privacidade.8 8 . Para o conceito de "redescrição", ver Rorty (1989, p. 79-80); devo acrescentar, todavia, que não subscrevo o entendimento de Rorty sobre a dicotomia público/privado. Neste ensaio, por conseguinte, procurarei formular um conceito de privado que possa servir como o correlato de uma noção diferenciada de público e - na forma de um direito à privacidade - proporcionar a proteção aos níveis de autonomia e pluralidade que nenhuma combinação de públicos democráticos pode, por si só, alcançar.

Tratarei essas questões pelo prisma do debate na teoria jurídica e política americana sobre a justificação de privacidade para os direitos reprodutivos nos Estados Unidos. Essa controvérsia proporciona um contexto esclarecedor para repensar a significância da privacidade para as preocupações democráticas, inclusive especificamente as feministas, porque revela tanto a importância dos direitos de privacidade para as mulheres como os paradoxos acarretados por tais direitos. Como é sabido, o direito de uma mulher decidir sobre um aborto nos Estados Unidos foi constitucionalmente amparado, como parte de seu fundamental "direito à privacidade", na decisão da Suprema Corte sobre o caso Roe v. Wade, em 1973.9 9 . Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973). Desde então, tanto o direito ao aborto como a ideia de um direito constitucional à privacidade têm sido contestados. Argumentarei que um direito à privacidade pessoal constitucionalmente protegido é indispensável a qualquer concepção moderna de liberdade e que sem a liberdade reprodutiva, assegurada em parte por tal direito, as mulheres ficam privadas do bem para o qual os direitos à privacidade foram concebidos e cuja proteção deve ser assegurada para todos nós.

Como ponto de partida, considerarei duas recentes contestações à justificação do direito ao aborto como uma questão privada. Ambas visam ao que consideram pressupostos conceituais e normativos inválidos, embora o façam de perspectivas opostas. A primeira dessas críticas é articulada por teóricas feministas preocupadas com questões legais e favoráveis a fundamentar o direito ao aborto em argumentos ligados à igualdade em face da proteção da lei. Ela acusa a análise fundada na privacidade de reforçar um modelo ideológico e liberal da dicotomia público/privado que há longo tempo tem sido utilizado para justificar a desigualdade entre os gêneros e o poder privado masculino no interior da família patriarcal, juntamente com o tratamento excludente e discriminatório às mulheres fora da esfera doméstica.

A segunda, articulada por críticas "comunitaristas" ao liberalismo, afirma que a constitucionalização de direitos individuais de privacidade solapa os valores comunitários e a solidariedade. Isso, segundo alegam, se deve à concepção atomística e competitiva do indivíduo que supostamente subjaz a esses direitos. Enquanto a primeira crítica oferece uma justificação alternativa ao direito ao aborto, a segunda se opõe à própria ideia de direitos individuais nesse terreno.

Parece que estamos em face de diferentes formas daquilo que chamarei de um "paradoxo dos direitos à privacidade". Segundo o primeiro argumento, parece quixotesca a tentativa de corrigir os defeitos da privacidade doméstica por meio de mais privacidade: como pode o poder privado (sobre as mulheres) ser solapado por direitos à privacidade? Da perspectiva comunitarista, por outro lado, conceder autonomia decisória às mulheres em assuntos de família por meio dos direitos à privacidade é comprar a escolha individual ao preço da solidariedade comunitária.10 10 . Há uma versão especificamente feminista desse argumento comunitarista, a saber: que tal mudança de "status" para "contrato" aparentemente libera as mulheres para moldar suas próprias vidas, mas ao preço de se associarem a um modelo de ego individualista possessivo que nega às mulheres uma realidade que elas conhecem especialmente bem - a centralidade da interdependência, da interconectividade, e das relações de consideração na constituição da personalidade. Para uma útil discussão, ver McClain (1992, p. 119-174). E há ainda uma terceira dimensão do "paradoxo da privacidade" que é apontada por críticos de ambos os lados: enquanto os direitos à privacidade pretendem ser os meios de proteger os indivíduos em relação ao poder do Estado, eles também reforçam as tendências desintegradoras, atomizadoras e niveladoras na sociedade moderna, expondo assim as pessoas a maior regulação por parte das agências estatais e, nesse processo, destruindo tanto a solidariedade da comunidade familiar como a autonomia do indivíduo.

Este ensaio procurará contrapor-se às objeções de ambos os lados, contestando suas interpretações sobre o que está implicado nas justificações de privacidade do tipo encontrado em Roe e redescrevendo o bem ao qual os direitos de privacidade pretendem proteger. Os paradoxos da privacidade não são inevitáveis - eles provêm da armadilha ideológica em que ambas as críticas caem. Resumidamente, ambas as abordagens supõem que o que tomam pela interpretação liberal dos direitos à privacidade é a interpretação definitiva desses direitos e, por isso, propõem o abandono do discurso da privacidade como um todo. Por conseguinte, ambas as críticas são antes unilaterais: a primeira, porque considera apenas a subordinação da prática jurídica à preservação de um sistema de dominação; a segunda, porque confunde o significado formal com o significado substantivo da individualidade ligada aos direitos à privacidade.11 11 . Para uma excelente análise teórica e crítica de ambos os tipos de reducionismo, ver Lefort (1986, p. 239-272). O primeiro enfoque não leva em conta as dimensões normativa e de empoderamento presentes nos direitos à privacidade, visto estar preocupado em desmascarar o papel funcional que eles podem exercer na preservação das desigualdades e das hierarquias. O segundo é perturbado pelas velhas suposições atomísticas subjacentes a muitas justificações liberais do direito à privacidade (e de outros direitos individuais). Desse modo, deixa de compreender a real importância de direitos que garantam autonomia decisória, inviolabilidade da personalidade e um sentimento de controle sobre as necessidades da própria identidade, a indivíduos socializados e solidários no domínio da "intimidade" - um complexo de direitos para o qual "privacidade" tornou-se um termo guarda-chuva.

A tarefa que temos pela frente é a de romper com a interpretação funcionalista e com outras interpretações desgastadas da questão da privacidade sem descartar os princípios válidos protegidos pelos direitos à privacidade. Precisamente porque as questões, relações e arranjos outrora construídos para serem puramente privados, "naturais" - e, portanto, para além da justiça - tornaram-se assuntos de debate público e luta política, precisamente quando os limites estão sendo redesenhados e os significados vieram a ser desestabilizados, é o momento de entrar na luta e repensar os direitos à privacidade de maneiras que ampliem, ao invés de restringir, a liberdade e a igualdade.

De fato, devo argumentar que um dos mais importantes exemplos de conhecimento normativo no século vinte é o reconhecimento de que a privacidade pessoal é um bem para todos os indivíduos e intrinsecamente merece ser protegida em bases que precisam ser diferenciadas - legal e moralmente - das que dizem respeito à propriedade privada, à liberdade de contrato, ou à privacidade de "entidade" (isto é, ligada à família patriarcal como uma unidade).12 12 . Para uma discussão sobre a distinção entre a privacidade de "entidade" e a privacidade pessoal, ver Fineman (1992, p. 955). Muitos de nós reconhecemos intuitivamente a importância desse desenvolvimento, apesar da confusão e controvérsia sobre o próprio significado de privacidade - uma confusão que deriva em parte das antigas associações da privacidade com a propriedade e com a família patriarcal. Mas nenhuma dessas associações é necessária ou essencial. É verdade que a noção de propriedade privada costumava servir como o centro simbólico do complexo dos direitos individuais, mas ela não pode nem deve continuar a sê-lo.13 13 . As razões são demasiado complexas para que o assunto seja discutido aqui, mas elas têm a ver em parte com o surgimento do intervencionismo do Estado do bem-estar e o correlato rebaixamento da propriedade do status de um princípio sagrado para o de um conceito econômico. Ver Cohen, (1992, p. 105-112) e Nedelsky (1988). Portanto, não é por acaso que, no curso dos últimos trinta anos, houve crescentes esforços para reorganizar esse complexo em torno do princípio da privacidade pessoal, tendo em seu núcleo as noções de inviolabilidade da personalidade, de intimidade, e de integridade corporal; nesse processo, a jurisprudência sobre privacidade tornou-se um escudo simbólico fundamental para as necessidades da identidade individual contra a intolerância majoritária. Como veremos, os críticos comunitaristas se opõem precisamente ao impulso à doutrina da privacidade recentemente articulado pela Suprema Corte em diversas decisões concedendo "autonomia decisória" a indivíduos em questões de intimidade pessoal.

O que está implicado na noção de privacidade pessoal? Entre as dimensões da privacidade pessoal atualmente reconhecidas pela Suprema Corte, são claramente centrais no domínio da intimidade o "direito a ser deixado em paz" (de não sofrer intromissão ou vigilância sem motivo justo) e a "privacidade decisória" (não ser submetido a regulação ou controle indevidos). Por dizer respeito especialmente aos mais íntimos pormenores da vida pessoal, a primeira dessas dimensões é muito menos contestada que a segunda. O direito a ser deixado em paz dá ênfase à privacidade informacional - controle sobre a aquisição, posse e disseminação de informações sobre a pessoa, juntamente com o controle sobre o acesso ou a observação por parte de terceiros, sejam estes indivíduos privados, organizações ou autoridades públicas. Este princípio, quando não a sua aplicação, é amplamente aceito hoje em dia. Os debates se dão antes quanto à extensão do que com respeito à própria ideia de nosso "direito a sermos deixados em paz".

A controvérsia sobre a qual me concentrarei aqui gira primordialmente em torno do segundo aspecto da doutrina da privacidade, ou seja, a privacidade construída como envolvendo autonomia decisória com relação à "zona de intimidade" - casamento, divórcio, relações sexuais, procriação, criação dos filhos, aborto, e assim por diante.14 14 . Naturalmente, o controle do acesso a si próprio não é apenas uma questão de privacidade informacional. Envolve também o controle sobre os graus de intimidade que alguém deseja ter com outros. Assim, "ir a público" sobre questões tais como o estupro no casamento pode ser algo construído como um esforço para assegurar autonomia decisória, e integridade corporal, às esposas. Esta é a arena onde a batalha é candente e onde o que está sendo contestado não é propriamente o alcance, mas o próprio princípio de um direito individual à privacidade.

A crítica feminista igualitarista à análise da privacidade

Como indicado acima, as teóricas feministas preocupadas com as questões legais, que defendem o abandono da justificação dos direitos reprodutivos em termos de privacidade (preferindo alguma versão da doutrina da igualdade de direito à proteção legal), argumentam que o discurso da privacidade reforça um enganoso modelo liberal de relações sociedade/Estado que oculta as hierarquias de gênero e obscurece a realidade social que ele ajuda a constituir, ao invés de torná-la acessível ao escrutínio público.15 15 . Embora muitas teóricas feministas tenham invocado os princípios da proteção legal igualitária com vistas a proteger os direitos reprodutivos, inclusive o aborto, a maioria apresentou argumentos que possibilitariam um uso sintético de ambos os conjuntos de princípios: privacidade e igualdade. (Para uma listagem de referências, ver Cohen (1992, p. 49-50). As teóricas que tenho em mente são as que rejeitam completamente a análise da privacidade, tanto em bases normativas como estratégicas, e desejam não complementá-la, mas substituí-la por alguma versão da doutrina da proteção igualitária. Ver, por exemplo, MacKinnon (1987), Olsen (1991, p. 377-382) e Olsen (1989, p. 105); e (com referência especialmente a pornografia, aborto e "barriga de aluguel") Sunstein (1992, p. 1). Nesse modelo, o Estado é concebido como a esfera pública - o lócus do poder - ao passo que tudo o que é não estatal é interpretado indiferenciadamente como o privado. Consequentemente, o direito à privacidade "baseia-se no suposto de que, contanto que o Estado não interfira na vida privada, os indivíduos autônomos interagirão livre e igualitariamente" (Olsen, 1991, p. 378). Por conseguinte, o próprio conceito de privacidade supostamente pressupõe uma noção ideológica de uma esfera de vida "natural", pré-política, na qual as relações baseiam-se no consentimento entre adultos livres e iguais.

