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Do protesto às urnas: as campanhas em defesa da causa homossexual nas eleições de 1982

From the protest to the elections: the campaigns in defense of gay cause in the 1982 elections

Resumo

Este artigo analisa a relação entre o movimento homossexual brasileiro e a política institucional no período da transição, focalizando as campanhas em defesa da causa homossexual lançadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 1982. O argumento é o de que o movimento homossexual, ao final do ciclo de protestos pela democratização, não entrou em descenso, mas se manteve mobilizado nas arenas partidária e eleitoral. O trânsito em direção à política institucional foi favorecido pelas oportunidades políticas abertas pelo processo de transição brasileiro: a Reforma Partidária de 1979, a renovação das esquerdas, a fundação do PT, as eleições de 1982 e a circulação de ativistas, tanto em redes transnacionais quanto entre o movimento social e os partidos políticos. Por fim, este trabalho defende que a experiência acumulada nas eleições de 1982 favoreceu a adoção, pelo movimento, de quadros interpretativos e repertórios de ação mais institucionalizados.

Palavras-chave:
movimentos sociais; política institucional; movimento homossexual brasileiro; transição política; Partido dos Trabalhadores; eleições de 1982

Abstract

The article analyzes the relationship between the Brazilian homosexual movement and institutional policy in the transition period, focusing on campaigns in defense of gay cause launched by the Workers’ Party (PT, in Portuguese) in the 1982 elections. The argument is that the homosexual movement, the end of the cycle of protests for democracy, did not go into decline, but remained mobilized the party and electoral arena. The traffic towards institutional policy was favored by the political opportunities offered by the Brazilian transition: the 1979 Party Reform, the renewal of the left, the foundation of the PT, the 1982 elections to and circulation of activists both in transnational networks as between social movements and political parties. In the end, the article argues that the experience accumulated in the 1982 elections favored the adoption, by the movement, of more institutionalized frames and repertoires of collective action.

Keywords:
social movements; institutional politics; Brazilian homosexual movement; political transition; Workers Party; elections of 1982

O movimento homossexual2 2 Somente na década de 1990, o movimento passou a nomear, de forma expressa, a pluralidade de sujeitos políticos em seu interior, adotando siglas que tentavam dar conta de identidades políticas como lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. A sigla utilizada atualmente, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), foi aprovada na 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais(GLBT) realizada em Brasília no período de 5 a 8 de junho de 2008. A sigla atual foi escolhida com a finalidade de valorizar as lésbicas no contexto da diversidade sexual e também de aproximar o termo brasileiro do termo predominante em outros países. Como este artigo analisa acontecimentos históricos ocorridos no período anterior a essa categorização, utilizarei o termo “movimento homossexual brasileiro” como forma de dialogar com a bibliografia disponível (MacRae, 1990; Green, 2000; Facchini, 2002; Facchini e Simões, 2009). surge no Brasil no final dos anos 1970, no bojo do ciclo de protestos pela democratização do país, quando movimentos sociais de oposição ao regime militar experimentaram considerável elevação em seus níveis de mobilização. Os primeiros agrupamentos,3 3 Facchini (2002) ressalta que os primeiros grupos eram formados, em sua maioria, por homens. O Somos, primeiro grupo organizado do país, só recebeu as primeiras integrantes mulheres em fevereiro de 1979, quase um ano após a sua fundação enquanto Núcleo de Ação pelos Direitos dos Homossexuais (Fernandes, 2014). embora diferentes entre si, traziam em comum o forte conteúdo libertário. Declaravam-se autônomos em relação ao Estado e aos partidos políticos e também contrários às formas de organização hierárquicas e centralizadoras, motivo pelo qual propunham a construção de formas organizacionais dotadas de mecanismos democráticos de tomada de decisão. Defendiam o livre exercício da sexualidade, criticavam as relações monogâmicas e propunham a superação das hierarquias sociais, em especial as sexuais e de gênero. O foco estava, principalmente, na transformação da vida cotidiana (MacRae, 1990; Green, 2000______. Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo: Editora da Unesp, 2000.; Facchini, 2002FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90 a partir da cidade de São Paulo. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002.; Facchini e Simões, 2009).

O discurso antiautoritário dos atores, comum aos movimentos sociais do período, parece ter influenciado, em alguma medida, a literatura sobre a gênese do movimento homossexual brasileiro. Nesse sentido, tanto o trabalho de MacRae (1990) sobre o grupo Somos quanto o de Facchini (2002FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90 a partir da cidade de São Paulo. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002.), sobre a retomada do ativismo por meio das organizações governamentais nos anos 1990, focalizaram, sobretudo, os processos de negociação simbólica engendrados na constituição das identidades coletivas internas ao movimento. Sob essa perspectiva, a interação com os partidos políticos e o engajamento nos ciclos eleitorais foram pouco observados, sendo a presença dos partidos, muitas vezes, vinculada quase exclusivamente a práticas da cooptação. Contudo, estudos recentes têm iluminado aspectos inicialmente pouco analisados pelos pesquisadores. Entre os tópicos ressaltados por estes pesquisadores estão a relação com o Estado (Santos, 2007SANTOS, Gustavo Gomes da Costa. Mobilizações homossexuais e Estado no Brasil: São Paulo (1978-2004). Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 22, n. 63, p. 121-135, 2007. ) e o papel desempenhado por agremiações de esquerda, bem como por ativistas com múltipla filiação, os quais transitaram entre o movimento homossexual e os partidos políticos desde o início da década de 1980 (De La Dehesa, 2010; Green, 2012______. Quem é o macho que quer me matar? Homossexualidade masculina, masculinidade revolucionária e luta armada brasileira dos anos 1960 e 1970. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n. 8, p. 58-93, 2012.; Green e Quinalha, 2014).

Este artigo busca investigar as relações entre o movimento homossexual e a política institucional no período da transição política. O argumento é o de que o movimento, ao final do ciclo de protestos pela democratização, não entrou em um período de descenso, como boa parte da literatura interpretou. Embora alguns grupos tenham enfrentado rupturas e outros tenham desaparecido, ativistas mantiveram-se mobilizados na arena partidária, especialmente durante as eleições de 1982, quando se engajaram em campanhas com forte conteúdo contracultural, responsáveis por canalizar as demandas libertárias do ciclo de protestos em direção à política institucional. A inserção no processo eleitoral foi favorecida por um conjunto de oportunidades políticas (Tarrow, 2009______. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Vozes, 2009.) abertas pela transição brasileira, entre as quais: a Reforma Partidária de 1979, a renovação das esquerdas, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), a realização das eleições de 1982 e a circulação de ativistas, tanto em redes transnacionais quanto entre o movimento social e os partidos.

A partir do arsenal teórico proposto pela abordagem do confronto político (McAdam, McCarthy e Zald, 1996; Goldstone, 2003GOLDSTONE, Jack A. Introduction: bridging institutionalized and noninstitutionalized politics. In: GOLDSTONE, Jack. (Ed.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003.; Tarrow e Tilly, 2007TARROW, Sidney; TILLY, Charles. Contentious politics. Boulder: Paradigm Publishers, 2007.; Tarrow, 2009; McAdam e Tarrow, 2009), este trabalho analisa as campanhas eleitorais em favor da causa homossexual nas eleições de 1982 em quatro estados: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. As campanhas analisadas foram impulsionadas pelo PT, a primeira agremiação brasileira a incluir, em um programa eleitoral, de forma expressa, a defesa dos direitos dos homossexuais. Ao final, este artigo discute de que modo o engajamento partidário e eleitoral favoreceu a adoção, pelo movimento, de quadros interpretativos (Snow e Benford, 2000SNOW, David A.; BENFORD, Robert D. Framing process and social movements: an overview and assessment. Annual Review of Sociology, n. 26, p. 611-39, 2000.; Tarrow, 2009) e repertórios de ação (Tarrow, 2009) mais institucionalizados, bem como permitiu, nos anos seguintes, a ampliação do arco de alianças em direção às instituições políticas.

A análise qualitativa das candidaturas foi realizada com foco em três questões principais: as trajetórias dos candidatos, os quadros interpretativos e os repertórios de ação coletiva. Foram utilizadas fontes primárias, entre as quais se destacam materiais originais de campanha (panfletos, cartazes e fotografias), e secundárias (artigos de revistas, jornais, boletins informativos e livros). Estas fontes de informação foram levantadas em arquivos de instituições, como o Centro Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Perseu Abramo (FPA), o Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e o Centro de Documentação e Memória (Cedem) da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Também foram consultados arquivos privados, como o Acervo Bajubá, e fundos disponibilizados virtualmente, como a Biblioteca Virtual da Unesp e o blog Memória e História, do Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) e do Movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (MLGBT), mantido pela historiadora Rita Colaço. Durante a pesquisa de campo, o autor recebeu de entrevistados, colecionadores e pesquisadores doações ou cópias de materiais que não estavam disponíveis para consulta pública ou que eram de difícil acesso. Para complementar a pesquisa documental, foram realizadas oito entrevistas semiestruturadas, tanto com ativistas procedentes de grupos homossexuais,como o Somos, o Grupo de Ação Lésbica Feminista(Galf) e a Facção Homossexual da Convergência Socialista (CS), quanto com ativistas aliados da causa homossexual que atuaram diretamente nas campanhas eleitorais analisadas.

Movimentos sociais e política institucional na literatura internacional

Nos últimos anos, uma extensa agenda de pesquisa vem chamando a atenção para as relações entre atores institucionais e não institucionais. Até os anos 1980, prevaleceu a ideia de que os movimentos sociais eram autênticos outsiders em relação ao Estado e aos partidos políticos (Goldstone, 2003GOLDSTONE, Jack A. Introduction: bridging institutionalized and noninstitutionalized politics. In: GOLDSTONE, Jack. (Ed.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003.). Essa tendência foi reforçada pelas duas abordagens predominantes nos anos 1970: a Teoria da Mobilização de Recursos (McCarthy e Zald, 1977), mais presente nos Estados Unidos, que focalizava a racionalidade e a organização dos movimentos, sem dar relevo às suas interações com o ambiente político; e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (Habermas, 1987HABERMAS, Jürgen. New social movements. Telos, New York, n. 49,p. 33-37, 1987.; Melucci, 1989MELUCCI, Alberto. Um objetivo para os movimentos sociais? Lua Nova, São Paulo, n. 17,p.49-66, jun. 1989.; Touraine, 1989TOURAINE, Alain. Os novos conflitos sociais: para evitar mal-entendidos. Lua Nova, n. 17, p. 17-28, jun. 1989.), bastante influente na Europa e depois na América Latina, que buscava construir uma explicação cultural para a ação coletiva. Nessa abordagem, a política institucional era vista pelos pesquisadores como inimiga dos movimentos sociais, que se opunham ao Estado, aos partidos políticos e aos valores dominantes. Consequentemente, as análises concentraram-se na esfera societária e na dimensão cultural da ação coletiva, tomando movimento social como um conjunto de grupos.

O desaparecimento da arena política na abordagem dos novos movimentos sociais estaria mais relacionado a uma percepção dos pesquisadores de que muitos dos movimentos surgidos após 1968 não tinham como opção a atividade política institucionalizada (Goldstone, 2003GOLDSTONE, Jack A. Introduction: bridging institutionalized and noninstitutionalized politics. In: GOLDSTONE, Jack. (Ed.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003.). Os negros estadunidenses haviam acabado de conquistar o direito ao voto, ao passo que muitos dos estudantes que se manifestavam sequer tinham a idade mínima para ir às urnas. As mulheres e os homossexuais, historicamente sub-representados na política institucional, seguiriam a mesma tendência. Isso não significa que os chamados “novos movimentos” não tenham lançado mão de táticas e estratégias políticas mais institucionalizadas, como a participação em campanhas eleitorais, o voto e o lobby, mas indica que tais ações não ganhavam relevo nos estudos porque os pesquisadores focalizavam os processos de formação de identidades dos ativistas.

Este artigo fundamenta-se em uma abordagem interacionista dos movimentos sociais (Tilly, 1978TILLY, Charles. From mobilization to revolution. Massachusetts: Addison-Wesley, 1978.; McAdam, McCarthy e Zald, 1996; Goldstone, 2003GOLDSTONE, Jack A. Introduction: bridging institutionalized and noninstitutionalized politics. In: GOLDSTONE, Jack. (Ed.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003.; Tarrow e Tilly, 2007TARROW, Sidney; TILLY, Charles. Contentious politics. Boulder: Paradigm Publishers, 2007.; Tarrow, 2009; McAdam e Tarrow, 2011), que propõe analisá-los a partir de um quadro político mais amplo, no qual interagem partidos, meios de comunicação, contramovimentos, público espectador e governos estrangeiros. Embora considere os movimentos sociais e o sistema político institucional dois fenômenos distintos, a abordagem do confronto político ressalta que estes possuem, muitas vezes, táticas correspondentes, “frequentemente desenhadas pelos mesmos atores e com os mesmos objetivos” (Goldstone, 2003), sendo, portanto, mutuamente constitutivos (McAdam e Tarrow, 2011).

Sob essa perspectiva, os movimentos sociais são compreendidos como ações sustentadas de longo prazo por grupos conectados entre si por meio de redes de largo alcance (Tarrow, 2009______. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Vozes, 2009.). A depender do contexto de oportunidades políticas, movimentos podem lançar mão de um vasto repertório de mobilização, que inclui tanto o protesto de rua quanto as ações políticas institucionalizadas (Meyer e Tarrow, 1998MEYER, David S.; TARROW, Sidney. A movement society: contentious politics for the new century. Lanham: Rowmanand Littlefield, 1998.). Em determinados períodos, movimentos podem passar muito tempo longe das ruas, fazendo lobby parlamentar ou trabalhando para fornecer informações estratégicas para suas bases. Entretanto, o protesto pode ser uma maneira de fazer com que as instituições políticas tornem-se mais facilmente permeáveis às suas demandas. Essa dinâmica indica que a rotina de contestação quase sempre possui uma relação direta com o trabalho dos parlamentos, órgãos executivos e tribunais (Goldstone, 2003GOLDSTONE, Jack A. Introduction: bridging institutionalized and noninstitutionalized politics. In: GOLDSTONE, Jack. (Ed.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003.).

