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Estratégias eleitorais de políticos negros no Brasil na era do marketing político

Electoral strategies of black politicians in Brazil in the age of political marketing

Resumo

Este artigo analisa as estratégias discursivas de Benedita da Silva e Celso Pitta nas campanhas às prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo, nas eleições de 1992 e 1996. O trabalho traz uma reflexão sobre qual é a influência que a cor e/ou a identidade racial dos candidatos exercem na definição das estratégias discursivas dos políticos negros e de seus adversários nas campanhas. A pesquisa valeu-se da análise de conteúdo e de discurso de uma ampla base de dados composta pelas propagandas do HGPE, cobertura jornalística, documentos, depoimentos dos candidatos e dos seus consultores de marketing, conforme expressos em suas biografias, memórias e entrevistas. Trata-se de um trabalho que investiga como o marketing gerencia os desafios de adequar a imagem do(a) candidato(a) negro(a) às aspirações do eleitorado na sociedade brasileira.

Palavras-chave:
candidatos negros; estratégias discursivas; campanhas eleitorais; desracializar; corridas birracial.

Abstract

This article analyzes the discursive strategies of Benedita da Silva and Celso Pitta’s campaigns in the municipalities of Rio de Janeiro and São Paulo, in both the 1992 and 1996 elections. This paper presents a reflection on the influence that color and/or racial identity of candidates have in defining the discursive strategies of black politicians and their opponents in political campaigns. The research drew on the content analysis and discourse of a comprehensive database consisting of advertisements of the HGPE, news coverage, documents, candidates’ statements and their marketing consultants, as expressed in their biographies, memoirs and interviews. The paper further investigates what kind of marketing strategies are employed to manage the challenges of adjusting black candidate's public image in order to meet the aspirations of the voters in Brazilian society.

Keywords:
black candidates; discursive strategies; electoral campaigns; de-racialize; biracial electoral races.

No Brasil, as disputas eleitorais envolvendo políticos negros, mesmo quando eles são derrotados, têm produzido, nessas três últimas décadas, grande impacto nas políticas local e nacional, por trazerem à tona questões que usualmente ficavam ausentes dos debates político-eleitorais e da opinião pública em geral, como os problemas das desigualdades raciais, o racismo e a sub-representação dos negros na política. As campanhas de Alceu Collares (PDT-RS) e Edvaldo Brito (PTB-BA) dão início ao fenômeno das candidaturas negras competitivas nas capitais brasileiras nas eleições de 1985. Nessa esteira, as campanhas de Benedita da Silva (PT-RJ) e Celso Pitta (PPB-SP) às prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo, nas eleições de 1992 e 1996, consolidam a entrada em cena de novos atores nas disputas aos cargos políticos e eleitorais no Brasil.

Dessa forma, atento à emergência das candidaturas negras a cargos legislativos e executivos desde o final dos anos 1980, ao baixo índice de sucesso desses políticos em eleições proporcionais e majoritárias, como também ao crescente uso de tecnologias de marketing político nas campanhas para a construção da imagem dos políticos, dos partidos e das suas plataformas eleitorais, além da influência da mídia nesses processos, uma questão que se impôs para mim foi examinar qual a influência que a cor e/ou a identidade racial desses políticos negros, que enumeramos anteriormente, exerceram nos pleitos que disputaram. Tendo em vista que no Brasil o acesso aos cargos políticos tem sido marcado pelo quase monopólio de homens brancos oriundos das elites, uma questão relevante é saber o que acontece quando “um cavalo negro entra na corrida”, em condições de vencê-la. Se colocássemos essa questão nos termos mais recorrentes da agenda dos estudiosos de mídia e política, provavelmente surgissem as seguintes questões: qual é precisamente a influência que a cor e/ou a identidade racial dos candidatos exercem na definição das estratégias discursivas dos políticos negros e de seus adversários nas campanhas (na construção da imagem, na definição das propostas políticas, na escolha dos recursos televisivos para veicular as mensagens de campanha etc.)? Qual é a dinâmica dos debates entre os candidatos e entre estes e a opinião pública durante as campanhas eleitorais que envolvem candidatos negros? Quais são as estratégias empregadas pelos políticos negros para adequar suas candidaturas às aspirações do eleitorado em um cenário em que a imagem dos negros é marcada por estereótipos que os desqualificam para o exercício do poder, como no Brasil? Isso significa pensar como o marketing gerencia os desafios de adequar a imagem do(a) candidato(a) negro(a) às aspirações do eleitorado na sociedade brasileira.

É interessante perceber que apesar de o Brasil ser uma sociedade multirracial, em que os negros constituem quase metade da população e, em algumas capitais brasileiras, chegam a compor mais de dois terços desse contingente, as pesquisas destinadas especificamente aos estudos dos determinantes sociodemográficos do voto e da participação política têm, só, excepcionalmente, incluído questionamentos sobre a variável racial e étnica. Os achados de diversas pesquisas já revelaram que a cor é um importante preditor do voto no Brasil, bem como que os negros tendem a realizar escolhas eleitorais distintas daquelas dos brancos (SOUZA, 1971SOUZA, Amaury. Raça e política no Brasil urbano. Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 61-70, out./dez. 1971.; SOARES E SILVA, 1985SOARES, Gláucio; SILVA, Nelson do Valle. O charme discreto do socialismo moreno. Dados, Rio de Janeiro, v. 2, n. 28, p. 253-273, 1985.). Raros foram os estudos que investigaram a participação dos negros como candidatos nos pleitos brasileiros ou seus desempenhos no exercício do poder (OLIVEIRA, 2002OLIVEIRA, Cloves Luiz Pereira. O negro e o poder no Brasil: uma proposta de agenda de pesquisa. Caderno CRH, Salvador, n. 36, p. 49-67, jan./jun. 2002.; MENEGUELLO et al., 2012MENEGUELLO, Rachel et al. Mulheres e negros na política: estudo exploratório sobre o desempenho eleitoral em quatro estados brasileiros. Campinas: Unicamp, 2012.).

Diante da constatação dessa lacuna nos estudos sobre a relação entre raça e política no país, buscamos desenvolver uma pesquisa comparativa das campanhas eleitorais envolvendo políticos negros nas duas principais capitais brasileiras. O objetivo deste artigo é analisar as propagandas políticas de Benedita da Silva e de Celso Pitta, bem como as dos seus respectivos adversários, Cesar Maia e Luiza Erundina, veiculadas no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) na televisão, nos pleitos de 1992 e 1996, buscando elucidar suas estratégias discursivas, sobretudo no que se refere ao tratamento que eles deram à questão racial e às representações sobre a identidade negra nas suas campanhas.

A premissa deste estudo é que, quando vivemos em uma sociedade multirracial e de classe como a brasileira, em que as representações raciais não só orientam as expectativas de papéis sociais, como também proporcionam vantagens materiais e simbólicas aos atores em vários campos da sociedade, especialmente no campo político-eleitoral, é inevitável que questões de identidade e de interesses de grupos sejam inseridas nos discursos políticos. Assim sendo, é inevitável que a “alusão” à cor dos candidatos influencie nas estratégias discursivas quando um candidato negro disputa corridas birraciais no Brasil.

Os estudos sobre raça e participação político-eleitoral

Foram movidas por questões que procuravam identificar qual seria o padrão de comportamento eleitoral segundo raça e qual seria a dinâmica de competição eleitoral quando políticos negros apresentavam-se como competidores para um eleitorado no qual a imagem dos negros é marcada por estereótipos que os desqualificam para o exercício do poder e as clivagens partidárias confundem-se com as segmentações raciais, que as ciências sociais norte-americanas conseguiram acumular evidências sobre a influência da raça no comportamento eleitoral e na participação política nos Estados Unidos. As evidências levantadas por esses estudos mostraram que o eleitorado americano, historicamente, revela-se racialmente dividido. Verificam-se não apenas distintos padrões de comportamento eleitoral segundo raça, como também de estratégias de campanha. Observou-se que os políticos norte-americanos vivenciaram experiências de campanhas marcadas pelo uso intenso de mobilizações raciais, típicas do período anterior aos anos 1970, mas têm vivenciado, nas últimas décadas, campanhas que têm buscado “desracializar” seus apelos eleitorais, produzindo um discurso palatável aos interesses de todos os segmentos da sociedade e capaz de vencer as rejeições (COLBURN E ADLER, 2001COLBURN, David; ADLER Jeffrey (Eds.). African-American mayor: race, politics and the American city . Chicago: University of Illinois Press , 2001.; YON, 2010YON, Rachel. The declining significance of race: Adrian Fenty and the smooth transition. In: GILLESPIE, Andra. (Ed.). Whose black politics? Cases in post-racial black leadership. New York; London: Routledge, 2010. ).