Mas, na doutrina liberal da privacidade, esse modelo dualístico é sobreposto a outro - a saber, o da delimitação entre a vida doméstica e o resto da sociedade. Entretanto, quando o privado significa o lar, ele é construído como a esfera da dependência, de relações hierárquicas "naturais" e vínculos particularísticos, e não como lócus de indivíduos autônomos portadores de direitos iguais. Em tal modelo, as mulheres foram "naturalmente" posicionadas como dependentes, da mesma forma que as crianças. Não obstante, seu status subordinado no interior da família é considerado como assumido voluntariamente, assim como o é seu ingresso no, e a possibilidade de saída do, chamado contrato de casamento.16 16 . Ver Pateman (1988, p. 154-188). Nesse modelo, portanto, a privacidade está associada a uma entidade, a família, que serve de proteção a suas relações íntimas "naturais" contra a intervenção e o escrutínio públicos.

Embora nem sempre estabelecendo uma distinção clara entre essas duas concepções de privacidade, as críticas feministas dos direitos à privacidade afirmam que ambos os modelos informam e distorcem a argumentação da doutrina da privacidade, mesmo quando direitos à privacidade estão sendo concedidos às mulheres. Em sua clássica crítica a respeito do caso Roe v. Wade, Catharine MacKinnon sustentou que "o conceito legal de privacidade pode servir, e efetivamente serviu, de escudo para um lugar de agressão física, de estupro no casamento e de exploração do trabalho das mulheres" (MacKinnon, 1987, p. 101). Assim, muito embora o direito à privacidade articulado em Roe tenha sido formulado como um direito individual, na visão de MacKinnon ele, não obstante, reforça os aspectos negativos da privacidade de "entidade". Nesse sentido, o Estado assegura a privacidade centrando sua autorrestrição sobre o lar e o quarto de dormir, ficando fora do casamento e da família, não intervindo. Desse modo, a justificação de privacidade para o direito ao aborto nada faz para solapar os estereótipos tradicionais de gênero a respeito do papel adequado da mulher na sociedade, nem tampouco objeta os padrões desiguais de dominação masculina e subserviência feminina na esfera privada.

Creio que essa interpretação está errada. Digo que MacKinnon e outros se equivocam ao interpretar o conceito legal de privacidade simplesmente como um veículo que "preservou as instituições fundamentais pelas quais as mulheres são privadas de identidade, autonomia, controle, e autodefinição" (MacKinnon, 1987, p. 101). Antes, os desenvolvimentos recentes no direito à privacidade começaram precisamente a assegurar esses bens para as mulheres - razão pela qual são tão calorosamente contestados. A parte menos convincente da análise (adotada por Sunstein e Olsen) é a acusação de que a justificação de privacidade no caso de Roe e sua prole reforça a velha ideologia da privacidade de entidade concernente à família, repousando em uma concepção de uma sacrossanta esfera privada identificada com o casamento e o lar. Com efeito, essa é uma estranha interpretação da decisão do caso Roe, uma decisão que garantiu às mulheres como indivíduos, não como esposas, o direito a uma decisão privada quanto ao aborto, assegurando a privacidade da comunicação da mulher com seu médico, não com seu esposo, com respeito a uma atividade que não tem lugar no recinto do lar, mas em hospitais e clínicas! Além disso, de maneira consistente, a Corte derrubou disposições de legislação estadual no sentido de haver notificação ao marido, contestando assim o modelo patriarcal de família juntamente com estereótipos de gênero. Apoia meu ponto de vista a forte argumentação contra as normas de notificação ao marido feita pela maioria dos magistrados na decisão de 1992 sobre o direito ao aborto, no processo Planned Parenthood vs. Casey, que menciona casos de violência familiar, incluindo espancamento e violação das esposas por seus maridos [Planned Parenthood vs. Casey, 112 S. Ct. 2827-32 (1992)]. A decisão observa o papel desempenhado pelo segredo em evitar a exposição pública das famílias envolvidas em atos de abuso e rejeita explicitamente o velho entendimento de common law sobre o papel da mulher na família, assim como a opinião de que a privacidade de entidade se sobrepõe à privacidade individual na unidade conjugal.

Na verdade, como foi descrito por muitos, o que vim chamando de "privacidade de entidade" teve efeitos negativos sobre as mulheres. O velho enfoque da common law sobre a privacidade em termos de entidade protege a privacidade da unidade familiar. Continuamos a ser oneradas pela ideologia que justificou essa concepção de privacidade associando interdependência e necessidade de proteção a falta de autonomia e carência de direitos. É também incontestável que mobilizar o termo "privado" para designar instituições e esferas da vida (seja a fábrica ou a família) como fora dos limites dos princípios de justiça é algo indefensável. Essa ideologia desempenhou certamente um papel em evitar a democratização da família e em manter questões importantes fora da esfera pública.

Mas é tolice interpretar os direitos à privacidade pessoal protegidos pela decisão no caso Roe como em continuidade aos velhos pressupostos da privacidade de entidade da common-law.17 17 . Ver Cohen (1992, p. 48-65), para uma análise mais detalhada dessas questões, assim como dos problemas que as decisões sobre o financiamento do aborto colocam para a análise da privacidade. A garantia de direitos de privacidade às mulheres como indivíduos (casadas ou não), no tocante às decisões reprodutivas e às relações íntimas, explodiu a ideologia da privacidade da família - que fora utilizada para justificar normas rígidas de gênero e relações de poder patriarcais, baseadas na denegação do pleno estatuto legal de pessoa às mulheres. Com efeito, ganhando direitos individualizados de privacidade, as mulheres podem finalmente aceder à condição do pleno estatuto legal de pessoa e começar a demandar proteção e autonomia, ambos direitos e benefícios legais, tanto nas como para as relações íntimas. Podem também demandar a ação do Estado na forma de proteção a seus direitos como pessoas no interior da família, mantendo simultaneamente o controle sobre as decisões íntimas permitido pelos direitos de privacidade individual.

Indo um passo adiante, pode-se afirmar que ambos os tipos de direito à privacidade envolvem proteções importantes. Embora a "privacidade de entidade" tenha protegido a família patriarcal e todas as suas práticas conflitivas contra as exigências de justiça, não é necessário que seja assim. A concepção ideológica da família "normal" (patriarcal) foi sempre pressuposta pela privacidade de entidade, mas uma coisa não está necessariamente vinculada à outra. Outras formas de família e outras relações íntimas poderiam beneficiar-se da privacidade de entidade - isto é, da proteção contra a regulação e intervenção indevidas do Estado. Uma vez que se reconheça que "a família" não é uma associação natural, mas uma associação civil convencional, que o que se considera família varia através das culturas e do tempo, que o direito tem um papel importante na constituição das famílias, pode-se perguntar o que vale a pena ser preservado sobre a natureza da relação protegida, se é que algo merece sê-lo.

Em outras palavras, uma vez abandonadas as velhas maneiras de construir associações íntimas e sua relação com o poder estatal e com o direito, podemos ainda tratar da questão relativa a se e como traçar uma fronteira no interior do terreno do social. Se reinterpretarmos a privacidade de entidade como a privacidade de relações íntimas, a resposta será evidente. Em suma, quero invocar a noção de privacidade de relações [relational privacy] para abranger o que era compreendido pela privacidade de entidade, mas sem a sua bagagem patriarcal. Como tal, a privacidade de relações protege a interação comunicativa intensamente pessoal entre íntimos com relação ao controle ou intervenção injustificada por parte do Estado ou de terceiros, mas com uma ressalva fundamental: que as exigências de justiça não sejam violadas no interior da relação.

As relações íntimas caracterizam-se por uma espécie de comunicação interpessoal particularmente vulnerável e frágil que entraria em colapso ou seria seriamente distorcida se fossem aplicados a elas os princípios de publicidade (livre acesso, inclusão, disponibilidade de informação). Em outras palavras, a informação, o acesso e a comunicação interna - cruciais para a confiança especial envolvida em relações íntimas - precisam ficar sob o controle dos próprios associados íntimos. Intimidade requer privacidade - uma fronteira especial em relação ao exterior, protetora dos vínculos especiais internos. Isso é o que asseguram os direitos de privacidade associativa ou de relação [relational or associational privacy].18 18 . Ver Karst (1980, p. 624). Dessa forma, mesmo que admitamos todas as críticas sobre as versões ideológicas da dicotomia publico/privado, ainda precisamos dos conceitos de privacidade e de direitos de privacidade.

Todavia, qualquer tipo de associação íntima pode envolver poder e exploração. Os indivíduos precisam de proteção no interior da [relação de intimidade] e não apenas para a intimidade. Assim, enquanto a privacidade "de entidade" deve servir como escudo protetor para as frágeis relações comunicativas que constituem a intimidade, os direitos à privacidade individual devem servir como proteção para a integridade pessoal e corporal dos membros da "família", no caso dessas relações virem a sofrer distorções ou se romperem.

A esse respeito, parece que as críticas comunitaristas da "nova privacidade" estão mais próximas da verdade quando afirmam que Roe abandonou a concepção tradicional da privacidade familiar. Mas é a isso precisamente que elas se opõem. Voltemo-nos para a sua análise.

O "desenvolvimento pernicioso da doutrina da privacidade"

Duas influentes críticas comunitaristas ao direito à privacidade, tal como aplicado à esfera da intimidade, são propiciadas por Michael Sandel e Mary Ann Glendon.19 19 . Sandel (1989a, p. 521-538). Ver também Sandel (1989b, p. 597-615) e Sandel (1984, p. 81-96). Ver Glendon (1987; 1991). Ambos argumentam contra os novos desenvolvimentos da doutrina da privacidade nessa esfera, porque tais desenvolvimentos supostamente se apoiam em uma alegação não convincente de neutralidade com relação à questão do valor da vida fetal, bem como porque privilegiam valores individualísticos sobre valores comunitários. Com esses fundamentos, ambos rejeitam a decisão essencial do caso Roe vs. Wade. Por limitações de espaço, tratarei aqui apenas da segunda consideração.20 20 . Para uma discussão sobre sua primeira objeção, ver Cohen (1992, p. 69-92).

Sandel e Glendon, ambos, observam com desalento o desenvolvimento da doutrina da privacidade, passando de uma preocupação "tradicional" em manter fora da visão do público certos fatos pessoais, íntimos - ou uma privacidade informacional - para um direito contemporâneo a engajar-se em certas condutas sem restrições governamentais, em nome da escolha individual.21 21 . Sandel, (1989a, p. 324); Glendon (1987, p. 36-37). Mas, para ambos os autores, a mudança importante não é a aplicação da noção de privacidade à "esfera de intimidade", mas antes o deslocamento, no interior dessa esfera, da privacidade informacional para a autonomia decisória, e das justificações substantivas que apelam a valores comunitários e reverenciadas tradições ou práticas, para justificações individualistas.