Quando identificam mudanças em termos de oportunidades políticas, movimentos sociais tendem a adaptar seus quadros interpretativos e repertórios de ação. Os quadros interpretativos (frames) referem-se aos significados simbólicos e culturais da ação coletiva. São esquemas cognitivos e discursivos, que constituem tanto as interpretações da realidade social elaboradas pelos ativistas quanto o simbolismo inerente às formas de mobilização. O processo de enquadramento interpretativo (framing process) de um dado conflito revela as disputas valorativas em torno do significado da realidade e visa angariar legitimidade pública à causa, recrutar simpatizantes e apoiadores e construir novas identidades coletivas e políticas. Por meio desse trabalho cognitivo e simbólico, ativistas formulam mensagens, slogans ou lemas alinhados com determinadas tradições culturais, que são continuamente reproduzidos, transformados ou contestados conforme os movimentos interagem com outros agentes e na medida em que se alteram as oportunidades e as restrições políticas (Snow e Benford, 2000SNOW, David A.; BENFORD, Robert D. Framing process and social movements: an overview and assessment. Annual Review of Sociology, n. 26, p. 611-39, 2000.; Tarrow, 2009______. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Vozes, 2009.).

Os repertórios de ação dizem respeito às formas utilizadas para interagir com a sociedade e com os opositores. Como estas formas são herdadas socialmente e constantemente remodeladas pelos agentes, tais repertórios de ação remetem a grupos particulares que possuem uma história e uma memória particulares. São escolhidos e combinados de forma estratégica, a depender do contexto, das demandas e dos objetivos dos atores. As ações podem ser violentas (não necessariamente violentas, mas ameaçadoras da ordem existente), pacíficas ou até mesmo institucionalizadas, como é o caso das petições públicas. A violência, embora seja um recurso mais fácil de ser mobilizado, pode atrair reações repressivas por parte dos opositores, ao passo que manifestações pacíficas tendem a mobilizar grandes massas (Tarrow, 2009______. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Vozes, 2009.).

Em contextos eleitorais, as fronteiras entre movimentos sociais e partidos políticos tendem a tornar-se mais permeáveis, estimulando uma interação mais intensa entre as partes. Do ponto de vista dos movimentos, os engajamentos partidário e eleitoral podem ser uma oportunidade para ampliar o alcance de suas reivindicações, angariar novos aliados entre as elites políticas e criar relações com as instituições. A vitória de partidos aliados em diferentes níveis (Legislativo e Executivo; regional ou federal) pode servir de incentivo para a mobilização no período posterior às eleições (Van-Dyke, 2003). E, eventualmente, partidos governistas podem sentir-se pressionados a incorporar reivindicações dos movimentos que antes figuravam apenas nos programas dos partidos de oposição (Kriesi, 2015______. Party systems, electoral systems and social movements. Tuscany: European University Institute, 2015. (European University Institute Working Pappers and Publications). Disponível em <http://www.eui.eu/Projects/POLCON/Documents/Kriesipartysystems.pdf>. Acesso em: 1º set. 2015.
http://www.eui.eu/Projects/POLCON/Docume...
). Todavia, o leque de oportunidades oferecido pelo engajamento eleitoral não significa que os movimentos sociais têm o poder de afetar facilmente as prioridades das elites (Tarrow, 2009______. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Vozes, 2009.). Não raro, a expansão do conflito na esfera pública serve apenas para criar oportunidades políticas para elites defenderem interesses próprios em nível institucional.

Para os partidos políticos, as alianças com os movimentos sociais podem ser uma oportunidade de desafiar os partidos rivais e ampliar suas bases eleitorais. Porém, nem todos os partidos tornam-se imediatamente disponíveis para uma política de alianças com os movimentos. Para Kriesi (2015______. Party systems, electoral systems and social movements. Tuscany: European University Institute, 2015. (European University Institute Working Pappers and Publications). Disponível em <http://www.eui.eu/Projects/POLCON/Documents/Kriesipartysystems.pdf>. Acesso em: 1º set. 2015.
http://www.eui.eu/Projects/POLCON/Docume...
), nos sistemas multipartidários, enquanto os “partidos principais” estão expostos a uma tensão permanente entre o papel de representantes do público cidadão nacional e o de governantes responsáveis, os “partidos periféricos”, cujas chances de participar do governo são pequenas, veem-se menos expostos às pressões dos sistemas político e econômico, ficando livres para dar voz a pessoas comuns e aos movimentos sociais. Estes partidos cumprem, desta forma, a função representativa tão negligenciada pelos “partidos principais” e podem constituir “um canal para os desafios populares dentro do sistema partidário” (Mair, 2011MAIR, Peter. Bini Smaghi vs. the Parties: representative government and institutional constraints. Tuscany: RSCAS/European University Institute, 2011. (RSCAS Working Paper).). Tais partidos, geralmente localizados à esquerda no espectro político, têm sido particularmente mais acessíveis aos chamados “novos movimentos sociais”, como apontou o próprio Kriesi (1995) em seu estudo sobre os movimentos pós-materiais na Europa ocidental nos anos 1980.

Se, por um lado, as fronteiras entre a política institucionalizada e a não institucionalizada tendem a ser mais difusas do que possam parecer, por outro, não há razão para esperar que o protesto e a política convencional possam ser substituídos, com grupos de movimento social abandonando o primeiro na medida em que se tornam capazes de utilizar o segundo. Enquanto alguns grupos podem, em determinados momentos, ser mais “in” - no sentido de serem mais alinhados e integrados com as instituições políticas-, outros grupos podem ser mais “out”, de modo que muitas vezes não há uma linha clara separando “desafiantes” de “insiders”. Para Goldstone (2003GOLDSTONE, Jack A. Introduction: bridging institutionalized and noninstitutionalized politics. In: GOLDSTONE, Jack. (Ed.). States, parties and social movements. New York: Cambridge University Press, 2003.), seria mais correto pensar em um permanente alinhamento e influência entre as duas esferas, com alguns grupos tendo muito pouco acesso à política institucional, outros tendo um pouco mais e outros tendo muito.

Movimentos sociais e política institucional na literatura brasileira

O processo de abertura “lenta, gradual e segura” iniciado pelo governo Geisel em 1974 escancarou as disputas internas ao regime militar, que opunham os generais moderados e “linhas-duras”. Ao mesmo tempo, o agravamento da crise econômica inaugurada em 1973 favoreceu o descontentamento de diversos setores sociais, que interpretaram as sucessivas vitórias eleitorais do partido oposicionista, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), nos anos de 1974, 1976 e 1978, como uma espécie de “efeito demonstração” para a mobilização política. Em função dos intensos fluxos migratórios, as capitais brasileiras haviam crescido de maneira desordenada durante a década anterior, gerando inúmeros problemas sociais e de infraestrutura. Neste contexto, ganhou corpo, nas periferias das grandes cidades, uma extensa rede de associativismo que se mobilizava para reivindicar a melhoria dos serviços públicos de saúde, transporte, moradia, saneamento e educação (Kowarick, 1987KOWARICK, Lúcio. Movimentos sociais urbanos no Brasil contemporâneo: uma análise da literatura. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 3, n. 1, p. 38-50, 1987.; Cardoso, 1987______. Os movimentos sociais na América Latina. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 3, n. 1, p. 27-37, 1987.; Boschi, 1987BOSCHI, Renato. A arte da associação: política de base e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ/Vértice, 1987.).

O cenário de retomada da mobilização social deu fôlego aos estudos sobre os movimentos sociais nas décadas de 1970 e 1980, com foco nos chamados “movimentos sociais urbanos”. Devido ao contexto autoritário, que impunha o fechamento dos canais de participação política, os movimentos de bairro teriam tomado uma posição de desconfiança em relação ao Estado, que além de ineficiente, era visto como agente de repressão, desmobilização e cooptação. O discurso da autonomia passou a ser enfatizado pelos movimentos, de modo a valorizar os laços de solidariedade entre os atores que resistiam à ameaça representada pelas instituições autoritárias. Essa estratégia levou alguns pesquisadores a retratarem o Estado e os partidos políticos como inimigos dos movimentos sociais (Evers, 1982EVERS, Tilman. Movimento de bairro e Estado: lutas na esfera da reprodução na América Latina. In: MOISÉS, José Álvaro (Org.). Cidade, povo e poder. Rio de Janeiro: Cortez; Paz e Terra, 1982.; Sader, 1988SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.), deixando-os, muitas vezes, fora das análises. Muito se falou, por exemplo, sobre uma possível crise das estruturas partidárias, que estaria implícita na emergência das novas formas associativas, de modo que esse debate acabou por suplantar a realidade bastante complexa da transição política, na qual o Estado buscava, de todas as formas, acomodar o processo de revitalização da sociedade civil.

Nos anos seguintes, pesquisadores com um perfil mais institucionalista (Kowarick, 1987KOWARICK, Lúcio. Movimentos sociais urbanos no Brasil contemporâneo: uma análise da literatura. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 3, n. 1, p. 38-50, 1987.; Cardoso, 1987______. Os movimentos sociais na América Latina. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 3, n. 1, p. 27-37, 1987.; Boschi, 1987BOSCHI, Renato. A arte da associação: política de base e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ/Vértice, 1987.) passaram a enfatizar as relações entre os chamados movimentos sociais urbanos e o Estado, reconhecendo, na combinação de formas de ação institucionalizadas e não institucionalizadas, uma maneira de garantir, ao mesmo tempo, autonomia e representação de interesses no enfrentamento às autoridades (Boschi, 1987; Jacobi, 1990JACOBI, Pedro Roberto. Movimentos sociais urbanos: os desafios da construção da cidadania. Cadernos do Ceas, v. 129, p. 34-44, 1990.). Entretanto, o engajamento institucional “equilibrado” nem sempre era possível, pois “a manutenção da autonomia levava a um provável insucesso, enquanto um êxito relativo caracterizava o envolvimento pela lógica do Estado” (Boschi, 1987, p. 14). Em um balanço crítico acerca da pesquisa sobre os movimentos sociais urbanos dos anos 1970, Cardoso (1984) afirma que os movimentos libertários (mulheres, negros, homossexuais, ambientalistas) também buscaram, nos partidos, instrumentos para a transformação do Estado, mas esbarraram em dificuldades semelhantes, uma vez que a opção partidária implicava ruptura do “consenso criado pela vivência comum” (ibidem, p. 348).

Contudo, nos últimos anos, pesquisadores brasileiros têm buscado avançar nesse debate, borrando ainda mais as rígidas fronteiras que separavam sociedade civil e Estado nos estudos dos anos 1980 (Carlos, 2011CARLOS, Euzeneia. Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização. Lua Nova, v. 84, p. 315-348, 2011.; 2015; Tatagiba, 2011TATAGIBA, Luciana. A questão dos atores, seus repertórios de ação e implicações para o processo participativo. In: PIRES, Roberto Rocha (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011.; Lavalle e Szwako, 2015LAVALLE, Adrian Gurza; SZWAKO, José. Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate. Opinião Pública, v. 21, n. 1, p. 157-187, 2015. ; Szwako, 2012). Com base em robustas evidências empíricas, propõem complementar “perspectivas dualistas, autônomas e dicotômicas” (Carlos, 2011, p. 15) com um enfoque dotado de maior dinamismo, que compreenda a ação coletiva e a política institucional enquanto campos cujas fronteiras são, muitas vezes, “fluidas e imprecisas”(op. cit.), sem, no entanto, ignorar a dimensão cultural da ação coletiva. Essa mudança de foco permitiria captar, com maior precisão, “a diversidade das interações dos movimentos com governos, agências estatais, partidos políticos ou outros atores político-institucionais, assim como da natureza dessas inter-relações e de seus efeitos para os atores societários e institucionais” (op. cit.).

Essa literatura também questiona alguns pressupostos bastante naturalizados acerca das interações entre movimentos sociais e sistema político nos estudos brasileiros (Lavalle e Szwako, 2015LAVALLE, Adrian Gurza; SZWAKO, José. Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate. Opinião Pública, v. 21, n. 1, p. 157-187, 2015. ). Por exemplo, o argumento de que a emergência dos movimentos sociais nos anos 1970 ocorreu em um momento de “autonomia plena” (Avritzer, 2012AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil e Estado no Brasil: da autonomia à interdependência política. Opinião Pública, v. 18, n. 2, p. 383-398, 2012., p. 392), em que a sociedade civil teria expressado um movimento de “autonomia social” (ibidem, p. 386) em relação ao Estado, é duramente confrontado com os recentes avanços da pesquisa, que apontam uma forte interação entre essas esferas pelo menos desde o século XIX (Alonso, 2011ALONSO, Angela. Associativismo avant la lettre: as sociedades pela abolição da escravidão no Brasil oitocentista. Sociologias, v. 28, p. 169-199, 2011.), em uma demonstração de que essas dinâmicas não esperaram nem a chegada do século XX e nem o estabelecimento de um regime democrático para ganharem forma. Em vez de focar as dicotomias, Lavalle e Szwako (2015, p. 166) sustentam que é necessário “explicar o conjunto de dinâmicas, padrões, encaixes e lógicas” que configuram as interações socioestatais.