Como tema de campanha, a questão racial, frequentemente, mostra-se presente na agenda de debate, principalmente quando um candidato negro concorre nos pleitos nos Estados Unidos (VALENTINO, HUTCHINGS E WHITE, 2002VALENTINO, Nicholas; HUTCHINGS, Vincent; WHITE, Ismail. Cues that matter: how political ads prime racial attitudes during campaigns. American Political Science Review, v. 96, n. 1, p. 75-90, Mar. 2002.). Às vezes, essa questão fica aguçada pela sua ausência; isto é, pela resistência, por parte dos candidatos e partidos, de incluí-la no debate eleitoral, mesmo sendo ela importante para discutir os problemas da agenda política. Em outras oportunidades, a questão racial surge, subliminarmente, inserida na discussão de políticas públicas de interesse geral, mas que, no fundo, parecem ser de interesse particular de determinado grupo étnico-racial, como, por exemplo, segurança pública e habitação. Percebe-se, ainda, a presença de apelos raciais, identificando-se palavras codificadas e slogans que sugerem ideias de pertencimento dos candidatos a segmentos do eleitorado. Nota-se, ainda, que o debate racial serve de marco para sinalizar posições tidas como “extremistas” no repertório de questões políticas americanas, além de estimular reflexões sobre os limites entre a fidelidade ao partido e a solidariedade étnico-racial (Reeves, 1997REEVES, Keith. Voting hopes or fears? Whites voters, black candidates & racial politics in America. New York: Oxford University Press , 1997.).

O painel descrito pelos pesquisadores da área de estudos sobre raça e política revela que os políticos afro-americanos têm sido, historicamente, desafiados a suprir as expectativas dos eleitores do seu grupo étnico-racial e a suplantar as rejeições dos outros segmentos da sociedade. Observa-se, particularmente, que a retórica sobre raça configura-se como uma arma usada principalmente quando está sendo travada uma corrida eleitoral birracial (JAMIESON, 1992JAMIESON, Kathleen Hall. Dirth politics: deception, distraction, and democracy. New York: Oxford University Press, 1992.). Trata-se de um verdadeiro “Ás” mantido na manga para ser usado no momento decisivo do jogo eleitoral. A cartada racial pode revelar-se tanto no uso de apelos retóricos com motivos racistas ao eleitorado, buscando ativar as clivagens raciais ao seu favor, quanto no uso de apelos não racializados, acusando os oponentes de fazerem apelos racistas. Segundo Mendelberg (2001MENDELBERG, Tali. The race card: campaign strategy, implicity messages, and norm of equality. Princeton: Princeton University Press, 2001.), a convivência tensa entre um sistema partidário racialmente segmentado e uma estrutura de relações sociais regida por instituições igualitárias contribui para a emergência de apelos raciais implícitos na arena política. As variações nas estratégias de uso de apelos raciais em campanhas eleitorais seriam resultados das inter-relações das normas que regem a sociedade, o campo político-eleitoral, as coalizões eleitorais e a consciência individual dos eleitores. Conclui-se que as estratégias retóricas dos partidos dependem não apenas das suas posições sobre as questões, mas também do que ditam as normas de etiqueta de relações sociais.

Tais achados levaram os estudiosos a investigarem não apenas os textos, mas também os contextos das propagandas políticas. A metodologia proposta por alguns pesquisadores considera não apenas a existência de apelos explícitos e implícitos na comunicação da campanha, mas também a ocorrência de variações nas mensagens raciais implícitas ao longo dessas duas dimensões. Valentino, Hutchings e White (2002VALENTINO, Nicholas; HUTCHINGS, Vincent; WHITE, Ismail. Cues that matter: how political ads prime racial attitudes during campaigns. American Political Science Review, v. 96, n. 1, p. 75-90, Mar. 2002.), por exemplo, atestam que mesmo sem fazer referências verbais à raça, a mensagem pode ser incluída na categoria de apelos raciais implícitos.2 2 Valentino, Hutchings e White (2002) identificam três categorias de mensagens. Primeiro, aquelas propagandas que narram questões racializadas, mas que as mensagens não incluem imagens de negros e minorias. Segundo, propagandas que, enfatizando os ganhos de determinado grupo étnico-racial concernentes ao acesso a bens coletivos, sugerem que outros grupos estão em desvantagens em relação ao primeiro. Terceiro, a propaganda pode conter narrativas que enfatizam os ganhos de um grupo étnico-racial acompanhados da imagem desse grupo, mas sem estabelecer comparações com outros grupos. Esses estudos contribuíram para entender a relação entre o conteúdo das campanhas, a cultura política e as representações sobre raça e gênero.

Considerações metodológicas

Este artigo traz uma síntese da minha tese de doutorado que comparou as estratégias discursivas usadas pelos candidatos negros Benedita da Silva (PT) e Celso Pitta (PPB) e dos seus respectivos adversários, Cesar Maia (PFL) e Luiza Erundina (PT), nas propagandas por eles veiculadas na televisão, no HGPE, respectivamente nos pleitos de 1992 e 1996. Analisamos também os cenários de representação da política nos quais estas campanhas desenvolveram-se, observando o desempenho da imprensa nos debates pré-eleitorais e eleitorais e os depoimentos dos quatro candidatos e dos seus consultores de marketing, conforme expressos em suas biografias, memórias e entrevistas. A base de dados foi composta pelos programas do HGPE, materiais gráficos, cobertura jornalística, documentos e entrevistas com publicitários que participaram das campanhas.

Por considerar inadequados os aportes teóricos e metodológicos utilizados nos estudos sobre campanhas eleitorais brasileiras para investigar a relação entre raça e política, sobretudo as estratégias discursivas em propaganda política na televisão em corridas birraciais, a tese propôs um modelo. A teoria desenhada para este estudo combinou as propostas de Riker (1996RIKER, William H. The strategy of rhetoric: campaigning for the American Constitution. New Haven: Yale University Press, 1996. ) e Figueiredo et al. (1997FIGUEIREDO, Marcus et al. Estratégias de persuasão eleitoral: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda eleitoral. Opinião Pública, v. IV, n. 3, p. 109-120, nov. 1997.) para análise de retórica das campanhas com os modelos de pesquisa sobre mensagens implícitas na propaganda política desenhados por Mendelberg (2001MENDELBERG, Tali. The race card: campaign strategy, implicity messages, and norm of equality. Princeton: Princeton University Press, 2001.) e Valentino, Hutchings e White (2002VALENTINO, Nicholas; HUTCHINGS, Vincent; WHITE, Ismail. Cues that matter: how political ads prime racial attitudes during campaigns. American Political Science Review, v. 96, n. 1, p. 75-90, Mar. 2002.). Também adaptamos uma planilha de análise de conteúdo desenvolvida por Albuquerque (1999ALBUQUERQUE, Afonso. Aqui você vê a verdade na tevê: a propaganda política na televisão. 1999. Dissertação (Mestrado em Comunicação, Imagem e Informação) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1999.), Figueiredo et al. (1997) e Figueiredo e Aldé (2003) para os estudos do HGPE e dos spots políticos, para investigar as estratégias discursivas em pleitos majoritários que envolvem políticos negros.

As técnicas de análise de conteúdo e a metodologia de análise de discursos foram empregadas para tratar os dados. Em termos operacionais, foram transcritas, tabuladas e analisadas 28 horas e 30 minutos de propaganda política (16 horas e 30 minutos relativas às propagandas de Celso Pitta e Luiza Erundina e 14 horas e 7 minutos de Benedita da Silva e Cesar Maia). Seguindo a metodologia elaborada por Figueiredo et al. (1997FIGUEIREDO, Marcus et al. Estratégias de persuasão eleitoral: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda eleitoral. Opinião Pública, v. IV, n. 3, p. 109-120, nov. 1997.) e Figueiredo e Aldé (2003), a unidade de análise de conteúdo foi o segmento de mensagem.3 3 De acordo com Figueiredo e Aldé (2003, p. 6), um segmento é um trecho do programa televisivo que tem “autonomia discursiva”. Os autores explicam que, frequentemente, as divisões entre os segmentos são demarcadas por cortes de som e imagem, mudança de cenário ou por meio do uso de vinhetas. Em outras oportunidades – apesar das mudanças de cenários e do uso intercalado de várias mensagens de formatos diferentes –, em termo de linguagem televisiva, o conjunto dessas peças revela uma unidade discursiva que permite classificá-la como um segmento de mensagem único. Na análise das eleições do Rio de Janeiro de 1992, dos 45 programas veiculados no 1º turno por Benedita e Maia, foram computados 451 segmentos de mensagem nos programas dela e 381 nos dele. No 2º turno, do conjunto de 20 programas levados ao ar nesse período, foram identificados 301 segmentos da candidata petista e 185 do peemedebista. Já na análise das eleições de São Paulo em 1996, de um total de 49 programas veiculados por Celso Pitta e por Luiza Erundina no 1º turno, identificamos 741 segmentos nos programas do primeiro candidato e 506 da segunda, enquanto no 2º turno Pitta contou com 162 segmentos e Erundina com 216 segmentos.