Por estarem, como tantos comunitaristas, enamorados da "família" e dos "valores familiares", Sandel e Glendon não objetam ao raciocínio envolvido no caso Griswold vs. Connecticut, no qual a Corte pela primeira vez reconheceu explicitamente um direito constitucional à privacidade e considerou que ele se aplicava ao direito ao uso de contraceptivos por casais casados.22 22 . Griswold vs. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965). Naturalmente, críticos sérios da doutrina da privacidade objetaram muito fortemente o "direito à privacidade" manifesto em Griswold. Sua posição é a de que tal direito não existe, visto que um direito à privacidade não aparece em lugar algum do texto constitucional. Com base nisso, Griswold é tão passível de nulidade [ flawed] como Roe. Ver Bork (1990, p. 112, 115-116) e Ely (1973). Pois ambos concordam que a Corte justificou o direito à privacidade, proclamado no caso Griswold, em bases antes teleológicas do que voluntaristas: o direito à privacidade foi defendido não com o objetivo de deixar as pessoas conduzirem suas vidas sexuais segundo sua escolha, mas antes com o objetivo de afirmar e proteger a instituição social do casamento, e as boas coisas nela realizadas (intimidade, convivência harmônica, lealdade recíproca e associação sagrada). Em suma, Griswold afirmava uma prática social e uma tradição valorizadas pela comunidade (Sandel, 1989a, p. 527).23 23 . Segundo Glendon (1987, p. 36), o direito protegido na decisão do caso Griswold poderia assim ser interpretado como uma espécie de direito da família. Como tal, a privacidade protege uma entidade - a família como unidade - contra a intrusão, e parece situar-se em continuidade com o conceito tradicional da common law de privacidade da família ou de "entidade" (no sentido discutido por Fineman, "Intimacy outside of the natural family").

A mudança, no interior da esfera íntima, para os argumentos voluntaristas e individualistas, iniciou-se, segundo Glendon e Sandel, com o caso Eisenstadt vs. Baird (1972), que envolveu uma lei que restringia a distribuição de contraceptivos a pessoas solteiras.24 24 . Citado em Glendon (1987, p. 36) e em Sandel (1989a, p. 527). Neste caso, a Corte anulou a lei por meio da inovação explícita que "redefiniu os portadores dos direitos de privacidade, de pessoas enquanto participantes na instituição social do casamento para pessoas como indivíduos, independentemente de seus papéis ou seus vínculos" (Sandel, 1989a, p. 527). Além disso, a privacidade não foi mais concebida como liberdade em relação à vigilância ou à revelação de coisas íntimas, mas antes como proteção à liberdade de engajar-se em certas atividades sem estar submetido a restrição governamental. Sandel cita a agora famosa sentença em Eisenstadt como prova dessas "odiosas" inovações: "Se o direito à privacidade significa alguma coisa, significa o direito de um indivíduo, casado ou solteiro, de estar livre da intrusão governamental injustificada em assuntos que afetam tão fundamentalmente uma pessoa, como a decisão de conceber ou dar à luz um filho" (Eisenstadt vs. Baird, 405 U.S. 453 (1972) apud Sandel, 1989a, p. 528).

Como se sabe, um ano depois esse raciocínio foi aplicado no caso Roe, no qual o direito de privacidade foi estendido de modo a "abarcar a decisão de uma mulher sobre levar ou não à conclusão a sua gravidez". Ademais, a linguagem da autonomia de decisão foi tornada explícita no parecer da maioria no caso Carey vs. Population Services International, de 1977, em que o juiz Brennan argumentou que a proteção constitucional à autonomia individual em matéria de procriação não era dependente do elemento do caso Griswold que proibia a restrição ao uso de contraceptivos porque esta levaria a polícia aos aposentos conjugais. Antes, o juiz Brennan sustentou que os direitos à autonomia dos indivíduos estavam realmente no âmago daquilo que Griswold protegia.25 25 . Carey vs. Population Services International, 431 U.S. 678 (1977) apud Gunther (1988, p. 515-516). Na verdade, Brennan sustentou que o ensinamento envolvido em Griswold, Eisenstadt e Roe é o de que a Constituição protege da intrusão injustificada do Estado as decisões individuais em matéria de procriação. Decisões posteriores sustentando o direito ao aborto também usaram a linguagem da autonomia decisional para descrever o interesse de privacidade envolvido. E, em seu importante parecer discordante no caso Bowers vs. Hardwick, o juiz Blackmun resumiu o que estava em jogo nas decisões anteriores da Corte sobre privacidade:

Protegemos esses direitos não porque contribuem (...) para o bem-estar geral, mas porque constituem uma parte muito central da vida de um indivíduo. "O conceito de privacidade corporifica 'o fato moral de que uma pessoa pertence a si própria e não a outros, nem à sociedade como um todo'". (...) Protegemos a decisão de ter ou não um filho porque a paternidade altera muito significativamente a autodefinição do indivíduo.26 26 . Bowers vs. Hardwick, 478 U.S. 186 (1986). Este caso envolveu uma contestação da constitucionalidade de uma lei da Georgia que criminalizava a sodomia consensual. A decisão da Corte, tomada por maioria, rejeitou a alegação de que o direito à privacidade pessoal se aplicava à atividade homossexual, mas o Juiz Blackmun apresentou um vigoroso parecer dissentindo dessa decisão.

Desse modo, a Corte interpretou claramente a nova privacidade como assegurando aos indivíduos autonomia de decisão a respeito de certas preocupações intensamente pessoais.

Agora é hora de descobrir exatamente o que é tão objetável nesse desenvolvimento. Aqui, só posso considerar um conjunto de críticas, a saber, a objeção à concepção de pessoa supostamente subjacente à própria ideia de que os direitos à privacidade asseguram autonomia decisória ao indivíduo no que diz respeito às questões pessoais.

Privacidade como autonomia: a individualidade isolada, desenraizada?

O argumento comunitarista contra o princípio do direito individual à privacidade pessoal, que proteja a autonomia de decisão, é o de que tal direito pressupõe um conceito atomístico (Glendon) ou voluntarista (Sandel) de indivíduo e uma antropologia filosófica da pessoa que é tanto incoerente como incompatível com a responsabilidade moral. Ambos, Glendon e Sandel, fazem essa acusação, embora com diferentes graus de sofisticação. Glendon afirma que as decisões da Corte protegendo a autonomia decisória envolvem uma concepção da sociedade como coleção de indivíduos separados, autônomos e autossuficientes (Glendon, 1987, p. 35; Glendon, 1991, p. 47-75). Segundo Glendon, essa "deficiência" da doutrina da privacidade é característica e deploravelmente americana (Glendon, 1991, p. 50-51). Em suma, ela interpreta o direito à privacidade no direito constitucional americano simplesmente como o direito a ser deixado em paz, o qual, por sua vez, pressupõe uma concepção do indivíduo como autárquico, isolado e soberano. O que a desagrada é o atomismo do conceito de indivíduo pressuposto pela nova doutrina da privacidade.

A crítica de Sandel ao princípio da privacidade como autonomia vai ainda mais longe, contestando a concepção voluntarista da ação individual que ele supostamente pressupõe. Sandel invoca seu famoso argumento contra Rawls, afirmando que a concepção liberal de justiça, que privilegia a ideia de direitos iguais sobre as concepções substantivas do bem, baseia-se em um conceito antropológico do indivíduo não apenas isolado, atomístico e autônomo, mas também radicalmente não situado (Sandel, 1982, p. 179-183). O self essencialmente descompromissado é "um sujeito (...) de posse, individuado previamente e dado anteriormente a seus fins" (Sandel, 1982, p. 166). Esse indivíduo assume uma atitude distanciada em relação a todos os possíveis objetivos de vida e escolhe de forma voluntária sua própria concepção do bem como se esta fosse uma entre muitas preferências disponíveis. Em consonância com isso, o indivíduo descompromissado e autônomo é concebido como externo a sua própria identidade. Ele não possui vínculos constitutivos, mas apenas um conjunto de preferências entre as quais pode escolher livremente.

É essa, imagina-se, a concepção de pessoa pressuposta pela nova doutrina da privacidade. Desse modo, o que Sandel abomina é o individualismo da Corte nos casos de privacidade, pois a Corte tende a conceber as relações íntimas como inteiramente produzidas por escolha pessoal, ao invés de constitutivas das pessoas que nelas participam. Em suma, os novos direitos de privacidade solapam tanto a comunidade (a família, no caso) como a identidade concreta porque se baseiam em uma concepção voluntarista e desenraizada do indivíduo, a qual, por sua vez, é subsumida em princípios universalistas abstratos (direitos) que contradizem e mesmo solapam as identidades particulares de indivíduos situados.

Contra essa concepção de indivíduo, Sandel insiste que todos são radicalmente situados - suas identidades, a compreensão que têm de si mesmos, assim como seus valores são formados através de processos comunicativos de socialização mediados pela comunidade. Assim, em termos teóricos, é impossível a concepção liberal do ego como o ser solipsista pré-societário pressuposto pelos novos direitos de privacidade. Ademais, nossa experiência moral desmente o voluntarismo, pois para ter intuições morais necessitamos nos ver como pessoas determinadas situadas nesta família, nesta comunidade, nesta nação ou neste povo, como portadores desta história e desta identidade específica. Não existimos separados de nossos objetivos e vínculos, mas ligados a eles e por eles definidos, e esses objetivos e vínculos procedem de nosso envolvimento em um contexto específico e numa comunidade que é constitutiva de quem somos e para com a qual temos deveres de lealdade. Temos também deveres particulares de responsabilidade para com o povo concreto específico com o qual temos relações especiais. Se admitimos que os sujeitos são socializados através da comunicação, precisamos vê-los como membros de comunidades, compartilhando seus valores e tradições e possuindo identidades e relações concretas. Os indivíduos não criam ex-nihilo o seu vocabulário moral; este é herdado da compreensão tradicional na qual são socializados e que, por sua vez, alimenta sua capacidade de serem agentes morais, bem como sua autocompreensão, proporcionando o conteúdo de suas identidades particulares. Assim, Sandel nos vê como seres particulares e situados, embora capazes de autointerpretação, de refletir sobre nossa história e de revisar em certa medida nossas identidades.

Pois bem, se ele e Glendon estivessem certos sobre a concepção de indivíduo que imputam à nova doutrina da privacidade, eles teriam um argumento forte. Mas eles não têm razão quanto a isso. Não há qualquer conexão óbvia entre a concepção atomística ou voluntarista de indivíduo articulada acima e a noção geral do indivíduo portador de direitos. Nem a nova doutrina da privacidade implica a versão particular de liberalismo visada por essa crítica. Em resumo, não há uma conexão conceitual necessária entre direitos à privacidade que asseguram autonomia decisória pessoal em certos domínios e a versão ideológica do indivíduo que acaba de ser descrita. Se houve essa interpretação no passado, agora é o momento de mudá-la, não de descartar o princípio de direitos individuais à privacidade.27 27 . Este ponto é posto em relevo por Lefort (1986). Lefort mostra que aquilo que parece ser uma separação reforçada ou criada pelos direitos individuais, especialmente pelos direitos de privacidade, é de fato uma modalidade da relação de alguém com os outros, mas uma modalidade que escapa de todos os modelos corporativos do todo social. Como tal, os direitos básicos constroem as condições para a interação e a comunicação (isto é, certas estruturas de reconhecimento mútuo); eles não pressupõem atomismo - um equívoco compartilhado pela compreensão "burguesa" dos direitos e por muitos de seus críticos (ver especialmente p. 257). Lefort fornece desse modo uma solução para o segundo "paradoxo dos direitos de privacidade", mencionado na introdução deste ensaio.