Em se tratando de eleições, muito embora a literatura brasileira mencione, desde os anos 1980, a tendência à partidarização de lideranças de movimentos sociais, especialmente após o fim do bipartidarismo em 1979 (Cardoso, 1984CARDOSO, Ruth. Movimentos sociais urbanos: balanço crítico. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia (Orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1984.; Boschi, 1987BOSCHI, Renato. A arte da associação: política de base e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ/Vértice, 1987.), pouco se falou sobre o papel desempenhado pelas eleições de 1982 enquanto ponto de inflexão na relação entre o Estado e os movimentos sociais oriundos do ciclo de protestos pela democratização. As pesquisas, de modo geral, dedicaram maior atenção às eleições de 1986, visto que o pleito daquele ano foi responsável por eleger os parlamentares que comporiam a Assembleia Constituinte,4 4 Os estudos sobre o movimento ambientalista são um bom exemplo neste sentido. Ver Viola (1987) e Alonso, Costa e Maciel (2007). e constituiu, portanto, uma oportunidade política decisiva para os movimentos que buscavam mudanças institucionais. Todavia, há de se considerar que foi com a Reforma Partidária de 1979 e com as eleições de 1982 que grande parte dos movimentos sociais oriundos da abertura fizeram seu début na arena eleitoral. Foi também neste momento que o regime militar consolidou a fragmentação das forças oposicionistas em três agremiações - Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Democrático Trabalhista (PDT) -, enquadrando-as dentro de uma arena política altamente regulamentada, cujo objetivo era, entre outras coisas, frustrar as expectativas liberalizantes gestadas durante o ciclo de protestos. Essa lacuna na literatura impediu que os pesquisadores pudessem analisar, de forma mais aprofundada, as transformações experimentadas pelos movimentos sociais durante o processo de transição brasileiro.

Os estudos sobre o movimento homossexual constituem um bom exemplo de como as alterações nos sistemas político e eleitoral ocorridas entre 1979 e 1982 foram subestimadas pelos pesquisadores na análise dos movimentos sociais. Ainda que os trabalhos tenham identificado uma mudança de perfil do ativismo homossexual ao final do ciclo de protestos (Facchini, 2002FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90 a partir da cidade de São Paulo. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002.; Facchini e Simões, 2009), ressaltando a emergência de lideranças e grupos focados em táticas institucionais ao longo dos anos 1980, ao passo que declinavam os grupos de perfil libertário, tais mudanças foram creditadas a um número sem fim de variáveis do ambiente político, sem que fosse observado o papel desempenhado pelos partidos e eleições. O engajamento de ativistas homossexuais nas eleições de 1982 e seus desdobramentos apareceram pela primeira vez, com maior destaque, recentemente, no trabalho de La Dehesa (2010). Entretanto, o autor focaliza a mobilização dos grupos homossexuais organizados e a atuação de ativistas independentes, citando, de maneira muito breve, a existência de campanhas eleitorais voltadas para a causa homossexual e a mobilização dos ativistas dentro dos partidos.

O movimento homossexual brasileiro no ciclo de protestos pela democratização

A emergência dos movimentos de bairro, de estudantes e operários, assim como a crescente mobilização dos movimentos de mulheres e negros ao longo dos anos 1970, contribuiu para alargar a percepção das oportunidades políticas de ativistas e intelectuais interessados na politização da questão homossexual. Entretanto, a constituição dos primeiros grupos e iniciativas de ativismo gay e lésbico esteve intimamente relacionada com os contextos de micromobilização gestados no período anterior à abertura política. Por contextos de micromobilização compreendem-se os ambientes ou as situações de interação social, como instituições profissionais, grupos culturais e redes de amizade em que são constituídas interpretações comuns, laços afetivos, lealdades comunitárias e sentimento de pertencimento, permitindo que indivíduos comuns tornem-se ativistas, interferindo diretamente nas suas percepções, interpretações e escolhas políticas (Gamson, 1992GAMSON, Willian. The social psychology of collective action. In: MUELLER, Carol M.; MORRIS, Aldon D. (Eds.). Frontiers in social movement theory. New Haven; London: Yale University Press, 1992.).

Considerando a vasta literatura sobre homossexualidade no Brasil, os estudos sobre a formação do movimento homossexual e o material empírico coletado durante esta pesquisa, é possível afirmar que a formação do movimento homossexual brasileiro deu-se, sobretudo, por meio da interação entre ativistas que circularam entre os círculos da contracultura e da esquerda das décadas de 1960 e 1970. No ambiente da transição, tanto os ativistas com filiação múltipla quanto os mais refratários ao engajamento partidário e/ou em organizações de esquerda interagiram, em maior ou menor grau, com essas duas dimensões do contexto político. Porém, o posicionamento em determinados contextos de micromobilização permitiu que uma parte destes ativistas interpretasse a opção partidária e eleitoral como estratégica, ao passo que outros, posicionados em contextos distintos, optassem por uma relação mais distante quanto às instituições políticas.

Quatro contextos de micromobilização foram fundamentais para a formação do ativismo homossexual brasileiro: as mobilizações pontuais em defesa do gueto homossexual durante os anos de chumbo (Colaço, 2012COLAÇO, Rita. De Daniele a Chrysóstomo: quando travestis, bonecas e homossexuais entram em cena. 2012. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2012.; Morando, 2014MORANDO, Luiz. Por debaixo dos panos. In: GREEN, James; QUINALHA, Renan (Orgs.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Paulo: Editora UFSCar , 2014.); a produção e a circulação de bens contraculturais, entre os quais se destacam a música de protesto, o teatro engajado e a literatura marginal, cuja disseminação, interpretada socialmente como parte do “desbunde”5 5 Os jovens do período da ditadura que se mostraram avessos ao combate ao regime militar, por meio das organizações armadas, eram vistos como adeptos do “desbunde”, movimento contracultural e comportamental que se baseava na ideia de transformação da vida íntima. O cineasta homossexual Luiz Carlos Lacerda (Dias, 2003, p.310) afirma que as pessoas “queriam uma maior abertura na sociedade e na vida pessoal”, aspiração que não era possível de ser alcançada no interior das organizações de esquerda dos anos 1960, sob as quais pairava o ideal do sacrifício militante e da disciplina militar. Entretanto, diversos trabalhos, como o de Dias (op. cit.), têm abordado a contracultura da época como parte importante da oposição ao regime militar, visto que se baseava na crítica à censura, à rigidez dos códigos morais e à ausência de liberdades individuais. gay, produziu uma linguagem de contestação que daria a tônica do movimento (Souza, 2013SOUZA, Rafael. Saindo do gueto: o movimento homossexual no Brasil da abertura, 1978-1982. 2013. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.); os jornais da chamada “imprensa alternativa”, criados para contrapor o discurso da grande imprensa sobre o regime militar, cujas páginas não só abriram espaço para uma abordagem política da homossexualidade como também ofereceram, em alguma medida, um modelo de produção jornalística que seria posteriormente adotado pelo movimento; e, finalmente, as organizações da esquerda revolucionária, que passavam por um processo de reorganização após a derrota da luta armada.

Em 1978, o lançamento do jornal alternativo Lampião da Esquina marcou o surgimento de uma imprensa homossexual “politizada” no Brasil. Diferentemente dos jornais gays artesanais, como oSnob, ExeBeijo, que circularam em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo no início da década de 1970 (Figari, 2007FIGARI, Carlos. @s “outr@s” cariocas - interpelações, experiências e identidades homoeróticas no Rio de Janeiro: séculos XVII ao XX. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: UFMG; IUPERJ, 2007.), o Lampião ganhou maior projeção graças ao esquema de distribuição nacional em bancas de revista (Péret, 2011PÉRET, Flávia. Imprensa gay no Brasil: entre a militância e o consumo. São Paulo: Publifolha, 2011.). Editado no formato tabloide, comum entre os alternativos da época, o Lampião funcionou como plataforma de divulgação para o então nascente movimento homossexual. Ao longo das mais de 40 edições, o jornal anunciou a organização de grupos de ativismo homossexual em diversas cidades e inspirou debates políticos, por meio da publicação de artigos sobre temas como homossexualidade, religião, feminismo, racismo, ecologia e prostituição, sempre enfatizando a importância da luta das minorias. A abordagem aproximava-se da noção de micropolítica presente nas obras de teóricos como Michel Foucault e Félix Guattari, mas sempre com uma linguagem debochada, característica do “desbunde” gay.

Imediatamente após o lançamento do Lampião, um grupo de 15 homens, entre os quais diversos editores do jornal, passaram a reunir-se periodicamente em São Paulo para discutir questões relacionadas à sexualidade (Trevisan, 2000______. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro: Record, 2000.). Devido ao medo da repressão, as reuniões eram fechadas e aconteciam na casa dos próprios ativistas. Durante dez meses, sob o nome provisório de Núcleo de Ação pelos Direitos dos Homossexuais, o grupo encabeçou diversas inciativas como, por exemplo, uma carta endereçada ao Sindicato dos Jornalistas de São Paulo que protestava contra o tratamento discriminatório dispensado pela grande imprensa aos homossexuais, em especial o diário Notícias Populares, famoso pela forma jocosa como se referia a gays, lésbicas e travestis (Facchini e Simões, 2009FACCHINI, Regina; SIMÕES, Júlio Assis. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: FPA, 2009.).

Somente em fevereiro de 1979, durante a participação em uma semana de debates sobre movimentos de emancipação promovida pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP), o núcleo adotou o nome Somos.6 6 A nova denominação foi sugerida pelo jornalista Glauco Mattoso, que tomou como inspiração o título do jornal editado pela Frente de Libertação Homossexual da Argentina (MacRae, 1990). O evento marcou uma virada na trajetória do grupo, que assumiu, a partir de então, uma identidade pública, participando de outros debates, organizando abaixo-assinados, comparecendo a protestos para demonstrar solidariedade a outros movimentos, como no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro de 1979, e concedendo entrevistas aos jornais da imprensa alternativa. Entretanto, apesar de uma extensa agenda “para fora”, a proposta central do Somos era fortalecer um sentimento de comunidade entre seus participantes, a partir da troca de experiências e da aceitação da homossexualidade (MacRae, 1990; Facchini, 2002FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90 a partir da cidade de São Paulo. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002.; Facchini e Simões, 2009).

A formação do Somos serviu de incentivo para que outros grupos homossexuais começassem a organizar-se em várias cidades e regiões metropolitanas do país. Ainda em 1979, em São Paulo, surgem, além do Somos, o Eros, a Facção Homossexual da CS, o Grupo Libertos de Guarulhos e o Somos Sorocaba. No Rio de Janeiro, organizaram-se o Auê/RJ, o Somos/RJ e o Grupo de Atuação e Afirmação Gay/Caxias/RJ. Em Brasília, o Beijo Livre. Também ocorrem as primeiras iniciativas de organização em Belo Horizonte e Salvador. Nesse primeiro momento, as principais reivindicações do movimento voltaram-se para a denúncia da repressão policial e do preconceito veiculado pelos meios de comunicação, principais responsáveis pela difusão de uma imagem estigmatizante da homossexualidade (MacRae, 1990; Facchini, 2002FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90 a partir da cidade de São Paulo. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002.; Facchini e Simões, 2009).

O desdobramento do ciclo de protestos colocou os movimentos sociais do período diante do desafio de construírem alianças com partidos, organizações de esquerda e outros movimentos, a fim de potencializar a ressonância de suas demandas como parte da luta por democracia. No caso do movimento homossexual, a política de alianças mostrou-se objeto de dissenso tão logo foram realizados os primeiros encontros nacionais em abril de 1980: o 1º Encontro de Grupos Homossexuais Organizados (EGHO), reservado para grupos organizados e seus convidados, e o 1º Encontro Brasileiro de Homossexuais (EBHO), aberto a todos os homossexuais interessados, (MacRae, 1990). No EGHO, ficou evidente a polarização entre setores autonomistas, que rechaçavam as alianças com a esquerda - sob a justificativa de que os partidos terminariam por cooptar o movimento homossexual - e os setores ligados às organizações de esquerda ou nela referenciados, que defendiam uma política de alianças com partidos e outros movimentos sociais, além de um perfil de movimento mais pautado no protesto de rua.

Em 1º de maio de 1980, um grupo de aproximadamente 20 ativistas homossexuais, em sua maioria integrantes do grupo Somos, uniram-se à marcha do Dia do Trabalhador, em São Bernardo do Campo, empunhando faixas em solidariedade à greve dos operários do ABC, a qual sofria forte represália do regime militar. Em uma das faixas era possível ler “Contra a intervenção no ABC - Comissão Homossexual Pró-1º de Maio” e, na outra, “Contra a discriminação do/a trabalhador/a homossexual” (informação verbal).7 7 Entrevista concedida por GREEN, James Naylor. Entrevista. [Nov. 2014]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2014. Duração: 1:39:59. A participação no ato de 1º de maio provocou uma cisão no Somos, levando a ala mais autonomista a romper para, em seguida, fundar o Grupo de Ação Homossexualista, posteriormente denominado Outra Coisa (Facchini, 2002FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90 a partir da cidade de São Paulo. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002.). O Somos ainda sofreu uma segunda ruptura, encabeçada pelo setor Lésbico Feminista, que rompeu para construir o Galf sob a justificativa de que, apesar de fazer parte do movimento homossexual, as mulheres lésbicas sofriam uma opressão específica e precisavam organizar-se em grupos separados, sem a presença de homens (informação verbal).8 8 Entrevista concedida por FERNANDES, Marisa. Entrevista. [Jan. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet.

A que pesem as tensões internas provocadas pela participação no 1º de maio do ABC, a tendência do movimento ao protesto de rua consolidou-se nas semanas seguintes, com a realização de um protesto contra a Operação Limpeza, uma ação conjunta entre as Polícias Civil e Militar comandada pelo delegado Wilson Richetti, cujo objetivo era reprimir a presença de homossexuais, travestis, prostitutas, garotos de programa e “arruaceiros” em geral no circuito da Boca do Luxo e da Boca do Lixo, na região central da cidade (Perlongher, 2008______. O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo. São Paulo: FPA, 2008.). O movimento homossexual reagiu à onda de repressão indo às ruas em 13 de junho de 1980, naquela que é considerada a primeira manifestação realizada pelo movimento homossexual brasileiro.9 9 Trevisan (1980, p. 18). Em um contexto em que se identificar publicamente como gay ou lésbica quase sempre resultava em repressão, ativistas marcharam pelo centro de São Paulo empunhando faixas com palavras de ordem irreverentes, como “Ada Ada Ada, Richetti é despeitada”, “A B X, libertem as travestis!” e “Somos todas putas!”.10 10 Op. cit.