Como nossa pesquisa tem como premissa teórica a importância da análise dos elementos visuais dessas propagandas para melhor identificar o conteúdo retórico delas, a partir das imagens das propagandas congeladas no vídeo, foram tiradas cerca de 2 mil fotografias na forma de “quadro a quadro” das peças dos programas eleitorais desses quatro candidatos. Além de permitir a análise semiótica das peças de propagandas de cada candidato e da estrutura narrativa dos seus programas, sobretudo a identificação das estratégias discursivas para a construção da imagem deles e das suas retóricas sobre gênero e raça, estas fotografias tornaram possível a organização dos storybords das propagandas.

Devido à dificuldade de comunicar aos leitores deste trabalho qual era o conteúdo das propagandas políticas somente por meio das descrições das peças, as fotografias foram um recurso fundamental para ilustrar as estratégias discursivas presentes nas propagandas. Dessa forma, foi possível combinarmos as análises das propagandas em movimento às das imagens paradas (fotografias), para ampliarmos as possibilidades de identificar as estratégias discursivas das campanhas. O esforço de pesquisa foi completado com a leitura crítica da cobertura dos jornais O Globo e Folha de S. Paulo nos respectivos períodos eleitorais de cada disputa, visando observar o papel da imprensa nesses pleitos.

Comparação das campanhas de Benedita da Silva e Celso Pitta

Benedita da Silva (PT) marcou presença disputando a prefeitura da segunda maior cidade do país nas eleições de 1992, fazendo apelos explícitos à solidariedade racial, de gênero e de classe, em um colégio de 3.837.920 eleitores, caracterizado pela pluralidade sociodemográfica, religiosa e ideológica. Dessa forma, a então deputada federal carioca conquistou a maioria dos votos no 1º turno e perdeu o segundo para seu adversário por uma diferença de apenas 3,8% dos votos: 48,1% contra 51,9%. Ela destacou-se, sobretudo, por ter feito uso de apelos à identidade racial e étnica como estratégias eleitorais, conforme ilustra seu slogan: “mulher, negra e favelada”. Representante de uma frente de partidos de esquerda, moradora de uma favela, ativista de movimento social e evangélica, Benedita da Silva distingue-se dos outros dez candidatos que disputavam esse pleito apresentando-se como uma líder popular negra socialista, comprometida com a defesa dos interesses dos negros, das mulheres, dos favelados e dos trabalhadores, em uma cidade de população majoritariamente branca. Seu discurso precipitou questionamentos e debates sobre clivagens de classe, raça e ideologia, em um contexto também marcado pela grande ebulição política causada pelos movimentos que levaram ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello naquele ano.

Nas eleições municipais de 1996, o economista Celso Pitta (PPB-SP) materializou, segundo a imprensa nacional, “o choque político do ano”, ao ganhar a prefeitura da cidade de São Paulo (Oliveira, 2008______. O choque político do ano: a imprensa e a eleição de Celso Pitta para a prefeitura de São Paulo de 1996. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 258-282, maio/ago. 2008.). A relevância desse episódio deve-se ao fato de este carioca de 50 anos, que nunca havia disputado um cargo político anteriormente, ter se tornado o primeiro negro eleito para administrar a maior cidade brasileira. Curiosamente, a vitória de Pitta foi interpretada mais como um exemplo da capacidade do marketing de persuadir o eleitor a votar em candidatos sem comprovados atributos de liderança do que da emergência de uma nova geração de políticos. Diferentemente de Benedita, Pitta preferiu desracializar a sua campanha, passando ao largo das discussões sobre a questão racial e expurgando discursos que dessem saliência às suas origens raciais, mesmo quando provocado pelos seus adversários. Como resultado ele conquistou a prefeitura, vencendo o 1º turno das eleições com 48,2% dos votos e o 2º turno com 62,3%. A imagem de técnico competente capaz de dar continuidade às obras da administração que se encerrava foi a escolhida por Pitta para disputar as eleições no maior colégio eleitoral do país, que possuía 6.765.407 eleitores.

Nota-se, portanto, que enquanto a primeira candidata deu saliência à sua cor e à sua origem racial como estratégia eleitoral, o segundo candidato buscou usá-la com maior parcimônia (ora ocultando-a, ora revelando-a, mas nunca a ostentando), por receio de que os eleitores se deixassem contagiar por estereótipos negativos contra os negros na hora de votar, ou por supor que não seria vantajoso encampar (ao menos abertamente) tal retórica na campanha. É obvio que eles seguiram deferentes estratégias de campanha, como também que alcançaram resultados distintos. O que instigou nossa reflexão foi identificar quais foram os obstáculos que eles enfrentaram para desenvolver suas campanhas e quais foram as estratégias que eles usaram para superá-los.

Racializar ou desracializar: a inevitável visibilidade da cor

É possível considerar a existência de apelo racial em um discurso quando um candidato chama a atenção para a sua raça, para a do seu oponente ou dos que o apoiam, ou quando a mídia dedica a isso uma atenção desproporcional (Reeves, 1997REEVES, Keith. Voting hopes or fears? Whites voters, black candidates & racial politics in America. New York: Oxford University Press , 1997.). Da mesma forma, entendemos que o discurso está desracializado quando um candidato silencia, obstrui ou minimiza referências sobre sua origem racial ou sobre o conteúdo racial dos problemas tratados na campanha. O objetivo da primeira estratégia é mobilizar a solidariedade étnica e racial junto aos eleitores, sobretudo quando estes constituem maioria do eleitorado, enquanto o da segunda é impedir que os eleitores se deixassem influenciar por estereótipos negativos contra os negros na sua opção de voto aos candidatos negros, ou que os apelos raciais possam ser utilizados pelos seus adversários para conquistar os eleitores. Isso significa que o cálculo sobre as vantagens de usar apelos raciais observa a distribuição e a composição demográfica do colégio eleitoral, a política racial local e a partidária.

Se considerarmos que a força e a eficácia de um argumento são resultados do prestígio e da credibilidade do orador, da ordem de apresentação dos argumentos e do nível de aceitação destes (PERELMAN, 1999PERELMAN, Chain. Retóricas. São Paulo: Martins Fontes, 1999.), podemos supor que a estratégia de construção da imagem do candidato em uma campanha eleitoral pode ser considerada como um ponto fundamental para a definição da sua estratégia discursiva. Nesse sentido, a observação do modo de apresentação dos candidatos negros nos seus programas de HGPE remete-nos à questão da visibilidade dos políticos negros, ou melhor seria dizer, neste caso, das suas invisibilidades nas suas próprias propagandas.

O dado que imprimiu o traço mais interessante das campanhas dos políticos negros é que foi inevitável a visibilidade da sua cor durante a disputa eleitoral, a despeito da estratégia discursiva que eles tenham empregado nela. Observou-se que a imprensa, os institutos de pesquisa, a opinião pública, o eleitorado, os partidos e os adversários tenderam a apontar a cor negra desses candidatos e esse fenômeno foi suficiente para precipitar estratégias discursivas específicas para eles, assim como para os seus adversários. Além do medo de que os preconceitos contra os negros prejudicassem suas candidaturas, também influenciaram as estratégias discursivas dos candidatos às expectativas de mobilização do voto étnico e os temores de que a solidariedade racial subvertesse a identidade partidária na definição do voto.

Tanto Benedita da Silva quanto Celso Pitta viveram a experiência de terem suas presenças no vídeo serem rigorosamente controladas. O aspecto mais interessante era a tendência de eles aparecerem mais em propagandas que mencionavam seus nomes e traziam suas imagens (em cenas de campanha e/ou fotografias) do que em peças sonoras (voz e imagem), nas quais lhes eram franqueadas oportunidades de aparecer fazendo pronunciamentos ao público. Essa foi a estratégia inicial nas campanhas desses candidatos. Ambos só começaram a assumir posições de protagonistas, como oradores principais das suas próprias campanhas, com o andamento da veiculação do HGPE.