O argumento tanto de Glendon como de Sandel baseia-se em um erro de categoria: conceitos abstratos como o de personalidade legal, direitos individuais fundamentais, privacidade, ou autonomia decisória não são equivalentes a uma descrição ontológica do ego ou a um conceito particular de agente.28 28 . Ver o ensaio de Waldron (1987, p. 166-190), para uma resposta convincente às alegações de que os direitos pessoais implicam uma concepção abstrata ou atomística do indivíduo. O princípio de que os direitos individuais de privacidade protegem a autonomia decisória (escolha) com respeito a certos assuntos pessoais ou íntimos é perfeitamente compatível com o reconhecimento do caráter intersubjetivo dos processos de formação da identidade pessoal e com a consciência das fontes históricas e contextuais de nossos valores. Com efeito, pode-se dizer que a autonomia decisória pressupõe os processos comunicativamente mediados de desenvolvimento moral e ético que tornam possíveis a reflexão e o raciocínio práticos. Nenhuma dessas percepções, entretanto, elimina a necessidade da privacidade como autonomia decisória quando se trata de certas escolhas para o indivíduo socializado, enraizado, interdependente e comunicativo que vê suas necessidades identitárias como constitutivas de seu próprio ser. O indivíduo só pode funcionar como agente moral se a autonomia decisória for respeitada em todas as pessoas, independentemente de sua situação, se a capacidade do indivíduo para a deliberação e interpretação moral, por um lado, e para a autorreflexão ético-existencial e a auto-interpretação (envolvendo a possibilidade de revisão parcial de identidades e concepções do bem com base em novas percepções), por outro, for protegida contra a coerção por parte do Estado ou da maioria da "comunidade". Esses valores podem provir da "comunidade", mas nossa atitude com relação a eles não é por isso predeterminada.

Na verdade, tem havido tentativas muito controvertidas de justificação do complexo de direitos pessoais recentemente assegurados pela nova doutrina da privacidade, que apelam para uma concepção compreensiva do indivíduo autônomo. Não obstante, se poderia aceitar a crítica dos conceitos de autonomia de Kant ou de Mill sem pressupor que os direitos à privacidade têm que requerer esse tipo de justificação ou, no caso, qualquer concepção compreensiva da pessoa ou qualquer visão de mundo moral substantiva abrangente.29 29 . Ver Larmore (1987, p. 40-91) e Larmore (1990, p. 339-360). Em outras palavras, pode-se afirmar que o princípio dos direitos de privacidade se baseia no abandono do "culto da totalidade" pressuposto pelas filosofias gerais do homem. Com efeito, ele se apoia na diferenciação (e a assegura, juntamente com outros conjuntos de direitos) entre nosso status como pessoas de direito e nosso funcionamento como indivíduos únicos concretos envolvidos em relações específicas e comunidades particulares, nas quais podemos estar realmente muito engajados com outros e profundamente envolvidos na busca de ideais substantivos do bem.30 30 . Embora concorde com Larmore neste ponto, não o acompanho na atribuição do rótulo de domínio privado a tudo o que é não-estatal. Para um modelo de sociedade civil que rompe com a dicotomia público/privado como paradigma para a estrutura social, ver Cohen e Arato (1992). Em suma, a crítica de Sandel confunde, equivocadamente, a pessoa de direito com a pessoa natural. Naturalmente, a personalidade legal se liga a indivíduos, mas não pressupõe qualquer concepção particular de indivíduo natural ou da pessoa.

Em resumo, os direitos de privacidade pessoal destinam-se a assegurar domínios de autonomia decisória para todos os indivíduos, não implicando uma concepção atomística ou voluntarista do indivíduo. Eles protegem a autonomia decisória de qualquer um vis-à-vis certos assuntos pessoais cruciais31 31 . Não é necessário dizer que o que é considerado como um assunto pessoal crucial - o que é considerado como uma decisão ética sobre a vida correta ou uma questão moral de justiça - muda ao longo do tempo e pode estar entre os temas de intenso debate e conflito. Este é certamente o caso da questão do aborto. não determinam os tipos de razões que alguém dá para decisões morais ou éticas ou os processos reflexivos que informam a decisão. Assim, quanto à justificação para a escolha reprodutiva, uma mulher pode decidir favoravelmente ou contra o aborto com base nos valores de sua comunidade, em sua visão de mundo religiosa ou em suas discussões com "outros significativos" - sua relação com a tradição, com a comunidade ou com as pessoas que ama não está em questão aqui. Seu direito de decidir não determina o fundamento de sua decisão. Os direitos de privacidade decisória designam o indivíduo como o lócus do processo decisório quando estão envolvidos certos tipos de questões éticas ou existenciais - eles não determinam a quem se precisa justificar as escolhas éticas nem os tipos de razões que se deve oferecer. Como disse Hannah Arendt há um bom tempo, tais direitos atribuem ao indivíduo uma persona legal que serve como um escudo protetor para sua identidade concreta única, seus motivos particulares e suas escolhas pessoais, mas não as prescreve. Antes, proporcionam as condições que lhe possibilitam buscar sua concepção do bem sem interferência injusta do Estado ou de outros.32 32 . Ver Arendt (1951, p. 267-302), para uma excelente discussão sobre o papel protetor da persona legal e do princípio de igualdade a ela associada.

Desse modo, quando a linguagem da autonomia ou da escolha aparece nas decisões das Cortes, não há razão para imputar a estas últimas um ideal voluntarista da pessoa.33 33 . Na verdade, atualmente há pouca concordância sobre como definir um conceito filosófico de autonomia. Para esforços recentes no sentido de desenvolver um conceito de autonomia não-metafísico, intersubjetivo e amigável para as mulheres, ver Nedelsky (1989, p. 7-33); Cooke (1992, p. 269-291); e Baynes (1990). Para uma crítica dessa iniciativa, ver Di Stefano (1990). Atribuir autonomia decisória aos indivíduos a respeito de certas questões não subordina o conceito de direitos de privacidade a uma concepção de indivíduo desenraizado - simplesmente milita contra o paternalismo estatal, seja sob o aspecto de "normas comunitárias" ou de "vontade da maioria".

Privacidade e identidade: o direito à integridade da personalidade

Muito embora esta interpretação do direito à privacidade com respeito à autonomia decisória possa ser defendida contra as críticas acima, ela não é suficiente para dar conta da questão da identidade, levantada pela intervenção comunitarista. Segundo Sandel, em nosso raciocínio moral e legal, precisamos proceder com base no suposto de que estamos lidando com personalidades concretas, não com pessoas abstratas; com indivíduos definidos em e através de seus objetivos, para os quais suas conexões e crenças são constitutivas de seu ser, e cujos objetivos são essenciais para seu bem e indispensáveis para sua identidade. A autorrealização do indivíduo assim compreendido está, de fato, ligada a uma pré-condição social - valores compartilhados e participação em comunidades solidárias nas quais normas e tradições são transmitidas e o mútuo reconhecimento de identidades concretas é assegurado.

Consequentemente, quando Sandel e Glendon falam da concepção da comunidade a respeito do bem e de seu "direito" a institucionalizar seus valores (a autorrealização da comunidade), eles aparentemente mudam de terreno, das questões de autonomia/justiça para a preocupação com a identidade/o bem.34 34 . Desnecessário dizer que a questão do aborto situa-se nesse terreno equívoco. Mas eles estão errados em restringir a questão do bem à integridade dos valores comunitários ou à identidade comum, como se houvesse, nas sociedades pluralistas altamente diferenciadas e nas sociedades civis multiculturais, uma concepção completamente abrangente do bem ou uma única identidade coletiva substantiva sobre a qual todos estivessem de acordo.35 35 . Para uma crítica divertida do que o autor chama de "o fantasma da comunidade", ver Holmes (1989). Esse tipo de realismo filosófico com relação à identidade comum é, no mínimo, enganoso.

Pareceria também que esses teóricos supõem que o bem individual e o bem comum, assim como as identidades individual e grupal, se sobrepõem completamente. Como evidentemente não o fazem, é crucial a necessidade de proteger a integridade daquelas dimensões das identidades individuais e das concepções sobre o bem que são diferentes das interpretações majoritárias da identidade coletiva ou do bem comum em qualquer nível.

Se certas versões da teoria liberal operaram com uma noção controversa de autonomia, os comunitaristas sofrem da dificuldade oposta. Eles não apenas tenderam a abandonar completamente o princípio da autonomia, mas também a suprimir o problema posto pela diferença e potencial conflito entre a identidade individual e a identidade grupal. A identidade de grupo é, naturalmente, parte da identidade dos membros do grupo. Mas, nas sociedades civis modernas, pluralistas e diferenciadas, os indivíduos pertencem a muitos grupos diferentes, exercem uma variedade de papéis sociais, e possuem identificações "comunais" que são operacionalizadas em diferentes níveis da estrutura social. As fontes e admissões dessas identificações na identidade individual são múltiplas e heterogêneas. Na verdade, o fato de estar-se situado no interior de uma pluralidade de comunidades, de necessitar-se exercer diversos papéis muitas vezes conflitantes, deve conduzir ao reconhecimento da centralidade da ação e da escolha individual na conformação da vida.36 36 . Chamar a atenção para o fato de que as identidades individuais se desenvolvem por meio da interação comunicativa e requerem o reconhecimento dos outros para sobreviverem íntegras é algo que não invalida, de modo algum, essa asserção. A dinâmica pessoal de envolvimentos cambiantes entre distintas esferas, papéis e compromissos exigidos pela vida em uma sociedade moderna altamente diferenciada cria a necessidade e a possibilidade de que cada indivíduo desenvolva um forte sentimento de si mesmo, juntamente com a habilidade de formar, afirmar autorreflexivamente e expressar sua identidade singular em uma multiplicidade indeterminada de contextos.

Conquanto as pessoas não inventem as tradições, padrões e normas em que são inicialmente socializadas, na medida em que se tornam individualizadas elas inventam e reinventam a unidade de suas vidas e suas identidades singulares (naturalmente, em processos interativos e comunicativos). Elas também contribuem para reinterpretar e reinventar significados, normas, tradições e narrativas. Sendo tanto constituída como constituidora, a identidade do indivíduo concreto não é apenas um conjunto de preferências entre as quais seja possível escolher como se escolhe uma roupa. Mas também não é simplesmente o produto de valores comunitários, de enraizamento social, de tradições compartilhadas ou de um conjunto de papéis sociais. De fato, todos esses elementos estão abertos a interpretações conflitantes por parte dos indivíduos e subgrupos no interior de uma determinada sociedade. Precisamente porque é tarefa dos indivíduos desenvolver e expressar suas autoconcepções a partir (e no interior) de uma multiplicidade de participações e afiliações, papéis e estruturas, em que estão envolvidos, precisamente porque eles demandam reconhecimento para suas personalidades concretas, sua oportunidade para autodesenvolvimento e autoapresentação experimental requer proteção. Tal proteção propicia ao indivíduo um sentido de controle sobre suas autodefinições, sobre a síntese autocriativa que apenas ele pode conformar a partir de suas várias situações e experiências, em parte através da interação comunicativa com outros.37 37 . Espero que, por causa destas afirmações, eu não venha a ser acusada de realismo e essencialismo vis-à-vis a identidade individual ou de reinscrever uma concepção modernista ingênua do self unitário e do sujeito inteiramente racional. Reconheço as múltiplas e muitas vezes conflitantes fontes de identidade, assim como a frequente contestação sobre os códigos culturais e as práticas sociais envolvidos na formação da identidade. Mas acredito também que a habilidade para desenvolver e manter um sentimento coerente de si é a condição sine qua non de uma individuação bem-sucedida - um frágil processo que precisa de proteção. O sinal de que alguém é relativamente bem-sucedido nesse projeto é sua capacidade de apresentar sua compreensão de si próprio através de narrativas que constroem e reconstroem sua identidade para afirmação e reconhecimento por outros. Minha tese é a de que em sociedades altamente diferenciadas, os novos direitos à privacidade - precisamente por incluírem aspectos tanto informacionais como decisórios - têm um papel importante na proteção das capacidades dos indivíduos para formar, manter e apresentar aos outros uma auto-concepção coerente, autêntica e distinta. Também defendo que restringindo os direitos à privacidade ao direito de ser deixado em paz, supondo que a autonomia decisória tem que acarretar uma relação arbitrária entre o indivíduo e seus objetivos, e sobrecarregando a nova privacidade com uma concepção abstrata do indivíduo que supostamente ignora a individualidade real dos membros de comunidades concretas, os críticos comunitaristas privaram-se de uma importante fonte de proteção à integridade e autenticidade tanto das identidades individuais como das identidades de grupo, as quais podem diferir daquelas que o Estado em qualquer época busca promover.