Nesse primeiro momento, que vai de 1978 a 1980, os quadros interpretativos e os repertórios de ação coletiva do movimento homossexual dividem-se em duas vertentes principais. Enquanto a primeira vertente estava mais vinculada a uma tradição anarquista, de forte inspiração contracultural, cética em relação ao Estado e aos partidos políticos, preocupada com a desconstrução de hierarquias sociais e focada exclusivamente nas questões referentes aos homossexuais, a segunda vertente era menos avessa aos partidos políticos, apresentava maior inclinação à ação externa, prezava pela criação de estruturas organizativas mais ou menos hierarquizadas e mostrava-se mais aberta à construção de alianças com outros movimentos sociais. Na medida em que o ciclo de protestos pela democratização avança e movimentos sociais dos mais variados tipos são estimulados a aderir ao protesto antirregime, verifica-se que a segunda vertente ganha preponderância em relação à primeira (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015.).

Contudo, apesar de o movimento ter assumido um perfil mais disruptivo nesse primeiro momento, muito em função do ambiente político do ciclo de protestos, as resoluções tiradas no 1º EGHO, em abril de 1980, já apontavam para o desenvolvimento de um perfil de ativismo mais institucionalizado. Naquele encontro foi aprovado que o movimento engajar-se-iana luta pela despatologização da homossexualidade, pela introdução de um dispositivo legal de proteção aos direitos dos homossexuais na Constituição brasileira e pela ampla legalização jurídica dos grupos organizados, na promoção de debates sobre homossexualidade durante o congresso anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na denúncia dos casos de discriminação por parte de empregadores e em um maior acompanhamento dos casos de violência policial cometidos contra homossexuais (Facchini e Simões, 2009FACCHINI, Regina; SIMÕES, Júlio Assis. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: FPA, 2009., p. 107).

O engajamento homossexual na fundação do PT

A literatura internacional tem enfatizado as conexões entre o movimento homossexual e os partidos de esquerda, que, em muitos casos, vêm funcionando como “porta de entrada” (De La Dehesa, 2010) do movimento no terreno da política institucional. As alianças teriam começado ainda no século XIX, na Alemanha, quando ativistas como Karl-Heinrich Ulrichs e Magnus Hirschfeld buscaram apoio para a causa entre lideranças do Partido Social Democrata alemão (Dose, 2014DOSE, Ralf. Magnus Hirschfeld: the origins of the gay liberation movement. 3rd ed. New York: Monthly Review Press, 2014.). A tendência repetiu-se nos Estados Unidos, nos anos 1970, após a Revolta de Stonewall, com ativistas homossexuais transitando entre grupos de movimento e pequenos partidos de esquerda (Lekus, 2003LEKUS, Ian. Queer and present dangers: homosexuality and American antiwar activism, 1964-1973. 2003. PhD Dissertation - Duke University, Durham, 2003.). O mesmo ocorreu na França (Fillieule, 2015FILLIEULE, Olivier. Pride and prejudice - how homosexuals and lesbians came out politically in the Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR) 1975-1979. In: ECPR GENERAL CONFERENCE, 2015, Montreal. Annals… Montreal: ECPR, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www.academia.edu/14813624/PRIDE_AND_PREJUDICE_How_Homosexuals_and_Lesbians_Came_Out_Politically_in_the_Ligue_Communiste_R%C3%A9volutionnaire_LCR_1975-1979 >. Acesso em: 14 ago. 2015.
https://www.academia.edu/14813624/PRIDE_...
), em Portugal (Cascais, 2006CASCAIS, António Fernando. Diferentes como só nós: o associativismo GLBT português em três andamentos. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 76, p. 109-126, 2006.), no México (De La Dehesa, 2010), em Porto Rico (Negrón-Munaner, 1992a; 1992b) e na Argentina (Perlongher, 1985PERLONGHER, Néstor. História del Frente de Liberación Homosexual de la Argentina. In: ACEVEDO, Zelmar. (Coord.). Homosexualidad: hacia la destrucción de los mitos. Buenos Aires: Del Ser, 1985.; Sebrelli, 1997SEBRELLI, Juan José. História secreta de los homosexuales em Buenos Áries. In: ______. (Coord.). Escritos sobre escritos, ciudades bajo ciudades, 1950-1997. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1997.; Bellucci, 2010BELLUCCI, Mabel. Orgullo: Carlos Jauregui, una biografia política. Buenos Aires: Grupo Editorial Planeta, 2010.). Em muitos casos, como o dos Estados Unidos, as alianças com os partidos tinham como objetivo deliberado a disputa de cargos legislativos por meio do engajamento eleitoral (Lima, 1983LIMA, Délcio M. Os homoeróticos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1983.).

No Brasil, a primeira metade da década de 1980 foi interpretada pela literatura como um período de desmobilização do movimento homossexual, dada a diminuição do número de grupos organizados em relação à virada dos anos 1970 para os 1980.11 11 Estima-se que houve mais de 20 grupos em atividade em pelo menos sete estados brasileiros entre os anos de 1978 e 1980. Esse número teria caído quase pela metade nos anos seguintes. Para explicar o descenso, pesquisadores apontaram uma série de elementos conjunturais, como o impacto causado pela chegada da epidemia de Aids, em meados de 1982, que teria abalado as propostas de liberação sexual defendidas pelo movimento (Perlongher, 1991______. O desaparecimento da homossexualidade. In: DANIEL, Herbert et al. (Orgs.). Saúde e Loucura 3. São Paulo: Hucitec, 1991. ); o fim do jornal Lampião da Esquina, cuja última edição foi às bancas em junho de 1981 (MacRae, 1990; Silva, 1998SILVA, Cláudio R. Reinventando o sonho: história oral de vida política e homossexualidade no Brasil contemporâneo. 1998. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.; Green, 1998GREEN, James. More love and more desire: the building of a Brazilian movement. In: ADAM, Barry; DUYVENDAK, Jan Willem; KROUWEL Andre. (Eds.). The global emergence of gay and lesbian politics: national imprints of a worldwide movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. ); o abrandamento da censura e da repressão e a retomada gradual dos direitos individuais, que teriam proporcionado um relativo sentimento de liberdade (Facchini, 2002FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90 a partir da cidade de São Paulo. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002.; Green, 1998); além da grave situação econômica do país, que se encontrava mergulhado em uma crise econômica sem precedentes, a qual incidia diretamente sobre a capacidade dos ativistas de prover recursos para a sustentação dos grupos (Green, 1998). Em meio a esse cenário pouco animador, Facchini (2002) observou a emergência de um novo perfil de ativismo homossexual, focado na garantia do direito à diferença, interessado em estabelecer organizações de caráter formal e pautado em ações institucionalizadas.

Embora todas as explicações sejam bastante verossímeis, na medida em que explicitam a conexão entre as transformações experimentadas pelo movimento e os desdobramentos do processo de transição brasileiro, observa-se que a literatura não considerou o papel desempenhado pelos partidos políticos após a Reforma Partidária de 1979. Com o fim do bipartidarismo e a retomada das eleições diretas para governador em 1982, o regime militar ambicionava reconquistar o controle do processo de transição, diminuindo ao máximo as chances de uma vitória da oposição e trazendo os atores do ciclo de protestos para uma arena eleitoral previamente regulamentada, cujas regras haviam sido estabelecidas para garantir a vitória dos partidos do regime e seus aliados. Essa manobra permitiu aos militares, ao mesmo tempo, “jogar um balde de água fria” nas aspirações democratizantes da sociedade e legitimar a sobrevivência do regime por meio do voto popular. Sob essa perspectiva, e com base nas evidências teóricas aqui reunidas, é possível afirmar que não houve, necessariamente, nos anos de 1981 e 1982, um processo de descenso do movimento homossexual, mas a substituição do protesto de rua por táticas de ação mais institucionalizadas. O número de grupos organizados diminuiu, mas aqueles que sobreviveram mantiveram-se mobilizados nas arenas partidária e eleitoral, acumulando aprendizados que seriam largamente utilizados pelo ativismo institucional da segunda metade dos anos 1980 (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015., p.125).

Para os ativistas homossexuais, ainda que as limitações do processo eleitoral fossem mais ou menos evidentes,12 12 Ver Daniel (1981). a possibilidade de participação nas eleições sob um sistema multipartidário não deixou de ser interpretada como oportunidade política. Por mais que muitos grupos valorizassem o discurso de autonomia em relação aos partidos políticos, a presença de ativistas com múltipla filiação - como James Green, Edson Nunes, Herbert Daniel, Cláudia Garcia e Hiro Okita, que circulavam entre movimentos, organizações de esquerda e partidos - garantiu a existência de uma realidade complexa, na qual muitos ativistas, ainda que refratários às instituições, pudessem ver com simpatia a possibilidade de alianças com partidos.

No novo quadro partidário, o PT era a legenda que melhor expressava as mudanças que ocorriam no terreno da sociedade civil. Diferentemente das experiências populistas em voga até 1964, que tomavam os trabalhadores como massa de aliados de um determinado setor das elites,13 13 Ver D’Araújo (1996), Souza(1976) e Weffort(1978). o PT não era, no seu processo de fundação, resultado de acordos entre lideranças oriundas exclusivamente das classes médias, das oligarquias ou das burocracias sindicais. Sua formação reunia pelo menos seis diferentes setores que se opunham ao regime militar: o chamado “novo sindicalismo” do final dos anos 1970; os movimentos sociais urbanos e as Comunidades Eclesiais de Base ligadas à Igreja Católica; os políticos progressistas oriundos do MDB; os artistas e intelectuais de esquerda de origens diversas, como Florestan Fernandes, Mário Pedrosa, Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Freire, Henfil e Lélia Abramo; as organizações trotskistas, como a CS e a Democracia Socialista (DS); e os grupos e ativistas remanescentes da luta armada, que viram no partido a oportunidade de ingressar na oposição legal ao regime (Secco, 2011SECCO, Lincoln. História do PT. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.). Completavam esse quadro os chamados “movimentos alternativos” como o feminista, o negro, o homossexual e o ambientalista.

A presença dos chamados “novos movimentos sociais” foi uma das peculiaridades da formação do PT. Enquanto, na Europa, a maioria dos partidos de base operária só enfrentou o desafio de incorporar estes movimentos décadas depois de suas fundações, no Brasil a criação de um partido de base operária urbana e o surgimento de movimentos pautados em causas identitárias, compostos majoritariamente por setores médios, aconteceram de forma concomitante, resultado de um processo de modernização tardio e acelerado (Keck, 1991KECK, Margareth E. PT - a lógica da diferença: o Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1991., p. 31-33). Pressionado pelas duras regras de obtenção de registro eleitoral, que o obrigava a obter um elevado número de filiados, o PT viu-se impelido a dialogar com uma base mais ampla que somente o movimento sindical. Menos exposto às pressões do establishment político, fez as vezes de “partido periférico” (Mair, 2011MAIR, Peter. Bini Smaghi vs. the Parties: representative government and institutional constraints. Tuscany: RSCAS/European University Institute, 2011. (RSCAS Working Paper).). Os movimentos identitários, por sua vez, gravitaram em direção ao PT, porque viram nele a proposta de uma política alternativa, que promovia a participação democrática (Keck, 1991, p. 33), e também porque viram no engajamento partidário a oportunidade de ampliar o alcance do debate em torno de suas causas, em um momento em que nenhum outro partido parecia disposto a politizar questões como racismo, feminismo e sexualidade. Esse jogo de interesses fazia da chamada “aliança entre os excluídos” (op. cit.) uma inesperada confluência de interesses mútuos.

No entanto, a relação entre o movimento homossexual e o PT remonta ao período anterior à formalização do partido na justiça eleitoral em 1981. Correntes trotskistas, como a Organização Socialista Internacionalista (OSI), a DS e a CS, que se tornariam tendências internas do PT, fizeram-se presentes entre os grupos homossexuais organizados desde a década de 1970, por meio de ativistas com múltipla filiação. Enquanto boa parte das organizações revolucionárias rejeitava os debates levantados pelos “movimentos alternativos”, os grupos trotskistas mostraram uma relativa abertura para esses temas (como no caso da DS e da CS), ou simplesmente menos hostis aos ativistas abertamente não heterossexuais (como no caso da OSI). As razões que permitiram ao trotskismo maior permeabilidade ao debate homossexual estão relacionadas, principalmente, aos vínculos transnacionais que essas organizações mantinham com redes mundiais de partidos socialistas conhecidas como IV Internacional, herdeiras da tradição internacionalista representada pelo revolucionário russo Leon Trotsky. Tais organizações opunham-se ao socialismo conservador da “contrarrevolução burocrática” (Bensaïd, 2010BENSAÏD, Daniel. Trotskismos. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2010., p. 15) promovida por Stálin na União Soviética nos anos 1930, e destacaram-se por apoiar, em maior ou menor grau, os movimentos libertários surgidos após 1968, quando boa parte dos partidos comunistas os rejeitavam.