Trata-se de uma evidência sobre a qual esta pesquisa identificou alguns aspectos que permitiram explicar, ainda que parcialmente, as razões que poderiam ter orientado a adoção dessa estratégia. Conforme ilustra a tabela 1, no caso de Benedita da Silva, a necessidade de racionalizar o uso da veiculação da sua imagem parece ter sido instigada pela contingência de assumir a postura de desafiante. Assim sendo, o imperativo de fazer ataques e de desconstruir a imagem dos seus adversários e, ao mesmo tempo, ter que preservar sua candidatura dos efeitos colaterais dessas ações, parece ter orientado a candidata petista a escalar os narradores para desempenhar essas atividades, bem como para cumprir a maior parte das funções de âncora dos programas. A estratégia de associar a imagem da candidata a políticos e personalidades com prestígio junto a diversos segmentos da sociedade explica, por sua vez, a expressiva presença desses personagens nos programas dela. Vimos que o endosso destes personagens de campanha foi uma das principais armas de Benedita da Silva para construir a imagem de líder carismática, bem como para retratar sua candidatura como sendo uma frente representativa dos segmentos mais progressistas da sociedade.

Tabela 1
Orador dominante no segmento do HGPE de Benedita da Silva (PT) e Cesar Maia, nos 1º e 2º turnos da eleição à prefeitura do Rio de Janeiro, em 1992 (Abs. / %)

Quanto a Pitta, foi observado também um rígido controle das suas aparições no vídeo. Entretanto, conforme mostra a tabela 2, não se pode afirmar que ele tenha sido um candidato invisível, tampouco que ele tenha sido um candidato sem voz nos seus próprios programas ou que não tenha cumprido função de destaque nas propagandas (Felinto, 1997FELINTO, Marilena. O homem invisível. República, ano 1, n. 4, p. 38-42, fev. 1997.). O dado curioso sobre esse candidato é que a forma encontrada pelo publicitário Duda Mendonça para construir sua imagem - como substituto ideal de Paulo Maluf - foi colocá-lo no programa como uma espécie de “porta-voz da prefeitura” e “braço-direito” do prefeito. Essa posição permitiu-lhe mostrar as obras realizadas na gestão de Maluf, reivindicar coautoria ou paternidade de algumas delas e se apresentar como o candidato mais apto a dar continuidade ao governo que se encerrava.

Tabela 2
Orador dominante no segmento do HGPE de Celso Pitta (PPB) e Luiza Erundina (PT), nos 1o e 2o turnos à prefeitura de São Paulo, em 1996

Analisando-se a relação entre mídia e política nas corridas birraciais no Brasil, podemos afirmar que a quantidade e a qualidade das informações lançadas no ambiente eleitoral a respeito dos candidatos e da questão racial cumpriram papel decisivo no processo de construção da imagem dos candidatos negros e no desenvolvimento das suas campanhas, embora não tenha sido possível, no âmbito deste trabalho, verificar o impacto da cobertura jornalística na natureza da percepção dos eleitores sobre eles. Entretanto, observamos que, em ambos os casos, a imprensa foi o principal agente a chamar a atenção para a questão racial nos pleitos. Com efeito, a imprensa caracterizou-se, primeiro, por destacar nas matérias a origem racial distinta dos candidatos negros e, segundo, por chamar a atenção para a questão racial na sociedade brasileira, como fez o jornal O Globo, durante as eleições cariocas, e a Folha de S. Paulo, nas paulistanas. As manchetes que grifavam que Benedita e Pitta poderiam tornar-se os primeiros negros eleitos para governar as maiores cidades do país comprovam a importância desse tema naquelas agendas.

É exatamente a partir do olhar sobre o papel da imprensa que podemos notar o estranhamento que as candidaturas negras à prefeitura provocaram quando estas se revelaram realmente competitivas. Se considerarmos que Benedita e Pitta contavam com o apoio de partidos e coligações fortes para disputar seus respectivos páreos eleitorais, pode-se supor que a expressão de surpresa que suas candidaturas geraram deveu-se menos ao fato de eles serem neófitos nessas disputas do que ao fato de serem políticos negros carregando consigo os preconceitos de que discriminações raciais dificultariam sua aceitação pelo eleitorado. Frequentemente, coube à imprensa a tarefa de destacar as origens raciais dos candidatos e indexar o adjetivo negro às suas imagens. Nesse contexto, se, por um lado, o tratamento que a imprensa lhes conferiu tinha a propriedade de dar visibilidade às suas candidaturas a ponto de, como no caso de Celso Pitta, contribuir para, em um curto espaço de tempo, torná-lo conhecido de mais de 65% do eleitorado paulistano, por outro, também trouxe para o debate eleitoral reflexões sobre o preconceito racial, capazes de estimular a emergência de clivagens e de tornar a cor do candidato mais um fator para orientar a preferência de voto (FOLHA DE S. PAULO, 1996a).

Não encontramos em nenhum jornal analisado o endosso das candidaturas negras. Ao contrário, o que foi constatado é que Benedita da Silva era amiúde representada em matérias com valência negativa e que os periódicos construíram um cenário favorável ao seu principal adversário, ao descrever, em várias matérias, uma cidade marcada por conflitos de classe, violência urbana, tensões raciais e problemas de gestão, como nas reportagens sobre os arrastões na praia de Copacabana (Dias, 1995DIAS, Heloisa. Mídia e política: a cobertura de O Globo e a eleição municipal no Rio de Janeiro em 1992. 1995. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995.). A imagem de Cesar Maia, consolidada no jornal O Globo, ajustava-se integralmente ao perfil do novo prefeito que a cidade precisava. Tudo isso sem mencionar o destaque dado por este jornal ao escândalo envolvendo os filhos de Benedita da Silva nas denúncias de falsificação de diploma escolar para conseguir um emprego na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro (SCOTTO, 1994SCOTTO, Maria Gabriela. Representação e apresentação: uma análise da campanha de Benedita da Silva à prefeitura do Rio de Janeiro. 1994. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1994.).

Celso Pitta, por sua vez, teve sua estratégia de marketing na televisão totalmente desvelada pelo jornal Folha de S. Paulo. Por meio deste jornal, os eleitores puderam conhecer todos os truques de marketing que foram usados para fazer de Pitta o representante de Maluf na sucessão municipal. Tal como aconteceu com Benedita da Silva, a imprensa contribuiu para amplificar os discursos de ataques dos adversários de Pitta, como se fosse caixa de ressonância do HGPE, como também para aliar-se nas trincheiras da oposição na tarefa de desconstruir o mundo criado pelo discurso da sua campanha na televisão juntamente à sua imagem. Nesse contexto, não se pode dizer de maneira alguma que o sucesso da campanha de Pitta deveu-se à ausência de críticas, sobretudo da imprensa. Da mesma forma, não podemos esquecer a contribuição da imprensa para a derrota de Benedita da Silva no 2º turno das eleições cariocas (DIAS, 1995DIAS, Heloisa. Mídia e política: a cobertura de O Globo e a eleição municipal no Rio de Janeiro em 1992. 1995. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995.).

Em resumo, constatamos que, em ambas as eleições, a imprensa desempenhou papel especial para fazer com que as cores dos candidatos negros não passassem despercebidas pelo eleitorado. No tratamento dispensado aos candidatos, a recorrência em sublinhar a cor dos políticos negros contribuía para imprimir um tom pitoresco às coberturas das eleições, mas também lhes enredavam na obrigação de formatar discursos, imagem e programas considerando as representações sobre relações raciais no Brasil. Nos dois casos, tanto no Rio de Janeiro, em 1992, quanto em São Paulo, em 1996, vimos que, a despeito da vontade dos candidatos de não tratarem da questão racial na campanha, a identidade racial e/ou a discussão sobre desigualdades raciais acabaram por se inserir como tema de campanha. Essa é uma das primeiras formas que se expressa a inevitável visibilidade da cor destes candidatos, quando estes se inserem em uma disputa com condições de vencê-la.