Em suma, defendo que retomemos a preocupação com as dimensões situadas da identidade e argumentemos que os novos direitos de privacidade protegem tanto a ação como a identidade, tanto a autodeterminação como a autorrealização, tanto a autonomia como a autenticidade, sem prescrever um conceito específico de pessoa em qualquer dos níveis. O que, se não o direito à privacidade pessoal (assegurando ao indivíduo o controle sobre o acesso e a tomada de decisão), protege a diversidade de identidades de indivíduos e grupos vivendo em sociedades civis modernas contra o nivelamento em nome de alguma ideia vaga de comunidade ou da concepção da maioria sobre o que constitui o bem comum? Com efeito, a provisão para a participação igualitária de todo e qualquer grupo nos espaços públicos da sociedade civil e política, de tal modo que nenhuma perspectiva seja excluída, é uma maneira importante de dar poder ao povo (por meio da "voz") para afirmar, proteger e desenvolver mais, em público, suas diferentes identidades individuais e coletivas. Voz e participação em espaços públicos democráticos certamente podem ajudar a proteger a diferença. Não obstante, os direitos à privacidade pessoal individual são indispensáveis. Os direitos à privacidade pessoal protegem as precondições constitutivas mínimas para que se tenha uma identidade própria. Além disso, eles asseguram respeito e proteção para a diferença individual - para as identidades individuais que parecem desviar-se da "norma" adotada pela sociedade como um todo (legalmente) ou pelo subgrupo particular a que o indivíduo pertence.38 38 . Essa está longe de ser uma ideia nova para os liberais. Contudo, meu argumento é o de que tal proteção não necessita exigir concepções atomísticas, voluntaristas ou individualistas-possessivas do ego. Os direitos de privacidade pessoal podem ser separados do paradigma da propriedade, bem como dos pressupostos patriarcais referentes à privacidade de "entidade".

Assim, há mais envolvido aqui do que o direito de ser deixado em paz. O que está em jogo é a proteção de frágeis identidades concretas e processos de autoformação que, na verdade, são constitutivos de quem somos e de quem desejamos ser. Quero argumentar que, quando entendidos adequadamente, os direitos à privacidade garantidores da autonomia decisória em certos assuntos pessoais não apenas a protegem como também o fazem com respeito à chance de cada indivíduo desenvolver, revisar e buscar sua própria concepção do bem e sua identidade. Permitam-me formular o padrão subjacente a esse aspecto da privacidade como o direito de não ter as necessidades constitutivas de sua identidade violadas ou submetidas à interferência do Estado ou de terceiros sem que, para tanto, haja razões de fato inevitáveis. Esse padrão milita contra a imposição a alguém de uma identidade que esse alguém não afirma e adota livremente. Em suma, ele protege o princípio da autenticidade. De fato, mesmo que as necessidades ligadas à identidade pessoal de alguns conflitem com a interpretação da maioria sobre os valores da comunidade, os direitos de privacidade pessoal os protegem - a menos que violem princípios morais universais, e apenas nesse caso. É por isso que os direitos pessoais à privacidade (juntamente com os diretos à comunicação, naturalmente) garantem o direito de ser diferente.

Os direitos pessoais à privacidade não prescrevem como devem ser as identidades; eles antes asseguram a todos os indivíduos as precondições para que desenvolvam identidades íntegras que possam considerar como suas. Por um lado, garantindo a todos igualmente personalidade jurídica e autonomia decisória, os direitos à privacidade protegem a demanda de cada indivíduo concreto, não importa quão diferente ou esquisito, a ser tratado como igual pelos membros da comunidade. Por outro lado, os direitos à privacidade blindam as dimensões pessoais da vida do indivíduo contra escrutínio ou interferência indevidos. Como tais, eles protegem os processos de autodesenvolvimento e autorrealização envolvidos na formação da identidade. O princípio que articula essa ideia na doutrina americana da privacidade é o princípio da integridade da personalidade (inviolate personality).39 39 . Para a clássica afirmação desse princípio como o cerne do que os direitos à privacidade deveriam proteger, ver Warren e Brandeis (1890), reimpresso no volume organizado por Shoeman (1984, p. 85). A maior parte dos comentadores concentrou-se apenas no famoso "direito de ser deixado em paz", também articulado por Brandeis e Warren nesse artigo. Mas isso levou a uma interpretação unilateral de nossa doutrina da privacidade atual, como fica evidente na abordagem de Glendon.

Naturalmente, ainda está por ser respondida a questão crucial a propósito de quais temas deveriam ser cobertos pelos direitos à privacidade. Neste caso, não podemos evitar a questão de onde traçar a linha divisória entre o público e o privado. Como vimos, as feministas têm criticado os modos tradicionais de estabelecer essa fronteira. Nosso sucesso em trazer aos olhos do público e ao debate uma ampla gama de temas anteriormente excluídos, como o próprio tema do aborto, deve certamente ser visto como uma democratização do espaço público. Com efeito, a concepção discursiva do espaço público abraçada pelas feministas democratas pressupõe que a agenda é aberta, e que não há como predefinir a natureza das questões que podem ser publicamente discutidas como sendo, em essência, públicas ou privadas. É no interior de um discurso público generalizado que se produz em última instância a determinação do que deve ou não deve ficar sob a capa protetora dos direitos de privacidade. Além disso, a linha fronteiriça está permanentemente aberta a contestação e, naturalmente, ela muda ao longo do tempo. Não obstante, a linha divisória precisa ser traçada em algum lugar. Como afirmei alhures, conquanto os processos de formação da vontade discursiva decidam a linha de separação entre o privado e o público, eles não podem abolir inteiramente o privado (Cohen, 1990). Na época, eu estava preocupada em enunciar os pressupostos de um modelo normativamente defensável de espaço público discursivo. Agora, estou preocupada com uma concepção normativa de privacidade. Permitam-me tratar diretamente disso e voltar depois, na próxima seção deste ensaio, para a questão do que deve ficar sob o escudo protetor dos direitos à privacidade.

Quero aqui indicar o que significa usufruir de um direito à privacidade que garante autonomia decisória com respeito a certos assuntos pessoais, antes de identificar esses assuntos. Em resumo, isso significa que não se pode ser obrigado a revelar os motivos pessoais para essas escolhas éticas ou a aceitar, como próprias, as razões ou julgamentos do grupo. Nesse domínio, nem a fonte nem o conteúdo particular dos motivos do indivíduo para a ação podem ser regulados pelo Estado. Em outras palavras, o direito à privacidade pessoal envolve precisamente a liberação da obrigação de justificar as próprias ações em um processo discursivo, a liberação da necessidade de ter que oferecer razões que todos conjuntamente poderiam aceitar como suas. Para dizê-lo de outra forma, a privacidade como autonomia decisória libera o indivíduo da pressão para adotar, como suas próprias, as razões que "todo mundo" aceita. Esse telos na direção do consenso vigora para o discurso moral em termos estritos e pode constituir um ideal para decisões políticas apoiadas por sanções estatais, mas não é requerido para decisões existenciais ou éticas cobertas pelos direitos à privacidade pessoal. Em outras palavras, o direito à privacidade habilita alguém a escolher com quem procurar justificar suas decisões éticas, com quem repensar comunicativamente as concepções sobre o bem e, naturalmente, a optar por não discutir certos assuntos com ninguém mais. Pois, com respeito a decisões pessoais escudadas pela capa protetora da privacidade decisória e informacional, não importa se as razões decisivas para mim poderiam também ser aceitas por alguém mais.40 40 . Devo esta formulação ao artigo de Klaus Guenter, "Communicative and negative liberty", apresentado na conferência sobre o livro, então no prelo, de Habermas, Faktizität und Geltung, conferência que teve lugar na Cardozo Law School, no outono de 1992, em Nova York. Assim, com relação à decisão sobre o aborto, isto significa que se o meu direito a um aborto seguro no início de uma gestação estiver coberto por um direito geral à privacidade, então as razões para minha decisão permanecem minhas, e não tenho que submetê-las à aprovação de conselhos médicos, de juízes ou de qualquer outra autoridade externa. O Estado não pode exigir que eu revele minhas razões para agir em um domínio no qual tenho o direito de agir por minhas próprias razões. Assim, a autonomia decisória do sujeito de direito no domínio protegido pelos direitos à privacidade pessoal envolve também privacidade informacional. Isso significa que se tem a liberdade de retirar do escrutínio e controle públicos certas preocupações, motivos e aspectos pessoais.41 41 . Contudo, seria falso interpretar isto como implicando que as interpretações sobre as necessidades do indivíduo estão fixadas e dadas de antemão, ou que ele se afasta de maneira solecista de toda e qualquer comunidade dialógica quando toma decisões pessoais. Meu argumento é o de que cabe só a ele escolher com quem, quando e o que discutir no tocante a assuntos pessoais. Embora suas próprias razões possam ser esclarecidas ou alteradas em tal discussão, o que importa não é que ele conteste as razões da comunidade abrangente, mas que chegue a razões pessoais aceitáveis para si próprio e seus projetos, que auspiciosamente podem ser reconhecidas como apropriadas para ele, por outros particularmente significativos. Pois, naturalmente, ninguém pode permanecer isolado ou afirmar uma identidade por si mesmo.

Desse modo, como observou Glendon, os direitos à privacidade efetivamente delimitam uma esfera protegida envolvendo o indivíduo, constituindo um escudo invisível em torno da pessoa (Glendon, 1991, p. 40, 52). Mas não se trata de uma esfera institucional: os indivíduos mantêm consigo o seu escudo protetor, sua persona legal, onde quer que estejam - na interação ou fora dela. Não estão, portanto, sobrecarregados por uma concepção associativa da individualidade, como Glendon parece acreditar. Ao contrário, os direitos à privacidade que servem como escudo à personalidade protegem a integridade e inviolabilidade de indivíduos em interação socializados.