A capilaridade de ativistas pró-legalização do PT no movimento homossexual garantiu o envolvimento do ativismo gay e lésbico na campanha pela legalização do partido, entre os anos de 1980 e 1981. As iniciativas de maior destaque neste sentido aconteceram em Belo Horizonte e São Paulo. Na capital mineira, o Núcleo Gay do PT, fundado em 1980 pelo ativista Edson Nunes, contava com a participação de antigos integrantes do então extinto Terceiro Ato, o primeiro grupo homossexual organizado da cidade, fundado em 1979 (Machado, 2007MACHADO, Frederico Viana. Muito além do arco-íris: a constituição de identidades coletivas entre a sociedade civil e o Estado. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.). Em São Paulo, os militantes da Facção Homossexual da CS criaram, em 1981, o Núcleo de Gays e Lésbicas (informação verbal),14 14 Entrevista concedida por OKITA, Hiro. Entrevista. [Jan. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Duração: 01:35:58. que reunia militantes da CS e da OSI para a realização de debates abertos que tinham como objetivo atrair filiados e simpatizantes para o partido. Os ativistas também participavam de mutirões que coletavam, de porta em porta, as assinaturas necessárias para a legalização da legenda.

Em setembro de 1981, o líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso durante a I Convenção Nacional do PT, em Brasília, em que declarou apoio à luta pelos direitos das chamadas minorias políticas, incluindo os homossexuais, e convidou esses movimentos a organizarem-se no partido. A defesa da causa homossexual foi ratificada com o lançamento da primeira plataforma eleitoral do PT, em março de 1982, intitulada “Terra, Trabalho e Liberdade”. Por meio dessa iniciativa, o partido tornou-se a primeira agremiação a apoiar formalmente o movimento homossexual na história do sistema partidário brasileiro.15 15 Com o apoio do PT, os partidos de centro-esquerda, como o PMDB, e de direita, como o Partido Social Democrático (PSD), passaram a assediar grupos homossexuais em busca de apoio eleitoral (Partidos..., 1982). Em Curitiba, o PSD chegou a lançar um candidato assumidamente homossexual. Em entrevista a um jornal local, a direção do PSD deixou claro que, apesar de não apoiar as ideias do candidato, “as minorias não poderiam ficar de fora” (Candidato..., 1982).

A mobilização dos grupos homossexuais nas eleições de 1982

Com a proximidade das eleições, grupos homossexuais em vários estados do país engajaram-se em atividades voltadas para a mobilização de apoios. Em dezembro de 1981, o grupo Somos participou de um ato no centro de São Paulo contra o “pacote de novembro”, que havia proibido as alianças entre partidos e estabelecido o voto vinculado para as eleições do ano seguinte (Pelo voto..., 1982).Foi nesse ambiente de oportunidades e restrições políticas que o movimento homossexual encarou sua primeira experiência nas urnas. Nos meses que antecederam as eleições, Luiz Mott, líder do Grupo Gay da Bahia (GGB), aproveitou a oportunidade aberta pela campanha eleitoral para circular entre candidatos, lideranças políticas, personalidades e intelectuais o abaixo-assinado pela revogação do Artigo 302.0 do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que declarava a homossexualidade doença em âmbito nacional. A iniciativa foi inspirada na campanha do movimento homossexual alemão do século XIX pela revogação do Parágrafo 175 do Código Criminal Prussiano (De La Dehesa, 2010).

Da mesma forma, o ativista gaúcho José Antônio Mascarenhas inspirou-se em repertórios transnacionais para mobilizar apoios na arena eleitoral. Por meio de correspondências e ligações telefônicas, Mascarenhas trocava informações e incentivava grupos e lideranças homossexuais a participar das eleições de 1982. Mascarenhas também enviou aos partidos políticos um questionário para que se posicionassem a respeito das demandas do movimento homossexual. O documento foi adaptado de um survey da International Gay Organization (IGA), que ele havia recebido das mãos de um ativista homossexual escocês (De La Dehesa, 2010, p. 94).

Em agosto de 1982, a campanha eleitoral já havia começado quando o Galf e o grupo Outra Coisa - Grupo de Ação Homossexualista -, ambos de São Paulo, aproveitaram a passagem do filósofo francês Félix Guattari pelo Brasil para promover um bate-papo entre o intelectual e os militantes homossexuais paulistas (Galf..., 1984). Muito popular entre a militância libertária da época, sobretudo devido ao livro A Revolução Molecular, no qual sintetiza as suas posições sobre o potencial revolucionário dos movimentos libertários (feminista, homossexual etc.), Guattari surpreendeu os ativistas ao declarar-se impressionado com a força do PT e ao defender a necessidade de construção de pontes entre as chamadas “lutas moleculares” (os movimentos libertários, por exemplo) e as “lutas molares” (os partidos). Para completar, o filósofo também narrou com entusiasmo as atividades desenvolvidas naquele momento por grupos homossexuais franceses, que consistiam no estudo de leis discriminatórias contra homossexuais, “trabalho de caráter reformista considerado por muitos militantes brasileiros como absolutamente sem valor” (op. cit.). Estimulado pelas declarações de Guattari, o Galf, em parceria com o Outra Coisa, promoveu, em outubro de 1982, um debate com candidatos dos cinco partidos que concorriam às eleições para discutir “as providências a serem tomadas por cada um deles em favor da luta pelos direitos dos homossexuais” (Homossexuais..., 1982). A realização do evento foi precedida pela elaboração de uma plataforma de reivindicações, na qual os grupos incluíram, entre outras pautas, o fim da violência policial e das prisões arbitrárias de homossexuais, além da extinção do Artigo 302 do Código de Saúde do Inamps. Na ocasião, os candidatos e representantes dos partidos receberam a plataforma e foram convidados a firmar compromisso com a defesa das pautas.

Seguindo a tática adotada pelos paulistas, os grupos Auê e Somos/RJ também elaboraram uma plataforma de reivindicações destinada aos candidatos cariocas. Nela constavam, além do fim da repressão policial e da despatologização da homossexualidade, reivindicações como o apoio à inclusão, em uma possível reforma constitucional, de um dispositivo que proibisse a discriminação aos homossexuais; a denúncia de conteúdos discriminatórios nos órgãos de imprensa e comunicação; a supressão do item “preservação da moral e dos bons costumes” da Lei de Imprensa, usado para incriminar pessoas e jornais que discutiam a homossexualidade (como ocorreu com o Lampião da Esquina em 1979); a luta para que o conceito de legítima defesa se restringisse à defesa da vida, e não à defesa da honra, a fim de combater a impunidade dos crimes cometidos contra homossexuais; além da inclusão da temática da homossexualidade nos programas de educação sexual (Daniel e Miccolis, 1983DANIEL, Herbert; MICCOLIS, Leila. Jacarés & lobisomens: dois ensaios sobre a homossexualidade. Rio de Janeiro: Achiamé; Socci, 1983.).

A elaboração das plataformas eleitorais revela, pelo menos, duas estratégias utilizadas pelos grupos homossexuais durante as eleições de 1982. A primeira foi a opção deles em angariar apoios de candidatos pertencentes a agremiações de todo o espectro político, da esquerda à direita, como forma de tentar afirmar a sua independência em relação aos partidos. Por mais que os grupos homossexuais não fossem simpáticos aos partidos de centro e de direita, como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD), a tática do lobby “ampliado” certamente pareceu mais segura do que apoiar o único partido que havia declarado apoio à causa homossexual, o PT. A segunda tem a ver com a ampla utilização de um repertório de ação transnacional, o que não era necessariamente uma novidade, mas expressava a conexão permanente entre o ativismo brasileiro e o internacional (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015.).

As campanhas petistas em defesa da causa homossexual nas eleições de 1982

A mobilização homossexual durante as eleições de 1982 também se deu no interior dos partidos políticos, com ativistas homossexuais atuando por meio de campanhas eleitorais. O engajamento na arena eleitoral permitiu ao movimento homossexual adaptar seus quadros interpretativos e repertórios de ação, de modo a dialogar com um público mais amplo, com os meios de comunicação e com as instituições. Essas mudanças foram observadas a partir da análise de cinco campanhas eleitorais do PT que incluíram, em seus programas, a defesa da causa homossexual nos quatro estados brasileiros em que o partido possuía, naquele momento, o maior contingente de filiados: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo (Secco, 2011SECCO, Lincoln. História do PT. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.).As campanhas serão analisadas individualmente nas próximas páginas, com foco na trajetória dos candidatos, nos enquadramentos interpretativos e nos repertórios de ação. Em seguida, será feita uma análise de conjunto, na qual serão apontadas semelhanças e diferenças entre as campanhas, as principais inovações em termos de frames e repertórios e os efeitos do engajamento eleitoral para o ativismo homossexual.

a) “Viva o amor” (Edson Nunes)

O jornalista, psicanalista e parapsicólogo Edson Nunes, um dos pioneiros do ativismo homossexual no Brasil, conhecido pelos esforços quase solitários em introduzir uma abordagem desestigmatizante da homossexualidade por meio de palestras, seminários e colóquios realizados ao longo dos anos 1970 nas principais capitais brasileiras,16 16 O trabalho de Machado (2007) esmiúça, com maior riqueza de detalhes, a trajetória de ativismo de Edson Nunes ao longo dos anos 1970 e aborda, ainda, a tentativa do jornalista em ingressar no grupo Somos (SP), em 1980, e sua participação no protesto contra a Operação Limpeza, em junho do mesmo ano. foi candidato a deputado federal pelo PT de Minas Gerais com uma campanha que tinha como eixo central a discriminação contra negros, mulheres, indígenas e homossexuais (Machado, 2007MACHADO, Frederico Viana. Muito além do arco-íris: a constituição de identidades coletivas entre a sociedade civil e o Estado. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.). Os materiais de campanha anunciavam Edson como “o primeiro candidato das minorias absolutas” e traziam como título principal o trocadilho “CheGUEI”, que anunciava a dupla identidade do candidato: a de militante de esquerda, expressa pela referência ao líder revolucionário argentino Che Guevara - símbolo maior da masculinidade revolucionária latino-americana -, e a de homossexual.17 17 O “guei” com “uei” no lugar do “ay”, presente no termo anglo-saxônico “gay”, remetia à grafia proposta por publicações do movimento homossexual brasileiro, como o Lampião da Esquina, que consideravam o gay com “y” muito americanizado e propunham uma escrita mais condizente com o português brasileiro (Green, 2000). Destaca-se, neste sentido, tanto a inserção da ideia de “minorias políticas” na agenda eleitoral quanto a aclimatação de termos estrangeiros (gay) para a realidade brasileira (guei).

Os integrantes do comitê de campanha de Nunes reuniam-se sob um movimento que ficou conhecido, dentro e fora do PT mineiro, como “Viva o amor” (Lima, 1983LIMA, Délcio M. Os homoeróticos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1983.). A opção por um nome que remetia a um sentimento universal revela a estratégia do grupo para quebrar as barreiras da identidade homossexual e angariar apoiadores entre um público mais amplo. Temas como a fome, a miséria e a violência apareciam em panfletos e cartazes por meio de frases como “Sejam contra a fome, viva o amor!”, “Proíbam a violência e não o amor”, as quais remetiam diretamente aos quadros interpretativos contraculturais da juventude pacifista dos anos 1960.

Em termos de propostas, o candidato apostava na revogação do Artigo 302.0 do Inamps, que classificava a homossexualidade como “transtorno social” (Homossexual..., 1982), e na garantia das liberdades individuais já previstas pela lei. Em Belo Horizonte, a campanha teve como foco locais de frequência homossexual. Contudo, a candidatura não foi bem recebida pelos donos debares e boates, que se recusavam a permitir a realização de atividades políticas nos locais. A recepção do eleitorado gay belo-horizontino também foi pouco animadora. Durante uma “noitada” em uma boate gay da cidade, um frequentador de meia-idade explicou pessoalmente ao candidato por que não pretendia confiar o seu voto a um gay assumido:

podem tirar o cavalo da chuva, porque nós não votaremos em vocês de jeito nenhum. Vocês fariam muita agitação, levantariam muita poeira nos parlamentos, todo mundo sairia então de cacete atrás de nós. Ninguém quer bancar o Tiradentes. Votar em gay? Nunca! Corta essa, santa! (Lima, 1983LIMA, Délcio M. Os homoeróticos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1983., p. 188).

Quando perceberam que o ambiente na capital era hostil, Edson e seus aliados resolveram levar a campanha para o interior. Em Juiz de Fora, uma boate gay que havia passado por um processo de ameaça de fechamento cedeu uma noite inteira para a realização de uma sabatina com Nunes. O resultado foi “casa cheia” e a formação de um núcleo de campanha na cidade, que contou com a participação de mais de 30 pessoas. Em Ipatinga, Nunes foi recebido com uma faixa na entrada da cidade, com a seguinte mensagem: “Os gays de Ipatinga saúdam seu líder Edson Nunes”. Uma reunião para debater a candidatura foi realizada na Câmara Municipal, com a participação de 200 pessoas. A campanha passou ainda por Divinópolis e Ponte Nova, realizando desde comícios domésticos até debates públicos em zonas de boemia (Machado, 2007MACHADO, Frederico Viana. Muito além do arco-íris: a constituição de identidades coletivas entre a sociedade civil e o Estado. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.).