Um segundo aspecto é a relação do eleitor com o candidato negro e a relevância da sua cor para a construção da sua imagem. Como nos debruçamos particularmente na análise das estratégias discursivas dos candidatos negros e dos seus adversários, não foi possível, nos limites desta pesquisa, observar como suas mensagens foram recebidas. A escassez de estudos sobre a recepção dos discursos dos candidatos negros às prefeituras ou aos governos estaduais no Brasil não nos permitiu avaliar o peso da variável racial junto ao eleitorado nessas campanhas. Entretanto, podemos inferir, a partir de dados coletados por outros autores, como Goldman e Sant’Anna (1996GOLDMAN, Márcio; SANT’ANNA, Ronaldo dos Santos. Elementos para uma análise antropológica do voto. In: GOLDMAN, Marcio; PALMEIRA, Moacir (Orgs.). Antropologia, voto e representação política. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1996.), que os eleitores levam em consideração uma multiplicidade de atributos como critérios para escolha dos seus candidatos, inclusive as características étnico-raciais. Assim, é emblemático o discurso de uma informante negra registrado por Goldman e Sant’Anna (1996, p. 36-37), que lhes declarou as razões pelas quais era uma fiel eleitora de Brizola, tinha simpatia por Lula (a ponto de ser capaz de votar nele se este se candidatasse outra vez) e, se não tivesse candidato, votaria no político que lhe despertasse piedade, como Enéas, só para ajudá-lo; mas não votou em Benedita nas eleições de 1992 porque, entre tantas coisas, ela era preta.

Sobre a relação com os partidos, constatamos que os dois candidatos negros mostraram-se viáveis e oportunos para os planos dos partidos e das coligações que lhes apoiaram. Curiosamente, a cor da pele negra que, tradicionalmente, tem sido vista como barreira ao sucesso eleitoral, devido à névoa de preconceitos contra os afrodescendentes - muitos deles retratando-os como incompetentes -, nessas campanhas ela foi usada com símbolo de modernização da política, além de ícone de identidade racial. O endosso de uma legenda a um candidato negro foi retratado em ambas as eleições não somente como uma marca de renovação dos quadros da política, mas como sinal da ausência de preconceito do partido e dos seus líderes. Dessa forma, para além da amizade que ligava o então presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, à sua correligionária Benedita da Silva, e da confiança que o prefeito Paulo Maluf manifestava ter no secretário de finanças do seu governo, o economista Celso Pitta, a demonstração pública de respeito e carinho a esses candidatos configurou-se, em ambos os casos, no selo de qualidade que atestava que suas agremiações eram democráticas e progressistas, sobretudo no caso do prefeito paulista, sob o qual pesava o estigma de conservadorismo, elitismo e despotismo. Para o PT, em particular, a chancela da candidatura de uma deputada federal negra e favelada permitia-lhe desenvolver uma campanha que condensava a ideologia do partido de luta contra as desigualdades e injustiças sociais. Dessa forma, os petistas sinalizavam seu compromisso de governar para todos, bem como a sua afiliação aos ideais da democracia.

No caso da eleição de Pitta, é importante assinalar que a relação de apadrinhamento entre o prefeito Paulo Maluf e o secretário de finanças do seu gabinete não pode ser considerado algo extraordinário na trajetória dos prefeitos negros de grandes cidades. Segundo Colburn (2001COLBURN, David; ADLER Jeffrey (Eds.). African-American mayor: race, politics and the American city . Chicago: University of Illinois Press , 2001.), nos Estados Unidos, o endosso de um líder ou mandatário branco a um candidato negro, em um processo de sucessão a cargos majoritários, constituiu-se em um fator que aumentava as chances de vitória dele. A sua principal influência era ajudar a afastar os medos e as incertezas que porventura estivessem presentes no eleitorado, sobretudo no que se refere ao desempenho dele no poder. Convém destacar, entretanto, que a eleição de Pitta não deve ser creditada apenas ao apoio do seu padrinho político, pois a história das eleições no Brasil já registrou que a transferência de capital político de um líder - por mais carismático que seja ele junto a vastos segmentos do eleitorado - não se realiza de maneira automática. Em nosso estudo, constatamos as dificuldades enfrentadas pelo então governador Leonel Brizola para conduzir a candidata do seu partido (PDT), a deputada federal Cidinha Campos, à vitória na disputa da prefeitura do Rio de Janeiro em 1992.

Entretanto, no que se refere às análises sobre estratégias retóricas dos candidatos, é significativa a importância do endosso de terceiros (patrono político, líder partidário e personalidades) para o sucesso das campanhas de Benedita da Silva e Celso Pitta (ver tabelas 1 e 2). Simplesmente 29 “artistas”, entre atores, cantores e jogadores de futebol, declaram apoio à candidata do PT no HGPE: 5,8% das mensagens no 1º turno e 10,4% no 2º turno, quase o mesmo número de vezes que o prefeito Paulo Maluf apareceu no vídeo do programa de Celso Pitta, no 1º turno do derby paulistano, para pedir voto para esse candidato. Esses dados revelam que o capital político por delegação teve um papel tão ou mais importante que a própria reputação dos candidatos para a construção das suas imagens nas campanhas e para dirigir seus apelos a segmentos específicos do eleitorado.

Além disso, o que vimos ao estudar as campanhas de Benedita da Silva e Celso Pitta é que, quando eles entraram em cena como fortes concorrentes na corrida eleitoral, a variável racial passou a ser um componente do elenco de recursos retóricos usados por eles e por seus oponentes brancos, no processo de construção das suas imagens e das suas plataformas políticas. Por estar associada a um conjunto de referências ligadas à ideia de exclusão pela dificuldade do acesso à cidadania, a representação do negro assumiu a forma de um signo capaz de redefinir a identidade do partido, a imagem do candidato e até mesmo a natureza das propostas de campanha. Tanto Maia quanto Erundina encamparam agendas de temas racialmente correlacionadas, cujas resoluções tocavam sobremodo a vida dos negros, para contrapor suas campanhas aos avanços dos seus adversários.

No Rio de Janeiro, por exemplo, Cesar Maia não mediu esforços para discutir políticas de habitação, particularmente as propostas para urbanização de favelas, redução e cortes de impostos municipais e promoção do bem-estar para as populações faveladas. Já aos setores da classe média da Zona Sul carioca, ele prometia trazer de volta a paz e a segurança dos nostálgicos anos dourados da cidade, bem como a redução de impostos. Um exemplo desse tipo de estratégia, dessa vez com um sentido mais de ataque, foi a forma como Cesar Maia explorou o debate sobre segurança pública após os incidentes dos arrastões na praia de Copacabana que chocaram a opinião pública carioca.

Tal qual como fez o republicano branco Rudolf Giuliani contra o democrata negro David Dinkins nas disputas à prefeitura de Nova Iorque em 1989 e 1993, ao forçar o debate sobre segurança pública, Cesar Maia impeliu Benedita da Silva a discutir políticas que afetavam, de um lado, a vida dos negros (moradores dos morros e das favelas identificados como participantes dos arrastões), e, de outro lado, ele garantia aos setores das classes média e alta da cidade - os chamados moradores do asfalto - de que ela não teria pulso para impor ordem, pois teria que usar a força contra seus principais eleitores. O objetivo final dessa estratégia dos candidatos que se opõem aos discursos de apelo à identidade e de reclamação por inclusão social é a autoproclamação como candidato da lei e da ordem, enquanto conferem aos seus adversários a pecha de políticos incompetentes.

É também verdade que a campanha de Benedita da Silva lembrava a do advogado negro David Dinkins para a prefeitura de Nova Iorque, em 1989, quando este se tornou o primeiro negro eleito para administrar a maior cidade americana. Ambos fizeram apelos raciais em suas campanhas e se colocavam como os únicos capazes de apaziguar os conflitos sociais e raciais que abatiam suas cidades. Com vimos, a imagem de uma cidade aflita por tensões e conflitos raciais foi o mote da disputa entre Benedita da Silva e Cesar Maia no turno decisivo das eleições. A petista exaltava as suas identidades (mulher, negra, favelada e, eventualmente, evangélica) em uma sociedade multirracial, de classe e desigual.

Cesar Maia parecia ter seguido a cartilha dos republicanos americanos de como um candidato branco deve agir para enfrentar um candidato negro em uma campanha majoritária (Oliveira, 2004______. O que acontece quando um cavalo de cor diferente entra na corrida? O painel das estratégias eleitorais dos políticos afro-americanos nas eleições municipais nos Estados Unidos. BIB, São Paulo, n. 5, p. 103-123, 2004.). Particularmente, no 2º turno das eleições, ele estimulou a ansiedade e o medo no eleitorado carioca, compondo um cenário de desordem, caos e criminalidade, caso Benedita da Silva se tornasse prefeita. O primeiro ataque desferido contra a candidata petista questionava sua competência, acusando-a de inexperiente e despreparada para comandar o governo municipal. A segunda ofensiva consistiu em estimular o medo de que a emergência de Benedita e dos seus correligionários pudessem estimular o recrudescimento das relações raciais na cidade - transferindo para cá “os germes do modelo norte-americano”, separatista e belicoso, em vez de cordial, integrador e pacífico como o brasileiro. Finalmente, a última tática foi caracterizar a campanha de Benedita da Silva como sendo voltada para defender apenas os interesses dos negros, enquanto seu governo cuidaria de todos indistintamente. Sua ideia era mostrar a falta de isenção e competência da sua adversária para lidar com os problemas gerais da sociedade.