É atualmente um lugar-comum que, apesar de as práticas e rituais de privacidade variarem entre as culturas, todas as sociedades reconhecem de algum modo a importância normativa da privacidade.42 42 . Ver Moore (1984) e Murphy (1984). Cada sociedade estabelece aquilo que Robert Post chamou recentemente de "normas de civilidade", as quais salvaguardam o respeito à privacidade pessoal e que, em certo sentido, são constitutivas tanto do indivíduo como da comunidade (Post, 1989, p. 963). Ecoando Erving Goffman, Post afirma que a integridade da personalidade individual depende em parte da observância de normas sociais de deferência e de conduta que vinculam mutuamente os envolvidos na interação. Seguindo essas "normas de civilidade", os indivíduos estabelecem e afirmam aspectos rituais e sagrados de sua própria identidade e da identidade do outro, confirmando simultaneamente a ordem social (Goffman, 1967). A violação dessas normas indica uma falta de reconhecimento da dignidade pessoal e pode causar dano à pessoa ao desacreditar sua identidade e injuriar sua personalidade, invalidando com isso sua percepção de si própria. Assim, o reconhecimento recíproco da privacidade é a condição de possibilidade de uma interação social bem-sucedida baseada no mútuo reconhecimento da integridade dos participantes.

Com efeito, a natureza normativa da privacidade encontra-se precisamente na proteção do que Goffman denominou como "os territórios de si" - domínio preservado em relação ao qual o indivíduo pode reivindicar "o direito de possuir, controlar, usar, dispor de" (Goffman, 1971, p. 28).43 43 . De modo similar, Georg Simmel fala do "sentimento [...] de que uma esfera ideal situa-se em torno de cada ser humano [...que] não pode ser penetrada, a não ser destruindo com isso o valor da personalidade do indivíduo" ( apud Wolff, 1950, p. 321). Definidos por fatores normativos e sociais, esses territórios são um veículo para o intercâmbio de significados: servem como uma espécie de linguagem por meio da qual as pessoas se comunicam entre si (Goffman, 1971, p. 29-41). Mas são também centrais para o sentimento subjetivo que o indivíduo possui em relação a sua identidade pessoal. O que importa não é se uma proteção é exclusiva ou compartilhada, ou mesmo inteiramente abandonada,

mas antes o papel permitido ao indivíduo na determinação do que ocorre com sua demanda. Uma decisão aparentemente autodeterminada, ativa, sobre como seu domínio pessoal reservado será usado permite que forneça as bases de um idioma ritual. Assim, na questão da vontade e da autodeterminação, gira toda a possibilidade de usar os territórios de si duplamente, evitando as aproximações físicas como meio de manter o respeito e envolvendo-se neles como um meio de estabelecer consideração. (...) Não é de admirar que o sentimento de autodeterminação seja crucial para a percepção do que significa, para alguém, ser uma pessoa no sentido pleno da palavra. (Wolff, 1950, p. 60)

Nessa concepção normativa de privacidade, o que é crucial e empoderador é claramente o sentimento de controle sobre as necessidades da própria identidade, sobre o acesso a si próprio, sobre quais aspectos de si serão apresentados em que momento e a quem, juntamente com a capacidade de exigir ou renunciar às demandas por acesso. Com efeito, ela é a condição sine qua non para que alguém se entenda como uma pessoa independente - um indivíduo que merece respeito e capaz de estabelecer consideração. Em nossa sociedade, a nova doutrina da privacidade assegura, assim, mais do que um princípio abstrato de respeito pelas pessoas como agentes de suas escolhas, mais do que sigilo e solidão: conferindo autonomia decisória sobre certas questões pessoais, os direitos de privacidade asseguram ao indivíduo o reconhecimento legal de sua "competência ética" com respeito a suas autodefinições e suas decisões sobre que aspectos de si próprio trazer à baila, em que momentos e com quem. Assim, os direitos à privacidade protegem e mesmo ajudam a constituir a estrutura do reconhecimento mútuo e do ritual social por meio dos quais é reconhecida a identidade de alguém e assegurada sua individualidade.

A privacidade é parte essencial da prática social complexa por meio da qual o grupo social reconhece o indivíduo e lhe comunica - que sua existência lhe é própria (...) esta é uma precondição da identidade pessoal (...) e esta, por sua vez, pressupõe que ele acredite que a realidade concreta que ele é (...) pertence a ele num sentido moral.44 44 . Ver Reiman (1984, p. 310), para uma discussão da coerência normativa do conceito de privacidade e de um direito de privacidade que rejeita o modelo individualista-possessivo do ego e contesta as interpretações objetivistas.

A linguagem da posse não nos deve iludir neste caso - o que se quer dizer é que, em virtude da privacidade, é-se capaz de manter um sentimento de individualidade [selfhood], de poder de ação [agency] e de identidade pessoal, não de que estes sejam uma forma de propriedade alienável. Enquanto um direito à privacidade que protege a personalidade em sua integralidade é, desse modo, universalista pelo fato de estabelecer cada indivíduo como uma pessoa de direito merecedora de igual consideração e respeito, o que ele protege é nossa singularidade - nossas concretas e frágeis identidades. O direito à inviolabilidade da personalidade, conferido pelos direitos à privacidade, articula fronteiras pessoais intersubjetivamente reconhecidas que são uma condição sine qua non para o estabelecimento e manutenção de identidades autênticas.45 45 . Para uma discussão esclarecedora sobre a importância desta dimensão dos direitos para a manutenção de um sentimento íntegro do ego e do respeito próprio dos afro-americanos em particular, ver Williams (1991). Contra a crítica aos direitos que está na moda em certos círculos, Williams argumenta que os direitos ajudam a estabelecer limites que eliminam o caráter excessivamente personalizado e desdenhoso das relações entre grupos dominantes (brancos) e subordinados (negros). Desse modo, os direitos à privacidade pessoal servem para impedir que uns ajam em relação a outros de forma a afetar a presumida transparência e completa disponibilidade de seus corpos e identidades. "Mas onde a experiência de alguém está enraizada não apenas num sentimento de ilegitimidade, mas em estar sendo ilegitimado (...) então faz sentido a adesão dos negros a um esquema de direitos tanto positivos como negativos - para o ego, para a inviolabilidade de suas fronteiras pessoais" (p. 154). Ele também protege a infraestrutura comunicativa (as normas e rituais de civilidade) crucial para o sucesso da interação social.

A privacidade redescrita: reintroduzindo o corpo

Voltemos ao problema dos "assuntos pessoais" a serem abrangidos pela nova privacidade. Neste ponto, posso apenas oferecer minha própria intervenção no que vejo como um debate altamente politizado sobre esse tema. Pois, naturalmente, como indicado acima, a resposta dependeria em última instância do autoentendimento cultural das sociedades e do resultado das contestações políticas sobre as normas culturais, os códigos e as relações sociais que constituem as práticas, domínios e entendimentos sobre a privacidade a cada momento dado.

Aqui, tratarei brevemente dessa questão extraindo as implicações do significado normativo dos direitos à privacidade, asseguradores da autonomia decisória, para as mulheres no que se refere ao campo da procriação - uma interpretação que não segue o modelo individualista-possessivo ou voluntarista da pessoa, mas antes elabora sobre a noção da individualidade interativa, situada, incorporada. Na verdade, para compreender por que os direitos ao aborto - entre outras questões procriativas - são centrais tanto para as dimensões concretas como para as dimensões abstratas de nossas individualidades, precisamos substituir por algo melhor a concepção individualista-possessiva da relação entre o self e o corpo, concepção que por tanto tempo dominou nosso pensamento.

Como não tenho espaço para desenvolver o argumento na profundidade filosófica necessária, simplesmente resumirei os resultados do trabalho recente sobre esse tópico com a frase: somos todos individualidades corporificadas.46 46 . Há uma florescente literatura sobre o corpo. Ver O'Neill (1985; 1989); Turner (1984); Merleau-Ponty (1962); Thomas (1992); Eisenstein (1988); Lacquer (1990); Scarry (1985). Não é uma casualidade que tenhamos corpos, assim como não podemos escolher levá-los conosco por onde formos como o fazemos com nossas bolsas; nós somos nossos corpos. Com isso, quero dizer que nossos corpos, nossa interpretação simbólica de nossos corpos e nosso sentimento de controle sobre nossos corpos são centrais para nosso mais básico sentido de individualidade, para nossa identidade e nossa dignidade pessoal. Meu corpo não é extrínseco a quem eu sou. Isso, naturalmente, não é um simples fato físico, pois podemos perder algumas partes do corpo sem perder nossa identidade, e o significado simbólico que damos a nossos corpos é comunicativamente mediado, variando de acordo com as culturas e ao longo do tempo. Não obstante, nossas individualidades, nossas identidades, estão intrinsecamente implicadas em nossos corpos e no que fazemos deles - pois nossos corpos são o nosso modo de ser no mundo.

Goffman vê o corpo como um dos territórios centrais de si. Diz que um sentimento de controle sobre o próprio corpo é crucial para manter uma percepção íntegra de si e para a capacidade de interagir com outros (Goffman, 1971, p. 38).47 47 . Ver também Reiman (1984, p. 310-314). A autoconfiança se afirma no sentimento de que se pode dispor livremente do próprio corpo; de que se pode coordenar harmoniosamente suas funções e regular o acesso a ele.48 48 . Goffman foi dos primeiros a estudar o impacto destrutivo sobre o sentimento de si experimentado pelos indivíduos nas instituições totalitárias, submetidos à perda total da privacidade e da integridade corporal. Mais recentemente, Elaine Scarry focalizou o impacto destrutivo sobre o "eu" que se dá quando a integridade corporal é propositalmente atacada como na experiência da tortura (Scarry, 1985, p. 49). Apoiando-se nessa análise, Axel Honneth analisou o sentimento de humilhação, a perda do sentimento de si e de uma percepção coerente da realidade que ocorre quando a integridade corporal de alguém não é reconhecida por outros. Ver Honneth (1992). Sem o reconhecimento pelos outros do controle autônomo de alguém sobre o próprio corpo, sobre sua integridade corporal, sem pelo menos esse reconhecimento mais básico da dignidade de alguém, a autoimagem do indivíduo fica mutilada (perda da autoconfiança), o mesmo ocorrendo com a segurança que lhe é necessária para interagir adequadamente com os outros e expressar suas próprias necessidades e sentimentos. Assim, a divisa "nossos corpos, nós mesmas"49 49 . N.E.: No Brasil, essa expressão foi traduzida mais frequentemente, nos movimentos pelo direito ao aborto, como "nossos corpos nos pertencem". , empregada pelas mulheres para defender seu direito ao aborto, soa bastante verdadeira - pois o que está em jogo na controvérsia sobre o aborto é precisamente a individualidade e a identidade da mulher. É por isso que o interesse pela liberdade neste caso é reputado como tão pessoal, tão íntimo, tão fundamental e, assim, merecedor de proteção.

Nesta altura, está ou deveria estar óbvio que forçar uma mulher a suportar uma gravidez indesejada é impor-lhe uma identidade - a identidade de mulher grávida e de mãe. E sua integridade corporal, em sentido físico e emocional, está claramente em risco nas leis que criminalizam o aborto. E também a inviolabilidade de sua personalidade. De fato, estas estão intimamente inter-relacionadas. Isso não é assim porque a mulher seja idêntica a seu útero ou porque o possui, ou porque seja ou possua seu feto, mas porque a experiência da gravidez constitui uma mudança fundamental em sua personificação, nos planos físico, emocional e simbólico e, portanto, em sua identidade e sentimento de individualidade. Uma gravidez indesejada impõe à mulher não somente uma transformação corporal muito significativa, na qual ela teme muito fortemente perder o controle sobre suas funções corporais e seu sentido de individualidade; ela lhe impõe também uma nova e indesejada identidade e uma nova relação íntima50 50 . Ver Karst (1980). que requer pesados investimentos por parte dela, com implicações que vão muito além do desconforto físico ou das simples questões relacionadas ao estilo de vida, que os pensadores contrários à livre escolha acreditam ser, para as mulheres, todo o problema de uma gravidez indesejada.