Um dos pontos altos da campanha foi a aparição de Nunes no horário eleitoral gratuito. Por mais que a Lei Falcão18 18 Promulgada em 1976, a Lei Falcão limitava a propaganda política no país por meio de um sistema padronizado de apresentação dos candidatos no rádio e na televisão. Desta forma, os programas eleitorais podiam exibir somente uma foto dos candidatos, enquanto um locutor narrava em off os itens mais relevantes do seu currículo (Schimitt, Carneiro e Kuschnir,1999). limitasse as possibilidades de divulgação das candidaturas de oposição ao regime no rádio e na TV, o fato de o PT dispor de poucos candidatos no estado de Minas Gerais permitiu que Nunes aparecesse na televisão praticamente todos os dias durante o período de campanha. Como o texto do currículo entregue ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) mencionava a participação de Nunes nos movimentos em defesa da causa homossexual, os eleitores mais conservadores ficaram furiosos, de modo que o tribunal passou a receber pedidos diários para que os juízes eleitorais retirassem o programa do ar (Machado, 2007MACHADO, Frederico Viana. Muito além do arco-íris: a constituição de identidades coletivas entre a sociedade civil e o Estado. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.).

b) “Desobedeça!” (José Carlos Dias de Oliveira, o Zezinho)

Em 1982, com o objetivo de fortalecer sua capilaridade no movimento estudantil gaúcho19 19 Os ativistas estudantis da DS do Rio Grande do Sul atuavam simultaneamente em dois grupos, o “Alternativa”, composto por estudantes secundaristas, e o “Peleia”, formado por estudantes universitários. e consolidar uma nova figura pública para futuras disputas eleitorais, a direção da corrente DS em Porto Alegre decidiu lançar a candidatura de José Carlos Dias de Oliveira, o Zezinho, para a Câmara dos Vereadores. Zezinho havia iniciado seu ativismo no movimento estudantil gaúcho aos 14 anos, filho de um conhecido político do antigo MDB, tendo ele mesmo sido presidente do setor jovem daquele partido em meados da década de 1970. Era uma liderança amplamente reconhecida pelos estudantes gaúchos e, apesar da aparência séria, por vezes formal, típica de um filho de político emedebista, era um trotskista libertário. Embora não tivesse a questão da sexualidade como base da sua atuação política, atuava como defensor de uma série de causas socialistas e libertárias, como o feminismo, a Reforma Agrária, a legalização das drogas e a liberdade sexual. Sua inspiração para o debate das liberdades individuais era Trotsky e suas elaborações sobre as chamadas “questões relativas ao modo de vida” (informação verbal).20 20 Entrevista concedida por LEMOS, Dinah. Entrevista. [Jan. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet.

A candidatura de Zezinho, intitulada “Desobedeça!”, assumiu como bandeiras centrais essa variedade de pautas libertárias, além do fim da violência policial e de reivindicações estudantis, como o fim do vestibular (informação verbal).21 21 Entrevista concedida por HAMEISTER, Marcelo Daisson. Entrevista. [Ago. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet. As reivindicações eram expressas por meio de três slogans que estampavam materiais específicos: “Terra pra quem nela trabalha”, em referência à questão da Reforma Agrária; “Anistia prá Maria”, em referência à luta pela descriminalização da maconha; e “Pedro ama João: e daí?”, em referência à temática da homossexualidade. Percebe-se que a questão da liberdade sexual recebeu grande destaque, porém aparece enquanto parte de um “guarda-chuva” mais amplo de pautas libertárias.

Os “cabeludos” e “maconheiros”, como eram chamados os integrantes do grupo que se organizava em torno da candidatura de Zezinho, eram jovens estudantes, homens e mulheres, oriundos de famílias de classe média, que tinham referência declarada nas bandeiras libertárias do maio de 1968 francês. A postura “rebelde” do comitê de campanha desagradou os membros da direção estadual do PT, que temia que a candidatura levasse a legenda à desmoralização. Entretanto, para a surpresa de todos, inclusive dos próprios integrantes do comitê de campanha, a candidatura obteve grande repercussão, não só em Porto Alegre como em outras cidades gaúchas (informação verbal).22 22 Op. cit. O clima de “Woodstock”23 23 O Festival de Woodstock foi um festival de música realizado em agosto de 1969 na cidade de Bethel, no estado de Nova Iorque, Estados Unidos. Ficou conhecido mundialmente por ter sintetizado o espírito da contracultura dos anos 1960, por meio do comportamento rebelde dos participantes e dos shows de rock and roll. Entre os artistas que se apresentavam estavam ícones da época, como Janis Joplin e Jimi Hendrix, além de bandas como The Who e Creedence Clearwater Revival. incorporado pelo candidato e seus apoiadores fez sucesso entre os jovens descolados da capital, que desfilavam pela cena hippie da cidade com camisetas coloridas que tinham a palavra de ordem “Desobedeça!” estampada na altura do peito (Desobediência..., 2002).

O tema escolhido para a campanha remetia diretamente à noção de desobediência civil,24 24 A ideia de desobediência civil estava presente na obra do filósofo norte-americano Henry David Thoreau, que defendia, ainda no século XIX, a desobediência civil pacífica como forma de oposição legítima ao Estado, interpretado como injusto e opressor. muito em voga no movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, nas mobilizações antiguerra e nas lutas pela descolonização na África e na Ásia (Chabot, 2000CHABOT, Sean. Transnational diffusion and the African American reinvention of Gandhian repertoire. Mobilization - An International Journal, v. 5, n. 2, p. 201-216, 2000.). As restrições às liberdades individuais eram creditadas ao caráter elitista e moralista do regime militar. “Desobedeça!” era um convite ao questionamento, à reflexão, à rebeldia e à tomada de posição contra todo o tipo de injustiça, desde a distribuição desigual da terra até a discriminação contra os homossexuais. Como todo o movimento libertário inspirado no maio de 1968, o “Desobedeça!” buscava personificar a mudança que postulava, por meio de comportamentos, atitudes e repertórios de ação considerados transgressores. Um bom exemplo dessa transgressão era a realização de atividades de campanha em zonas de prostituição feminina e masculina, nas quais Zezinho comparecia pessoalmente para debater a candidatura com profissionais do sexo (informação verbal).25 25 Entrevista concedida por LEMOS, Dinah. Entrevista. [Jan. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet.

Dado o perfil jovem da candidatura, as panfletagens aconteciam preferencialmente nas portas de escolas e universidades, shows, eventos esportivos, restaurantes, pizzarias, bares e boates. O candidato também participou como debatedor do festival “Cio da Terra - 1º Encontro da Juventude Gaúcha”, realizado em Caxias do Sul em outubro de 1982. O evento, dedicado ao debate de temas como feminismo, sexualidade, literatura, música, teatro, mídia, drogas e ecologia, ficou conhecido como o “Woodstock gaúcho”, dado o clima de acampamento libertário, que misturava atividades políticas e culturais. Para arrecadar dinheiro, o comitê de campanha realizava festas e vendia souvenirs (como a já mencionada camiseta) e uma bebida artesanal chamada “Cachaça das Diretas”, em uma antecipação surpreendente da campanha pelas eleições diretas para a Presidência da República, que só ganharia corpo nacionalmente a partir do ano seguinte, em 1983.

c) “Por uma vida alternativa” (Liszt Vieira)

No Rio de Janeiro, a campanha para deputado estadual do advogado Liszt Vieira também apostou na abordagem contracultural. Depois de quase dez anos exilado na França, onde entrou em contato com as ideias libertárias do maio de 1968 (Vieira, 2008), Liszt retornou ao Brasil em 1978, após a promulgação da Lei da Anistia. Engajou-se na fundação do PT no Rio de Janeiro em 1980 e, com o apoio de um núcleo de amigos também filiados ao partido, tornou-se candidato a deputado estadual nas eleições de 1982 (informação verbal).26 26 Entrevista concedida por COSTA, Fernando Nogueira. Entrevista. [Ago. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet. O comitê de campanha era composto, em sua maioria, por funcionários públicos de empresas estatais, que representavam grande parte da base do PT carioca. Diferentemente do PT paulista, que possuía ampla base operária, o partido no Rio de Janeiro contava com um peso significativo da classe média empregada no serviço público, dado que empresas estatais importantes, como a Petrobras e a Telebras, tinham a capital fluminense como sede (informação verbal).27 27 Op. cit. Entre os membros do comitê também figuravam outros ex-exilados que haviam participado ou colaborado com a luta armada, entre os quais o economista Carlos Minc, o jornalista e escritor Herbert Daniel, que havia integrado com Liszt a Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), o Comando de Libertação Nacional (Colina) e a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (Var-Palmares), e o ilustrador Cláudio Mesquita, companheiro de Herbert.

Os membros do comitê compartilhavam com Liszt os ideais socialistas e libertários trazidos do exílio (Costa, 2011COSTA, Fernando Nogueira. Herbet Daniel, amigo inesquecível. Cidadania & Cultura, 17 dez. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2011/12/17/herbert-daniel-amigo-inesquecivel/ >. Acesso em: 12 fev. 2015.
https://fernandonogueiracosta.wordpress....
). Criticavam os partidos de inspiração estalinista e defendiam a construção de um socialismo democrático, no qual a fonte das mudanças sociais não fosse apenas a transformação das relações de produção, mas também das relações sociais entre os homens e dos homens com a natureza. A luta ecológica tinha um papel central no programa do candidato, servindo como pano de fundo conceitual para ilustrar outras bandeiras, como feminismo, combate ao racismo, liberdade sexual, descriminalização da maconha, direito à cidade e participação popular (informação verbal).28 28 Op. cit. O tema e o lema escolhidos para estampar os materiais do candidato foram, respectivamente, “Por uma vida alternativa” e “Um novo dia se levanta de um cotidiano triste”. A ideia era fazer uma campanha alegre, que dialogasse com o clima de expectativa gerado pela abertura política, com a novidade representada pela fundação do PT e com os anseios libertários da juventude dos anos 1970 e 1980. Daí a ideia de “um novo dia” que nasce de “um cotidiano triste” de repressão, desigualdades e restrições às liberdades individuais.

Devido à preferência da campanha pela abordagem de temas considerados “alternativos” dentro do PT, os membros do comitê de Liszt receberam dos colegas de partido o apelido de “veados verdes”. A reação tinha muito de resposta à grande repercussão alcançada pela campanha, que, apesar de se concentrar basicamente nos bairros da Zona Sul da cidade, aos poucos se tornou uma das candidaturas mais populares do partido no Rio de Janeiro. A ampla difusão foi garantida por meio de panfletagens nas portas de universidades localizadas em várias regiões da cidade. A estratégia tinha como objetivo atingir outros públicos além de jovens, intelectuais, trabalhadores de classe média e “moderninhos” da Zona Sul. Como os estudantes universitários residiam em diversas regiões do Rio de Janeiro, os materiais de campanha acabavam chegando aos bairros periféricos, alcançando vizinhos e familiares dos estudantes (informação verbal).29 29 Op. cit.

Para arrecadar fundos, o comitê de campanha realizou festas temáticas que homenageavam eventos e movimentos sociais característicos da da contracultura, como os protestos de 1968, o feminismo e o ativismo antinuclear (informação verbal).30 30 Op. cit. Às vésperas das eleições, um show de travestis, intitulado “Madame Satã pede bis”, foi encenado em apoio à campanha na Boate Casanova, na Lapa, em parceria com duas candidaturas que faziam dobradinha com Liszt: a de Lélia Gonzalez para deputada federal e a de Josafá Magalhães para vereador. Como se não bastassem as festas, as atividades de rua também tinham clima de folia. As passeatas com a participação do candidato eram frequentemente confundidas por transeuntes com bloquinhos de carnaval. As panfletagens nas praias da Zona Sul chamavam a atenção dos banhistas, dada a animação e o colorido dos cartazes. Liszt e seus aliados rejeitavam a ideia do fazer político como uma atividade enfadonha ou sacrificante. Defendiam que militância deveria ser uma atividade alegre, prazerosa, capaz de envolver as pessoas comuns e de atrair novos adeptos para a luta política. Chamavam isso de “luta e prazer” (informação verbal).31 31 Op. cit.

d) “Desobedeça!” (Caterina Koltai)

Em São Paulo, a campanha da socióloga Caterina Koltai destacou-se pela defesa da causa homossexual. De volta ao Brasil pouco antes da anistia e depois de quase uma década de autoexílio na Europa, Caterina sentiu dificuldades de se readaptar ao país “porque o grosso das pessoas não tinham voltado e as que ficaram aqui durante o período Médice (sic) só falavam de dinheiro e de trabalho [...], não dava pra (sic) transar nada junto” (A liberalização..., 1982). Com a fundação do PT em 1980, ingressou no partido para garantir que a nova agremiação incluísse em seu programa causas libertárias, como a descriminalização da maconha, a legalização do aborto e a liberdade sexual. Em 1982, tornou-se candidata ao cargo de vereadora na capital paulista. O slogan escolhido para a campanha também foi “Desobedeça!”, mas a referência de Caterina não teria sido a candidatura de Zezinho para vereador em Porto Alegre, e sim o Partido Radical italiano,32 32 Keck (1991, p. 201) nota que o slogan “Desobedeça!” escolhido por Koltai também é idêntico ao dos candidatos do Partido Verde alemão. “um partido baseado na ideia da desobediência civil” (Delmanto, 2013DELMANTO, Julio. Camaradas caretas: drogas e esquerda no Brasil após 1961. 2013. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 185).

Participavam do comitê de campanha jovens, estudantes, artistas e intelectuais, muitos dos quais gays, lésbicas ou bissexuais. As pautas defendidas pela candidata eram o combate ao racismo, a liberdade sexual, o direito ao aborto, o acesso à cultura, a defesa do meio ambiente e a legalização da maconha. Este último tema, em especial, rendeu problemas à Caterina. Tão logo os materiais de campanha chegaram às ruas, um programa de rádio de perfil conservador acusou a candidatura de incentivar o consumo de drogas. Com a polêmica, o TRE acatou, em 7 de outubro de 1982, um requerimento da Divisão de Entorpecentes que solicitava ao tribunal que recolhesse o panfleto “Desobedeça!” (FPA, 1982). Koltai foi processada com base no inciso 3 do parágrafo 2º do Art. 12 da Lei nº 6.368, de 1976, que determina: “quem contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica” (O panfleto..., 1982).

Os quadros interpretativos inspirados no maio de 1968 e na ideia de desobediência civil em nada se chocavam com as convicções parlamentaristas da candidata, que acreditava na possibilidade de mudança social imediata, porém progressiva, por meio da aprovação de leis dentro de uma democracia representativa. Definia-se como “socialista, mas com uma visão do socialismo libertário” (A liberalização..., 1982),gostava dos punks, de quem recebeu apoio durante a campanha, admirava a atitude Flower Power do movimento hippie e rechaçava a luta armada. “A batalha no Brasil é parlamentar. As revoluções acabam por substituir um sistema totalitário por outro” (op. cit.). A principal proposta de campanha de Koltai era a criação de um “SOS das liberdades individuais”, no qual todos os que sofressem qualquer tipo de violência (mulheres, homossexuais, negros) teriam assessoria jurídica, com plantão funcionando 24 horas por dia (Homossexuais..., 1982).