Dessa forma, Cesar Maia mostrou sagacidade para enfrentar Benedita da Silva, adentrando no campo discursivo sobre representações raciais e desigualdades no Brasil, e desafiando sua retórica de valorização da identidade entre governantes e governados. A arma empregada pelo peemedebista foi veicular mensagens implícitas e explícitas na campanha para desracializá-la a seu favor (ver tabela 3). Ainda no 1º turno, logo que percebeu o avanço da campanha de Benedita, a principal estratégia usada por Maia foi desfraldar uma plataforma de temas correlatos com a questão das desigualdades raciais, mas que podiam ser vistas como políticas universais. No 2º turno, ele se engajou em um debate franco com a petista sobre preconceito, raça e política no Rio de Janeiro, sempre que esse tema surgia nos programas dela, visando desconstruir o discurso de identidade da sua adversária e caracterizá-lo como algo não legítimo nas eleições brasileiras. Sua propaganda interpelava Benedita da Silva para rebater suas denúncias de que ele seria racista e elitista, acusava-a de praticar racismo às avessas e de fazer uso demagógico de apelos à solidariedade de gênero, raça e classe, para encobrir a falta de propostas políticas.

Na retórica de Cesar Maia, o discurso e a plataforma política voltados para o apelo às identidades, a reclamação por políticas de promoção da inclusão social dos negros e mulheres e a crítica às desigualdades raciais e de gênero foram caracterizados como temas não pertencentes ao campo político. O esforço comunicacional de Maia era “desracializar”, “desengendrar” e “desideologizar” o debate eleitoral, visando transpor as clivagens que se tornaram mais saliente na sociedade carioca naquela conjuntura. Sem dúvida, sua retórica representa um exemplo de desconstrução do apelo às identidades e de propagandas de contra-ataque às acusações de racismo e sexismo na campanha.

Tabela 3
Mensagens raciais enunciadas no HGPE pelos candidatos Benedita da Silva e Cesar Maia, nas eleições à prefeitura do Rio de Janeiro, em 1992

Luiza Erundina também disputou palmo a palmo com Celso Pitta para ver quem apresentava as melhores propostas para a habitação. Diante da prova contundente de dezenas de prédios do projeto Cingapura, espalhados nas principais vias da cidade, aliados às cenas e aos depoimentos de famílias negras que atestavam os benéficos desse projeto em suas vidas, coube a Erundina desqualificá-lo, mostrando que faria algo muito melhor sem precisar dilapidar os cofres do município e que não seria apenas um fantoche de Paulo Maluf. Suas propagandas caracterizavam-se por afirmar que sua administração construiu melhores residências por um preço mais barato, buscando mostrar a eficiência da sua gestão e uma real preocupação com os moradores das favelas. Nesse debate, as imagens de figurantes negros eram usadas invariavelmente para retratar o público-alvo dessas políticas.

Se recordarmos que Cesar Maia e Celso Pitta contaram com o apoio de assessores americanos nas suas campanhas, é possível sustentar que essas semelhanças apontadas acima - entre as estratégias discursivas que eles utilizaram para enfrentar seus adversários e aquelas utilizadas pelos políticos norte-americanos - não tenham sido coincidências, mas evidências de que eles transportaram para solos brasileiros técnicas de campanha em corridas birraciais, como também “reciclaram” peças de marketing produzidas nos Estados Unidos. Constatamos que Cesar Maia enviou um assessor aos Estados Unidos para conversar com os consultores do então candidato a presidente da república Bill Clinton, para obter informações sobre tecnologias de campanhas naquele país (MAIA, 1998MAIA, Cesar. Política e ciência. Rio de Janeiro: Revan, 1998.). Duda Mendonça, coordenador da campanha de Celso Pitta, por sua vez, foi buscar o apoio de James Carville, ex-consultor político do então presidente Bill Clinton. É provável que no elenco de informações transferidas pelos americanos aos seus colegas brasileiros tenham sido incluídas táticas de disputa de corridas eleitorais em um contexto em que a raça/cor do candidato e/ou dos eleitores pudesse ter peso na disputa (FOLHA DE S. PAULO, 1996b, p. 4).

Tanto na eleição no Rio de Janeiro quanto na de São Paulo, a ascensão dos candidatos negros nas pesquisas precipitou discussões sobre os limites entre identidade partidária e compromisso com a causa dos negros. No caso carioca, esse debate foi aberto, expresso em discursos, palavras, músicas e imagens; no paulistano, ele se caracterizou pelo uso de mensagens implícitas, materializadas nas propostas de campanha - com a ênfase na discussão sobre habitação, programa de assistência médico-hospitalar e assistência às crianças carentes - e nas cenas de campanha, depoimentos dos eleitores etc. Frequentemente, dava-se saliência às pessoas negras como os principais beneficiados dessas políticas, mesmo quando o discurso verbal retratava como políticas universais. Para tanto, corpos negros ganhavam visibilidade no vídeo, com as imagens das famílias beneficiadas aos apartamentos do Cingapura, das crianças que recebiam as latas de leite do Programa Leve-Leite e da presença dos rapazes e das moças que figuravam no fundo do estúdio da TV Coração. Estas cenas, sobretudo as de estúdio, caracterizavam-se mais pela ênfase em criar ambientes que representassem diversidade do que clusters como as que fizeram parte dos cenários das propagandas cariocas em 1992. As figuras 1 e 2 trazem os storyboards das estratégias retóricas raciais de Benedita da Silva e Celso Pitta.

Computamos apenas um episódio de debate sobre preconceito e racismo na cidade durante toda a campanha para a prefeitura de São Paulo em 1996. Conforme pode ser observado na tabela 4, foram raros os discursos explícitos sobre questão racial nessa disputa. Predominou o uso de mensagens de conteúdo racial implícito que buscavam mostrar sensibilidade aos problemas que afligiam aos negros nessa cidade. Notem que, no 2º turno, a ex-prefeita Luiza Erundina quase triplicou a proporção de mensagens com apelos raciais implícitos, tentando mobilizar o voto étnico e racial a seu favor, enquanto seus adversários preferiram desracializar sua campanha, manifestando-se em uma dúzia de peças.

Tabela 4
Mensagens raciais enunciadas no HGPE: Celso Pitta e Luiza Erundina, nos 1o e 2o turnos das eleições à prefeitura de São Paulo, em 1996

Ademais, vimos também que Cesar Maia e Luiza Erundina mostraram-se atentos às influências das representações raciais na composição dos seus discursos - sobretudo no que se refere às expectativas de papéis sociais. Cesar Maia confessou que tomava cuidado na condução da sua campanha, especialmente durante os debates televisivos, pois tinha receio de que Benedita da Silva se “descontrolasse” e o acusasse de racista e elitista. Luiza Erundina, por sua vez, viu-se compelida a declarar, publicamente, que não era racista, após o episódio em que afirmou que Celso Pitta tinha “a cabeça e o comportamento de branco safado”. O que se pode observar a partir da análise dos discursos veiculados no HGPE é que os candidatos tiveram receio de serem rotulados como racistas. Em primeiro lugar porque, além de ser crime, a ofensa racial os colocava, invariavelmente, em rota de coalizão com os valores da democracia racial brasileira (de respeito e de fraternidade ao outro independentemente da sua cor, da sua raça, do seu credo, da sua origem social ou da sua classe social) e, em segundo lugar, e por extensão, pelo medo de se verem rotuladas como pessoas prepotentes e arrogantes. Estudos recentes mostraram que ter esses atributos atrelados à imagem de um candidato pode provocar forte corrosão em sua candidatura (ALDÉ E BORGES, 2004ALDÉ, Alessandra; BORGES, Juliano. Internet, imprensa e as eleições de 2002: pautando notícias em tempo real. Revista Logos, v. 21, p. 106-133, 2004.). Diante disso, então, quais foram as estratégias de ataque dos principais adversários de Benedita da Silva e de Celso Pitta?