Afirmar a importância da integridade corporal para a análise da privacidade não é retomar o paradigma da propriedade ou reivindicar um direito absoluto a fazer com o próprio corpo o que se queira.51 51 . Nenhum direito é absoluto nesse sentido. O Estado pode, por exemplo, insistir que as crianças que frequentam as escolas públicas sejam vacinadas contra certas doenças, podendo também adotar medidas para proteger a saúde pública que envolvam a vacinação de adultos. Trato da questão dos limites do direito ao aborto em termos de estágios da gravidez em Cohen (1992, p. 87-92). É antes afirmar que a integridade corporal é central para a identidade do indivíduo e deve ser protegida como fundamental pelos direitos à privacidade, só podendo ser desconsiderada se um interesse estatal realmente de força maior, inescapável, estiver em risco. Nesse aspecto, concordo com o argumento de Kendall Thomas de que a ênfase da análise da privacidade sobre a proteção de lugares, associações íntimas e escolha autônoma é insuficiente, pois deixa de reconhecer "que a 'privacidade' é sempre mediada pelo corpo" (Thomas, 1992, p. 1.515-1.516). Desse modo, quando reivindicam o "direito de controlar nossos próprios corpos", as mulheres estão reivindicando o direito de definirem-se a si mesmas.52 52 . O dano em negar esse direito às mulheres é o de negar-lhes o sentimento de que seu corpo e sua individualidade são seus, para imaginar e construir. Se a mulher é caracterizada como o receptáculo para o feto, sua sexualidade e sua identidade são reduzidas à função maternal. Não é de admirar que o debate sobre o aborto é em grande medida um debate sobre discursos e sobre como deveria ser enquadrada a questão - com o que está em jogo incluindo a definição da mulher e de seu lugar na sociedade. Ver Luker (1984), para o que constitui hoje uma análise clássica da gênese e das questões envolvidas no debate sobre o aborto nos Estados Unidos. Ver também Rothman (1989). Na minha ótica, este também é um debate sobre quem define a "diferença" da mulher, isto é, sua capacidade de engravidar e criar um filho - a mulher ela mesma, como indivíduo, ou outros.

Contudo, eu diria que a ideia de integridade corporal capta uma dimensão crucial de nossa identidade situada, mas não todas as suas dimensões. Somos também indivíduos situados no sentido posto em relevo pelos comunitaristas: nós desenvolvemos autodefinições com base em recursos culturalmente disponíveis em nosso ambiente vital; nos valemos de nossa localização em um conjunto específico de instituições, relações e contextos; utilizamos (frequentemente de modo criativo) discursos que pré-estruturam em parte aquilo que pode ser dito e pensado; e, em razão de tudo isso, modelamos nossa própria contribuição criativa a nossos processos autoformativos - nossa identidade. Nossa relação com o corpo, nossa corporificação [embodiment], é o substrato crucial de nossa identidade, mas não o seu todo. Uma vez que reconheçamos que a formação da identidade ocorre ao longo de nossas vidas, podemos ver que o significado simbólico que atribuímos a nossos corpos e individualidades têm muitas fontes e pressupostos. O respeito pela integridade corporal do indivíduo, assim como os demais componentes da privacidade, envolve o reconhecimento, no interior da interação, do julgamento do próprio indivíduo na regulação do acesso e informação, e na tomada de decisões que envolvam suas necessidades identitárias fundamentais. Embora a privacidade no sentido de ocultação seja também um componente da integridade corporal, ela não é (de novo) o seu todo. Assim como ocorre com as outras dimensões da privacidade, necessitamos de integridade corporal tanto na interação com outros como fora dela.

Assim, as questões da procriação são fundamentais não somente porque, como disse Ronald Dworkin, as questões "morais" sobre as quais giram as decisões envolvidas são quase religiosas, tocando no valor e dimensão extrema da vida humana. A liberdade reprodutiva é fundamental também porque envolve o cerne da identidade de uma mulher - estão em jogo sua corporificação, seus processos de autoformação, seus projetos de vida e sua compreensão sobre si própria. Todos os indivíduos necessitam de algum sentimento de controle sobre seus corpos, sobre suas autodefinições, sobre a síntese autocriativa que só o indivíduo pode produzir a partir de suas várias localizações, experiências passadas e projetos futuros. A inviolabilidade da personalidade e o sentimento de controle sobre os territórios de si, incluindo o corpo, permanecem indispensáveis a qualquer concepção de liberdade. Na questão do aborto, em particular, e nas questões reprodutivas em geral, estão envolvidas tanto as dimensões abstratas como as dimensões localizadas da personalidade da mulher. A autonomia ética e a integridade dos processos individuais de formação da identidade - para os quais nossos corpos são centrais e, portanto, a integridade corporal - constituem o cerne do que o direito à privacidade pessoal protege ou deveria proteger.

A autonomia decisória da pessoa, sua integridade corporal e a inviolabilidade de sua personalidade - os "territórios de si" - merecem proteção independentemente de onde a pessoa se encontre. A noção de um direito à privacidade geral, fundamental, constitucionalmente assegurado, cobre todos esses aspectos. Assim entendida, a privacidade poderia e deveria substituir a propriedade como o princípio simbólico em torno do qual se articulam os complexos fundamentais de direitos pessoais civis. Considerar o direito ao aborto como um direito à privacidade é reconhecer a "diferença" das mulheres, deixando, simultaneamente, a cada mulher individual a questão de como definir essa diferença.53 53 . Em Cohen (1992, p. 48-65), também desenvolvo o argumento da igualdade para os direitos de aborto, defendendo um uso sintético dos argumentos da análise da proteção igualitária, da análise da privacidade e da integridade corporal. Ao mesmo tempo, o reconhecimento legal da competência ética da mulher com relação à reprodução, à sexualidade e à associação íntima confirma sua igualdade. Enquanto as mulheres como mulheres adquirem "proteção especial" para suas singulares capacidades (direito ao aborto é direito das mulheres), sua "diferença" não é por isso reificada; antes, é simultaneamente reconhecida e deixada nas mãos das próprias mulheres, para que a construam. E eu entendo que, afinal, este é o momento de afirmar o direito de ser "diferente" e igual.

