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O texto de João Feres Jr. parte de uma incompreensão do sentido de meu artigo "Quanto vale uma valência?", publicado na RBCP nº 17. Ele parece julgar que o alvo era o "Manchetômetro", empreendimento do qual é fundador e permanece como líder. No entanto, o "Manchetômetro" é um projeto de intervenção, não um projeto acadêmico. Seus dados eram divulgados num website, no calor da disputa eleitoral, o que dista do procedimento padrão da comunidade científica. Se geraram textos científicos, foge a meu conhecimento - no currículo do próprio Feres Jr., no momento em que escrevo esta réplica (28 de dezembro de 2015), consta um único artigo em periódico baseado em tais dados, mas na revista Insight Inteligência, que é na verdade um híbrido entre publicação acadêmica e destinada ao público geral. Meu artigo buscava dialogar, na verdade, com a tradição de estudos do Laboratório Doxa, de Marcus Figueiredo e de Alessandra Aldé, que, ele sim, teve profundo impacto nas pesquisas brasileiras sobre mídia e política e desenvolveu o método que hoje muitos utilizam, para variados fins.

Para além desta confusão inicial, há pouco o que responder ao artigo de Feres Jr. Ele brande sobretudo argumentos ad hominem, buscando mostrar que há incoerência entre meu trabalho passado e minha crítica atual à utilização das valências ou que minha epistemologia é nefasta. Mas tal estratégia, como se sabe, não invalida os argumentos opostos. Mesmo que minha trajetória acadêmica seja de fato um pântano de contradições, isso não acrescenta um grama de credibilidade às valências .

Tenho a esperança, porém, de não ter sido tão incoerente assim. Caso esteja errado, as observações de Feres Jr. podem me levar à autocrítica - de outros trabalhos, não da recusa à valência, pois pouco ele fala em defesa de seu método. Pontuo rapidamente duas questões principais.

(1) Negar validade ao uso das valências não significa negar que exista viés na cobertura noticiosa. Significa julgar que tal viés não é apreensível por tal método, pelas inúmeras razões que expus no artigo inicial. A "vantagem" da valência é expor o viés de maneira gráfica e facilmente apreensível. Mas, nesse processo, promove interpretações arbitrárias e mutila de maneira irreversível a complexidade da relação comunicativa. Podemos perceber o viés da mídia por meio de outras ferramentas metodológicas, menos bombásticas, mais sutis, mas também mais acuradas.

(2) Negar validade ao uso das valências não significa negar validade a qualquer método de quantificação. Métodos quantitativos podem ser úteis em muitas circunstâncias, incluído aí o estudo da mídia. Não creio, porém, que se deva buscar a quantificação a qualquer custo, como um fetiche, um amuleto de cientificidade. E há que observar a diferença entre a quantificação simples (quantas vezes o nome da candidata X apareceu no noticiário) daquela que exige interpretação (a cobertura dada à candidata X a beneficiava ou a prejudicava), e desta à construção de índices (o saldo da cobertura dada à candidata X é tal). Cada passo destes é mais complexo que o anterior e a valência não me parece cautelosa o suficiente ao passar por eles. Daí a distinção entre um grau de simplificação da complexidade do real, que os modelos da pesquisa científica tendem a produzir, e a mutilação da realidade, quando as precauções metodológicas e interpretativas são débeis.

Também não me sinto acolhido pela interpretação que Feres Jr. faz de minha posição quanto à epistemologia das ciências sociais. É bem verdade que estou longe do positivismo que, creio que motivado sobretudo pelo animus polêmico, ele parece abraçar. Mas tampouco comungo do niilismo que me é imputado. Da primeira resposta pública que fez a mim até agora, Feres Jr. me promoveu de nietzscheano para derrideano, o que é um progresso, sem dúvida. Mas continua deslocado. A afirmação de que as trocas comunicativas só são compreensíveis caso se leve em conta como emissores e receptores estão socialmente situados; a afirmação de que não existe fala não situada; a afirmação de que é necessário sempre identificar os interesses em disputa - nada disso leva ao niilismo, muito menos à incapacidade de crítica. Longe de Nietzsche ou Derrida, tais entendimentos bebem em fontes como Marx, Bourdieu, Young e o pensamento feminista.

Por isso não creio que tenha sido desafiada a conclusão geral sobre aquilo que Feres Jr. passou a chamar, em sua réplica, de "MAV" - sigla que nunca antes havia visto e, segundo pesquisa que fiz, o Google também não. Ele não apresenta ganhos suficientes de interpretação da realidade que justifiquem sua utilização. Outros métodos permitem apreender o viés da mídia com mais rigor, ainda que com menos matematização.

Não vou aqui defender meus textos, sobre temas diversos, que Feres Jr. cita como provas das incoerências de minha trajetória, nem disputar a interpretação que julgo equivocada que faz deles. Quem quiser que os leia e conclua por conta própria. Esforço-me para entender sua réplica não como um ataque pessoal, mas como uma tentativa, infelizmente não muito bem sucedida, de avançar no debate sobre a validade da valência.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016
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