Tanto Cesar Maia quanto Luiza Erundina viveram o desafio de desferir ataques aos seus oponentes afrodescendentes sem que estes fossem caracterizados como ofensas raciais e/ou de gênero. A principal estratégia deles consistiu em desqualificar intensamente a competência política e administrativa dos adversários. Para tanto se valeram, inclusive, da estratégia de provocar “sutilmente” a emergência de estereótipos (raciais, gênero ou classe) para orientar o julgamento da qualidade dos candidatos pelos eleitores. Sobre esse aspecto, podemos recordar as analogias usadas por Cesar Maia para persuadir os eleitores, no 1º turno das eleições cariocas, sobre a falta de qualificação de suas oponentes para administrar o Rio de Janeiro, pedindo-lhes que vislumbrassem se era imaginável considerar os cenários nos quais uma chefiasse uma das mais importantes cidades da Europa e a outra a maior cidade americana: “Bené, prefeita de Paris. Cidinha, prefeita de Nova Iorque”.4 4 Programa de Cesar Maia (20/09/1992). Também a sequência de ataques perpetrados por Luiza Erundina, no início da campanha em São Paulo, que, em tom igualmente de deboche, chamava a atenção sobre a falta de competência e autonomia do seu adversário com o jingle “Você pensa que o Pitta apita”, as analogias de que “Pitta ia ser o fleury de Maluf” e o arremate, para ativação dos preconceitos, que lembrava aos eleitores: “Ah! Me liga se você souber uma do Pitta. Piada não. Uma ideia. Me liga!”.5 5 Programas de Luiza Erundina (16/08/1996).

Vimos que ambos se aproveitaram da intersubjetividade com os telespectadores sobre as representações raciais para operar ataques explícitos e implícitos nos seus discursos contra seus adversários negros. É claro que a ênfase em apontar a falta de competência de Benedita da Silva e de Celso Pitta não é exclusividade dos ataques aos candidatos negros, mas a recorrência em utilizar mensagens que convidavam os eleitores a usarem estereótipos para julgar o lugar apropriado desses políticos e seus atributos para ser prefeito é, sem dúvida, uma característica dos ataques a esses políticos. Como sabemos, usualmente, o conteúdo dessas anedotas sobre portugueses, judeus ou negros, mesmo quando não são extensivamente conhecidas, contribuem para reforçar estereótipos.

A veemência das respostas que os ataques com conteúdos supostamente racistas ou sexistas implícitos geraram nas campanhas prova que a enunciação de mensagens capazes de atrelar estereótipos aos seus candidatos não foi vista como algo inofensivo. Ao olharmos as repostas, réplicas, tréplicas ou mesmo os “direitos de resposta” conseguidos pelos partidos junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), órgão estatal que fiscalizava a conduta dos competidores nas campanhas, percebemos a disposição dos candidatos negros em não deixar que seus oponentes imprimissem sobre suas imagens estereótipos negativos.

Por ter estratégias retóricas distintas sobre relações raciais, vimos que quando sofreram ataques raciais, Benedita da Silva optou por denunciar o caráter racista destes ataques, enquanto Celso Pitta optou por caracterizá-los com um comportamento essencialmente individual e anormal de seus oponentes, que não fazia parte (ou pelo menos não deveria fazer parte) das referências com que os eleitores deveriam avaliar a sua candidatura. Enfatizo que a omissão de Pitta de interpretar os ataques racistas de Erundina à sua imagem constituía-se em uma estratégia de posicionar-se “acima da briga”, como bem notou Figueiredo et al. (1997FIGUEIREDO, Marcus et al. Estratégias de persuasão eleitoral: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda eleitoral. Opinião Pública, v. IV, n. 3, p. 109-120, nov. 1997.), mas também de desracializar a campanha, provavelmente para não inserir no debate um tema que não lhe traria qualquer vantagem nas urnas.

Assim como podem ser observadas semelhanças entre o estilo discursivo de Cesar Maia e de Rudolph Giuliani e o de Benedita de Silva e de David Dinkins ao tratar da questão racial, foi possível encontramos similaridades entre a estratégia retórica de Celso Pitta e aquela que contribuiu para que o democrata Tom Bradley se tornasse o primeiro negro eleito prefeito da cidade de Los Angeles, em 1973. A estratégia do então vereador e ex-chefe de polícia de Los Angeles teve por base o pragmatismo e a ocultação de qualquer ideologia partidária e racial. Para se eleger, o candidato afro-americano produziu um discurso centrista, moderado e palatável aos interesses de todos os segmentos da sociedade que, naquela oportunidade, era composta por apenas 18% de negros. O interessante é que ele desenhou essa retórica depois do fracasso que amargou na sua primeira tentativa, quatro anos antes. A estratégia usada por Bradley para vencer a eleição seguinte foi neutralizar os ataques racistas do seu oponente que insistia em associá-lo a questões raciais da sociedade americana, como por exemplo: as clivagens étnicas, o racismo e os preconceitos contra os negros. Para tanto, ele se distanciou das questões relacionadas à raça e apresentou-se com um candidato que trabalharia em favor de todos, realizando uma política color-blind. Bradley recusou a ser o porta-voz dos interesses dos negros, postando-se como um político a favor dos interesses de todos. Alguns analistas apontam que, de fato, Tom Bradley confeccionou um discurso para endereçar ao eleitorado como um todo e outro para tratar com a comunidade negra em particular (PARKER, 2001PARKER, Heather R. Tom Bradley and the politics of race. In: COLBURN, David; ADLER Jeffrey (Eds.). African-American mayor: race, politics and the American city . Chicago: University of Illinois Press , 2001.).

Considerações finais

Notamos que a disputa entre Benedita da Silva e Cesar Maia reproduz, em solo brasileiro, os principais aspectos das corridas birraciais que marcaram a primeira geração de embates entre políticos negros e brancos nas eleições para prefeito nos Estados Unidos, no período de 1967 a 1976. A competição entre Celso Pitta e Luiza Erundina enquadra-se no estilo da segunda geração de corridas birraciais às prefeituras americanas de 1977 a 1996. A primeira geração de candidatos negros era formada, em sua maioria, por políticos cuja experiência política foi construída junto aos movimentos dos direitos civis e que tinham como uma das suas principais estratégias reproduzir, no campo eleitoral, a retórica de reclamação por acesso aos direitos civis e de apelos à identidade negra, para estimular o voto étnico intragrupal e a solidariedade com outros grupos étnicos da cidade. Já a segunda geração, agora recrutada também entre os emergentes profissionais liberais, empresários, parlamentares e secretários municipais e estaduais, caracterizou-se por desracializar seus discursos e por buscar construir alianças intersetoriais, inclusive com as lideranças brancas dos seus partidos, visando facilitar a transição para um mandatário negro (Adler, 2001ADLER, Jeffrey. Introduction. In: COLBURN, David; ADLER Jeffrey (Eds.). African-American mayor: race, politics and the American city. Chicago: University of Illinois Press, 2001.; Colburn, 2001COLBURN, David; ADLER Jeffrey (Eds.). African-American mayor: race, politics and the American city . Chicago: University of Illinois Press , 2001.). Os discursos com conteúdos raciais explícitos tendiam a ser usados com parcimônia, como uma “carta” decisiva em um jogo de baralho, de maneira a danificar a imagem do adversário sem serem atingidos por acusações de racismo.

Seja em uma eleição racializada, como a do Rio de Janeiro, seja em uma aparentemente desracializada, como a de São Paulo, notamos que os apelos raciais configuraram-se como armas importantes para a persuasão dos eleitores, tanto quando usados pelos candidatos negros, quanto quando usados por seus adversários. É importante assinalar que as mesmas retóricas raciais - discursos, imagens e plataformas - podem ser usadas tanto por candidatos negros quanto por candidatos brancos. Isso significa que não se pode dizer que existe uma estratégia típica de candidatos negros e outra de candidatos brancos. Qualquer candidato - independentemente da sua cor, do seu sexo ou da sua filiação partidária - pode ser bem-sucedido ao manipular retóricas de apelo à identidade racial quando se apresenta para disputar uma corrida birracial. Racializar, desracializar, enunciar mensagens implícitas ou explicitas sobre a questão racial (ou de gênero) são armas passíveis de serem usadas por qualquer candidato. O segredo do sucesso deste tipo de apelo parece residir no uso apropriado de retóricas verbais e imagéticas para sustentar os argumentos das campanhas.