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  • 1
    . Do original "Rethinking privacy: autonomy, identity, and the abortion controversy", publicado na coletânea
    Public and private in thought and practice: perspectives on a grand dichotomy, organizada por Jeff Weintraub e Krishan Kumar (Chicago: The Chicago University Press, 1997). Direitos autorais concedidos por University of Chicago Press. Tradução de André Villalobos. Revisão da tradução por Flávia Biroli.
  • 2
    . Para um esforço anterior nessa mesma linha, do qual me vali extensamente no presente ensaio, ver Cohen, (1992). Quanto à posição teórica mais ampla em que se baseia minha argumentação, ver Cohen e Arato (1992). Agradeço a Martha Fineman, Frank Michelman, Kendall Thomas, e Michel Rosenfeld, por seus úteis comentários a versões anteriores da argumentação aqui desenvolvida, e a Jeff Weintraub, por sua leitura perspicaz e suas valiosas sugestões.
  • 3
    . Para um balanço não-tradicional sobre esses problemas, ver Pateman (1983).
  • 4
    . Para um sumário recente, ver Phillips (1991, p. 92-119).
  • 5
    . Traduzido para o inglês como
    The structural transformation of the public sphere: an inquiry into a category of Bourgeois society. Para alguns trabalhos em teoria democrática que também deram ênfase a essas preocupações, ver os ensaios do volume editado por Calhoun (1992), bem como as obras de Dryzek, (1990), de Fishkin (1991), de Spraegens (1991) e de Phillips (1991).
  • 6
    . Tenho em mente trabalhos recentes como os de Benhabib (1992, capítulos 3, 5 e 6); de Fraser (1992); e Young (1990, especialmente os capítulos 4 e 6).
  • 7
    . Para alguma discussão a respeito, ver Cohen (1993, p. 3-9). Resumidamente, eu diria que falta à maioria dessas análises - incluindo as mencionadas na nota anterior - uma concepção suficientemente
    diferenciada da esfera pública. Desenvolver uma tal concepção, adequada aos problemas e oportunidades das complexas e diferenciadas sociedades modernas, requer um esforço de análise tanto normativa como institucional, que apenas começou.
  • 8
    . Para o conceito de "redescrição", ver Rorty (1989, p. 79-80); devo acrescentar, todavia, que não subscrevo o entendimento de Rorty sobre a dicotomia público/privado.
  • 9
    .
    Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973).
  • 10
    . Há uma versão especificamente feminista desse argumento comunitarista, a saber: que tal mudança de "status" para "contrato"
    aparentemente libera as mulheres para moldar suas próprias vidas, mas ao preço de se associarem a um modelo de ego individualista possessivo que nega às mulheres uma realidade que elas conhecem especialmente bem - a centralidade da interdependência, da interconectividade, e das relações de consideração na constituição da personalidade. Para uma útil discussão, ver McClain (1992, p. 119-174).
  • 11
    . Para uma excelente análise teórica e crítica de ambos os tipos de reducionismo, ver Lefort (1986, p. 239-272).
  • 12
    . Para uma discussão sobre a distinção entre a privacidade de "entidade" e a privacidade pessoal, ver Fineman (1992, p. 955).
  • 13
    . As razões são demasiado complexas para que o assunto seja discutido aqui, mas elas têm a ver em parte com o surgimento do intervencionismo do Estado do bem-estar e o correlato rebaixamento da propriedade do
    status de um princípio sagrado para o de um conceito econômico. Ver Cohen, (1992, p. 105-112) e Nedelsky (1988).
  • 14
    . Naturalmente, o controle do acesso a si próprio não é apenas uma questão de privacidade informacional. Envolve também o controle sobre os graus de intimidade que alguém deseja ter com outros. Assim, "ir a público" sobre questões tais como o estupro no casamento pode ser algo construído como um esforço para assegurar autonomia decisória, e integridade corporal, às esposas.
  • 15
    . Embora muitas teóricas feministas tenham invocado os princípios da proteção legal igualitária com vistas a proteger os direitos reprodutivos, inclusive o aborto, a maioria apresentou argumentos que possibilitariam um uso sintético de ambos os conjuntos de princípios: privacidade e igualdade. (Para uma listagem de referências, ver Cohen (1992, p. 49-50). As teóricas que tenho em mente são as que rejeitam completamente a análise da privacidade, tanto em bases normativas como estratégicas, e desejam não complementá-la, mas substituí-la por alguma versão da doutrina da proteção igualitária. Ver, por exemplo, MacKinnon (1987), Olsen (1991, p. 377-382) e Olsen (1989, p. 105); e (com referência especialmente a pornografia, aborto e "barriga de aluguel") Sunstein (1992, p. 1).
  • 16
    . Ver Pateman (1988, p. 154-188).
  • 17
    . Ver Cohen (1992, p. 48-65), para uma análise mais detalhada dessas questões, assim como dos problemas que as decisões sobre o financiamento do aborto colocam para a análise da privacidade.
  • 18
    . Ver Karst (1980, p. 624).
  • 19
    . Sandel (1989a, p. 521-538). Ver também Sandel (1989b, p. 597-615) e Sandel (1984, p. 81-96). Ver Glendon (1987; 1991).
  • 20
    . Para uma discussão sobre sua primeira objeção, ver Cohen (1992, p. 69-92).
  • 21
    . Sandel, (1989a, p. 324); Glendon (1987, p. 36-37).
  • 22
    .
    Griswold vs. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965). Naturalmente, críticos sérios da doutrina da privacidade objetaram muito fortemente o "direito à privacidade" manifesto em
    Griswold. Sua posição é a de que tal direito não existe, visto que um direito à privacidade não aparece em lugar algum do texto constitucional. Com base nisso,
    Griswold é tão passível de nulidade [
    flawed] como
    Roe. Ver Bork (1990, p. 112, 115-116) e Ely (1973).
  • 23
    . Segundo Glendon (1987, p. 36), o direito protegido na decisão do caso
    Griswold poderia assim ser interpretado como uma espécie de direito da família. Como tal, a privacidade protege uma entidade - a família como unidade - contra a intrusão, e parece situar-se em continuidade com o conceito tradicional da
    common law de privacidade da família ou de "entidade" (no sentido discutido por Fineman, "Intimacy outside of the natural family").
  • 24
    . Citado em Glendon (1987, p. 36) e em Sandel (1989a, p. 527).
  • 25
    .
    Carey vs. Population Services International, 431 U.S. 678 (1977)
    apud Gunther (1988, p. 515-516).
  • 26
    .
    Bowers vs. Hardwick, 478 U.S. 186 (1986). Este caso envolveu uma contestação da constitucionalidade de uma lei da Georgia que criminalizava a sodomia consensual. A decisão da Corte, tomada por maioria, rejeitou a alegação de que o direito à privacidade pessoal se aplicava à atividade homossexual, mas o Juiz Blackmun apresentou um vigoroso parecer dissentindo dessa decisão.
  • 27
    . Este ponto é posto em relevo por Lefort (1986). Lefort mostra que aquilo que parece ser uma separação reforçada ou criada pelos direitos individuais, especialmente pelos direitos de privacidade, é de fato uma modalidade da relação de alguém com os outros, mas uma modalidade que escapa de todos os modelos corporativos do todo social. Como tal, os direitos básicos constroem as condições para a interação e a comunicação (isto é, certas estruturas de reconhecimento mútuo); eles não pressupõem atomismo - um equívoco compartilhado pela compreensão "burguesa" dos direitos e por muitos de seus críticos (ver especialmente p. 257). Lefort fornece desse modo uma solução para o segundo "paradoxo dos direitos de privacidade", mencionado na introdução deste ensaio.
  • 28
    . Ver o ensaio de Waldron (1987, p. 166-190), para uma resposta convincente às alegações de que os direitos pessoais implicam uma concepção abstrata ou atomística do indivíduo.
  • 29
    . Ver Larmore (1987, p. 40-91) e Larmore (1990, p. 339-360).
  • 30
    . Embora concorde com Larmore neste ponto, não o acompanho na atribuição do rótulo de domínio privado a tudo o que é não-estatal. Para um modelo de sociedade civil que rompe com a dicotomia público/privado como paradigma para a estrutura social, ver Cohen e Arato (1992).
  • 31
    . Não é necessário dizer que o que é considerado como um assunto pessoal crucial - o que é considerado como uma decisão ética sobre a vida correta ou uma questão moral de justiça - muda ao longo do tempo e pode estar entre os temas de intenso debate e conflito. Este é certamente o caso da questão do aborto.
  • 32
    . Ver Arendt (1951, p. 267-302), para uma excelente discussão sobre o papel protetor da
    persona legal e do princípio de igualdade a ela associada.
  • 33
    . Na verdade, atualmente há pouca concordância sobre como definir um conceito
    filosófico de autonomia. Para esforços recentes no sentido de desenvolver um conceito de autonomia não-metafísico, intersubjetivo e amigável para as mulheres, ver Nedelsky (1989, p. 7-33); Cooke (1992, p. 269-291); e Baynes (1990). Para uma crítica dessa iniciativa, ver Di Stefano (1990).
  • 34
    . Desnecessário dizer que a questão do aborto situa-se nesse terreno equívoco.
  • 35
    . Para uma crítica divertida do que o autor chama de "o fantasma da comunidade", ver Holmes (1989).
  • 36
    . Chamar a atenção para o fato de que as identidades individuais se desenvolvem por meio da interação comunicativa e requerem o reconhecimento dos outros para sobreviverem íntegras é algo que não invalida, de modo algum, essa asserção.
  • 37
    . Espero que, por causa destas afirmações, eu não venha a ser acusada de realismo e essencialismo vis-à-vis a identidade individual ou de reinscrever uma concepção modernista ingênua do
    self unitário e do sujeito inteiramente racional. Reconheço as múltiplas e muitas vezes conflitantes fontes de identidade, assim como a frequente contestação sobre os códigos culturais e as práticas sociais envolvidos na formação da identidade. Mas acredito também que a habilidade para desenvolver e manter um sentimento coerente de si é a condição
    sine qua non de uma individuação bem-sucedida - um frágil processo que precisa de proteção. O sinal de que alguém é relativamente bem-sucedido nesse projeto é sua capacidade de apresentar sua compreensão de si próprio através de narrativas que constroem e reconstroem sua identidade para afirmação e reconhecimento por outros.
  • 38
    . Essa está longe de ser uma ideia nova para os liberais. Contudo, meu argumento é o de que tal proteção não necessita exigir concepções atomísticas, voluntaristas ou individualistas-possessivas do
    ego. Os direitos de privacidade pessoal podem ser separados do paradigma da propriedade, bem como dos pressupostos patriarcais referentes à privacidade de "entidade".
  • 39
    . Para a clássica afirmação desse princípio como o cerne do que os direitos à privacidade deveriam proteger, ver Warren e Brandeis (1890), reimpresso no volume organizado por Shoeman (1984, p. 85). A maior parte dos comentadores concentrou-se apenas no famoso "direito de ser deixado em paz", também articulado por Brandeis e Warren nesse artigo. Mas isso levou a uma interpretação unilateral de nossa doutrina da privacidade atual, como fica evidente na abordagem de Glendon.
  • 40
    . Devo esta formulação ao artigo de Klaus Guenter, "Communicative and negative liberty", apresentado na conferência sobre o livro, então no prelo, de Habermas,
    Faktizität und Geltung, conferência que teve lugar na Cardozo Law School, no outono de 1992, em Nova York. Assim, com relação à decisão sobre o aborto, isto significa que se o meu direito a um aborto seguro no início de uma gestação estiver coberto por um direito geral à privacidade, então as razões para minha decisão permanecem minhas, e não tenho que submetê-las à aprovação de conselhos médicos, de juízes ou de qualquer outra autoridade externa.
  • 41
    . Contudo, seria falso interpretar isto como implicando que as interpretações sobre as necessidades do indivíduo estão fixadas e dadas de antemão, ou que ele se afasta de maneira solecista de toda e qualquer comunidade dialógica quando toma decisões pessoais. Meu argumento é o de que cabe só a ele escolher com quem, quando e o que discutir no tocante a assuntos pessoais. Embora suas próprias razões possam ser esclarecidas ou alteradas em tal discussão, o que importa não é que ele conteste as razões da comunidade abrangente, mas que chegue a razões pessoais aceitáveis para si próprio e seus projetos, que auspiciosamente podem ser reconhecidas como apropriadas para ele, por outros particularmente significativos. Pois, naturalmente, ninguém pode permanecer isolado ou afirmar uma identidade por si mesmo.
  • 42
    . Ver Moore (1984) e Murphy (1984).
  • 43
    . De modo similar, Georg Simmel fala do "sentimento [...] de que uma esfera ideal situa-se em torno de cada ser humano [...que] não pode ser penetrada, a não ser destruindo com isso o valor da personalidade do indivíduo" (
    apud Wolff, 1950, p. 321).
  • 44
    . Ver Reiman (1984, p. 310), para uma discussão da coerência normativa do conceito de privacidade e de um direito de privacidade que rejeita o modelo individualista-possessivo do ego e contesta as interpretações objetivistas.
  • 45
    . Para uma discussão esclarecedora sobre a importância desta dimensão dos direitos para a manutenção de um sentimento íntegro do ego e do respeito próprio dos afro-americanos em particular, ver Williams (1991). Contra a crítica aos direitos que está na moda em certos círculos, Williams argumenta que os direitos ajudam a estabelecer limites que eliminam o caráter excessivamente personalizado e desdenhoso das relações entre grupos dominantes (brancos) e subordinados (negros). Desse modo, os direitos à privacidade pessoal servem para impedir que uns ajam em relação a outros de forma a afetar a presumida transparência e completa disponibilidade de seus corpos e identidades. "Mas onde a experiência de alguém está enraizada não apenas num sentimento de ilegitimidade, mas em
    estar sendo ilegitimado (...) então faz sentido a adesão dos negros a um esquema de direitos tanto positivos como negativos - para o ego, para a inviolabilidade de suas fronteiras pessoais" (p. 154).
  • 46
    . Há uma florescente literatura sobre o corpo. Ver O'Neill (1985; 1989); Turner (1984); Merleau-Ponty (1962); Thomas (1992); Eisenstein (1988); Lacquer (1990); Scarry (1985).
  • 47
    . Ver também Reiman (1984, p. 310-314).
  • 48
    . Goffman foi dos primeiros a estudar o impacto destrutivo sobre o sentimento de si experimentado pelos indivíduos nas instituições totalitárias, submetidos à perda total da privacidade e da integridade corporal. Mais recentemente, Elaine Scarry focalizou o impacto destrutivo sobre o "eu" que se dá quando a integridade corporal é propositalmente atacada como na experiência da tortura (Scarry, 1985, p. 49). Apoiando-se nessa análise, Axel Honneth analisou o sentimento de humilhação, a perda do sentimento de si e de uma percepção coerente da realidade que ocorre quando a integridade corporal de alguém não é reconhecida por outros. Ver Honneth (1992).
  • 49
    . N.E.: No Brasil, essa expressão foi traduzida mais frequentemente, nos movimentos pelo direito ao aborto, como "nossos corpos nos pertencem".
  • 50
    . Ver Karst (1980).
  • 51
    . Nenhum direito é absoluto nesse sentido. O Estado pode, por exemplo, insistir que as crianças que frequentam as escolas públicas sejam vacinadas contra certas doenças, podendo também adotar medidas para proteger a saúde pública que envolvam a vacinação de adultos. Trato da questão dos limites do direito ao aborto em termos de estágios da gravidez em Cohen (1992, p. 87-92).
  • 52
    . O dano em negar esse direito às mulheres é o de negar-lhes o sentimento de que seu corpo e sua individualidade são
    seus, para imaginar e construir. Se a mulher é caracterizada como o receptáculo para o feto, sua sexualidade e sua identidade são reduzidas à função maternal. Não é de admirar que o debate sobre o aborto é em grande medida um debate sobre discursos e sobre como deveria ser enquadrada a questão - com o que está em jogo incluindo a definição da mulher e de seu lugar na sociedade. Ver Luker (1984), para o que constitui hoje uma análise clássica da gênese e das questões envolvidas no debate sobre o aborto nos Estados Unidos. Ver também Rothman (1989). Na minha ótica, este também é um debate sobre quem define a "diferença" da mulher, isto é, sua capacidade de engravidar e criar um filho - a mulher ela mesma, como indivíduo, ou outros.
  • 53
    . Em Cohen (1992, p. 48-65), também desenvolvo o argumento da igualdade para os direitos de aborto, defendendo um uso sintético dos argumentos da análise da proteção igualitária, da análise da privacidade e da integridade corporal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012
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