A campanha de Caterina também ficou conhecida pela realização de festas regadas a muito rock and roll e tropicália. Uma destas festas, realizada em uma mansão no bairro Jardim América, ficou tão conhecida que ganhou as páginas do jornal Folha de S. Paulo. Na ocasião, “[...] estava toda a moçada jeunesse dorée e ‘bicho grilo’ de todos os sexos, pulando ao som de Gilberto Gil e ‘rock pauleira’” (A boemia..., 1982). Mas nem só de festas foi feita a campanha de Koltai. Depois de ter o panfleto recolhido pelo TRE e tornar-se alvo de um processo judicial por incentivo ao consumo de drogas, a campanha passou a investir em repertórios voltados aos meios de comunicação, como a convocação de uma coletiva de imprensa (Petista..., 1982) e a cessão de entrevistas para jornais da grande imprensa, que tinham como finalidade contrapor os ataques conservadores à candidatura. O tom disruptivo também ganhou força, com a convocação de um ato público em defesa da campanha. Na ocasião, foi lançado um abaixo-assinado pela liberação do chamado “panfleto proibido” (op. cit.).

e) “Prazer para todos” (João Baptista Breda)

Em São Paulo,33 33 Outras campanhas petistas declararam apoio à causa dos homossexuais em São Paulo: José Genoíno, candidato a deputado federal; Irede Cardoso, candidata a vereadora; Eduardo Suplicy, candidato à reeleição para deputado estadual; e Cláudio Monteiro, candidato a vereador, foram alguns dos aliados identificados durante a pesquisa empírica. além de Koltai, um candidato assumidamente homossexual também levantou a bandeira da liberdade sexual.34 34 A CS, que nos anos anteriores havia sido a tendência precursora do debate homossexual dentro do PT paulista, com a Facção Homossexual, lançou como candidato a deputado federal o presidente da União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (Umes) Henrique Carneiro, que havia sido membro da Facção Homossexual. Entretanto, o debate sobre liberdades individuais e temas como feminismo, legalização das drogas e discriminação aos homossexuais não foi o foco da candidatura, que girava em torno de três linhas definidas pela direção da organização como prioritárias para o período: a derrubada do regime militar, a realização de uma Constituinte e as questões internacionais. Em função da estrutura centralizada da CS, cujo comitê central definia as diretrizes da atuação política dos militantes, Carneiro foi orientado a saudar apenas ocasionalmente a luta das mulheres e dos homossexuais (Delmanto, 2013). Foi o psiquiatra João Baptista Breda, que tentava a reeleição ao cargo de deputado estadual. Breda assumiu sua homossexualidade durante o mandato para o qual foi eleito em 1978, pelo MDB, chamando a atenção da imprensa. Colaborava ocasionalmente com o jornal Lampião da Esquina. Em 1980, foi aliado do movimento homossexual durante a mobilização contra a “Operação Limpeza”, tendo convocado o delegado Wilson Richetti a depor no Conselho Parlamentar em Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em junho daquele ano. Com a fundação do PT, trocou de partido e passou a integrar o grupo político que se organizava em torno do deputado estadual Eduardo Suplicy, cuja origem era a ala progressista do MDB.

Em 1982, sua campanha intitulada “Prazer para todos” (De La Dehesa, 2010), em referência à ampla ideia de liberação sexual presente no movimento homossexual dos anos 1970, pautava uma série de temas relacionados aos direitos humanos, como sexualidade, direitos da criança e do adolescente, encarceramento em massa, luta antimanicomial, descriminalização da maconha e preservação do meio ambiente. Os materiais de campanha utilizavam-se de um tom “desbundado” para satirizar o tratamento dado pela esquerda aos “pequenos dramas da modernidade” (como eram chamadas as pautas libertárias) e convocar os eleitores para participar das atividades de campanha. “Não seja brega, seja Breda!”, aconselhava o candidato por meio do material. As atividades de campanha incluíam shows, passeatas e performances públicas. Um dos panfletos, que anunciava um protesto em defesa do meio ambiente, trazia uma referência irreverente e um tanto velada ao tema da legalização da maconha: “Neste dia ainda será apurado o plebiscito da utilização ou não de energia nuclear. Cachimbo, só da paz”.

Novos desafios, novas práticas

Do ponto de vista da trajetória do movimento homossexual, a participação dos ativistas no ciclo eleitoral de 1982 trouxe inúmeros aprendizados. Diferentemente dos repertórios de ação predominantes entre os primeiros grupos homossexuais organizados, que eram mais voltados para a politização das identidades homossexuais e para as questões internas à comunidade, os repertórios empregados na arena eleitoral eram definitivamente mais voltados ao público espectador, aos meios de comunicação e ao Estado. Representaram, em alguma medida, a continuidade dos repertórios de ação coletiva defendidos pelos ativistas de esquerda com múltipla filiação que, no período anterior, defendiam iniciativas mais voltadas para o diálogo com o público externo e com outros movimentos sociais, como, por exemplo, a participação nas passeatas de 1º de maio. Todavia, verifica-se que, durante o ciclo eleitoral, o foco deixa de ser o protesto de rua e passa a ser um conjunto de ações mais institucionalizadas.

O quadro 1 classifica as cinco campanhas analisadas a partir dos quadros interpretativos adotados. Os slogans destacam-se pela relação direta com a contracultura dos anos 1960 e 1970, fonte recorrente de recursos simbólicos dos chamados “movimentos alternativos”, entre os quais o movimento homossexual. Observa-se ainda a disposição dos ativistas em exceder a esfera específica da causa, localizando o conflito dentro de um contexto político mais amplo. A construção de um “guarda-chuva” de causas libertárias, na qual a questão homossexual coexistia com outras reivindicações, como o direito ao aborto, a defesa do meio ambiente e a descriminalização da maconha, abria a possibilidade de dialogar com potenciais aliados. Essa estratégia foi utilizada por praticamente todas as candidaturas. A única campanha a adotar a questão das minorias diretamente como matriz temática foi a de Edson Nunes, em Minas Gerais.

Quadro 1
Classificação das candidaturas quanto aos quadros interpretativos

De modo geral, a estratégia adotada pelas candidaturas foi conectar quadros interpretativos contraculturais com outros comuns à tradição da esquerda socialista. Questões redistributivas, como a Reforma Agrária, figuravam ao lado de temas “qualitativos”, como a descriminalização da maconha e a homossexualidade, conferindo a essas reivindicações um mesmo grau de importância. Desta forma, as campanhas alargavam os limites da política, ao enquadrar temas tidos como exclusivos da esfera privada como sendo de interesse público. Esse arranjo também permitia às candidaturas definir um inimigo mais ou menos comum, o regime militar, tomado como responsável por reforçar os valores moralistas contra os quais lutavam os homossexuais.

O quadro 2 classifica as cinco campanhas a partir do tipo de repertório de ação coletiva utilizado. Todas as campanhas utilizaram-se, em maior ou menor grau, de formas de mobilização baseadas nos símbolos da contracultura. Enquanto algumas recorreram com maior frequência a ações institucionalizadas, como abaixo-assinados, aparições no horário eleitoral gratuito e coletivas de imprensa, outras assumiram um caráter mais disruptivo, com atos públicos de desagravo às autoridades, passeatas e performances coletivas.

Quadro 2
Classificação das campanhas quanto aos repertórios de ação

O quadro 2 revela que os ativistas utilizaram-se de repertórios de ação modulares (Tarrow, 2009______. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Vozes, 2009.), como panfletagens, comícios, debates e passeatas, que foram adaptados conforme as alterações no contexto de oportunidades políticas e os objetivos de cada campanha. A contracultura serviu de inspiração para esse processo simbólico de reelaboração, permitindo aos agentes redefinir estratégias e adaptar rotinas eleitorais consagradas. Como resultado, as campanhas ganharam um caráter lúdico, inusitado ou mesmo irreverente.

Nesse processo de reelaboração, verifica-se pelo menos duas inovações importantes. Campanhas como as de Edson Nunes, Zezinho e Liszt promoveram o deslocamento do lugar tradicional do fazer político (as ruas, as praças, os parlamentos), ao levar panfletagens, debates e comícios para bares homossexuais, zonas de meretrício e bairros de boemia, evidenciando a extrema politização da vida pública promovida pelos ciclos eleitorais. Ao mesmo tempo, campanhas como as de Caterina Koltai e Zezinho destacavam-se por incorporar, elas mesmas, as mudanças a respeito das quais se pronunciavam, imprimindo às candidaturas um tom rebelde, ousado e “desobediente”, como o próprio slogan sugeria. Essa postura, além de preconizar a urgência de uma revolução no âmbito da vida cotidiana, “no aqui e no agora”, explicita um alinhamento entre discurso e prática que ia de encontro à imagem das velhas esquerdas, as quais eram conhecidas por deixar assuntos como a sexualidade e a emancipação feminina “para depois da revolução”.

O exemplo das duas campanhas “Desobedeça!” ilumina ainda outro aspecto que permeia todas as candidaturas analisadas. Depois de uma década de intensos debates entre “militantes” e “desbundados”, o ciclo eleitoral de 1982 parece ter proporcionado, ao menos por um curto período, a dissolução da dicotomia entre “desbunde” e “militância”, que havia dividido a juventude da década de 1970.Por meio do alinhamento entre forma e conteúdo, militância virou “desbunde” e “desbunde” virou militância. A ideia de engajamento político enquanto sacrifício individual, que moldou o ativismo nas organizações da luta armada, foi reelaborada pela campanha de Liszt Vieira, que propunha “luta e prazer” enquanto filosofia e prática política. Consequentemente, a disputa por votos ganhou as areias das praias cariocas, as ruas da Lapa e as festas da juventude oitentista “descolada”. Campanhas como a de Edson Nunes e João Baptista Breda adotaram um tom altamente debochado, que questionava todo o tipo de convenção moral, inclusive a “caretice” da esquerda, que lhes servia de abrigo.

Em relação à trajetória dos candidatos, uma análise dos percursos de ativismo de Edson, Zezinho, Liszt, Caterina e João Baptista revela pelo menos três origens comuns: os movimentos estudantis dos anos 1960 e 1970, a oposição democrática ao regime e as conexões transnacionais, que se davam tanto por meio do exílio quanto por meio de redes de ativismo internacionais. João Baptista Breda veio da oposição legal ao regime militar (fez carreira política como deputado estadual pelo MDB paulista), assim como Zezinho, que começou seu ativismo como líder estudantil do MDB gaúcho. Zezinho e Caterina compartilham a origem no movimento estudantil, ele secundarista, e ela universitário. Caterina, no entanto, autoexilou-se no final da década de 1960, quando entrou em contato com os quadros interpretativos e os repertórios de ação dos “novos movimentos sociais” europeus. Liszt também experimentou o exílio, e, de volta ao Brasil, trouxe com ele uma ideia renovada de socialismo libertário e democrático. Depois de anos na juventude do MDB, Zezinho ingressou na corrente DS, em que também estabeleceu contato com uma tradição internacionalista de socialismo libertário. Edson Nunes, com sua trajetória singular de ativismo, parece ser o único a ter se formado, de certo modo, em um contexto de ativismo exclusivamente homossexual. Os casos de Caterina e Liszt, ambos ativistas não homossexuais, revelam ainda o papel decisivo desempenhado pelos aliados do movimento, que não atuavam somente na defesa e na difusão das reivindicações, como também mobilizavam ativistas gays e lésbicas em torno de seus comitês de campanha. A análise destas trajetórias reitera a tese de que a formação do movimento homossexual brasileiro esteve relacionada com “a interação complexa entre uma esquerda que se renovava e a difusão de símbolos e bens culturais oriundos da contracultura dos anos 1960 e 1970” (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015., p. 172).

Entre as campanhas analisadas, somente a de Liszt Vieira para deputado estadual no Rio de Janeiro logrou êxito em garantir um mandato. José Carlos Dias de Oliveira, o Zezinho, foi o terceiro mais votado entre os candidatos à vereança pelo PT de Porto Alegre, e chegou perto de garantir a suplência. Em Minas Gerais, Edson Nunes não conseguiu realizar o sonho de se tornar o primeiro deputado federal assumidamente gay a defender a causa no Congresso Nacional. João Baptista Breda não foi reeleito para a Assembleia Legislativa de São Paulo. Caterina Koltai foi bem votada, mas foram outras três mulheres quem ocuparam as vagas do PT na Câmara Municipal de São Paulo: Luiza Erundina, Teresa Lajolo e Irede Cardoso, esta última uma conhecida apoiadora da causa homossexual (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015.).

Os trabalhos que abordam a primeira experiência do PT nas urnas atribuem a baixa densidade eleitoral das campanhas petistas, em 1982, à inexperiência dos candidatos, muitos deles oriundos dos movimentos sociais e com pouca habilidade em lidar com as rotinas e linguagens comuns aos processos eleitorais. As campanhas também teriam pecado pela excessiva segmentação, direcionando seus discursos a setores sociais muito específicos, que, em alguns casos, não representavam um contingente eleitoral sólido (Keck, 1991KECK, Margareth E. PT - a lógica da diferença: o Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1991.; De La Dehesa, 2010; Secco, 2011SECCO, Lincoln. História do PT. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.).As candidaturas apoiadoras da causa homossexual ainda teriam sofrido, simultaneamente, com a relativa indiferença por parte dos grupos organizados de gays e lésbicas, que optaram por indicar candidatos que firmavam compromisso com as plataformas de movimento, em vez de apoiar candidaturas específicas (situação observada no Rio e em São Paulo); com a recusa do mercado de bares e boates em oferecer guarita ou mesmo apoio material aos candidatos (como observado em Belo Horizonte); com certo menosprezo por parte dos setores dirigentes do partido (como observado em Porto Alegre); e, principalmente, com a reação conservadora por parte da sociedade. Sem o apoio de uma base social sólida dotada de estruturas organizativas, e atuando sob constrangimentos que iam desde uma legislação eleitoral restritiva até o preconceito e a perseguição direta por parte do regime (como parece ter sido o caso de Caterina Koltai), estas candidaturas parecem ter ficado muito aquém do resultado esperado.