O confronto entre Benedita da Silva e Cesar Maia mostrou que a questão racial pode ser um tema decisivo nas campanhas brasileiras. Dessa forma, constatamos, em nosso estudo, que o embate para impor os argumentos mais persuasivos sobre esse tema pode ser crucial para desmontar toda a estratégia discursiva do adversário. O que vimos aqui foi a tendência dos candidatos de não se omitirem de responder aos ataques raciais quando esse tema ganhou saliência no debate. Além disso, constatamos que as chamadas “cartadas raciais” - os discursos com forte apelo racial com o objetivo de desmontar o argumento do adversário ou a conquista do eleitorado - são armas usadas por todos os candidatos, independentemente de qual seja a cor ou a raça deles. Obviamente, como toda arma de ataque em campanha, esta também exige cautela para ser usada. Tal qual McIlwain e Caliendo notaram em seus estudos, os pesquisadores sobre raça e política não conseguiram determinar “se os eleitores estão habilitados ou dispostos a ignorar as dicas raciais embebidas em certas propagandas”; entretanto, “à medida que essas questões emergem e se tornam parte do discurso da campanha, trazem sérias implicações para o tipo de representação dos resultados” (MCILWAIN E CALIENDO, 2004MCILWAIN, Charlton D.; CALIENDO, Stephen Maynard. Frames of authenticity: news coverage of black candidates and their campaigns. In: THE ANNUAL NATIONAL CONFERENCE OF THE MIDWEST POLITICAL SCIENCE ASSOCIATION, 62., 2004, Chicago. Annals… Chicago: Palmer House Hilton, 2004., p. 1, tradução nossa).

Já a disputa entre Celso Pitta e Luiza Erundina à prefeitura de São Paulo revelou que mesmo em uma eleição não racializada, as representações sobre cor e raça e a questão racial também influenciaram a definição das estratégias discursivas dos candidatos. Diferentemente do apontado por outros estudos sobre essas eleições municipais paulistanas que sublinhavam a influência de variáveis políticas e partidárias na definição das estratégias discursivas dos contendores, como pragmatismo e apelos às identidades político-ideológicas (ALDÉ E DIAS, 1997ALDÉ, Alessandra; DIAS, Heloisa. Intervalo surpresa: spots eleitorais na campanha municipal de 1996. Comunicação & Política, v. 5, n. 1, p. 83-100, 1997.; FIGUEIREDO et al., 1997FIGUEIREDO, Marcus et al. Estratégias de persuasão eleitoral: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda eleitoral. Opinião Pública, v. IV, n. 3, p. 109-120, nov. 1997.; NOVAES, 1996NOVAES, Carlos Alberto Marques. O primeiro turno da eleição para prefeito de São Paulo. Novos Estudos Cebrap, n. 46, p. 21-38, 1996.), esta pesquisa mostrou que a ausência de qualquer discussão sobre a questão racial nos programas de Pitta era uma evidência de que ele desracializou sua campanha como estratégia eleitoral. A ênfase na construção da imagem pessoal repleta de menção às suas qualidades individuais para ser um excelente administrador, mas escassa de sinais de identidade racial - exceto a inevitável cor da sua própria pele - revela-nos algo mais sobre a estratégia desse candidato, sobretudo tendo sido ele o mais votado nesse pleito.

O grande desafio desta pesquisa foi explicar as várias maneiras que a questão racial pode ser tratada na propaganda televisiva quando temos um candidato negro, ou melhor, quando temos uma corrida eleitoral birracial. Considerando que o volume de apelos raciais explícitos na campanha não ultrapassa a marca dos 20%, mesmo quando os candidatos dedicam-se a usar esse tipo de apelo como principal arma de persuasão ou quando eles são obrigados a neutralizá-los, como aconteceu no embate entre Benedita da Silva e Cesar Maia, podemos afirmar que o peso da variável racial é mais bem avaliado em termos qualitativos do que quantitativos. Isso implica que, além de analisarmos o formato da peça de propaganda e as estratégias retóricas nelas contidas, deve-se observar também quem eram as pessoas que apareciam nessas mensagens e as locações em que os dramas eram encenados.

Especial atenção foi dada à análise dos conteúdos retóricos dos estilos videográficos e das narrativas icônicas das propagandas, como pode ser visto nas peças das campanhas de Benedita da Silva e Celso Pitta (ver figuras 1 e 2). É importante sublinhar que o cerne do nosso estudo foi a análise de conteúdo das mensagens, sem nos determos em identificar as causas ou as consequências das propagandas, uma vez que poderíamos incorrer na armadilha de tentar descobrir a intenção por trás dos gestos dos atores. Lembramos de que a preocupação da pesquisa não se limita a identificar os argumentos dos candidatos, mas entender como o embate retórico da campanha materializou-se nas estruturas discursivas das propagandas, uma vez que compreendemos que a chave para investigar as representações raciais e de gênero nos discursos dos candidatos pode ser encontrada observando-se as formas de mensagens implícitas (palavras-chave e imagem), e não somente as explícitas (discursos verbais), como têm sido usualmente feito pelos estudiosos de mídia e política no Brasil. Assim sendo, o nosso interesse foi sublinhar os recursos de comunicação que os candidatos utilizaram em suas campanhas na televisão (gramática e sintaxe da propaganda), por considerar que o estilo dos programas, o ritmo dos debates, bem como a natureza das estratégias retóricas utilizadas por um e outro contendor, fornecem as evidências sobre as estratégias discursivas em corridas birraciais.

O tratamento estatístico da base de dados foi fundamentalmente descritivo, observando as características das variáveis e as correlações entre elas. Não foi possível, no âmbito deste trabalho, explorarmos os dados da planilha para desenvolvermos análises estatísticas mais avançadas. Todavia, esse procedimento revelou-se suficiente para identificarmos a gramática das propagandas dos candidatos negros e dos seus adversários, como também as estratégias retóricas que foram postas em ação em cada momento da campanha. Por outro lado, a análise qualitativa de algumas peças permitiu identificar as propriedades dos discursos, sobretudo as estratégias de persuasão e construção de imagem quando dimensões de raça e gênero fazem parte da corrida eleitoral.

Por fim, o que essas quatro campanhas mostraram (Benedita da Silva, Cesar Maia, Celso Pitta e Luiza Erundina) é que, observando as mensagens raciais no debate que se travava no HGPE, verifica-se que não é a frequência, ou melhor, a maior recorrência de mensagens com conteúdo racialmente relacionado que indica a importância desse tema para a estratégia da campanha, tampouco a proporção em que elas são utilizadas. No que se refere à questão racial - devido ao caráter polissêmico das mensagens e à sua capacidade de ressignificar a imagem dos candidatos em termos dos seus atributos pessoais e dos compromissos políticos das suas campanhas -, aquilo que se quer esconder conta tanto quanto aquilo que se quer explicitar. Assim sendo, o mais frequente nas campanhas birraciais é o uso de mensagens implícitas, mais que as explícitas. São mais os discursos e as aparições que são cotejadas e racionalmente distribuídas que nos revelam as estratégias discursivas desses candidatos negros e dos seus adversários do que os debates abertos sobre a questão racial no Brasil.

Figura 1
Clipes das mensagens raciais implícitas na campanha de Benedita da Silva, em 1992

Figura 2
Clipe das mensagens raciais implícitas na campanha de Celso Pitta, em 1996

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  • 1
    Este artigo traz uma síntese das conclusões da pesquisa A Inevitável Visibilidade da Cor: estudo comparativo das campanhas de Benedita da Silva e Celso Pitta às prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo, nas eleições de 1992 e 1996 (Oliveira, 2007).
  • 2
    Valentino, Hutchings e White (2002) identificam três categorias de mensagens. Primeiro, aquelas propagandas que narram questões racializadas, mas que as mensagens não incluem imagens de negros e minorias. Segundo, propagandas que, enfatizando os ganhos de determinado grupo étnico-racial concernentes ao acesso a bens coletivos, sugerem que outros grupos estão em desvantagens em relação ao primeiro. Terceiro, a propaganda pode conter narrativas que enfatizam os ganhos de um grupo étnico-racial acompanhados da imagem desse grupo, mas sem estabelecer comparações com outros grupos.
  • 3
    De acordo com Figueiredo e Aldé (2003, p. 6), um segmento é um trecho do programa televisivo que tem “autonomia discursiva”. Os autores explicam que, frequentemente, as divisões entre os segmentos são demarcadas por cortes de som e imagem, mudança de cenário ou por meio do uso de vinhetas. Em outras oportunidades – apesar das mudanças de cenários e do uso intercalado de várias mensagens de formatos diferentes –, em termo de linguagem televisiva, o conjunto dessas peças revela uma unidade discursiva que permite classificá-la como um segmento de mensagem único.
  • 4
    Programa de Cesar Maia (20/09/1992).
  • 5
    Programas de Luiza Erundina (16/08/1996).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2015
  • Aceito
    11 Jul 2016
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