Entretanto, o fato de essas campanhas não terem obtido sucesso em termos eleitorais não significa que a experiência acumulada não tenha sido exitosa em termos políticos. As eleições de 1982 marcaram, de certo modo, o encerramento do período de contestação mais intenso do ciclo de protestos pela democratização. Para Tarrow (1995TARROW, Sidney. Cycles of collective action: between moments of madness and the repertoire of contention. In: TRAUGOTT, Mark (Ed.). Repertoires and cycles of collective action. Durham: Duke University Press, 1995.), o final de um ciclo de protestos quase sempre é marcado por dissenso, desilusões e um intenso período de revisão das estratégias adotadas. Em que pese o sentimento de derrota assumido por certos atores, o engajamento na arena eleitoral em 1982 funcionou como um laboratório no qual ativistas experimentaram novos quadros interpretativos e repertórios de ação (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015.). Perdeu espaço a retórica da liberação sexual do final dos anos 1970, com grupos de caráter comunitário, e ganhou relevância uma linguagem de direitos, acompanhada de um conjunto de reivindicações voltadas ao Estado e repertórios de ação mais institucionalizados. Em outras palavras, a estreia nas urnas pode ser interpretada enquanto um ato intermediário entre a primeira e a segunda gerações do ativismo homossexual brasileiro.

Considerações finais

As oportunidades políticas abertas pelo processo de transição brasileiro - a Reforma Partidária de 1979, a renovação das esquerdas, a fundação do PT, as eleições de 1982 - favoreceram a incursão do movimento homossexual nas arenas partidária e eleitoral. A presença de ativistas com filiação múltipla que transitavam entre correntes partidárias e grupos organizados desde a década de 1970 permitiu que o PT e o movimento homossexual se tornassem aliados no pleito de 1982, quando o partido declarou apoio à causa e acolheu diversas campanhas de cunho libertário. A incursão na arena eleitoral impôs ao movimento o desafio de adaptar seus quadros interpretativos e repertórios de ação coletiva para o terreno da política institucional. Desta forma, as eleições de 1982 foram um momento de intensa experimentação, no qual os ativistas puderam dialogar com amplas parcelas mais amplas da sociedade, angariar novos aliados, criar relações com as instituições públicas e, principalmente, testar novas formas de mobilização (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015.).

As eleições de 1982 também marcaram o início de uma longa trajetória de ativismo parlamentar para o movimento homossexual brasileiro (De La Dehesa, 2010). Se, por um lado, muitas das campanhas que apostaram em uma estética abertamente libertária não chegaram a se eleger, por outro, diversos candidatos que haviam sinalizado compromisso com as propostas do movimento conquistaram um mandato parlamentar naquele ano. Além da vitória de Liszt Vieira no Rio de Janeiro, cuja campanha foi analisada neste artigo, em São Paulo as eleições de José Genoíno para deputado federal, de Eduardo Suplicy para a Assembleia Legislativa do estado e de Irede Cardoso para a Câmara dos Vereadores marcaram o início de um período de intensa colaboração entre o movimento homossexual e o Poder Legislativo.

A maior presença de aliados entre as elites políticas e as novas oportunidades abertas pelo processo de transição política, como a Assembleia Constituinte, estimularam, a partir da segunda metade dos anos 1980, o surgimento de novos grupos homossexuais, como o Triângulo Rosa, do Rio de Janeiro, que apostava em repertórios de ação institucionalizados, como campanhas públicas e maior interlocução com parlamentares. Foi do Triângulo Rosa a iniciativa de lançar uma campanha para incluir o termo “orientação sexual” no conjunto de discriminações a serem consideradas inconstitucionais durante a Assembleia Constituinte de 1988. Em Salvador, após o sucesso da campanha pela despatologização da homossexualidade, que obteve 16 mil assinaturas e conseguiu fazer com que o Conselho Federal de Medicina (CFM) revogasse o Artigo 302.0 em 1985, o GGB engajou-se na luta contra a epidemia de Aids, sendo nomeado membro da Comissão Nacional de Aids do Ministério da Saúde do Brasil em 198835 35 Mais informações em: <http://www.ggb.org.br/ggb.html>. (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015.).

Simultaneamente, a interação com as instituições também transformou o movimento homossexual. Um dos possíveis efeitos “inesperados” da adoção de repertórios mais institucionalizados foi a substituição do tom libertário dos anos 1970 por uma agenda de direitos civis, menos “revolucionária” e mais individualista. A longa relação com o PT, que se estenderia pela década de 1990, com a criação do Núcleo de Gays e Lésbicas do PT, ganharia um novo capítulo a partir dos anos 2000, com a chegada do partido ao governo federal. O acesso ao Estado, no entanto, não implicou necessariamente em desmobilização. Um olhar de longo prazo sobre o movimento homossexual brasileiro, atualmente denominado Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), permite afirmar que a combinação de rotinas de protesto e táticas institucionalizadas poucas vezes foi tão bem executada por um movimento social. As Paradas do Orgulho, que anualmente levam milhares de pessoas às ruas de todo o país, são o melhor exemplo dessa realidade: disruptivas, dotadas de uma linguagem irreverente e provocativa e, ao mesmo tempo, financiadas pelo Estado (Cruz, 2015CRUZ, Rodrigo. Do protesto às urnas: o movimento homossexual na transição política. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2015.).

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  • 1
    Este artigo sintetiza parte da pesquisa de mestrado do autor, realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unifesp, sob a orientação da profa dra Débora Alves Maciel entre os anos de 2013 e 2015, com recursos oriundos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • 2
    Somente na década de 1990, o movimento passou a nomear, de forma expressa, a pluralidade de sujeitos políticos em seu interior, adotando siglas que tentavam dar conta de identidades políticas como lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. A sigla utilizada atualmente, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), foi aprovada na 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais(GLBT) realizada em Brasília no período de 5 a 8 de junho de 2008. A sigla atual foi escolhida com a finalidade de valorizar as lésbicas no contexto da diversidade sexual e também de aproximar o termo brasileiro do termo predominante em outros países. Como este artigo analisa acontecimentos históricos ocorridos no período anterior a essa categorização, utilizarei o termo “movimento homossexual brasileiro” como forma de dialogar com a bibliografia disponível (MacRae, 1990; Green, 2000; Facchini, 2002; Facchini e Simões, 2009).
  • 3
    Facchini (2002) ressalta que os primeiros grupos eram formados, em sua maioria, por homens. O Somos, primeiro grupo organizado do país, só recebeu as primeiras integrantes mulheres em fevereiro de 1979, quase um ano após a sua fundação enquanto Núcleo de Ação pelos Direitos dos Homossexuais (Fernandes, 2014).
  • 4
    Os estudos sobre o movimento ambientalista são um bom exemplo neste sentido. Ver Viola (1987) e Alonso, Costa e Maciel (2007).
  • 5
    Os jovens do período da ditadura que se mostraram avessos ao combate ao regime militar, por meio das organizações armadas, eram vistos como adeptos do “desbunde”, movimento contracultural e comportamental que se baseava na ideia de transformação da vida íntima. O cineasta homossexual Luiz Carlos Lacerda (Dias, 2003, p.310) afirma que as pessoas “queriam uma maior abertura na sociedade e na vida pessoal”, aspiração que não era possível de ser alcançada no interior das organizações de esquerda dos anos 1960, sob as quais pairava o ideal do sacrifício militante e da disciplina militar. Entretanto, diversos trabalhos, como o de Dias (op. cit.), têm abordado a contracultura da época como parte importante da oposição ao regime militar, visto que se baseava na crítica à censura, à rigidez dos códigos morais e à ausência de liberdades individuais.
  • 6
    A nova denominação foi sugerida pelo jornalista Glauco Mattoso, que tomou como inspiração o título do jornal editado pela Frente de Libertação Homossexual da Argentina (MacRae, 1990).
  • 7
    Entrevista concedida por GREEN, James Naylor. Entrevista. [Nov. 2014]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2014. Duração: 1:39:59.
  • 8
    Entrevista concedida por FERNANDES, Marisa. Entrevista. [Jan. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet.
  • 9
    Trevisan (1980, p. 18).
  • 10
    Op. cit.
  • 11
    Estima-se que houve mais de 20 grupos em atividade em pelo menos sete estados brasileiros entre os anos de 1978 e 1980. Esse número teria caído quase pela metade nos anos seguintes.
  • 12
    Ver Daniel (1981).
  • 13
    Ver D’Araújo (1996), Souza(1976) e Weffort(1978).
  • 14
    Entrevista concedida por OKITA, Hiro. Entrevista. [Jan. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Duração: 01:35:58.
  • 15
    Com o apoio do PT, os partidos de centro-esquerda, como o PMDB, e de direita, como o Partido Social Democrático (PSD), passaram a assediar grupos homossexuais em busca de apoio eleitoral (Partidos..., 1982). Em Curitiba, o PSD chegou a lançar um candidato assumidamente homossexual. Em entrevista a um jornal local, a direção do PSD deixou claro que, apesar de não apoiar as ideias do candidato, “as minorias não poderiam ficar de fora” (Candidato..., 1982).
  • 16
    O trabalho de Machado (2007) esmiúça, com maior riqueza de detalhes, a trajetória de ativismo de Edson Nunes ao longo dos anos 1970 e aborda, ainda, a tentativa do jornalista em ingressar no grupo Somos (SP), em 1980, e sua participação no protesto contra a Operação Limpeza, em junho do mesmo ano.
  • 17
    O “guei” com “uei” no lugar do “ay”, presente no termo anglo-saxônico “gay”, remetia à grafia proposta por publicações do movimento homossexual brasileiro, como o Lampião da Esquina, que consideravam o gay com “y” muito americanizado e propunham uma escrita mais condizente com o português brasileiro (Green, 2000).
  • 18
    Promulgada em 1976, a Lei Falcão limitava a propaganda política no país por meio de um sistema padronizado de apresentação dos candidatos no rádio e na televisão. Desta forma, os programas eleitorais podiam exibir somente uma foto dos candidatos, enquanto um locutor narrava em off os itens mais relevantes do seu currículo (Schimitt, Carneiro e Kuschnir,1999).
  • 19
    Os ativistas estudantis da DS do Rio Grande do Sul atuavam simultaneamente em dois grupos, o “Alternativa”, composto por estudantes secundaristas, e o “Peleia”, formado por estudantes universitários.
  • 20
    Entrevista concedida por LEMOS, Dinah. Entrevista. [Jan. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet.
  • 21
    Entrevista concedida por HAMEISTER, Marcelo Daisson. Entrevista. [Ago. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet.
  • 22
    Op. cit.
  • 23
    O Festival de Woodstock foi um festival de música realizado em agosto de 1969 na cidade de Bethel, no estado de Nova Iorque, Estados Unidos. Ficou conhecido mundialmente por ter sintetizado o espírito da contracultura dos anos 1960, por meio do comportamento rebelde dos participantes e dos shows de rock and roll. Entre os artistas que se apresentavam estavam ícones da época, como Janis Joplin e Jimi Hendrix, além de bandas como The Who e Creedence Clearwater Revival.
  • 24
    A ideia de desobediência civil estava presente na obra do filósofo norte-americano Henry David Thoreau, que defendia, ainda no século XIX, a desobediência civil pacífica como forma de oposição legítima ao Estado, interpretado como injusto e opressor.
  • 25
    Entrevista concedida por LEMOS, Dinah. Entrevista. [Jan. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet.
  • 26
    Entrevista concedida por COSTA, Fernando Nogueira. Entrevista. [Ago. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Cruz. São Paulo, 2015. Via internet.
  • 27
    Op. cit.
  • 28
    Op. cit.
  • 29
    Op. cit.
  • 30
    Op. cit.
  • 31
    Op. cit.
  • 32
    Keck (1991, p. 201) nota que o slogan “Desobedeça!” escolhido por Koltai também é idêntico ao dos candidatos do Partido Verde alemão.
  • 33
    Outras campanhas petistas declararam apoio à causa dos homossexuais em São Paulo: José Genoíno, candidato a deputado federal; Irede Cardoso, candidata a vereadora; Eduardo Suplicy, candidato à reeleição para deputado estadual; e Cláudio Monteiro, candidato a vereador, foram alguns dos aliados identificados durante a pesquisa empírica.
  • 34
    A CS, que nos anos anteriores havia sido a tendência precursora do debate homossexual dentro do PT paulista, com a Facção Homossexual, lançou como candidato a deputado federal o presidente da União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (Umes) Henrique Carneiro, que havia sido membro da Facção Homossexual. Entretanto, o debate sobre liberdades individuais e temas como feminismo, legalização das drogas e discriminação aos homossexuais não foi o foco da candidatura, que girava em torno de três linhas definidas pela direção da organização como prioritárias para o período: a derrubada do regime militar, a realização de uma Constituinte e as questões internacionais. Em função da estrutura centralizada da CS, cujo comitê central definia as diretrizes da atuação política dos militantes, Carneiro foi orientado a saudar apenas ocasionalmente a luta das mulheres e dos homossexuais (Delmanto, 2013).
  • 35
    Mais informações em: <http://www.ggb.org.br/ggb.html>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2016
  • Aceito
    03 Fev 2017
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